ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONDUÇÃO AUTOMÓVEL
SUBSÍDIO POR MORTE
REEMBOLSO
Sumário

I- Ao condutor é-lhe exigível uma conduta de prudência, o que implica que deve contar com os actos previsíveis; não lhe é, porém, exigível que conte com condutas contra-ordenacionais ou imprudentes dos demais condutores.
II- O Instituto da Segurança Social tem direito a ser reembolsado pela seguradora da quantia paga, em consequência de acidente de viação, a título de subsídio por morte.

Texto Integral

Recurso Penal nº 863/07.9TASTS.P1

Acordam, em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I RELATÓRIO
No 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetido a julgamento a arguida B………., devidamente identificada nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condená-la, pela prática de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo artº 137º, nº 1, do C. Penal, na pena de catorze meses de prisão, com execução suspensa por 14 meses, e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 2 meses.
Foi, ainda, julgado procedente o pedido indemnizatório deduzido pelo Instituto de Segurança Social contra a C………., que foi condenada a pagar ao demandante, a quantia de 12.925,34 € correspondente ao montante global das prestações pagas por morte da vítima, acrescida dos juros de mora sobre o capital em dívida à data da dedução do pedido - 10.283,85 € - e desde então sobre a data de vencimento de cada uma das prestações entretanto pagas - a contar da notificação do pedido de indemnização civil à seguradora e até efectivo pagamento.
Inconformada com a sentença, a demandada C………. interpôs recurso, pretendendo a sua revogação na parte em que julgou procedente o pedido de indemnização contra ela deduzido, pretendendo a sua redução pelo menos em 50%, e o não pagamento dos montantes reclamados e processados a título de subsídio por morte para o que apresentou as seguintes conclusões:
“1- Face à dinâmica do acidente, considerou-se na douta sentença recorrida que a culpa exclusiva pela produção do mesmo pertenceu à condutora do EL, por invasão da hemi-faixa de rodagem por onde circulava o SO.
2- Ressalvando o muito e devido respeito por opinião contrária, o condutor do SO contribuiu, também ele, para a produção do acidente e suas consequências, quer por circular em velocidade excessiva, quer por circular junto ao eixo da via.
3- Provou-se que o condutor do SO circulava a velocidade não concretamente apurada e superior a 50 kms/hora, mas atendendo às consequências do acidente e às próprias características do motociclo SO, com cilindrada de 1137 cc, dir-se-á que, ainda que não concretamente apurada, a velocidade imprimida ao motociclo na ocasião do acidente seria muitíssimo superior a 50 kms/hora, o que para além do mais resulta da circunstância de o motociclo ter embatido no EL fazendo com que este rodopiasse sobre si próprio ao ponto de ficar com a frente voltada no sentido contrário ao que circulava.
4- Conclui-se assim que a velocidade imprimida ao SO na ocasião do embate era perfeitamente inadequada, por demasiado excessiva, ao local e que foi factor decisivo para a ocorrência do acidente e suas nefastas consequências, pois de outro modo teria permitido ao condutor do SO imobilizar o motociclo antes do embate ou, pelo menos, minorar o impacto de modo a que o mesmo não fosse tão violento.
5- A velocidade imprimida ao SO era, de resto, contra-ordenacional, pois no local a velocidade máxima permitida era à data do acidente de 50 kms/hora.
6- Por outro lado, sabendo-se que o embate ocorreu próximo do eixo da via, necessariamente se terá de concluir que o condutor do SO fazia o motociclo circular próximo do eixo da via, sendo certo que da matéria da facto apurada não resulta qualquer motivo ou justificação para que assim circulasse.
7- Tendo a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o SO mais de três metros de largura, ainda que, por hipótese, o EL ocupasse um metro daquela hemifaixa de rodagem, restavam dela ainda mas de dois metros livres e desimpedidos.
8- Mais do que contra-ordenacional, que também o foi, a posição de marcha do condutor do SO foi causal do acidente, já que tudo indica que o embate não teria ocorrido se o SO não circulasse próximo do eixo da via.
9- Tudo ponderado considera a recorrente que a culpa na produção do acidente deverá ser repartida em partes iguais por ambos os condutores, pois afigura-se ajustado e equilibrado que o grau de culpa a atribuir e juízo de censurabilidade a proferir quanto à conduta de ambos seja idêntico.
10- Nessa medida, o montante indemnizatório a pagar pela recorrente ao recorrido deverá ser reduzido em 50%.
Sem Prescindir,
11- O recorrido não tem direito ao recebimento dos montantes que reclama por pagamentos processados a título de subsídio por morte.
12- Com o disposto no art.16º da Lei 28/84, de 14 de Agosto, e com a disciplina do DL 59/89, de 22 de Fevereiro, pretendeu o legislador que as instituições de segurança social fossem compensadas pelos actos de terceiros que lhes determinassem custos acrescidos para com os seus beneficiários.
13- Isto é, os referidos dispositivos legais visaram responsabilizar os terceiros pelos encargos acrescidos de tais instituições, considerando estas até como "lesadas", tal como se refere no n° 2 do art.º 2° do DL 59/89.
14- O subsídio por morte sempre seria e será devido pelo recorrido, já que se trata de um evento certo com data não determinada, consubstanciando assim um custo normal, não agravado por acto de terceiro.
15- Na douta sentença fez-se, menos acertada interpretação dos factos e menos correcta aplicação da Lei, nomeadamente, do disposto nos art.os 483° e segs. do CCivil, nos art.os 13° e 24°, ambos do CEstrada, na Lei 28/84, de 14 de Agosto e no DL 59/89, de 22 de Fevereiro.
Pelo exposto,
Deve a douta sentença ora recorrida ser revogada nos termos supra descritos, assim se fazendo
JUSTIÇA”
Na 1ª instância, o MºPº não se pronunciou
Não houve qualquer resposta ao recurso interposto
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O recurso foi admitido.
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Nesta Relação, o Exmº Procurador Geral Adjunto, considerando tratar-se de recurso restrito à matéria cível de igual modo não se pronunciou
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Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência.
Cumpre decidir.
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II FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram dados como provados, com interesse para a decisão do recurso, os seguintes factos:
1- No dia 6 de Junho de 2007, cerca das 16.00 horas, a arguida B………. circulava, a velocidade entre 40 e 50 Kms/hora, na rua 16 de Maio, em Santiago do Bougado, no sentido Vila do Conde/Trofa, ao volante do veículo automóvel da marca “Seat”, modelo Ibiza, cor branco, com a matrícula ..-..-EL, propriedade de D……...
2- Ao mesmo tempo, em sentido inverso, ou seja, no sentido Trofa/Vila do Conde, pela via destinada ao trânsito que circula nesse sentido, seguia E………. conduzindo o motociclo, da marca “Honda”, modelo 2491 SC35, cilindrada de 1137 cc, cor preto, com a matrícula ..-..-SO, sua propriedade, a velocidade não concretamente apurada, mas superior a 50 Kms/hora.
3- Ao chegar próximo do nº de polícia 1720, a arguida, porque pretendia dirigir-se para a entrada daquela habitação, onde existia uma cabeleireira, iniciou, de forma brusca e repentina, uma manobra de mudança de direcção para a sua esquerda direccionando a frente do seu veículo para o lado esquerdo da hemi-faixa de rodagem em que seguia, atento o seu sentido de marcha, sem o imobilizar e, invadiu com a parte frontal do seu veículo a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava no sentido Trofa/Vila do Conde, precisamente na altura em que por aí circulava o motociclo SO.
4- Perante o imprevisto da manobra acabada de efectuar pela arguida, o motociclo SO onde seguia E……… embateu frontalmente na parte frontal esquerda do veículo EL onde seguia a arguida.
5- Devido à violência do impacto deste embate, E……… e o seu motociclo foram projectados para um terreno de F…….., que ladeia a faixa de rodagem no sentido Trofa/Vila do Conde, e o veículo onde seguia a arguida rodopiou em cerca de 180º graus ficando com a frente do mesmo direccionada no sentido de trânsito Trofa/Vila do Conde, a uma distância de cerca de 5,80 metros daquele motociclo.
6- Na ocasião não existiam nesta parte da via destinada ao tráfego rodoviário proveniente de Vila do Conde com destino a Trofa quaisquer obstáculos que impedissem a arguida de nela prosseguir a sua marcha.
7- O embate deu-se na via de trânsito destinada aos veículos que circulam no sentido Trofa/Vila do Conde e próximo do eixo da via.
8- No local do embate encontrava-se espalhado no asfalto, em maior número e de forma mais concentrada, óleo, partículas de vidros e pedaços de plásticos de elementos componentes dos veículos intervenientes no embate.
9- A rua 16 de Maio apresenta no local do embate a configuração de um traçado rectilíneo, com boa visibilidade em pelo menos 800 metros de extensão.
10- A faixa de rodagem, no local, apresenta uma largura de 6,10 metros e é composta por duas vias de trânsito, uma afecta a cada sentido, separadas por uma linha longitudinal descontínua pintada no piso, sendo ladeada por edificações e vegetação florestal.
11- A velocidade permitida para o local é de 50 kms/h, imposta por sinalização vertical.
12- O piso é betuminoso, encontrava-se em bom estado de conservação e, na ocasião do embate, apresentava-se seco e limpo.
13- O tempo estava de sol e limpo.
14- Após o acidente, E……… foi assistido no local pelos Bombeiros Voluntários da Trofa, vindo ali a falecer.
15- Como consequência directa e necessária do embate, E…….. sofreu múltiplos traços de fractura lineares e irregulares ao nível do rochedo temporal e osso occipital à esquerda que se prolongam para o osso temporal direito e estrutura óssea da base craniana; hemorragia subdural moderada com infiltração hemorrágica difusa e hemorragia subaracnoideia da fossa posterior traumáticas, edema cerebral marcado; múltiplos focos de infiltração hemorrágica mais acentuados do lado esquerdo; parênquima globalmente amolecido com sinais de contusão a nível do lobo temporal e da base; hemorragia dos ventrículos laterais mais evidente a nível occipital; tronco cerebral com infiltração hemorrágica; focos no quarto ventrículo (mesencéfalo e protuberância); hemorragia subaracnoideia da fossa posterior; cerebelo com intensa infiltração hemorrágica; infiltração sanguínea ao nível da parede toráxica anterior sem fractura dos arcos costais anteriores; fracturas cominutivas dos arcos costais médios a nível posterior à esquerda, da sexta à nona costelas, com perfuração da pleura e do pulmão esquerdo; fractura do nono arco costal posterior à direita com perfuração da pleura; infiltração sanguínea intensa dos traços de fractura e tecidos moles adjacentes; fractura cominutiva exposta da articulação metacarpofalângica do terceiro dedo da mão direita com infiltração sanguínea dos topos ósseos e tecidos adjacentes; fractura fechada da extremidade distal do fémur direito; fractura exposta da extremidade distal do fémur esquerdo e das diáfises (terço médio) dos ossos da perna esquerda com grande esfacelo muscular e rotura de grandes vasos com infiltração sanguínea abundante dos topos ósseos e tecidos adjacentes, lesões essas que lhe determinaram directa e necessariamente a sua morte.
16- A arguida sabia que a sua conduta era proibida e penalmente punível.
17- Ao contrário do que bem sabia ser obrigada a arguida conduzia distraída, descuidada e imprevidentemente, sem qualquer consideração pelos demais utentes da via, circulando desatenta ao trânsito que seguia em sentido contrário o que fez com que entrasse inopinadamente na via de trânsito contrária à que seguia e se colocasse à frente do veículo SO, embatendo no mesmo.
18- Actuou violando de forma grave os deveres objectivos de cuidado apontados a que bem sabia ser obrigada, com manifesta ligeireza e irreflexão, omitindo as precauções exigidas pela condução automóvel, bem sabendo que estava obrigada a ceder a passagem aos veículos que seguiam no sentido Trofa/Vila do Conde, os quais se apresentavam à sua direita, devendo para tanto controlar a velocidade do seu veículo reduzindo-a ou mesmo imobilizando-o antes de efectuar qualquer manobra de mudança de direcção à sua esquerda por forma a permitir a passagem desses outros veículos, certificando-se, pois, previamente a tal manobra que a mesma não punha em perigo a circulação dos restantes veículos.
19- Daí o embate, que não teria ocorrido se a arguida tivesse adoptado as mencionadas cautelas, sendo certo que tinha capacidade de prever – como previu – que a sua conduta naquelas circunstâncias poderia originar – como originou – os resultados descritos, nomeadamente a morte de E……...
20- A arguida agiu, assim, com manifesta falta de consideração pelas normais legais que regem a circulação automóvel e ao dirigir o veículo do modo e nas condições descritas não agiu com a diligência e cautela que lhe era exigível e que estava ao seu alcance, omitindo o cuidado normal de prever as consequências da sua conduta.
21- O Instituto da Segurança Social IP, através do Centro Nacional de Pensões pagou subsídio pela morte de E………, seu beneficiário nº1.132052243.9 à viúva, G…….. e à filha H……… o valor de 2000,34 €, a cada uma, num total de 4.000,68 €. Pagou ainda pensões de sobrevivência relativas ao período de Julho de 2007 a Fevereiro de 2002 à viúva no montante de 6.693,44 € e à filha o valor de 2.231,22 €, totalizando os pagamentos efectuados a quantia de 12.925,34 €.
22- C……. e D…….. declararam, por escrito consubstanciado na apólice nº9931519721, mediante prémio a pagar pela segunda, a responsabilidade civil emergente, além do mais, dos danos causados a terceiros pela circulação da viatura de matrícula nº ..-..-EL
Mais se provou que:
23- A arguida tem curso profissional de técnica auxiliar de infância, com equivalência ao 12º ano de escolaridade.
24- À data dos factos, trabalhava numa empresa do ramo automóvel (componentes), onde desempenhava funções de operadora de máquina.
25- Actualmente exerce funções de comercial (vendedora comissionista), numa empresa do sector imobiliário.
26- A arguida valoriza o trabalho e procura exercer a sua actividade de forma regular.
27- A arguida reside com a sua mãe - viúva, actualmente desempregada e a beneficiar de subsídio de desemprego - e irmão mais velho, fazendo parte de núcleo familiar estruturado, funcional, coeso e solidário.
28- A arguida encontra-se bem inserida na comunidade, é tida como pessoa responsável e activa.
29- Não tem antecedentes criminais, nem contra-ordenacionais.”

Quanto aos factos não provados, consignou-se que:
“Da acusação não se provou que a arguida circulava a velocidade nunca inferior a 50 kms/hora, nem que abandonou (completamente) a hemi-faixa de rodagem em que seguia, nem que não reduziu a velocidade que imprimia ao seu veículo. Tão-pouco se provou que não circulavam quaisquer outros veículos na parte da faixa de rodagem destinada ao tráfego rodoviário proveniente de Vila do Conde com destino a Trofa.
Da contestação da C…….. não se provou que a arguida circulava imprimindo ao seu veículo velocidade não superior a 40 kms/h, nem que circulava com atenção ao trânsito e pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha. Tão-pouco se provou que o condutor do SO circulava completamente desatento ao trânsito e imprimia ao motociclo que conduzia velocidade superior a 120 Kms/hora; nem que atento o sentido de marcha do condutor do SO e cerca de 30 metros antes do local do embate, encontrava-se um condutor de um veículo de cor escura a aceder à faixa de rodagem da Rua 16 de Maio pelo lado direito que, momentos antes, tinha o veículo estacionado no passeio que delimita a faixa de rodagem da Rua 16 de Maio pelo lado direito, atento o sentido de marcha do SO e realizava tal manobra muito lentamente e em marcha-atrás, ocupando na altura não mais de 50 cm da faixa de rodagem. Não se provou que o condutor do SO, por força do excesso de velocidade a que seguia, só tardiamente se apercebeu da presença daquele veículo a realizar tal manobra e que, por isso, apesar de dispor da quase totalidade da metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, completamente livre e desimpedida, súbita e inopinadamente e sem sequer diminuir a velocidade que imprimia ao SO, passou a circular pela metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, ou seja, pela metade da faixa de rodagem por onde então circulava o EL, não retomou a metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha e acabou por embater no EL; nem que o embate ocorreu totalmente na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do EL e que a condutora deste último nada pôde fazer para o evitar.”

A motivação da decisão de facto foi explicada como segue:
A decisão do tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida, a qual foi valorada segundo regras de experiência comum.
A arguida negou a mudança de direcção à esquerda, dizendo que ia em direcção a casa, sita na Trofa e que só se lembra que o condutor do motociclo lhe bateu no lado esquerdo do seu pára-brisas, tendo ficado, após o embate, virada para o lado contrário àquele em que seguia, de nada mais se recordando relativamente à dinâmica do acidente.
No entanto, I…….. que circulava na recta – com boa visibilidade em pelo menos 800 metros de extensão - a cerca de 40/50 metros atrás da viatura conduzida pela arguida (EL), num furgão – com um ou dois carros ligeiros de permeio - e, por isso, em plataforma mais elevada, assistiu, em posição privilegiada, a tudo o que aconteceu. E o que sucedeu, segundo a insuspeita e coerente percepção desta testemunha, foi que a arguida circulava a velocidade entre 40 e 50 kms/hora, abrandou e virou à esquerda, ocupando parcialmente a hemi-faixa de rodagem oposta àquela em que seguia, cortando a linha de trajectória do motociclo e, assim, causando o embate. Para efectuar a manobra de mudança de direcção, a arguida colocou a sua viatura em posição oblíqua, pelo que o motociclo SO embateu na parte da frente esquerda da viatura EL, tendo sido depois projectado para o campo existente do lado direito da via, atento o sentido de marcha Trofa/Vila do Conde, ficando, após o embate, a cerca de 5,80 metros do EL. Esta testemunha seguia atenta ao trânsito – referindo inclusivamente que à frente da arguida circulava a cerca de 200 metros um autocarro – viu o motociclo antes do embate – sendo que nenhum veículo seguia à frente do SO e descreveu coerentemente a sucessão dos acontecimentos. Ia encontrar-se um pouco mais à frente, nessa mesma recta, com J……. que estava na beira da estrada à sua espera (para indicar o caminho para o seu campo de batatas, comercializadas e transformadas por I……..), virada de frente para quem vinha de Vila do Conde e, portanto, para a frente do EL. Esta testemunha assistiu, nessa perspectiva, ao acidente, tendo visto igualmente a arguida virar à esquerda, altura em que se deu o embate (de forma muito espontânea disse em audiência: “até fiz assim” – pondo as mãos na cabeça). Confirmou que I…….. seguia uns dois carros atrás da arguida, que o mesmo passou, imediatamente após o embate, pelo local do acidente – pela parte desocupada da hemi-faixa direita no sentido Vila do Conde/Trofa, estacionando mais à frente a sua viatura e que após a chegada da ambulância, abandonaram o local. Por isso, quando a GNR ali chegou já não se apresentaram como testemunhas. Por seu turno, a que foi indicada pela arguida na participação, K……. – cfr. fls.11-12 –não nos pareceu que tivesse tido percepção correcta do sucedido – tinha acabado de entrar à estrada, no sentido Vila do Conde/Trofa, provinda de entroncamento à esquerda. Afigurou-se-nos mesmo algo comprometida, pelo que não nos mereceu tanta credibilidade quando referiu que a mota fez um desvio, sem aparente motivo - pelo menos, à distância que estava, diz a testemunha, não conseguia ver (embora fosse uma extensa recta) – indo embater no EL que seguia na hemi-faixa dele, dizendo ainda que não havia mais carros a circular atrás deste (!). Acha que a arguida não queria ir ao cabeleireiro, para onde aliás se pretendia dirigir a própria testemunha, porque a arguida teria de virar mais à frente um bocadinho. Assim seria se a arguida tivesse feito a perpendicular para mudar de direcção, o que não foi o caso. É de notar ainda que nas fotografias de fls.434-435 se vêem as marcas do rodado dianteiro direito do EL que perfazem, no asfalto, uma meia lua, dando conta da meia volta (para trás) efectuada pelo EL. Por seu turno, não nos mereceu grande credibilidade o depoimento de L……. (cujo estado de nervosismo foi evidente), nomeadamente quando disse que o motociclo se desviou de um primeiro carro que saiu à estrada de uma das entradas que antecedem o local (sem conseguir precisar a qual delas se referia), no sentido Trofa/Vila do Conde e que, por isso, foi embater na hemi-faixa de rodagem contrária, pois esta testemunha era, na altura, funcionário da junta de freguesia de Santiago do Bougado e estava a “escanar” uma árvore, cujos ramos pendiam para a estrada, juntamente com M………. E este, ouvido, disse com toda a franqueza que estava a trabalhar a cerca de 200/300 metros do local no sentido V.Conde/Trofa e, naturalmente, a prestar sentido ao que estava a fazer quando ouviu o impacto. Só nessa altura parou, assim como o seu colega, de trabalhar. Já L…….. procurou fazer crer ao tribunal que, embora estivesse ali a trabalhar, tudo viu, como se estivesse em posição estática a olhar para a estrada, o que não emergiu do seu discurso ou do seu colega de trabalho (pelo contrário). Por conseguinte, não nos convenceu.
Concluímos, antes, que a arguida seguia com manifesta desatenção e por isso invadiu parcialmente com a sua frente a hemi-faixa da esquerda, atento o seu sentido de trânsito, sem se aperceber que de frente vinha o motociclo conduzido pelo falecido. Por outro lado, não se nos afigura crível que, circulando a arguida totalmente na sua mão de trânsito – na sua versão, não tivesse visto o motociclo antes de alegadamente este lhe embater, na sua hemi-faixa de rodagem, quando se trata de uma recta com tão boa visibilidade, sendo que nem isso é compatível com a rotação do seu veículo visível nas fotografias acima mencionadas, nem com a posição em que ficou o seu veículo após o embate, nem com a concentração da maioria dos vestígios existentes no local na hemi-faixa contrária àquela em que supostamente seguia.
Por outro lado, a violência do embate – não há dúvida – diz bem que o falecido circulava a velocidade seguramente superior a 50 kms/hora – caso contrário, não teria ocasionado a rotação do veículo conduzido pela arguida em 180º - em piso seco - no sentido de marcha em que aquele seguia. Na verdade, o motociclo impulsionou o automóvel no sentido contrário aos ponteiros do relógio, colocando-o em posição inversa àquele em que o seguia, como se vê nas fotografias de fls.271-272 e 434-436.
Por fim, N……… confirmou o teor da participação de fls.11-12 pela mesma elaborada, a qual foi tomada em consideração, nomeadamente quando às medidas que constam no respectivo croquis.
Foram ponderadas ainda as fotografias de fls.212-217, 218-222, 271-275, além das já acima mencionadas.
A cilindrada do motociclo resulta, além do mais, do documento de fls.383.
Quanto às consequências do acidente e no que tange ao nexo de causalidade entre o acidente e a morte da vítima, o tribunal valorou o pormenorizado relatório de autópsia inserto a fls.50-58, cujo autor, perito em medicina legal, conclui pela compatibilidade entre as lesões que causaram a morte da vítima e uma etiologia traumática, nomeadamente por acidente de viação.
No que tange à situação pessoal e profissional da arguida foi valorado o que resulta do relatório social de fls.427-430.
A ausência de antecedentes estradais, criminais ou contra-ordenacionais, encontra-se certificada nos autos – cfr. fls.191.
Os factos atinentes ao pedido de indemnização civil emergem da certidão de fls.348 e da que, entretanto, foi apresentada em audiência de julgamento, com os valores pagos até Fevereiro de 2010.
A matéria não provada resultou da prova de versão oposta e com a mesma inconciliável, pela forma que acima se descreveu.”

O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
- concorrência da vítima na eclosão do acidente
- da responsabilidade pelo pagamento dos montantes reclamados pelo Instituto de Segurança Social e pagos por este a título de subsídio por morte

- Da concorrência da vítima na eclosão do acidente
A recorrente entende que da prova produzida e dos factos dados como provados, não permitia que se desse como provado que o acidente se deveu por culpa exclusiva da arguida B………., condutora do veículo de matrícula ..-..-EL, considerando que o condutor do motociclo ..-..-SO terá concorrido para o mesmo, numa percentagem de 50%.
E isto porque da matéria de facto ressalta, não só que o mesmo circulava junto ao eixo da via, como em velocidade excessiva, factores estes que não terão permitido imobilizar o motociclo antes do embate, ou este não teria mesmo ocorrido pois tendo a hemi-faixa de rodagem por onde rodava mais de 3 metros de largura, restariam ainda 2 metros, caso aquele ocupasse 1 metro mais à sua direita
Embora a recorrente não invoque o vício que consubstancia a sua pretensão estaremos perante o chamado erro notório na apreciação da prova.
Este vício está elencado no nº 2 do art. 410º do C.P.P., a par da insuficiência para a decisão da matéria de facto e da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, como um dos vícios da decisão passíveis de serem detectados através do mero exame do próprio texto da mesma, sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.
O erro notório na apreciação da prova verifica-se “quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”[3]. Desdobra-se, pois, em erro na apreciação dos factos e em erro na valoração da prova produzida.
Verifica-se, igualmente, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis.
A notoriedade do erro ( sendo este a ignorância ou falsa representação da realidade) exigida pela lei traduz-se numa incongruência que “há-de ser de tal modo evidente que não passe despercebida ao comum dos observadores, ao homem médio (...), ao observador na qualidade de magistrado, dotado de formação e experiência adequadas a um tribunal de recurso. Esse erro há-de ser evidente aos olhos dos que apreciam a decisão e seus destinatários, sem necessidade de argúcia excepcional (...)”[4],[5],[6].
Da leitura da matéria de facto dada como provada resulta sem dúvida que:
“No dia 6 de Junho de 2007, cerca das 16.00 horas, a arguida B……… circulava, a velocidade entre 40 e 50 Kms/hora, na rua 16 de Maio, em Santiago do Bougado, no sentido Vila do Conde/Trofa, ao volante do veículo automóvel da marca “Seat”, modelo Ibiza, cor branco, com a matrícula ..-..-EL, propriedade de D……….” (ponto1).
E que:
“Ao mesmo tempo, em sentido inverso, ou seja, no sentido Trofa/Vila do Conde, pela via destinada ao trânsito que circula nesse sentido, seguia E……… conduzindo o motociclo, da marca “Honda”, modelo 2491 SC35, cilindrada de 1137 cc, cor preto, com a matrícula ..-..-SO, sua propriedade, a velocidade não concretamente apurada, mas superior a 50 Kms/hora”.(ponto 2)
Relativamente às circunstâncias de local, tempo e lugar aonde ocorreu o sinistro referiu-se que:
“O embate deu-se na via de trânsito destinada aos veículos que circulam no sentido Trofa/Vila do Conde e próximo do eixo da via.” (ponto 7)
“A rua 16 de Maio apresenta no local do embate a configuração de um traçado rectilíneo, com boa visibilidade em pelo menos 800 metros de extensão (ponto 9).
“A faixa de rodagem, no local, apresenta uma largura de 6,10 metros e é composta por duas vias de trânsito, uma afecta a cada sentido, separadas por uma linha longitudinal descontínua pintada no piso, sendo ladeada por edificações e vegetação florestal.
“ A velocidade permitida para o local é de 50 kms/h, imposta por sinalização vertical”.(ponto 11)
“ O piso é betuminoso, encontrava-se em bom estado de conservação e, na ocasião do embate, apresentava-se seco e limpo.”(ponto 12)
“ O tempo estava de sol e limpo.”(ponto 13)
Do supra descrito afere-se sem dúvida que se encontram verificados os elementos em que a recorrente se baseou para a sua pretensão de atribuir igualmente à vitima e condutora do motociclo a culpa do acidente ou sejam, a circulação junto ao eixo da via e a velocidade imprimida por este ser superior à legalmente permitida no local.
No entanto haverá que ter em atenção a dinâmica e o modo como o acidente ocorreu, vertido nos pontos 3 a 6 da matéria de facto provada. E da análise destes afere-se que
“Ao chegar próximo do nº de polícia 1720, a arguida, porque pretendia dirigir-se para a entrada daquela habitação, onde existia uma cabeleireira, iniciou, de forma brusca e repentina, uma manobra de mudança de direcção para a sua esquerda direccionando a frente do seu veículo para o lado esquerdo da hemi-faixa de rodagem em que seguia, atento o seu sentido de marcha, sem o imobilizar e, invadiu com a parte frontal do seu veículo a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava no sentido Trofa/Vila do Conde, precisamente na altura em que por aí circulava o motociclo SO.”(ponto 3)
Que “Perante o imprevisto da manobra acabada de efectuar pela arguida, o motociclo SO onde seguia E…….. embateu frontalmente na parte frontal esquerda do veículo EL onde seguia a arguida”.(ponto 4)
“Devido à violência do impacto deste embate, E…….. e o seu motociclo foram projectados para um terreno de F…….., que ladeia a faixa de rodagem no sentido Trofa/Vila do Conde, e o veículo onde seguia a arguida rodopiou em cerca de 180º graus ficando com a frente do mesmo direccionada no sentido de trânsito Trofa/Vila do Conde, a uma distância de cerca de 5,80 metros daquele motociclo.”(ponto 5)
Acresce que “Na ocasião não existiam nesta parte da via destinada ao tráfego rodoviário proveniente de Vila do Conde com destino a Trofa quaisquer obstáculos que impedissem a arguida de nela prosseguir a sua marcha”.(ponto 6).
Pela descrição acabada de efectuar, dúvidas não existem, nem tal aliás foi posto em causa que conforme se refere nos pontos 17 e 18 que a arguida agiu com violação dos deveres de cuidado a que estava obrigada como condutora, seguindo desatenta, não tendo dado prioridade como lhe competia aos veículos que lhe apreciam pela sua direita, como era no caso dos auto o motociclo conduzido pelo José Sousa, quando efectuava a manobra de mudança de direcção para a sua esquerda invadindo parcialmente a faixa de rodagem contrária.
Posto isto, terá a vítima E……… contribuído igualmente para o acidente?
Sendo a condução de veículos, um acto voluntário, a conduta do agente ter-se-á como por culposa quando ocorra a falta de observância de qualquer dos preceitos estradais destinados a regular o trânsito e a proteger interesses alheios, salvo se o condutor lesante alegar e provar circunstância que justifique o seu comportamento ou que este não foi determinante da verificação do sinistro e dos danos.
O condutor de um veículo motorizado, atendendo à perigosidade da própria máquina que conduz e à própria circulação, deve pautar a condução pela observância das regras estradais, de modo a salvaguardar não só os direitos dos demais utentes da via pública como a sua própria segurança.
Para além da prudência devida, não tem porém o agente de contar com condutas transgressionais dos demais condutores ou comportamentos que, por ilícitos, nem seriam previsíveis .
Se lhe é exigível, uma conduta de prudência e que implica que deva ou possa contar com os factos previsíveis, para poder evitar acidente, não tem que pautar a sua conduta a contar ou na previsão da inobservância das regras da circulação pelos demais condutores, a quem se exige idêntica e rigorosa observância de tais normas.
Como tal e em princípio da violação de regra que regula a circulação de veículos na via pública, que seja causal de acidente, decorre a culpa do agente, que violou essa norma, na produção do acidente.
No entanto, a imputação do dano a título de culpa e o dever de indemnizar só existe se a infracção às regras da circulação rodoviária for causa do acidente, pelo que não basta a mera inobservância da lei para se responsabilizar o infractor por acidente que venha a ocorrer, se com ele não tem relação.
O dever de previsibilidade do condutor de uma viatura automóvel não pode ir para além do normal.
E a nosso ver, para um condutor medianamente diligente, não é de contar com um veículo automóvel que seguindo em sentido contrário, súbito e imprevisivelmente, invada a faixa de rodagem por onde circulava, de forma repentina.
"O condutor de veículo não tem que tomar cautelas especiais desde que o espaço visível à sua frente esteja livre de qualquer obstáculo - já que não é obrigado a prever a conduta contravencional, negligente ou inconsiderada dos demais utentes da via pública -, bastando-lhe que cumpra as regras gerais de trânsito."[7]
É o caso em apreço nos autos: tendo em atenção os factos dados como provados relativamente às circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o acidente ocorreu, e dinâmica deste, atribuir culpa ao condutor do motociclo, seria impor-se-lhe um dever de diligência para além do normal.
"Aos condutores de veículos automóveis é exigido que cumpram as regras de trânsito e que nos deveres gerais de diligência se comportem com a diligência normal de um homem médio: não lhes é, porém, exigível que contem com as condutas contravencionais ou imprudentes de outrem"[8]
E, a nosso ver, não se pode pretender que a velocidade em que o sinistrado imprimia ao motociclo concorreu para o acidente.
É que conforme se refere na matéria de facto provada o acidente deveu-se “ao imprevisto da manobra acabada de efectuar pela arguida” (ponto 4), o que leva a pressupor que aquele ocorreria mesmo que o motociclo circulasse à velocidade de 50 Km/h permitida no local.
Não concordamos de modo nenhum que o facto de o motociclo se deslocar em velocidade superior ao legalmente permitido esteja só por si a potencializar este acidente.
Os limites de velocidade apostos em determinados locais pelas autoridades competentes, baseiam-se sem dúvida na circunstâncias e características dos mesmos (intensidade do trânsito e de peões, características das vias, estado do solo etc) e destinam-se a obrigar o condutor a tomar uma condução apropriada a evitar acidentes.
Só que a nosso ver tais limites e velocidade pressupõem como é óbvio a ocorrência de circunstâncias normais e expectáveis para os locais em questão, e não aqueles seja imprevisíveis e não expectáveis como é o caos em apreço.
Do quadro factual provado na decisão sindicada não resulta minimamente provado que o condutor do motociclo pudesse prever que a invasão parcial da faixa por onde seguia por parte do veículo conduzido pela arguida. Ainda que a condução de veículos seja uma actividade de risco, onde é exigível aos condutores preverem as mais diversas situações, não lhes é exigível que prevejam comportamentos completamente extraordinários, como foi o caso da obstrução da faixa de rodagem por onde então (precisamente naquela altura em que a arguida fez aquela manobra imprevista referida no ponto 3) seguia.
Isto significa que, encontrando-se o motociclo da vítima precisamente naquele local, no momento em que a arguida fez de modo imprevisto a manobra descrita no ponto 3 (sem imobilizar o EL a arguida invadiu com a parte frontal do seu veículo a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava no sentido Trofa/Vila do Conde, precisamente na altura em que por aí circulava o motociclo SO) era indiferente a velocidade que a vítima então imprimia ao seu motociclo.
Conforme a própria sentença referiu a arguida “agiu com negligência, apesar de inconsciente (não viu o motociclo), uma vez que podia ter previsto que da invasão da hemi-faixa de rodagem contrária, resultaria o embate no(s) veículo(s), nomeadamente de duas rodas, que ali circulassem e que deste embate, necessariamente decorreriam lesões graves para o(s) seu(s) tripulantes, do género das que vieram a sobrevir para a vítima e que determinaram a morte deste.
É de notar que o facto de a vítima circular com excesso de velocidade não foi causa do embate, antes o tendo sido o facto de a arguida lhe ter cortado a linha de trajectória. Ou seja, se a arguida não tivesse invadido inopinadamente a hemi-faixa de rodagem contrária não se teria dado o embate.”
Acresce ainda que da análise sobre a dinâmica do acidente aponta inequivocamente para a culpa exclusiva da arguida, ao efectuar irregularmente a manobra de direcção para a esquerda.
Mudar de direcção é tomar uma via confluente daquela em que se segue e o condutor deve fazer o sinal regulamentar com a necessária antecipação, bem visível e significativo, de modo a não deixar dúvidas sobre a sua intenção aos restantes utentes da estrada, aproximar-se do eixo da via e realizar a manobra em sentido perpendicular aquele em que seguia.
Por outro lado, em caso algum deve iniciar tal manobra sem previamente se assegurar que da sua realização não resulta perigo ou embaraço para o trânsito, mesmo que se trate de mero embaraço parcial (arts.20, 35 nº1, 44 nº1 e 2 do Código da Estrada e art.71 do RST).
A arguida ao mudar de direcção para a esquerda, considerando os elementos de facto disponíveis, violou ostensivamente estas normas.
“Por isso, deve considerar-se único culpado de um acidente de viação, o condutor que inicia uma manobra irregular de direcção para a esquerda por forma a cortar a estrada a um veículo que circulava em sentido contrário” (cf., por ex., Ac STJ de 29/10/91, BMJ 410, pág.769).[9]
E mesmo o facto de a vítima circular com velocidade superior à legalmente permitida também só por si não implicava a concorrência de culpas, pois seria imperioso que, no caso concreto, fosse causal do acidente, o que não ocorreu, como já se explicou.
Refere ainda a recorrente que o acidente poderia ter sido evitado se o motociclo circulasse junto à berma e não próximo do eixo da via.
É manifesto a falta de razão da recorrente.
De facto dispõe o art. 13º, nº 1 do Código da Estrada que ”o trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas e passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes”.
No caso em apreço, atento o local do embate e a própria dinâmica do acidente, o motociclo circulava na sua hemi-faixa de rodagem (que foi invadida, de forma imprevista, pela veículo conduzido pela arguida, nos moldes assinalados nos factos provados) próximo do eixo da via, não se tendo apurado outros elementos que permitissem indicar em concreto e com maior precisão aonde o acidente ocorreu (para além de ter sido na hemi-faixa de rodagem por onde circulava o motociclo, próximo do eixo da via), sendo que a via teria uma largura de 6,10m, o que corresponderia uma hemi-faixa de 3.05m em cada sentido.
Poder-se-á antes do mais aventar a hipótese se a vítima teria ou não incorrido na contra-ordenação previsto no citado preceito do Código da Estrada.
Aqui seguiremos a decisão recorrida que responde negativamente argumentando que “atentas as características da hemi-faixa de rodagem por onde seguia o motociclo, nomeadamente com várias entradas de estabelecimentos comerciais (abertos ao público) do lado direito da via – a prudência aconselha a que, naquele concreto troço da via, se reserve distância de segurança que permita evitar acidentes, caso algum veículo ali assome à estrada.
Por isso não se pode censurar quem por ali circule, como a vítima, guardando essa distância.”
É verdade que não se deu como provado da existência de qualquer facto que justificasse que a vítima circulasse mais próximo ao eixo da via, mas também é certo que provado está que o acidente ocorreu no interior de uma povoação mais precisamente na rua 16 de maio em Santiago do Bougado, o que atenta as regras comuns de experiência, torna aceitável que por questões de precaução, não se conduza junto aos passeios e bermas.
É isto aliás que se expõe na motivação da decisão recorrida quando se afasta a eventual conduta contra-ordenacional da vítima, referindo-se que “atentas as características da hemi-faixa de rodagem por onde seguia o motociclo, nomeadamente com várias entradas de estabelecimentos comerciais (abertos ao público) do lado direito da via – a prudência aconselha a que, naquele concreto troço da via, se reserve distância de segurança que permita evitar acidentes, caso algum veículo ali assome à estrada.
Por isso não se pode censurar quem por ali circule, como a vítima, guardando essa distância.”
Refira-se que mesmo que se provasse a prática por parte do condutor do motociclo uma condução contra-ordenacional, não existira a nosso ver qualquer nexo de causalidade entre esta e o acidente.
A obrigação de o trânsito automóvel se efectuar o mais possível junto à berma ou passeio do lado direito, destina-se não só a não estorvar a circulação dos restantes veículos que circulam na mesma direcção ou que com eles se cruzem, nomeadamente facilitando as ultrapassagens, mas também a evitar qualquer acidente por efeito de circulação de peões, ou mesmo de obstáculos que possam aparecer junto às bermas passeios e demais espaços adjacentes.
Nada tem a ver com a necessidade de prevenir o aparecimento de veículos ou outros obstáculos que de forma imprevisível se atravessem na faixa de rodagem, cortando a linha marcha dos veículos de duas rodas.
Não se afigurando assim existir qualquer erro notório na apreciação da prova, nem, aliás qualquer dos outros dois vícios de conhecimento oficioso e a que se referem as al. a) e b) do nº 2 do artº 410º do C.P.P., improcede este fundamentos do recurso.

Da responsabilidade pelo pagamento dos montantes reclamados pelo Instituto de Segurança Social e pagos por este a título de subsídio por morte
Invoca a recorrente que o Instituto de Segurança Social não tem direito ao recebimento dos montantes reclamados por pagamentos processados a título de subsídio por morte, uma vez que aquele sempre seria responsável, dado que a morte se trata de evento certo, com data não determinada e, por isso, não foi custo agravado por terceiro.
Para o caso em apreço haverá que ter em conta o artº 70º da Lei nº 4/2007 actualmente em vigor bem como à data do acidente (e cuja redacção é idêntica ao artº 16º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, e ao artº 71º da Lei nº 32/2002, de 20/12) dispõe-se que no caso de concorrência, pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.
Acresce ainda o art. 3º do DL 59/89 de 22.02 que os devedores da indemnização são solidariamente responsáveis pelo reembolso dos montantes que tenham sido pagos pelas Instituições de Segurança Social.
Feitas as referências aos preceitos normativos a ter em conta e no respeitante à questão do reembolso do subsídio por morte, foi decidido no Ac. desta Relação de 14/11/2007, processo nº 0714126 in www.dgsi.pt que a sub-rogação prevista no art. 16º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto e a que corresponde o artº 71º da Lei nº 32/2002, de 20/12 e actualmente o artº 70º da Lei nº 4/2007, abrange também o subsídio por morte.
Aderimos à orientação tomada no referido Acórdão que de seguida passamos a transcrever:
“Esta Relação, no Acórdão de 22-09-2004, proferido no processo 0411905, da mesma Relatora, abordou a questão em termos com os quais concordamos inteiramente e que passamos a expor.
O artigo 16º da Lei 28/84, de 14/8, diz-nos o seguinte: “No caso de concorrência, pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”.
A nossa jurisprudência tem aceite sem grandes hesitações que este art. 16º abrange as prestações pagas a título de “pensão de sobrevivência”, embora subsista divergência quanto ao âmbito das prestações a abranger (apenas até à propositura da acção, ou também as posteriores a esta data) e quanto ao subsídio por morte.
Na jurisprudência desta Relação podemos encontrar, em suma, três linhas de orientação:
i) uma posição que não admite a sub-rogação referida no citado art. 16º, quanto à pensão de sobrevivência e quanto ao subsídio por morte – Acórdão de 3-04-2003 (JTRP00036354): “o subsídio por morte e pensão de sobrevivência pagos pelo CNP em virtude de morte, provocada em acidente de viação, não são de reembolsar por serem típicos benefícios com vista à protecção social dos familiares da vítima, mas que, pela sua definição legal, saem fora do conceito de indemnização”;
ii) uma posição que admite apenas a sub-rogação relativamente às pensões de sobrevivência, mas não ao subsídio por morte - Acórdão da Relação do Porto de 9-3-2000 (JTRP00028094), reconhecendo apenas o direito às pensões de sobrevivência pagas, excluindo o subsídio por morte; Acórdão da Relação do Porto de 17-5-2000 (JTRP00028519), na mesma linha do anterior; Acórdão da Relação do Porto de 20-9-2000, não reconhecendo a sub-rogação quanto ao subsídio por morte, mas admitindo a ampliação do pedido, até ao encerramento da audiência em 1ª instância, relativamente às pensões de sobrevivência pagas; Acórdão da Relação do Porto de 2-5-2001 (JTRP00031825), também nesta linha, negando a sub-rogação das quantias pagas a título de subsídio por morte; Acórdão da Relação do Porto de 7-2-96 (JTRP00016778), também no mesmo sentido, com o argumento de que o “subsidio por morte sempre teria que ser concedido ainda que a vítima do acidente de viação tivesse morrido de morte natural”;
iii) finalmente, uma posição admite também a sub-rogação do subsídio por morte: cfr. Acórdão da relação do Porto, de 11-6-2003 (JTRP00035294): “o mesmo Centro tem também direito a ser reembolsado das quantias que pagou a título de subsídio por morte”; Acórdão da Relação do Porto, de 7-3-2001 (processo 11138), reconhecendo o direito do CNP a receber o que pagou a título de subsídio por morte; Acórdão da Relação do Porto, de 29-3-2000 (JTRP00028753): “o CNP tem direito ao reembolso do subsídio por morte e do que, a título de pensões de sobrevivência, entretanto já liquidou…já que tal pagamento foi antecipado por causa imputável a conduta de terceiro, podendo mesmo as respectivas quantias (não fora o dito acidente) nem sequer ser prestadas ou sê-lo em menor grau”
Esta última posição tem tido, segundo julgamos, um maior acolhimento jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça – Acórdãos do STJ de 15-12-98 (JSTJ00035441), 21-10-99 (JSTJ00033048), 25-3-2003 (Processo3B3071) e de 3-07-2002 (PROC. 2684/02, 3ª SECÇÃO) – e é, segundo cremos, a que melhor se adequa às disposições legais aplicáveis.
Nos artigos 1º e 2º do Dec-Lei 59/89, de 22 de Fevereiro, está prevista a citação das instituições de segurança social para que estas possam deduzir o “pedido de reembolso de montantes que tenham pago em consequência de acidente de trabalho ou acto de terceiro”.
Este artigo veio disciplinar, em termos adjectivos, o exercício da sub-rogação legal prevista no art. 16º da Lei 28/84, de 1478, acima transcrito. Os termos em que a lei se refere ao âmbito da sub-rogação (valor das prestações que lhes cabe conceder – art. 16º da Lei 28/84 – ou reembolso dos montantes que tenham pago em consequência dos eventos referidos – art. 1º, n.º 2 e 2º, n.º 3 do Dec-Lei 59/89, de 22/2) parecem bastar-se com o facto de ter havido esse pagamento e que o mesmo seja imposto devido a um facto (morte ou acidente) provocado por terceiro.
Não há assim que estabelecer uma distinção de natureza quanto às prestações pagas. “Este direito de sub-rogação, estabelecido sem qualquer distinção nos artigos 16º da Lei 28/84, de 14 de Agosto, e no artigo 71º da Lei 32/2002, de 30 de Dezembro, num quadro em que não se vislumbram razões de sistema para distinguir, não é afastada pela natureza do subsídio por morte, certo que não é atribuído como contrapartida de descontos em vida do beneficiário. Dir-se-á que as instituições de segurança social assumem um papel subsidiário e provisório face à obrigação de indemnização de que é sujeito passivo o autor do acto determinante da responsabilidade civil” – cfr. Acórdão do STJ der 23/10/2003 (processo 03B3071).
Julgamos ser de acolher este entendimento e configurar o “dever de prestar” das instituições de segurança social, nos casos em que o facto gerador do pagamento das prestações seja causado por terceiro, como uma obrigação subsidiária e provisória, face ao dever de indemnizar do responsável civil. Destacando o carácter “provisório e subsidiário” desta obrigação, cfr, ainda, o Acórdão do STJ de 3-07-2002 (processo 2684/02 – 3ª Secção). Sendo assim, quer o subsídio por morte, quer os montantes da pensão de sobrevivência pagos pelo Instituto de Segurança Social devem ser reembolsados, independentemente da sua natureza e do facto de constituírem obrigações próprias da Segurança Social.”
São vários os acórdãos de Tribunais Superiores, nomeadamente os do Supremo Tribunal de Justiça, que apontam neste sentido, como por exemplo entre outros o Acórdão do STJ de 17 de Junho de 2008 in www.dgsi.pt – processo n.º 08A159, relator Moreira Camilo, em cujo sumário se pode ler:
“…
VI - A obrigação de pagamento pelas instituições de segurança social do subsídio por morte e de pensões de sobrevivência a familiares do beneficiário falecido, nos casos em que há terceiros responsáveis pela morte, apenas representa um adiantamento “em lugar do devedor”.
VII - Assim, assegurando o ISSS, nesses casos, provisoriamente, a protecção desses familiares, cabe-lhe, em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagos, incluindo-se aqui o subsídio por morte.”
Por outro lado aderimos na totalidade à posição referida na sentença recorrida relativamente ao facto de a morte ser um evento certo e por isso não se reflectir como um custo agravado.
Escreveu-se ali que contra tal argumentação que “a morte do beneficiário foi indelevelmente antecipada por acto ilícito de terceiro e que deu causa ao facto gerador de responsabilidade.
Ou seja, se esse acto de terceiro não tivesse sido praticado não chegaria a nascer, pelo menos naquele momento, a obrigação legal de pagamento das aludidas prestações sociais (sendo sempre possível que, num momento subsequente, nem existisse alguém nas condições legais de as receber).
Não poderemos estar mais de acordo, sendo que a legitimidade do pedido por parte do Instituto de Segurança Social é simples e assenta no que se encontra estatuído no n.º 1 do art.º 483º e no art.º 562º do Código Civil.
Este instituto não teria que pagar os quantitativos em apreço nos momentos em que o fez se o acidente não tivesse ocorrido e só os pagou nesses momentos porque o acidente ocorreu, isto é, por causa do acidente. O que o torna, para todos os efeitos, um lesado.
E isso é um facto indesmentível.
Assim sendo, mantém-se o decidido na decisão recorrida no tocante ao reembolso do subsídio por morte, devendo o recurso improceder na sua totalidade
*
III DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e manter na totalidade a decisão recorrida.
- Custas pela recorrente (na sua qualidade de demandada cível), “Companhia de Seguros C…….. S. A.”.
Processado em computador e revisto pela 1º signatário – art. 94 nº 2 do CPP)

Porto, 13 de Setembro de 2010
Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas
Luís Augusto Teixeira
______________
[1] ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] cfr. Simas Santos e Leal Henriques, CPP, 2ª ed. V. II, pág. 740.
[4] Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2ª ed., págs. 1036 ss.
[5] “O conceito de erro notório na apreciação das provas tem que ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja, de que todos se apercebem directamente, ou que, observados pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório” ( Ac. STJ de 6/4/1994, CJ, ano II, t.2, p. 186.
[6] Menos exigente ainda é a corrente representada pelo Ac. STJ 30/1/02 Proc. n.º 3264/01 - 3.ª Secção, ("http://www.stj.pt/nsrepo/cont/Anuais/Criminais/Criminais2002.pdf" ) , segundo o qual “para que se verifique o requisito da notoriedade do vício não é indispensável que o erro não passe despercebido ao comum dos observadores, isto é, que seja por eles facilmente apreensível. Atentos os fins judiciários visados com a previsão do vício e a regulação dos seus efeitos, a sua evidência deve ser aferida por referência à possibilidade de não passar despercebido, de ser facilmente detectável, por julgador com a preparação e a experiência pressupostas pelo exercício da função. Aquela visão de maior exigência para a verificação do vício - resultante de se referenciar a sua evidência à possibilidade da sua fácil percepção pela pessoa comum - diminuiria injustificadamente o efeito pretendido com a previsão do seu conhecimento, mesmo oficiosamente; efeito esse radicado no objectivo de evitar tanto quanto possível decisões de facto não consentâneas com a prova produzida, de forma a limitar o risco de decisões injustas.”
[7] (Ac. Relação de Coimbra de 18-11-1977, B.M.J. n° 274-316)
[8] (A.S.T.J. de 6-3-1974, B.M.J. n° 235-113)
[9] (cf., por ex., Ac STJ de 29/10/91, BMJ 410, pág.769).