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CONTA BANCÁRIA
DEPÓSITO BANCÁRIO
COMPENSAÇÃO
COMPENSAÇÃO DE DÍVIDA
SOLIDARIEDADE
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
Sumário
I - Nos depósitos bancários solidários surge como credor o co-titular que se apresenta a fazer a movimentação da conta. II - O Banco devedor não pode operar a compensação com um (ou mais) co-titular do depósito que seja, simultaneamente, seu devedor, por, antes da movimentação da conta, aquele não ser o credor do banco. III - Consequentemente, o banco réu não podia operar a compensação do crédito que tinha sobre dois titulares da conta "poupança-reformado" de que a autora é primeiro titular.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. A intentou acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra o Banco B, pedindo a condenação desta pagar-lhe a quantia de 2500000 escudos, a título de capital, e de juros sobre 1500000 escudos, vencidos desde 24 de Março de 1995 e vincendos até efectivo pagamento, à taxa legal, alegando, em síntese, que:
- como reformada abriu conta de depósito a prazo n.
21743940/362, na agência do Barreiro do Réu, conta essa que em 8 de Março de 1995 tinha o saldo de 1500000 escudos e venceria em 5 de Setembro de 1995, por ser constituída a 181 dias.
- tal conta foi constituída com pecúlio seu, pois só assim podia contestar aquela, como a contestou, isto é, como "poupança-reformado", por isso devendo ter uma remuneração vantajosa
- ao abrir a conta, já era viúva e tinha dois filhos, C e D
- por comodida e para prevenir qualquer necessidade pontual, indicou ao Réu os nomes dos seus dois filhos para com ela titularem a conta.
- os filhos "davam apenas o nome para a conta", não lhes pertencendo, com exacto conhecimento do Réu, um centavo, sequer, do valor daquela. Nenhum dos filhos seus é reformado, sendo, sim, então, sócios de "E", sociedade que tem passado por graves dificuldades de tesouraria e que não tem podido honrar os seus compromissos.
- seus filhos não puderam honrar aval que prestaram em livrança de 1600000 escudos, descontada pelo Réu, cujo vencimento ocorreu a 24 de Junho de 1994.
- o Réu comunicou aos filhos da Autora, por carta de 24 de Março de 1995, que tinha debitado a supracitada conta pelo valor de 1505860 escudos, em pagamento parcial da referida livrança.
- a alegada compensação é ilegal e foi feita "com tão má consciência" que o Réu precisou de deixar passar nove meses para a invocar.
- instado a reparar a ilegalidade que cometeu, repondo o saldo na conta da Autora, o Réu nem respondeu.
- aufere, como reformada, a pensão de 27600 escudos, o valor do depósito 1500000 escudos - constituindo toda a sua fortuna.
- teve e tem um profundo desgosto por se ter visto desapossada de tal valor, sofrendo profundamente por se ver sem um centavo, sequer, que lhe valha numa aflição.
- ao efectuar a compensação alegada, o Réu tinha perfeita consciência que a prejudicava patrimonialmente, no valor que compensou e privando-a dos juros que o capital vencesse, e que a abalou profundamente, retirando-lhe o pecúlio de uma vida.
- o Réu causou à Autora profundo dano moral que se valoriza em 1000000 escudos.
2. Citado, contestou o Réu, alegando, em síntese, que:
- as contas poupança-reformados podem ser constituídas por pessoas singulares que se encontrem na situação prevista no artigo 2 n. 1 do Decreto-Lei n. 138/86, de
14 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 158/87, de 2 de Abril, normativa essa em que nada se diz quanto à origem ou propriedade dos fundos.
- não sabe, nem tem possibilidade de saber, de quem são os fundos depositados, de todos ou de cada um dos seus clientes. Qualquer pessoa pode depositar fundos na conta de um terceiro e que sejam propriedade de um quarto, ou mesmo fundos de outrem na sua própria conta.
- a compensação é perfeitamente legal e obedece aos requisitos do Código Civil. O Réu compensou créditos e débitos dos filhos da Autora e, até prova em contrário, o que o demandante diz ser seu, presume-se de todos.
- Reconhece, no entanto, um erro material cometido às contas da Autora e seus filhos, uma vez que em vez de ter compensado 2/3 dos saldos (quer da conta à ordem quer da conta a prazo) foram os mesmos compensados pela totalidade, nesta data tendo sido reposta a situação e colocado na conta de A e filhos 1/3 dos fundos, com data valor de 30 de Março de 1995, a da compensação, passando a vencer juros desde aquela data.
- Assim, dos 1505860 escudos foram colocados na conta da Autora e filhos 501954 escudos, a parte que se presume que seja dela.
- nenhum prejuízo adveio para a Autora, tanto mais que se provar que os fundos eram dela, o Réu reporá a quantia e respectivos juros, como fez com o 1/3 movimentado.
3. Procedeu-se à audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença a julgar a acção improcedente com a consequente absolvição do Réu do pedido.
4. A Autora apelou. A Relação de Lisboa, por acórdão de
12 de Maio de 1998, concedeu provimento tão só quanto a custas.
5. A Autora pede revista, formulando conclusões no sentido de ser reapreciada a questão de saber se o
Banco/Réu podia compensar os créditos que tinha dos filhos da Autora com o débito resultante da "conta-poupança-reformados", com que a Autora figura em primeiro lugar.
6. O Réu/recorrido Banco B apresentou contra-alegações.
- Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
Questões a apreciar no presente recurso.
A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões do presente recurso, passa, conforme sublinhado, pela análise da questão de saber se o Réu/Banco podia efectuar a compensação a dois dos três co-titulares da conta "poupança-reformados" em causa, sendo certo que tal questão encontra resposta numa mais genérica, qual seja o de saber se o Banco pode, por sua iniciativa, operar a compensação a um
(uns) dos co-titulares do depósito bancário solidário.
Abordemos tal questão.
III
Se o Banco pode, por sua iniciativa, operar a compensação a um (uns) dos co-titulares do depósito bancário solidário.
1. Elementos a tomar em conta:
1. Na sua qualidade de reformada, a Autora abriu a conta depósito a prazo n. 21743940, na Agência do Barreiro do Réu, constituída a 181 dias, com vencimento em 5 de Setembro de 1995 e que em 8 de Março de 1995 tinha o saldo de 1500000 escudos.
2. C e D, também titulares de tal conta, nascidos, respectivamente, em 29 de Julho de 1944 e 14 de Julho de 1960, são filhos da Autora.
3. O Réu descontou uma livrança de 1600000 escudos, avalizados por tais filhos da Autora e não paga por estes, cujo vencimento ocorreu em 24 de Junho de 1994;
4. por carta datada de 24 de Março de 1995, dirigida aos filhos da Autora, o Réu comunicou-lhes que nos termos do artigo 847 e seguintes do Código Civil, havia debitado na conta referida em 1., a quantia de 1505806 escudos, para pagamento parcial da livrança atrás mencionada.
5. Em 18 de Outubro de 1995, o Réu colocou na dita conta, com data de 30 de Março de 1995, a importância de 501954 escudos.
2. Posição da Relação e da Autora/recorrente.
2a) A Relação de Lisboa decidiu que a conta de depósito a prazo aberta pela Autora, na sua qualidade de reformada, é uma conta colectiva, que se está ante um depósito solidário, por isso vigorando entre os seus co-titulares o regime de solidariedade activa - artigo
512, n. 1, 2. parte, sendo certo que este regime não sofre qualquer entorse por se estar ante uma conta "poupança-reformados". Depois de definir a natureza jurídica da conta "poupança-reformados" avançou que a compensação operada só não fora correcta enquanto abrangeu a quota-parte da Autora, não tendo resultado prejuízo para esta dado ter havido reposição.
2b) A Autora/recorrente sustenta que, por um lado, não há compensação antes de o depósito de prazo se vencer; por outro lado, as contas "poupança-reformados" são contas de depósito com o regime especial estatuído no
Decreto-Lei n. 138/86 (a exigir que as quantias sejam pertença do reformado, a não permitir que as contas sejam abertas em nome de terceiros), de sorte que o legislador, ao impor, a constituição de contas conjuntas, afastou o princípio da solidariedade activa, previsto no artigo 516 do Código Civil.
Que dizer?
3. A compensação é o meio do devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente do que disponha sobre o seu credor.
Logo que se verifiquem determinados requisitos (à cabeça, a reciprocidade de créditos, ou seja, para que o devedor possa livrar-se da sua dívida, por compensação, é necessário que seja credor do seu credor), a lei prescinde de acordo de ambos os interessados para admitir a extinção das dívidas compensáveis, por simples imposição de um deles ao outro (ou seja, por simples declaração de uma das partes à outra - artigo 848 n. 1).
4. Verificados os requisitos da compensação (à cabeça, como se apontou, a reciprocidade de créditos), poderá o
Banco fazer a declaração de compensação de créditos que tem sobre o titular (o co-titular) de uma conta com o crédito que este tem perante aquele Banco, decorrente de um depósito?
- Trata-se de uma questão muito discutida no contexto do contrato de depósito bancário quer a nível da doutrina estrangeira quer a nível da doutrina e jurisprudência nacional.
4a) A nível da doutrina estrangeira, PAULA CAMANHO informa que:
- Em Itália, a opinião dominante é a admissibilidade de compensação no caso de depósitos bancários. Nas palavras de MOLLE, "face ao novo Códice Civile não se pode duvidar da possibilidade de compensação".
- Em França, a solução é diferente: no caso de o mesmo cliente ter duas ou mais contas, a regra é a da sua autonomia, ou seja, as contas são independentes uma das outras, pelo que a compensação não se pode dar entre os seus saldos.
No que se refere a Inglaterra, o direito existe quando as contas são do mesmo cliente, com a mesma titularidade e que a elas corresponde o mesmo direito: quando um cliente tem mais do que uma conta num banco, este está autorizado a pagar uma conta deficitária, transferindo fundos de uma outra conta com saldo positivo.
- no ordenamento espanhol, considera-se que o artigo
1200 do Código Civil, que proíbe a compensação com dívidas provenientes de depósito, não se aplica ao depósito bancário, uma vez que se aplicam as regras do mútuo - cfr. DO CONTRATO de DEPÓSITO BANCÁRIO, páginas
220 a 223.
4b) A nível do nosso ordenamento jurídico, temos, por um lado, que o actual Código Civil suprimiu a referência ao depósito entre os casos de execução da compensação (cf. VAZ SERRA, A Compensação, no B.M.J. n.
31, página 93).
- Por outro lado, a supressão da referência do depósito entre os casos de exclusão da compensação não vem a significar, sem mais, a admissibilidade da compensação em todos os depósitos bancários - singulares ou plurais.
- A resposta não pode ser única nas diversas situações configuráveis quer nos depósitos singulares quer nos plurais, conforme ressalta da análise que, em termos sumários, passa a fazer-se:
5. Nos depósitos singulares (o titular da conta é uma
única pessoa) podem surgir diversas situações, entre elas:
- a possibilidade de compensação do crédito do cliente decorrente da existência de um depósito a prazo com um qualquer crédito que o Banco tenha sobre o cliente
(esta situação não encontrou solução unânime, cfr.
Acórdão da Relação de Coimbra, de 24 de Setembro de
1991 - C.J. ano XVI, tomo IV, página 100; e Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Julho de 1979, no
B.M.J. n. 289, página 345).
- a possibilidade de o banco compensar o crédito já vencido de um cliente ex depósito (depósito à ordem) com o crédito que o Banco tenha face ao cliente não sofre margem para controvérsia, não se encontra obstáculo à compensação, cfr. FERRER CORREIA e ALMENO
SÁ, Cessão de créditos, emissão de cheques,
Compensação, C.J., ano XV, tomo I, páginas 49 a 53.
- A possibilidade de o banco compensar o débito de um cliente, resultante de uma conta à ordem, com o crédito de uma outra conta do mesmo tipo, encontra obstáculo à compensação, cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 12 de Outubro de 1989, C.J. ano XIV, tomo IV, página 215.
6. No depósito conjunto (que é aquele que só pode ser movimentado a débito pela actuação conjunta de todos os seus titulares, ou seja, a conta só pode ser movimentada pela totalidade dos seus titulares e unicamente deste modo o banco/devedor se desonera) entende-se ser inadmissível a compensação por não haver fraccionamento da obrigação, sendo transplantado, no que ao lado activo respeita, o pensamento que inspira o regime das obrigações indivisíveis com pluralidade de devedores - artigo 535 n. 1, do Código Civil, cfr. A. VARELA, Depósito Bancário, in Revista do Banco n. 21, página 52.
- Com efeito, se nenhum dos titulares pode, sem a colaboração de todos os demais proceder ao levantamento de parte, ou da totalidade, das quantias, também não poderá o Banco, unilateralmente, extinguir o débito que tem perante a totalidade dos titulares da conta operando a compensação deste com um crédito que eventualmente tenha sobre um deles.
- Falta um dos requisitos da compensação legal: a reciprocidade de créditos, a afastar a possibilidade de compensação, cfr. PAULA CAMANHO, obra citada, página 236; Alberto Luís, Direito Bancário ..., página 168.
6. Nos depósitos solidários (que são aqueles em que qualquer dos credores - depositantes ou titulares da conta -, apesar da indivisibilidade da prestação, tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, ou seja, o reembolso de toda a quantia depositada e em que a prestação assim efectuada libera o devedor - o banco depositário - para com todos eles, artigo 512 do
Código Civil) pode surgir a situação de o banco ter um crédito sobre um (ou alguns) dos co-titulares da conta e pretender compensá-lo com o saldo positivo em que aquele (aqueles) devedor é um dos titulares.
- Neste caso, será admissível a compensação invocada por parte do devedor/Banco?
Dito de outro modo, neste caso o Banco pode, por sua iniciativa, operar a compensação?
6a) Primo facie, a resposta é afirmativa face ao regime das obrigações solidárias activas: ser permitido ao devedor escolher o credor solidário a quem satisfaça a prestação, artigo 528.
Numa análise sobre a natureza do depósito bancário solidário (que se surpreende quer através da definição do contrato de depósito bancário - caracteriza-se como um negócio real (além das declarações de vontade das partes, a prática de certo acto material, que se traduz na entrega ao banco da quantia que se deposita) e como um contrato unilateral, uma vez que dele só resultam obrigações para o banco: a obrigação de restituir a quantia depositada e obrigação de pagamentos de juros e a estas não se contrapõe qualquer obrigação a cargo do depositante - quer através da definição de depósito solidário) apesar de considerar-se que existe neste caso solidariedade activa entende-se que há regras destas que não se aplicam, maxime o artigo 528 que, no seu n. 1, prescreve: "... é permitido ao devedor escolher o credor solidário a quem satisfaça a prestação, enquanto...".
- O direito conferido ao devedor no artigo 528 n. 1 não é compatível com o regime do depósito solidário, instituído no interesse exclusivo dos credores, para facilitar a exigência do crédito ao devedor, ou seja, para facilitar a "movimentação da conta".
- Tal como afirma ANTUNES VARELA, "o que os clientes e o banco realmente pretendem, ao estipularem o regime da solidariedade nos depósitos bancários colectivos ou plurais é atribuírem a qualquer dos depositantes ou titulares da conta (prevenindo deliberadamente, muitas vezes, a eventualidade da morte de algum deles) o poder de exigir, por si só, o levantamento ou reembolso de toda a soma depositada, e não apenas de uma quota-parte dela - Depósito Bancário, in Revista do Banco n. 21, página 51.
- Não há, na escolha deste regime para a movimentação de contas, qualquer intuito de realizar um interesse do banco (devedor) de facilitação do pagamento da dívida, ou seja, "não se confere ao Banco a faculdade de cumprir junto do credor que lhe aprouver, mas se impõe o dever de pagar àquele que exigir a prestação", como expressivamente salienta ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, 9. edição, páginas 780, nota 1.
Dito de outro modo, e parafraseando MUNÓZ - PLANAS
(citada por PAULA CAMANHO, obra citada, página 132, nota 394):
"Nestas contas, ao contrário do devedor ordinário, o Banco nunca paga, nem pode pagar motu próprio, mas espera e cumpre as ordens de pagamento que recebe dos seus clientes. O Banco necessita de iniciativa própria de qualquer credor para cumprir a prestação devida"
6b) Deste regime resulta que se está na presença de obrigação disjunta activa: não cabe ao devedor proceder
à escolha do credor ou credores a quem paga (mesmo parciariamente). É aos credores que cabe proceder a essa escolha, que surge no momento do cumprimento.
Caberá por ser credor aquele dos titulares da conta que vier a fazer a movimentação do mesmo.
Antes da movimentação da conta não se pode falar em credor".
6c) Se não é possível o Banco tomar a iniciativa de restituir a quantia depositada ao credor que entenda - por se estar na presença do regime das obrigações disjuntas activas -, também não pode o Banco, por sua iniciativa (ou seja, sem qualquer um dos titulares da conta solicitar o cumprimento, ou seja, apresentar-se como credor) compensar (mediante a apontada declaração) um débito que tenha sobre um (ou mais) titulares daquele depósito com o crédito proveniente de tal conta.
Dito de outro modo, se o Banco não pode tomar a iniciativa de extinguir a Relação Jurídica através da escolha do co-titular do depósito a quem pretende efectuar a prestação - e deste modo, a cumprir a sua obrigação de restituição da quantia depositada - também não pode, por sua iniciativa, extinguir a relação jurídica, operando a compensação com um (ou mais) co-titulares do depósito, que seja, simultaneamente, seu (seus) devedor.
Declarar extinto o seu crédito (o chamado contra-crédito) por compensação com o crédito de depósito solidário (o chamado crédito-principal) equivaleria à escolha por parte do banco/devedor do credor do depósito solidário, para satisfação, o que não é compatível com o regime desse depósito.
7. No sentido adoptado temos, para além de ANTUNES
VARELA (obras citadas), PAULA CAMANHO (obra citada, páginas 240 e seguintes), sendo certo que a doutrina ora perfilhada não colide com a dos Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 1995,
Revista 86016, 1. Secção (a versar um caso de compensação convencional), e de 12 de Março de 1996,
Revista 88181, 2. Secção (a versar um caso de compensação de depósitos singulares do mesmo cliente).
8. O que se deixa exposto relativamente à possibilidade de compensação nos depósitos bancários singulares e plurais (conjuntos e solidários), permite-nos precisar que, no caso "sub judice", no caso de conta "poupança-reformados", sob a forma de conta conjunta, aplica-se a doutrina adoptada quanto aos depósitos bancários solidários: o Banco não pode, por sua iniciativa, extinguir a relação jurídica, operando a compensação com dois dos co-titulares da conta "poupança-reformados" em causa, que são, simultaneamente, seus devedores.
IV
Conclusão:
Do exposto, poderá extrair-se que:
1) Nos depósitos bancários solidários surge como credor o co-titular que se apresenta a fazer a movimentação da conta.
2) O Banco/devedor não pode operar a compensação com um
(ou mais) co-titulares do depósito, que seja, simultaneamente, seu (seus) devedor por, antes da movimentação da conta, não serem os credores.
Face a tais conclusões, em conjugação com a matéria fáctica fixada, poderá precisar-se que:
1) O Réu/banco não podia operar a compensação do crédito que tinha sobre dois dos titulares da conta "poupança-reformados", de que a Autora é primeiro titular.
2) O acórdão recorrido não pode ser mantido dado ter inobservado o afirmado em 1).
- Termos em que se concede a revista; assim, revoga-se o acórdão recorrido e condena-se o Réu/Banco B, a repor a quantia de 1000000 escudos (um milhão de escudos) e os juros vencidos desde 24 de Março de 1995 e vincendos até integral pagamento, na conta "poupança-reformados", de que a Autora A é primeira titular.
Custas nas instâncias e neste Supremo Tribunal de
Justiça pelo recorrido.
Lisboa, 11 de Março de 1999
Mirada Gusmão,
Sousa Inês,
Lúcio Teixeira,
Nascimento Costa. (VENCIDO - Segue Declaração de Voto)
Pereira da Graça.
14. Juízo Cível de Lisboa - Processo 488/95 - 1. Secção
Tribunal da Relação de Lisboa - Processo 1041/98 - 1.
Secção
DECLARAÇÃO DE VOTO
Negaria a revista.
Segue a minha fundamentação.
Parece-me que subjaz ao acórdão uma doutrina defendida no domínio do Código Civil de Seabra, que se baseava no artigo 767 - n. 4 (proibia a compensação quando "a dívida procedesse de depósito").
Esta norma era aliás comum a muitos códigos.
Ver por exemplo o artigo 1293 - n. 2 do Código Civil francês, artigo 1246 - n. 2 do Código Civil italiano, artigo 122 - & 1 do Código Civil espanhol.
Há ainda notícia de outros códigos com igual disposição (M. Luísa Moreno-Torres Herrera, in La Prohibición de Compensar las Deudas derivadas de Depósito y Comodato, Editora Bosch, Barcelona, 1994, página 10 e Vaz Serra, no estudo sobre a compensação, in B.M.J. 31, páginas 89/90).
Face àquele normativo, sustentava Cunha Gonçalves, na esteira de Pothier, que o artigo 767 - n. 4 se aplicava ao "depósito irregular".
Nessa doutrina se baseou certamente o acórdão deste Tribunal de 19 de Julho de 1979 (B.M.J. 289, página 345), embora o não diga expressamente.
Ela funcionou manifestamente como "background" do aresto.
Vaz Serra desde logo chamou a atenção para a equivocidade do artigo 767 - n. 4, que levou alguns a considerá-lo mera sobrevivência inútil do direito justinianeu.
Referiu a opinião de J. G. Pinto Coelho.
Concluiu Vaz Serra que seria de eliminar tal disposição do futuro código, opinando que nada se opunha à compensação no domínio dos "depósitos irregulares"
(depósitos bancários nomeadamente, sejam à ordem ou a prazo) (ibidem, páginas 91-93).
Relativamente ao caso de solidariedade activa, defende Vaz Serra (ibidem, páginas 48 e seguintes) que nada deve opor-se a que o devedor possa compensar a sua dívida com o crédito que tenha sobre qualquer dos credores.
No articulado proposto, isso mesmo aparece no artigo 3 - n. 3 (ibidem, página 194).
Vaz Serra aceita que essa norma transite para sede de obrigações solidárias, como veio a ocorrer - artigo 532 do actual Código Civil.
A posição de Vaz Serra, que teve, como se vê, largo acolhimento no Código Civil, é hoje consensual.
Michel Vasseur (Juris-Classeur Périodique, La Semaine
Juridique, année 1993, página 82) afasta sem hesitações a aplicação do artigo 1293 - n. 2 do Code num caso de compensação bancária já que, cita Hamel, "le dépôt de fonts est juridiquement um prêt de cosommation".
Também em Espanha outro tanto se entende (ob. cit., páginas 116-117).
Molle (ob. cit. infra, página 61, nota 43) afirma mesmo que a possibilidade de compensar sempre que não seja convencionado o contrário, vem já do direito romano, que impunha mesmo ao "argentário" procedesse a compensação antes de pedir o seu saldo em juízo.
A jurisprudência deste Tribunal está hoje em consonância com o exposto (ver o acórdão de 10 de Janeiro de 1995, rec. 86.016, onde se lê: "o depósito bancário, sendo embora depósito irregular constituído por coisas fungíveis, admite a compensação de dívidas do depositante provenientes de empréstimo concedido pelo banco").
Citamos a seguir o acórdão de 12 de Março de 1996, rec. 88181, de que fomos relator.
Uma Caixa de Crédito Agrícola concedeu um empréstimo, depositando a respectiva quantia na conta à ordem que o mutuário tinha na instituição.
Mas de imediato operou compensação com o saldo (negativo) dessa conta.
Lê-se nesse acórdão:
"... Trata-se de um mútuo qualificado pelo fim (financiamento).
...
G. Molle (I Contratti Bancari, 2. edição, Trattato di Diritto Civile e Commerciale, dir. di A. Cicu e F. Messineo, páginas 61-62) escreve que os saldos activos e passivos "entre a banca e o correntista" se compensam reciprocamente, salvo pacto em contrário.
Isto não só quando se está perante uma conta corrente, já que, escreve o autor, o artigo 1853 do Código Civil Italiano tem uma "portata generale".
Opinião que repete a página 143 ao tratar dos depósitos bancários.
Não anda longe da tese Molle Giuseppe Terranova, especialista em direito bancário, no seu intitulado "La Compensazione tra i conti correnti bancari e principio di buona fede", comentário a um acórdão da Cassazione, in Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto Generale delle Obligationi, ano LXXXVI (1988),
Vallardi, Maio-Junho de 1988, páginas 201 e seguintes.
Terranova desvaloriza a diferença para este efeito entre a conta corrente e a conta ordinária.
Escreve que nesta matéria interessa primacialmente garantir a liquidez da banca (páginas 215-216).
Tendo um cliente várias contas, ou vários contratos com um banco, deve ver-se a sua posição perante esse banco como uma unidade.
Considera pacífica a licitude da compensação entre as várias contas.
Ainda sobre a dita unidade do relacionamento de um banco com um cliente, usa a imagem dos vasos comunicantes.
No caso dos autos, havia uma conta solidária.
Vimos já que nada se opunha à compensação.
O banco não tinha que investigar a quem pertencia o numerário (Maria del Mar Heras Hernandez in Los Sujetos en el Contrato de Depósito, editorial Bosch, 1997, página 217).
Vaz Serra defendeu que, ignorando-se a quem pertencia o dinheiro, o banco devia compensar apenas em relação à parte do que estivesse em débito consigo (estudo citado, páginas 48 e seguintes e página 195, artigo proposto n. 3).
O mesmo se defende no direito espanhol (última obra citada, páginas 241 e 248).
Solução que pode amparar-se no artigo 516 do Código Civil.
Ver ainda o artigo 532.
Não é necessário explicar como se harmonizam os dois artigos.
O banco teve em conta o artigo 516.
Uma última objecção poderá opôr-se ao exposto: a natureza do depósito em causa conta-poupança reforma.
Note-se que a doutrina estrangeira citada não abre excepções, referindo expressamente que as contas-poupança não constituem excepção (Molle (ob. cit., 91) dá conta da progressiva aproximação entre esse tipo de depósitos (cuja finalidade inicial historia) e os depósitos normais, referindo que acabaram por se tornar "meios normais de recolha da riqueza monetária", não se distinguindo do ponto de vista jurídico dos restantes, o que ocorreu também na Alemanha, informa).
Por outro lado, da leitura dos Decretos-Leis 138/86 de 14 de Junho e 158/87 de 2 de Abril uma conclusão se extrai: a única especialidade em relação a um vulgar contrato de depósito está na taxa de juros (mais favorável) e nos benefícios fiscais.
É patente que a banca não tem normalmente possibilidade de saber a quem pertencem os fundos depositados.
Nem com isso estará preocupada.
Interessa-lhe que os capitais entrem, venham ou não de reformados.
Estes sim estarão em melhores condições de provar que lhes pertencem por inteiro.
Se fizerem essa prova, é evidente que o tribunal deverá rejeitar a compensação efectuada.
Escrevemos "provar que lhes pertencem".
Mais rigorosamente deve dizer-se: "provar que lhes pertenciam".
Como todos sabem, o dinheiro passa a ser propriedade do banco a partir do momento em que é depositado.
O depositante passa a ser apenas credor.
Ilídio Gaspar Nascimento Costa.