SOCIEDADE POR QUOTAS
CESSÃO DE QUOTA
CONSENTIMENTO
EFICÁCIA
Sumário

I - A cessão de quota da sociedade carece do consentimento desta para ser eficaz.
II - A recusa do consentimento deve ser acompanhada de uma proposta de amortização ou de aquisição da quota sob pena de a cessão se tornar livre.
III - A não aceitação da proposta mantém a recusa de consentimento.
IV - Tendo a cessão de quota tido lugar antes de decorridos três anos após a aquisição pelo cedente, a simples recusa de consentimento torna-se ineficaz.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
Nos presentes recurso de revista em que são recorrentes A, B e C e recorridos os mesmos, notificados do acórdão de 27 de Maio de 1999 - folhas 323 a 326 - veio a recorrente A nos termos do disposto no nº 3 do artigo 668º do Código de Processo Civil, ex vi artigos 716º e 732º do mesmo Código, arguir a nulidade do mesmo acórdão com o fundamento de omissão de pronúncia: a não apreciação da questão da anulação (ou não) da deliberação social de amortização da quota da D.
Os recorridos B e C nada disseram.
Corridos os visto, cumpre decidir.
II
Analisando o acórdão posto em crise verifica-se que não abordou a questão colocada pela recorrente A nas conclusões das suas alegações, qual seja a de saber se a deliberação social de amortização da quota da D não deve ser declarada anulada.
Existe, pois, a invocada nulidade que será suprida com a abordagem de tal quesito.
III
Se a deliberação social de amortização da quota da D não deve ser declarada anulada.

1 - Elementos a tomar em conta:
a) Por escritura de 18 de Maio de 1993, D cedeu, sem prévio conhecimento da Ré A, a sua filha,, a Autora C, a quota da mesma sociedade Ré de que era titular desde 16 de Outubro de 1991.
b) A C não foi convocada para a Assembleia Geral da Sociedade Ré de 15 de Outubro de 1993.
c) Tal assembleia deliberou, por maioria, recusar o consentimento da sociedade para tal cessão de quota, decidindo depois amortizar a mesma.

2 - Posição das instâncias e das partes.
2a) A 1ª instância (Tribunal de Círculo de Portimão) decidiu que a cessão de quota feita por D a sua filha C é ineficaz quanto à Ré A,, por falta de assentimento, sendo válidas as deliberações de recusa do consentimento e de aquisição da quota em questão, porque tomadas ao abrigo do artigo 4º do pacto social e nº 4 do artigo 231º do Código das Sociedades Comerciais.
2b) A Relação de Évora, por acórdão de 3 de Dezembro de 1998, decidiu declarar anulada a deliberação da assembleia geral da Ré A, de 15 de Outubro de 1993, à amortização pela Ré da quota pertencente à socia D, com fundamento de que o artigo 231º do Código das Sociedades Comerciais tão somente consente que a assembleia geral amortize a quota se ao cedente foi feita esta proposta e ele a aceitou no prazo de 15 dias, o que não aconteceu, sendo assim forçada a amortização de quota da sócia D.
2c) A Recorrente A sustenta que deparando-se com o facto consumado de cessão de quota sem o seu prévio consentimento, isto é, sendo apenas "chamada" a prestar (ou não) o seu consentimento, após a escritura de cessão para o qual o mesmo seria indispensável, a sociedade poderá optar por recorrer a um dos mecanismos previstos no artigo 231º do CSC, o que fez ao deliberar a amortização de quota, ou nada fazer, circunstância em que a pretensa cessão lhe é inoponível, por ineficácia.
Conclui pela validade da amortização da quota do sócio D e da deliberação tomada nesse sentido pela sua assembleia geral realizada em 15 de Outubro de 1993.
2d) Os autores sustentam dever ser considerada anulável a deliberação de amortização de quota cedida porquanto, por um lado, o pacto social da recorrida (artigo 11º) não estabelece como penalidade de uma cessão de quota sem consentimento a amortização da mesma, conforme é admitido pelo artigo 229º, nº 6, do Código das Sociedades Comerciais.
Por outro lado, de acordo com o artigo 231º, do CSC, o direito que a sociedade Ré teria eventualmente de recusar o consentimento da cessão deveria ser comunicado directamente ao sócio com uma proposta de amortização ou de aquisição de quota, a qual nos presentes autos não foi efectuada, o que determina a ilegalidade da amortização deliberada, com a consequente anulação desta deliberação.
Que dizer?

3 - O regime geral da cessão de quotas vem estatuído no artigo 228º do CSC, a transmissão de quotas intervivos deve constar de escritura pública, não produz efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por esta e torna-se eficaz para com a sociedade logo que por ela for reconhecida, expresso ou tacitamente.
O consentimento da sociedade surge como requisito legal da eficácia da cessão de quotas:
"enquanto a cessão não for consentida, a sociedade pode ignorá-la, tudo se passando como se nenhuma cessão tivesse existido: ao cedente e não ao cessionário exigirá a sociedade o cumprimento de obrigações e o cedente, não o cessionário, tem legitimidade para exercer os direitos sociais" - Raul ventura, Sociedades por Quotas, vol. 1, 2ª edição, páginas 585-586.

4 - O regime de recusa do consentimento da sociedade para a cessão de quotas vem estatuído nos nsº 1 e 2 do artigo 231º do CSC: a comunicação da recusa do consentimento deve incluir uma proposta de amortização ou de aquisição de quotas; o cedente pode acusar ou repudiar a proposta; a não aceitação da proposta mantém a recusa do consentimento; a cessão torna-se livre, apesar da recusa do consentimento, se a comunicação de recusa do consentimento não incluir uma proposta de amortização ou de aquisição da quota; a cessão torna-se ainda livre quando se verificar alguma das circunstâncias descritas no nº 2, do citada disposição.

5 - O regime acabado de assinalar só é aplicável no caso de a quota (cedida ou a ceder) estar há mais de três anos na titularidade do cedente, do seu cônjuge ou de pessoa a quem tenham, um ou outro sucedido por morte - cfr nº 3 da citada disposição legal.
A lei não considera merecedor de protecção conferida nos nsº 1 e 2 do artigo 231º quem não tenha estado na titularidade da quota durante um tempo mínimo. Consequentemente, a cessão da quota antes desse tempo pode tornar-se ineficaz por recusa do consentimento, sem que contra tal deliberação da sociedade o cedente tenha qualquer protecção (cfr. Raul Ventura, obra citada, página 651).

6 - Face às considerações expostas, em conjugação com a matéria fáctica fixada, poderá precisar que, por um lado, à cessão de quota em causa não é aplicável a regime estatuído nos nsº 1 e 2 do artigo 231º (a cessão não se tornou livre pela circunstância de a deliberação social que recusou o seu consentimento não ser submetida ao cedente uma proposta da aceitação da amortização tomada também em deliberação).
Por outro lado, a inaplicabilidade do regime estatuído nos nsº 1 e 2 do artigo 231º: à cessão de quota em causa vem a significar que o cedente não tem qualquer protecção contra a deliberação da sociedade a recusar o consentimento: a cessão de quotas mantém-se ineficaz.
Ainda cumpre assinalar que o afastamento do regime estatuído nos nsº 1 e 2 do artigo 231º à cessão de quota em causa traduz-se na invalidade da amortização da quota cedida com recusa do consentimento da Ré; invalidade que se manteria mesmo no caso que a deliberação de amortização tivesse sido acompanhada (e não o foi) de uma proposta de aceitação ao cedente.
Conclui-se, assim, que a deliberação social de amortização da quota da sócia D deve ser declarada anulada.
IV
Conclusão:
Do exposto, poderá precisar-se que:
1) O afastamento do regime estatuído nos nsº 1 e 2 do artigo 231º do CSC a cessão de quotas em causa traduz-se na invalidade da amortização de quota cedida com recusa do consentimento da Ré.
2) O acórdão recorrido não merece censura por ter observado o afirmado em 1).
Termos em que:
a) se atende à reclamação, analisando a questão da validade (ou não) da deliberação social de amortização da quota da D.
b) Se nega a revista da Ré A.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 21 de Outubro de 1999.
Miranda Gusmão,
Sousa Inês,
Nascimento Costa.