CONTRATO DE EMPREITADA
REPARAÇÃO
DEFEITOS
REDUÇÃO DO PREÇO
Sumário

I – A frustração da reparação específica dos defeitos pode resultar da sua impossibilidade, da sua desproporção relativamente ao proveito do dono da obra, ou do seu incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, em consequência do não acatamento de interpelação admonitória, de recusa ou insucesso na sua prestação, e ainda da perda do interesse do dono da obra na realização desta.
II – O exercício do direito de redução do preço contratado pressupõe que se mantém um interesse do dono da obra nesta, apesar dos defeitos verificados, resignando-se com a sua existência, pelo que se pressupõe a aceitação da obra.
III – Tal direito, mais que visar o ressarcimento de um prejuízo, procura o restabelecimento do equilíbrio das prestações.

Texto Integral

Processo nº 33002/09.1YIPRT.P1 - Apelação
Tribunal Judicial da Maia
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: Desembargador Carlos Portela
2ª Adjunta: Desembargadora Joana Salinas

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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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“B………., Ldª”, melhor identificada nos autos, intentou no Tribunal Judicial da Maia a presente Acção Injuntiva para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias contra “C………., Ldª”, pedindo a condenação desta última no pagamento da quantia de 9.805,18 euros, acrescida de indemnização moratória de 227,00 euros e 48,00 euros de taxa de justiça.
Fundamenta o pedido formulado no facto de ter procedido á elaboração de catálogos a pedido da R., cujo preço não foi por esta integralmente pago.
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Citada a R., esta contestou, alegando a execução defeituosa dos catálogos.
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Foi proferida sentença que julgou procedente a acção e condenou a R. a pagar à A. a quantia de 9.805,18 euros (nove mil oitocentos e cinco euros e dezoito cêntimos), acrescida de juros de mora a contar desde 19/11/2009, à taxa comercial, aplicando-se quaisquer taxas que, de futuro, venham a alterar a taxa relativa aos juros de mora, enquanto tal quantia não se encontrar paga, e 48,00 euros de taxa de justiça.
Mais condenou a ré nas Custas do processo.
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Não se conformando com tal decisão, veio a ré interpor recurso de Apelação para este tribunal, formulando as seguintes conclusões:
A- Embora não tivesse sido admitido o pedido reconvencional tal não impede que devam ser considerados os factos que foram alegados sob o título DA RECONVENÇÃO com interesse para a decisão da causa, pelo que esses factos deveriam ter-se em conta em sede de julgamento.
B- De 47º a 53º da contestação/reconvenção, foram alegados factos com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente:
a) A A. forneceu, numa primeira fase, 20.000 catálogos que foram todos distribuídos pelos concessionários e clientes;
b) Todos esses catálogos apresentavam defeitos tendo os concessionários e agentes reclamado da má qualidade dos catálogos.
c) Desse facto a R. apresentou a competente reclamação à A.
d) É já impossível a recolha desses catálogos.
C- Esses factos encontram-se provados através dos depoimentos das testemunhas da R. D………., E………. e F………., que os conhecem por força do exercício das suas funções, e cujo veracidade do depoimento não ofereceu sequer dúvidas ao tribunal e decorrem também da análise de catálogos feita pelo tribunal na audiência de julgamento, como consta da acta e da douta sentença recorrida, encontrando-se esses depoimentos gravados em CD junto aos autos.
D- Deve, por isso, ser alterada a matéria de facto dada como provada no sentido de se dar como provado também o referido em B- a),b),c) e d) que antecedem.
E- Não ficou provado que todos os catálogos entregues tinham sido elaborados de acordo com o modelo entregue,
F- Sendo certo que incumbia à A recorrida essa prova.
G- A comunicação feita por fax datado de 13/12/2007 pela A. à R. de que os catálogos não estavam conforme o modelo que fora apresentado à A, e pedindo á A. para vir levantar todos os catálogos, não pode deixar de ser entendido como uma recusa da obra, tal como ela se encontrava efectuada, pelo que se encontra provado que A OBRA NÃO FOI ACEITE PELA RÉ, aqui apelante.
H- Não tendo a obra sido aceite pela R., e não tendo a A. provado que, ao contrário do que dizia a R., a obra se encontra elaborada nas condições contratadas, necessariamente deveria improceder o pedido de pagamento do preço.
I- Assim sendo, além de ser legalmente exigível à A, de acordo com os princípios que regulam a repartição do ónus da prova, a prova de que o contrato foi cumprido conforme o acordado, ou a prova de que alguns dos catálogos estavam bem elaborados, também segundo o princípio da boa fé no cumprimento do contrato deveria a A. verificar e provar se alguns dos catálogos não tinham os defeitos que a R. afirmava que tinham.
J- Não tendo almejado efectuar essa prova, também por isso a acção deverá improceder.
K- A douta sentença recorrida violou os artigos 762.º, 342º-1, 1218º, 1220º e 400º, todos do Código Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra na qual a acção seja declarada improcedente.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso.
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Nessa linha de orientação, são duas as questões a apreciar, suscitadas pela recorrente na presente apelação:
A- A da não consideração, na matéria de facto considerada na sentença, de factos por si alegados na contestação (na parte relativa à reconvenção); e
B- A da consideração na sentença de que a ré aceitou a obra realizada pela A., no acto da sua entrega, vendo, assim, precludido o seu direito de recusar o pagamento do preço da obra – invocando a excepção do incumprimento do contrato.
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Fundamentação de facto:
Foram dados como provados pela Sra. Juíza do tribunal Judicial da Maia os seguintes factos, considerados com relevo para a decisão da causa:
1 – Entre A. e R. foi efectuado um acordo, por força do qual a A efectuaria para a R., nas suas instalações, em Penafiel, e com as suas máquinas, materiais e pessoal, 50.000 catálogos a cores segundo modelo que foi dado pela R.
2 - O preço seria de 12.950 € mais IVA, a pagar do seguinte modo: 25% na data da aceitação da proposta por parte da R, 25% na data da entrega de 25.000 catálogos, e os restantes 50% na data da entrega dos restantes 25.000 catálogos, tendo o contrato sido firmado em 18/10/2008.
3 - A R. pretendia que a A. efectuasse a obra rapidamente e com qualidade.
4 - A R. pagou á A. não 25% mas 5.000€, com a aceitação do acordo.
5 – No âmbito da sua actividade comercial e do acordo celebrado, a A. executou para a R., a pedido desta, 4.950 catálogos a cores, com 20 páginas cada.
6 – Após o fornecimento, a A. procedeu á entrega á R. da factura relativa aos serviços prestados, no montante global de 14.805,18 euros.
7 – A A. entregou à R. 115 catálogos a mais com vista a substituir os que se encontrariam com defeito.
8 - A R. é uma empresa líder no mercado nacional de fabrico de artigos de pastelaria e confeitaria, primando por oferecer aos seus clientes produtos de elevada qualidade.
9 - As fotografias dos bolos deveriam apresentar-se com uma focalização perfeita e com as cores iguais às dos bolos que a R. fabrica, como o estavam no catálogo que em CD a R. apresentou como modelo para os catálogos a fazer pela A.
11 - Todas as letras do catálogo deveriam ser bem legíveis e não se apresentar desfocadas.
12 - Antes de iniciar a impressão dos catálogos, a A. apresentou à R. provas, que foram (foi) aceites por esta, pelo que a R. disse à A para elaborar os catálogos.
13 - Os catálogos não foram logo entregues todos de uma vez só, mas sim por partes, a partir do dia 3 de Novembro de 2008 e até 19 do mesmo mês, de 2008.
14 - Após recepção nas instalações da R., os catálogos entregues pela A. foram enviados por aquela para os seus agentes, sem ter confirmado a qualidade da impressão.
15 - Depois que os seus agentes receberam os catálogos, começou a R. a receber destes reclamações de falta de qualidade dos catálogos, tendo então analisado alguns dos catálogos que ainda tinha em seu poder, tendo detectados a seguintes situações, em alguns dos catálogos que visionou:
- em alguns catálogos, os tons de castanho e de amarelo/ocre da página 2 e da página 3 são nitidamente diferentes, mais claros na página 2 e mais escuros na página 3;
- em alguns catálogos, o branco das letras impressas nessas páginas carece de nitidez, tal como se encontrava no catálogo modelo;
- em alguns catálogos, as cores dos bolos nos catálogos elaborados pela A. eram muito diferentes das cores dos bolos originais;
- em alguns casos, p.ex. COVENTUAL DE SANTARÉM, BOLO BRIGADEIRO BRANCO, TARTE DE CHILA FRANCESA, DELÍCIA DE CARAMELO e PARFAIT TRÊS CHOCOLATES, desfocados em com defeitos de impressão;
- em alguns catálogos, as letras identificativas daqueles três primeiros bolos encontravam-se desfocadas e com defeitos de impressão;
- as letras identificadoras dos concessionários e da última página encontravam-se pouco legíveis;
- em alguns catálogos, da página 10 para a página 15 na numeração e repetido a numeração da página 7 em ouros catálogos;
- havia catálogos que não estavam agrafados;
- havia catálogos mal cortados;
- havia catálogos com duplas capas e capas com a plastificação mal executada;
- alguns catálogos estavam danificados pelas cintas.
16 - Desses defeitos reclamou então a a R. perante a A. através de telefonemas, e depois através do fax datado de 13/12/2008.
17 - A esse fax respondeu a A. através do fax de 15/12/2008 que aqui se considera reproduzido a fls. 21, no qual a A. se propunha eliminar os defeitos dos catálogos, pedindo a marcação de uma data para levantamento dos catálogos com defeito.
18 - Após contactos telefónicos, acordou-se a vinda de um representante e de funcionários da A. para recolherem os catálogos com defeito, os quais compareceram nas instalações da Ré (certamente por lapso diz-se da A.) mas recusaram-se a levar todos os catálogos que haviam sido entregues pela A. à R. e a suportar os custos da recolha dos catálogos que tinham já sido enviados aos concessionários da R., alegando que nem todos tinham defeitos.
19 - A A. insistiu que fossem vistos os catálogos um por um, que seriam substituídos os que estivessem com deficiências.
20 - A A. entregou catálogos a 17 e 19 de Novembro já depois de a R. ter reclamado a existência de defeitos.
21 - Depois de vários contactos telefónicos e por correio electrónico sem que fosse possível chegar a um entendimento, para evitar mais incómodos, a gerência da R., através do correio electrónico, de 30 de Dezembro de 2008, propôs-se ficar com os catálogos mas com um desconto no preço global de 25%.
22 - A essa proposta respondeu A. propondo um desconto de apenas 5% e ameaçando com as vias judiciais, o que a R. não aceitou.
Não se provou que:
- algo tivesse sido acordado quanto ao castanho dos catálogos;
- a prova apresentada pelo A. tenha sido idêntica ao catálogo que a R. possuía;
- as partes tenham fixado o prazo de 15 dias para entrega dos catálogos;
- a R. tivesse notado (notou) que os catálogos estavam muito diferentes do que fora contratado, nomeadamente muito diferentes do modelo que tinha sido dado à A para os elaborar em conformidade com esse modelo;
- os tons de castanho da capa não tenham sido aprovados pela R. e que estejam baços e sem vida;
- todos os catálogos entregues tivessem defeito;
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A questão da matéria de facto da Reconvenção:
A ré, no seu articulado de oposição, veio deduzir pedido reconvencional.
Foi proferido despacho nos autos a não admitir tal pedido, com os seguintes fundamentos:
“Veio a R. deduzir pedido reconvencional, citando um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que o legitimaria.
Cumpre decidir sobre a sua admissibilidade.
A redacção do art. 7º do DL. 32/2003, de 17/02 (DL 107/2005, de 01/07), não é já aquela que é pressuposta no Acórdão citado.
Com efeito, na sua nova redacção, aplicável à situação dos autos, só segue os termos do processo comum a injunção de valor superior à alçada do Tribunal da Relação que se funda em obrigação emergente de transacção comercial.
Assim sendo, atento o valor desta injunção, a mesma seguirá os termos do DL. 269/98, de 01/09, não admitindo portanto qualquer outro articulado posterior á contestação.
Inexistindo mais articulados, não é assim admissível a dedução de pedido reconvencional na contestação.
Pelo exposto, não admite o Tribunal a contestação deduzida.
Notifique.”
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Com esta tomada de posição, a sra. juíza, que designou logo data para a realização da audiência de julgamento, não considerou na matéria de facto assente - nem como provada nem como não provada -, a matéria articulada no rejeitado pedido reconvencional (artºs 47º a 53º da contestação).
E em nosso entender, bem.
A reconvenção constitui um instrumento jurídico que reflecte, além do mais, a consagração do princípio de economia processual, permitindo que, mediante determinado circunstancialismo, se possam reunir num mesmo processo pretensões materiais contrapostas.Segundo Alberto dos Reis, com a reconvenção há uma modificação no objecto da acção: ao pedido do autor acresce o pedido do réu.
Há, com o pedido reconvencional, um cruzamento de acções, na medida em que há uma acção proposta pelo réu contra o autor, a qual se enxerta na que o autor propusera contra o réu.
O pedido reconvencional traduz-se, assim, num pedido autónomo formulado pelo réu contra o autor, passando a haver uma nova acção dentro do mesmo processo, na medida em que o pedido do réu transcende a simples improcedência da pretensão do autor e os corolários dela decorrentes.
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No caso em apreço, a A. demanda a ré pedindo que ela seja condenada a pagar-lhe o preço da empreitada, conforme acordado, bem como os juros de mora sobre tal quantia.
A ré, na sua contestação excepciona o direito da A., com o cumprimento defeituoso do contrato - excepção do incumprimento do contrato -, deduzindo ainda pedido reconvencional contra a A., pedindo a resolução parcial do contrato, com base no incumprimento, assim como uma indemnização pelos prejuízos sofridos.
Alega para fundamentar esses pedidos vários factos, que descreve nos artºs. 47º a 53º da sua contestação.
Ora, sendo rejeitado, embora por razões de ordem processual, o pedido reconvencional, bem andou a Sra. Juíza, na sequência e em concordância com o decidido, em não considerar os factos alegados pela ré, na parte relativa à reconvenção.
Aliás, também o não poderia ter feito, além do mais, porque sobre os mesmos factos não houve contraditório – trata-se de factos novos, alegados pela ré aos quais não se pôde pronunciar a A.
Assim sendo, não assiste razão à ré ao pretender ver tais factos vertidos na matéria de facto (mesmo que sobre eles tenha deposto, segundo afirma, uma determinada testemunha).
Improcede assim a primeira questão colocada pela ré na sua apelação.
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Quanto à 2ª questão colocada, que se prende com o facto de a ré ter aceite a obra sem reservas, o que lhe fez precludir o seu direito de recusar o pagamento do preço, também não assiste razão à ré.
Resulta da matéria de facto provada que entre A. e R. foi efectuado um acordo, por força do qual a A efectuaria para a R., nas suas instalações, em Penafiel, e com as suas máquinas, materiais e pessoal, 50.000 catálogos a cores segundo modelo que foi dado pela R.
O preço seria de 12.950 € mais IVA, a pagar do seguinte modo: 25% na data da aceitação da proposta por parte da R, 25% na data da entrega de 25.000 catálogos, e os restantes 50% na data da entrega dos restantes 25.000 catálogos, tendo o contrato sido firmado em 18/10/2008.
Como a R. pretendesse que a A. efectuasse a obra rapidamente e com qualidade, pagou à A., não 25%, mas 5.000€, com a aceitação do acordo.
No âmbito da sua actividade comercial e do acordo celebrado, a A. executou para a R., a pedido desta, 4.950 catálogos a cores, com 20 páginas cada.
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Fez o tribunal da 1ª instância, em nosso entender, uma correcta qualificação jurídica do contrato celebrado pela partes – contrato de empreitada -, previsto nos artºs 1207º e ss. do C.C., sendo também certo que esta parte da fundamentação da sentença não mereceu qualquer impugnação das partes.
Como é por todos sabido, o contrato de empreitada é um contrato de natureza sinalagmática, em que à obrigação do empreiteiro realizar uma certa obra corresponde a do dono da obra de pagar o respectivo preço (art. 1207º do CC).
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Ora, começa a R. / Recorrente por defender que a A. cumpriu defeituosamente o contrato entre ambas celebrado, não tendo realizado a obra de acordo com o acordado entre ambas, porque não executou os catálogos encomendados de forma correcta.
Nesta matéria, também a sentença recorrida concluiu que alguns dos catálogos executados pela A. apresentavam defeitos de execução, esclarecendo que “muito embora se pudesse admitir que em relação a alguns deles – por exemplo as cores das páginas 2 e 3 possam ter origem no próprio modelo fornecido pela R., os demais resultam claramente de problemas de impressão, montagem e acabamento dos catálogos (desfocagem, errada numeração, corte de páginas, mau agrafamento, etc.)”.
E fez também, em nosso entender, um bom enquadramento jurídico da questão da execução defeituosa da obra.
Refere-se na sentença o art. 1208º do C.C. que dispõe que o “empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”, assim como o art. 799º do C. Civil, de que a execução defeituosa da obra se presume imputável ao devedor (neste caso a A.).
Dispõe de facto o art. 799º, n.º 1 do CC que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”, apreciando-se a culpa em abstracto, pela diligência de uma bom pai de família, em face das circunstâncias do caso (arts. 799º, n.º 2 e 487º, n.º 2 do CC).
Ora, quer a nível da doutrina, quer da jurisprudência, vem-se entendendo, de facto, que impende sobre o dono da obra a prova da existência do defeito, e que, feita tal prova, se presume que o defeito é imputável a culpa do empreiteiro.
Assim sendo, o empreiteiro, para se exonerar da responsabilidade pelo defeito existente na obra, terá de provar a causa do mesmo, a qual lhe deve ser completamente estranha.
Conforme escreve o Dr. Cura Mariano, in “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra”, pág. 76-77, “o legislador entendeu que, nas situações de incumprimento, abrangendo expressamente o cumprimento defeituoso, ao credor basta demonstrar a materialidade do incumprimento, cabendo ao devedor provar a ausência do nexo de imputação à sua pessoa desse incumprimento, o qual se presume “iuris tantum”.
O estabelecimento desta presunção resulta do facto de, sendo a culpa, segundo as regras da experiência, normalmente inerente ao incumprimento contratual, deve competir ao devedor provar a verificação da situação anormal de ausência de culpa.
Além disso, sendo o devedor quem controla e dirige a execução da prestação tem maior facilidade de conhecer e demonstrar as causas da verificação do incumprimento”.
Não assiste, pois, razão à ré, quando, nas suas alegações de recurso diz que a sentença recorrida não fez uma correcta repartição do ónus da prova.
Acrescenta-se ainda na sentença objecto do recurso que “no contrato de empreitada, o cumprimento defeituoso funda-se no princípio de que o empreiteiro está adstrito a uma obrigação de resultado, estando obrigado a realizar a “obra” conforme o acordado e segundo os usos e regras de arte.
E que “atento o regime legal estatuído, a noção de defeito deverá ser entendida em termos simultaneamente objectivos e subjectivos, importando verificar, por um lado, se o bem corresponde à qualidade normal das coisas daquele tipo e, por outro, se é adequado ao fim implícita ou explicitamente estabelecido no contrato.
No que ao caso presente diz respeito, o objecto do contrato de empreitada era a realização dos catálogos nos termos em que a R. solicitou a sua elaboração.
Ora, como ficou provado, a R. é uma empresa líder no mercado nacional de fabrico de artigos de pastelaria e confeitaria, primando por oferecer aos seus clientes produtos de elevada qualidade.
Por isso as fotografias dos bolos deveriam apresentar-se com uma focalização perfeita e com as cores iguais às dos bolos que a R. fabrica, como o estavam no catálogo que em CD a R. apresentou como modelo para os catálogos a fazer pela A..
Todas as letras do catálogo deveriam ser bem legíveis e não se apresentar desfocadas.
Em conclusão, se a obra realizada apresenta os defeitos supra descritos, não foi naturalmente alcançado o resultado prometido.
Como refere Romano Martinez, in “Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, pág. 198 para que se verifique a utilidade normal da coisa objecto do contrato “é necessário que se obtenha uma utilização satisfatória num plano de normalidade”.
Ora, parte dos catálogos que foram entregues à R. claramente não serviam, atentos os defeitos verificados, os interesses desta que os destinava a promover a venda dos seus produtos.”
Não restam pois dúvidas que a obra encomendada pela ré à A. padece de defeitos, defeitos esses que foram, expressamente reconhecidos na sentença recorrida.
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A questão fulcral do recurso é a do comportamento da ré, após a recepção da obra e que levou a que se considerasse na sentença que a ré viu precludido, com a sua atitude, o direito de excepcionar o pagamento do preço acordado (a parte em falta).
Nesta matéria, considerou a sra. Juíza, fazendo apelo ao disposto no art. 1219º do C.C., que a A. não responde pelos defeitos da obra executada se o dono da mesma, a R., a aceitou sem reserva, com conhecimento deles, sendo certo que se presumem conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido aceitação da obra.
E que, no caso em apreço, o Tribunal desconhece, porque ninguém alegou especificadamente, se houve ou não aceitação da obra.
Porém, dispõe o art. 1218º, nº5, que a falta de verificação da obra ou da comunicação dos resultados desta importam aceitação daquela. Assim sendo, enquanto facto integrador da excepção invocada pela R., assistia-lhe o ónus de alegar e provar que verificara a obra (art. 342º, nº2, do C. P. Civil.).
Não o fazendo - e tendo mesmo alegado e ficado provado que a não verificou - a obra realizada é pela lei considerada aceite pela R..
Ora, dizendo os defeitos encontrados em alguns dos catálogos – todos – respeito a aspectos visuais dos mesmos (de cor, impressão e execução), a sua percepção seria evidente para quem os visionasse, pelo que tal defeito terá de considerar-se aparente.
Quanto à aceitação da obra, sem a sua verificação, é admitido pela A. na sua oposição (artº 47º) que distribuiu, logo que os recebeu, pelos seus concessionários e outros clientes a nível nacional, cerca de 20.000 catálogos, que os entregaram, por sua vez a clientes, não tendo verificado também os 30.000 que ficaram em seu poder.
Ora, com este comportamento, a R. aceitou, tacitamente, a obra, com defeito aparente, ao enviar os catálogos, assim que os recebeu, para os seus clientes, e não verificando, nem reclamando dos que manteve consigo.
Em matéria de aceitação, prevê a lei que a aceitação pode ser expressa, tácita (art. 217º CC) ou presumida (art. 218º CC). Será tácita a aceitação “verbi gratia”, quando, mediante uma comunicação, se informa o empreiteiro de que a obra foi executada segundo o convencionado e sem vícios; também são de considerar como casos de aceitação tácita aqueles em que há uma recepção material da obra. – Pedro Martinez, in ob. cit., pág. 439 e 440.
In casu, ao enviar os catálogos – 20.000 dos 50.000 - para os clientes, a R. recepcionou a obra, nos catálogos em causa.
É certo que a ré denunciou os defeitos dos catálogos à ré. Pois conforme ficou provado, “Desses defeitos reclamou então a R. perante a A. através de telefonemas, e depois através do fax datado de 13/12/2008”.
Tal denúncia, no entanto, como resultou também provado, foi feita apenas cerca de um mês depois da entrega e recepção dos catálogos, (que foi feita a partir do dia 3 de Novembro de 2008 e até 19 do mesmo mês) e foi feita apenas na sequência da reclamação dos clientes a quem os catálogos foram entregues.
Também a ré não alegou, nem provou, que não tenha aceite a obra ou que a tenha aceite com reserva, assumindo mesmo que a não verificou, o que lhe incumbia fazer para poder denunciar, posteriormente, os seus defeitos.
Pois conforme ficou provado nos autos, (facto 14) – “Após recepção nas instalações da R., os catálogos entregues pela A. foram enviados por aquela para os seus agentes, sem ter confirmado a qualidade da impressão”.
“Depois que os seus agentes receberam os catálogos, começou a R. a receber destes reclamações de falta de qualidade dos catálogos, tendo então analisado alguns dos catálogos que ainda tinha em seu poder, tendo detectado situações anómalas em alguns dos catálogos que visionou (em alguns catálogos, os tons de castanho e de amarelo/ocre da página 2 e da página 3 são nitidamente diferentes, mais claros na página 2 e mais escuros na página 3; em alguns catálogos, o branco das letras impressas nessas páginas carece de nitidez, tal como se encontrava no catálogo modelo; em alguns catálogos, as cores dos bolos nos catálogos elaborados pela A. eram muito diferentes das cores dos bolos originais; em alguns casos, p.ex. COVENTUAL DE SANTARÉM, BOLO BRIGADEIRO BRANCO, TARTE DE CHILA FRANCESA, DELÍCIA DE CARAMELO e PARFAIT TRÊS CHOCOLATES, desfocados em com defeitos de impressão; em alguns catálogos, as letras identificativas daqueles três primeiros bolos encontravam-se desfocadas e com defeitos de impressão; as letras identificadoras dos concessionários e da última página encontravam-se pouco legíveis; em alguns catálogos, da página 10 para a página 15 na numeração e repetido a numeração da página 7 em ouros catálogos; havia catálogos que não estavam agrafados; havia catálogos mal cortados; havia catálogos com duplas capas e capas com a plastificação mal executada; alguns catálogos estavam danificados pelas cintas (facto 15)”.
Não o tendo feito, tendo aceite os catálogos sem qualquer condição, e sendo os defeitos dos mesmos aparentes (bem visíveis), bem aplicado foi, em 1ª instância, o disposto no art. 1219º do CC, não respondendo a A. pelos defeitos da obra.
Conclui-se assim, também, pela não procedência das alegações de recurso da R. nesta parte.
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Mas mesmo que assim não fosse, sempre se dirá também não foi correcto o procedimento da ré, posteriormente à reclamação dos defeitos dos catálogos à A.
Pois conforme resulta da matéria de facto provada (facto 17), “A esse fax (da ré, de 13.12.2008) respondeu a A., através do fax de 15/12/2008, que aqui se considera reproduzido a fls. 21, no qual a A. se propunha eliminar os defeitos dos catálogos, pedindo a marcação de uma data para levantamento dos catálogos com defeito.
Após contactos telefónicos, acordou-se a vinda de um representante e de funcionários da A. para recolherem os catálogos com defeito, os quais compareceram nas instalações da Ré (certamente por lapso diz-se da A.) mas recusaram-se a levar todos os catálogos que haviam sido entregues pela A. à R. e a suportar os custos da recolha dos catálogos que tinham já sido enviados aos concessionários da R., alegando que nem todos tinham defeitos.
A A. insistiu que fossem vistos os catálogos um por um, que seriam substituídos os que estivessem com deficiências” (factos 18 e 19).
Resulta assim da matéria de facto descrita que a A. sempre esteve disposta a assumir os defeitos de alguns catálogos. Aliás, logo na entrega da obra, a A. havia enviado à ré 115 catálogos a mais para substituir os defeituosos.
Foi a ré que não aceitou a substituição dos catálogos com defeito, que a A. se propôs fazer, aquando da reclamação, pretendendo a devolução de todos os que tinha em seu poder (cerca de 30.000), com a redução do preço, o qual, de acordo com as suas contas, ficaria reduzido aos € 5.000,00 que havia entregue à A., na altura da celebração do contrato.
Essa é a conclusão que se retira dos seguintes factos provados: “Depois de vários contactos telefónicos e por correio electrónico sem que fosse possível chegar a um entendimento, para evitar mais incómodos, a gerência da R., através do correio electrónico, de 30 de Dezembro de 2008, propôs-se ficar com os catálogos mas com um desconto no preço global de 25%.
A essa proposta respondeu A. propondo um desconto de apenas 5% e ameaçando com as vias judiciais, o que a R. não aceitou”.
Conclui-se do exposto, e como também é referido na sentença recorrida, que também com este fundamento não poderia a ré recusar-se ao cumprimento da sua obrigação de pagamento do preço.
Com efeito, não tendo demonstrado que todos os catálogos vendidos se encontravam com defeito, e tendo-se a A. proposto substituir os que se encontravam defeituosos, nos termos em que resultou provado, a R. poderia apenas exigir desta tal substituição (e que na prática negou á A.), sem prejuízo do eventual direito a indemnização nos termos gerais por outros danos não indemnizáveis com aquela substituição.
Nestas condições, sempre seria devido o preço acordado.
Nos termos do art. 1221 n° 1 do C.C. “se os defeitos puderem ser supridos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção”.
Por seu lado, preceitua o art. 1222° do mesmo diploma legal que “não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina”.
Ora, através destas disposições da lei se constata que os direitos por ela conferidos não são susceptíveis de ser exercidos arbitrariamente, mas sim sucessivamente, isto é, com subordinação à ordem neles estabelecida, devendo, primeiramente, exigir-se a eliminação dos defeitos, ou, caso não seja possível tal eliminação, exigir-se obra nova e, se isso não ocorrer, pode então exigir-se a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos apresentados mostrarem ser a obra inadequada ao fim a que se destinava, não excluindo o exercício desses direitos a possibilidade de indemnização por prejuízos complementares.
Essa frustração da reparação específica dos defeitos pode resultar da sua impossibilidade, da sua desproporção relativamente ao proveito do dono da obra, ou do seu incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, em consequência do não acatamento de interpelação admonitória, de recusa ou insucesso na sua prestação, e ainda da perda do interesse do dono da obra na realização desta.
“Em todos estes casos, em que não se procedeu à eliminação do defeito ou à construção de nova obra, o dono desta tem direito de redução do preço contratado, desde que a obra, apesar do defeito que padece, não deixe de ter utilidade para ele.
O exercício deste direito pressupõe que se mantém um interesse do dono da obra nesta, apesar dos defeitos verificados, resignando-se com a sua existência, pelo que se pressupõe a aceitação da obra.”- vd. João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, p.124.
Resulta assim deste enquadramento do direito de redução do preço que ele só existe quando os defeitos persistam, depois da tentativa de os eliminar, mas persista também o interesse na obra tal qual ela se apresenta, isto é, com os defeitos.
Ora, desta conclusão resulta, de imediato, compreendida a falta de fundamento das conclusões da recorrente, quando sustenta que reclamou dos defeitos da obra à A. e, por isso, tem direito à redução do preço.
De facto, o exercício deste direito de redução do preço é subsidiário dos direitos de eliminação dos defeitos e de construção de nova obra, e mais que visar o ressarcimento de um prejuízo, procura o restabelecimento do equilíbrio das prestações.
Nos dizeres de João Cura Mariano, (ob. cit. p. 124), “Possibilita-se a alteração unilateral duma das prestações acordadas, perante o cumprimento defeituoso da que lhe corresponde numa relação de sinalagma, recuperando-se assim o equilíbrio inicialmente existente entre elas. Perante a má realização duma das prestações, procura-se manter o contrato através da possibilidade de reajustamento da prestação correspectiva.”
Ora, foi essa reposição do equilíbrio das prestações que a A. se propôs fazer, com a reparação dos defeitos da obra - substituindo (embora apenas) os catálogos defeituosos – e que a ré recusou.
Não tinha, como vimos, fundamento legal para o fazer, e, por isso, também por este motivo não lhe assistia razão em recusar o pagamento do preço acordado.
Improcedem assim, na íntegra as conclusões das alegações da recorrente.
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DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se Improcedente a Apelação, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 7.10.2010.
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha
Carlos Jorge Ferreira Portela
Joana Salinas Calado do Carmo Vaz