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ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUTO-ESTRADA
CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DE SEGURANÇA
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - Por força do nº 1 do artº 12º da L. 24/2007 de 18 de Julho era à concessionária que cabia o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança. II - Não tendo demonstrado ter cumprido a sua obrigação de proporcionar aos utentes da via as condições indispensáveis à circulação rodoviária, há que concluir pela responsabilidade da concessionária na eclosão do acidente e, por via do seguro, à chamada, sendo sua obrigação reparar os danos dele decorrentes.
Texto Integral
Processo nº6462/07.8TBMTS - Apelação
1ª secção
Acordam na Secção Cível (1ª Secção), do Tribunal da Relação do Porto:
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Em acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma sumária, veio B………. propôs contra C………., SA, ambas com os sinais dos autos, a presente acção com processo comum na forma sumária, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 10.867,44, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento. Alega para tanto, em síntese, que um seu veículo ligeiro de passageiros sofreu em 11.02.2007 um acidente de viação ocorrido na auto-estrada concessionada pela R A4, ao Km 5,100, no concelho de Matosinhos, por terem surgido cães na faixa de rodagem por onde o mesmo seguia, tendo o condutor entrado em despiste para não embater nos animais. Do sinistro resultaram danos no veículo, que valia € 13.367,44, tendo a A. vendido os salvados no valor de € 2500.
Citada a R, contestou e, em síntese, impugnando por desconhecimento a matéria de facto alegada e dizendo que efectua patrulhamentos diários em viaturas que circulam, de forma ininterrupta, durante vinte e quatro horas, nada tendo sido detectado que pudesse pôr em causa a normal circulação, não tendo tido conhecimento de que se encontrassem animais na via. Conclui pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
Por ter sido alegada a transferência de responsabilidade por contrato de seguro, foi admitida a intervenção principal de Companhia de Seguros D………., SA, que apresentou contestação, concluindo em termos idênticos aos da R..
No saneador foi o processo julgado isento de nulidades e excepções e dispensada a selecção da matéria assente e a base instrutória.
Realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova nela produzida, foi, a final, proferida sentença, julgando a acção procedente e, em consequência, condenando a R e a chamada a pagarem à A. a quantia de € 10.867,44, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento, cabendo à R o valor de € 2.500 correspondente à franquia e o restante à chamada.
Inconformadas, quer a R. C………., SA, quer a chamada D………., COMPANHIA DE SEGUROS, SA, recorreram, apresentando as respectivas alegações em cujas conclusões dizem que:
A) da Recorrente D………., COMPANHIA DE SEGUROS SA:
1- O Meritíssimo Juiz "a quo", na sua decisão, incorreu numa nulidade porquanto introduziu como elemento fundamental para a decisão condenatória, factualidade não alegada pelas partes (o não alerta ou a não informação aos utentes e ao utente concreto dos Autos, a Autora ora Recorrida a que aludem as Bases Llll n.° 2 e LIV n.° 1 da concessão aprovada pelo Decreto-Lei n.° 189/2002, de 28.8), para depois decidir sobre ela, portanto em manifesto excesso de pronúncia e em clara ofensa ao regime do art. 668.°, n.° 1, d) do C.P.C.
2- O Meritíssimo "A quo", na sua decisão, incorreu numa segunda nulidade consistente em manifesta contradição entre a decisão e os seus fundamentos. Com efeito o Tribunal condenou a Ré e ora Recorrente C………. por esta não ter dado ao condutor da viatura dos autos o alerta ou a informação a que aludem as referidas bases, todavia, na fundamentação da matéria de facto, claramente deu como provado que (I) a C………., antes do acidente, não teve conhecimento da existência de cães ou na animais na via, (II) que nesse dia os funcionários da mesma efectuaram vários patrulhamentos a toda a extensão da concessão, tendo passado por diversas vezes no local do sinistro e não detectaram qualquer animal, designadamente, um ou mais cães, nas imediações daquele local (resposta art.º 21 da Contestação) e ainda que (III) a C………. efectua patrulhamentos diários em regime de turnos e durante 24h (resposta art.º 22 da Contestação).
3- Incorreu portanto em nulidade por contradição entre a decisão e os seus fundamentos, agora em clara ofensa ao regime do art. 668.°, n.° 1, c) do C.P.C.
4- Nos termos do disposto no art. 664.° do Código do Processo Civil, para a boa decisão da causa, o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto no art. 264.° do mesmo diploma. De acordo com este ultimo preceito, cabendo às partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções (n. °1), o juiz só pode basear a sua decisão nos factos alegados pelas partes e da consideração, mesmo que oficiosa, dos factos instrumentais, que resultem da instrução e discussão da causa (n.° 2).
5- E ao abrigo do disposto na alínea f) do n.° 2 do art. 650.° do mesmo Código, deve o juiz providenciar, até ao encerramento da discussão, pela ampliação da base instrutória, nos termos do disposto no art. 264.°.
6- Afigura-se, assim, por todo o exposto que ao decidir como decidiu, violou o Venerando Tribunal da Relação o disposto nos arts. 661.°, 664.° e 668.° todos do C.P.C., incorrendo em nulidades que só em sede do presente recurso podem ser arguidas, pelo que a decisão deve ser revogada e substituída, porque nula e ilegal, por uma outra que absolva a Recorrente e sua segurada também ora Recorrente do pedido.
7- A gravação da audiência é hoje entendida como podendo pôr em crise o principio da imediação e da livre apreciação da prova, permitindo, assim, ao Tribunal de Segunda Jurisdição, reapreciar livremente a prova e alterá-la naqueles casos em que se designadamente, se detectem erros notórios na apreciação dos depoimentos por parte de 1.a Instância.
8- Tais erros flagrantes e notórios foram, de facto, cometidos pelo Meritíssimo Juiz "A quo" na sua apreciação da prova designadamente quanto ao atravessamento dos animais na via como causa primeira do acidente, uma vez que os depoimentos das testemunhas da Autora e ora Recorrida, E………., F………. e G………. foram totalmente contraditórios e inconsistentes quanto às respostas aos arts. 5.°, 7.°, e 8.° da PI.
9- Em síntese, (I) para uma testemunha (E……….) a distância a que pensava vir do veículo da Autora, afinal, revelou-se 4 vezes superior; (II) para duas testemunhas (E………. e F……….) chovia, enquanto que para outra (G……….) não chovia; (III) para uma testemunha (E……….) o acidente dá-se com cães em movimento, provenientes do lado direito do condutor, enquanto que (IV) para outra testemunha (F……….) o acidente dá-se porque o condutor se desviou de 4 cães que estavam estáticos numa curva e que nessa posição permaneceram após o embate sendo que, finalmente (V) para outra testemunha (G……….) o acidente dá-se numa recta quando se desvia de cães que saem de trás de um pilar.
10- No entender da ora Recorrente, estes depoimentos foram totalmente contraditórios e inconsistentes quanto às respostas à factualidade vertida nos arts. 5.°, 7.° e 8.° da PI deve ser alterada para "não provado" , o que deve ser feito por este Venerando Tribunal da Relação no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo regime do art. 712.° do C.P.C.
11- O Tribunal decidiu mal ao considerar a Lei n.° 24/2007, de 17 de Julho, designadamente o norma vertida no seu art. 12.° como tendo, natureza de norma interpretativa e ao aplicá-la aos autos.
12- A jurisprudência dos Tribunais Superiores designadamente desta Relação do Porto tem entendido que a referida Lei «não tem nem lhe foi atribuída natureza interpretativa, dispondo apenas para os acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor (cfr. arts. 12.°, n.° 1 e 13.° n.° 1 do Código Civil» (Ac Tribunal da Relação do Porto de 29.1.08 que pode ser consultado em www.dgsi.pt sob o n.° RP200801290720837).
13- Conforme se entendeu e bem nesse aresto, tratando-se de «acidente ocorrido antes de 19/07.2007 (cfr. Lei n.° 24/2007, de 28/7) num troço de auto-estrada não sujeito a portagem, o utente da mesma só pode demandar a empresa concessionária com base na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, não sendo caso de presunção de culpa» (citado aresto).
14- A Lei Antiga em que o Tribunal se baseou, no caso, as Bases Llll n.° 2 e LIV n.° 1 da concessão aprovada pelo Decreto-Lei n.° 189/2002, de 28.8 e os art. 483.° e 487.° do C. Civil, desde logo não deixam margem para fixação de possíveis interpretações.
15- O art.º 483.° do C. Civil, princípio basilar da responsabilidade civil extracontratual, determina que «quem com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação» enquanto que o art. 487.° do mesmo Código reza que «é ao lesado que incumbe provar a culpa do lesante salvo havendo presunção legal de culpa»
16- Apenas se detectam presunções de culpa em sede de responsabilidade civil extracontratual e contratual, respectivamente, nos art. 492.° e 493.° em matéria de conservação de imóveis ou em matéria de acidentes de viação nos casos em que o veículo é conduzido por comissário tal como reza o art. 503.° n.° 3 do C. Civil (na responsabilidade extracontratual) e no art. 799.° do mesmo diploma (agora em sede de responsabilidade contratual).
17- O art.º 12 da Lei 24/07, de 17 de Julho em parte alguma alude a uma presunção de culpa que impenda sobre a concessionária, mas tão só se reporta ao ónus da prova do cumprimento de obrigações de segurança rodoviária, designadamente em matéria de acidente causado por atravessamento de animais.
18- Se o legislador tivesse querido estabelecer neste preceito uma presunção de culpa, teria utilizado uma outra redacção, por exemplo: «o concessionário de auto-estrada com ou sem obras em curso que tenha a seu cargo o dever de a conservar ou de prover à segurança rodoviária responde pelos danos causados a pessoas e bens salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que mesmo que a tivesse empregue os mesmos não se teriam evitado».
19- Do mesmo modo, em parte alguma das Bases da concessão L III e LIV aprovada pelo referido Decreto-Lei n.° 189/2002, de 28.8. em que o Tribunal igualmente se escudou se alude a qualquer presunção de culpa da concessionária sendo claro que o dever de alerta em cujo alegado incumprimento, a douta sentença se escudou para declarar que a C………. não cumpriu os seus deveres em matéria de segurança rodoviária fixar não se reporta à presença ou aparecimento de animais na via mas apenas e tão só «à monitorização do tráfego, a identificação de condições climatéricas adversas à circulação (e) a detecção de acidentes...».
20- Este diploma, veio a ser regulamentado pelo Decreto-Regulamentar n.° 12/2008, de 9 de Julho, que em matéria de obras e sinalização das mesmas, também comina deveres de informação aos utentes, designadamente em matéria de incidentes com obras e em ordem a acautelar o risco da sua ocorrência, - que pode ser tanto ou maior do que o decorrente do atravessamento da via por animais - o qual claramente não tem carácter retroactivo, atenta a norma transitória vertida no seu art. 23.°.
21- As origens da presente Lei n.° 24/2007, de 17 de Julho (elemento histórico de interpretação) claramente revelam que a ideia que esteve subjacente à sua publicação foi a de criar uma norma inovadora e até integradora de uma lacuna do sistema.
22- A Lei em apreço corresponde à aprovação do Decreto n.° 122/XX da Assembleia da República, aprovado em 17 de Maio de 2007 o qual, por sua vez, absorveu os projectos de diploma apresentados na Assembleia pelo BE e PCP, respectivamente como projectos de lei n.° 164/x e 145/x que se juntam com as presentes alegações por se mostrarem necessários à compreensão do presente recurso, em virtude da decisão proferida em 1.a Instância nos termos do disposto no art. 706.° do C.P.C, (cfr docs n.° 1 2 e 3)
23- Como decorre do texto dessas propostas o que se pretendeu foi que «...O estado, através da via legislativa, actue, clarificando os direitos dos utentes das auto-estradas e as obrigações dos concessionários» (texto da proposta do BE) e que se suprisse uma lacuna do sistema em face da inexistência de «uma efectiva uniformização de critérios e de orientações, inclusivamente ao nível de procedimentos técnicos em operações de conservação e manutenção etc.» De resto «A necessidade de suprir tal lacuna em termos legislativos e regulamentares foi, aliás, sublinhada no Relatório de Auditoria aprovado pelo Tribunal de Contas a 10 de Abril de 2003, no âmbito da auditoria então realizada ao contrato de concessão da Brisa» (texto da proposta do PCP).
24- Segundo a lição de Manuel de Andrade «não estamos em face duma interpretação autêntica quando se regula só para o futuro ou se completa qualquer lacuna duma lei precedente (Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra- 1978, pág. 132).
25- Assim é de concluir que a Lei n.° 24/2007 não veio interpretar quer as referidas normas do Código Civil quer as especificamente decorrentes das bases da concessão antes se analisando numa norma inovadora que veio suprir uma lacuna do sistema.
26- A Responsabilidade da C………., segurada da ora Recorrente, pela conservação das vias que explora, para com os utentes que as venham a utilizar a não é contratual, mas sim puramente extra-contratual conforme jurisprudência e doutrina pacíficas (cfr. por todos, Prof. Manuel Carneiro da Frada, sobre a responsabilidade civil das concessionárias por acidentes ocorridos em auto-estradas, ROA, 2005, pág. 407 e ss. e citado aresto do Venerando Tribunal da Relação do Porto acima referido.
27- Atento o regime dos art. 483.° e 487.° do Código Civil, não provou a Autora a culpa da Ré e ora Recorrente C………., não se verificando, portanto, os requisitos para efectivação da responsabilidade civil extracontratual desta.
28- Designadamente não provou a Autora e ora Recorrida qual o defeito concreto da instalação ou qual a violação do dever de diligência e conservação da Concessionária que terá permitido o alegado atravessamento da via pelos ditos animais.
29- Assim como não provou a Autora e ora Recorrida que a rede que ali se encontrava colocada estivesse esburacada ou porque não estivesse bem implementada, em termos de obviar a que através de si passassem facilmente animais do tipo daqueles que se atravessaram à frente do carro da Autora (citadas respostas negativas aos art.º 14 e 21.° da PI)
30- As ora Recorrentes provaram que não tiveram conhecimento do alegado aparecimento dos animais da via anteriormente ao acidente e provaram que exerceram o seu dever de fiscalização e controle (citadas respostas positivas aos artigos 21.° e 22.° da Contestação da Ré e também ora Recorrente C……….).
31- O dever de vigilância que recai sobre a concessionária deve ser entendido em termos de dever médio, não implicando a "característica da omnipresença "(cfr. por todos Ac. STJ de 2.6.03, que pode ser consultado em dgsi.pt doc. n.° SJ200402030040816).
32- Termos em que a sentença deve ser revogada, porque ilegal, por infracção ao disposto nos art.º 12.° 13.°, 483.° e 487,° do C. Civil e ainda ao disposto nas Bases as Bases Llll n.° 2 e LIV n.° 1 da concessão aprovada pelo Decreto-Lei n.° 189/2002, de 28.8, pelo que a sentença deve ser revogada e substituída por uma outra que absolva as Rés e ora recorrentes D………. e C………. do pedido:
33- Mesmo que se considerasse a referida Lei aplicável retroactivamente aos autos desde logo falece, de todo a prova de um dos requisitos de aplicação da referida Lei, a saber, a verificação obrigatória, no local, pela entidade policial competente, da confirmação das causas do acidente.
34- A Lei n.° 24/2007, de 17 de Julho determina no n.° 2 do seu art. 12.° que, «para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente...»
35- Esta prova não foi produzida na acção, até porque nem foi concretamente alegada pela Autora na sua PI. O Tribunal deu como provado que uma Brigada de Trânsito, que ali se deslocava em patrulha tomou conta da ocorrência. Esta resposta decorre da matéria alegada no art. 23.° da PI onde se alegava que «acontecido que foi o acidente logo o condutor do veículo sinistrado solicitou ajuda à Brigada de Trânsito que ali fez deslocar uma patrulha que tomou conta da ocorrência e que forneceu à Autora cópia do respectivo Auto (Auto de ocorrência de 14.02.07 (doc. 1)».
36- Mas uma coisa é a entidade policial tomar conta de uma ocorrência consistente num acidente de viação outra, bem diferente, é a confirmação obrigatória no local das causas do acidente.
37- Se a causa do acidente foi um despiste decorrente de um desvio seguido de perda de controlo de veículo a fim de evitar o embate em animais que atravessavam a estrada, a entidade policial teria que atestar a existência do atravessamento da via por tais animais o que não se verifica pois, do Auto Policial de Ocorrência apenas consta a versão que o condutor do veículo deu ao agente participante, soldado H………. o qual, nem nesse Auto nem em julgamento, fez constar ou afirmou ter confirmado a existência de animais no local.
38- De resto no dito Auto Policial, onde o referido agente transcreveu a versão do condutor do veículo, no campo reservado a VESTÍGIOS NO LOCAL consta claramente a seguinte expressão «não foram verificados»
39- Assim, ao decidir como decidiu, e mesmo a considerar-se aplicável aos autos a Lei n.° 24/07, violou o Tribunal o regime constante do n.° 2 do seu artigo 12.° pelo que a sentença deve ser revogada e substituída por uma outra que absolva as Rés e ora Recorrentes D………. e C………. do pedido.,
40- Mesmo que assim se não entendesse, o que se não concede, sempre se dirá que a recair sobre a C………. o ónus da prova de do cumprimento das obrigações de segurança, nos termos do disposto no n.° 1 do art. 12.° da citada Lei a prova produzida foi clara no sentido de que esse ónus foi cumprido.
41- Por um lado e como acima se concluiu tem sido pacífico na jurisprudência anterior à entrada em vigor da referida Lei que o dever de vigilância que recai sobre a concessionária deve ser entendido em termos de dever médio, não implicando a "característica da omnipresença " (cfr. por todos Ac. STJ de 2.6.03, que pode ser consultado em dgsi.pt doc. n.° SJ200402030040816), não se descortinando qualquer razão para que este entendimento deixe de ser válido, agora no quadro dos deveres impostos pela referida Lei.
42- As concessões para exploração de auto-estradas implicam a apresentação de um projecto que é aprovado pelas entidades competentes, actualmente a Estradas de Portugal, e que, nos termos dos diplomas que aprovam essas bases é sempre obrigação da concessionária vedar a Auto-estrada em toda a sua extensão, utilizando, para o efeito, as vedações aprovadas pela referida entidade (cfr. por exemplo Base XXX da concessão aprovada pelo Decreto-Lei n.° 189/2002, de 28 de Agosto).
43- Não há qualquer registo nos autos de que estes normativos tenham sido incumpridos pela C………., bem ao invés, deu-se como assente que ela não sabia da presença de cães anteriormente ao acidente e que (I) no dia do acidente os seus funcionários efectuaram vários patrulhamentos a toda a extensão da concessão, tendo passado por diversas vezes no local do sinistro e não detectaram qualquer animal, designadamente, um ou mais cães, nas imediações daquele local (resposta art.º 21 da Contestação); (II) que ela efectua patrulhamentos diários em regime de turnos e durante 24h (resposta art.º 22 da Contestação), assim como se deu como não assente (III) que a rede que ali se encontrava colocada estivesse esburacada ou porque não estivesse bem implementada, em termos de obviar a que através de si passassem facilmente animais do tipo daqueles que se atravessaram à frente do carro da Autora (art.º 14 e 21.° da PI)
44- A actuação da C………. no caso dos autos demonstra que todos os deveres de prevenção e fiscalização da via foram tomados e que esse ónus foi cumprido.
45- Ao decidir como decidiu, e mesmo a considerar-se aplicável aos autos a Lei n.° 24/07, violou o Tribunal o regime constante do n.° 1 b) do seu artigo 12.° pelo que a sentença deve ser revogada e substituída por uma outra que absolva as Rés e ora Recorrentes D………. e C………. do pedido.
46- Como melhor resulta do Auto de Ocorrência e da prova documental e testemunhal que foi produzida nos autos o condutor do veículo tinha 19 anos no momento do acidente, estava encartado há pouco mais de seis meses e possuía o carro há cerca de dois dias.
47- Conduzia a cerca de 80/90 Km/H, de madrugada, com piso encharcado.
48- Pese embora os limites máximos de velocidade tenham sido respeitados, a velocidade que, em concreto, esse condutor imprimiu ao veículo, mostrou-se desajustada às condições de condução, designadamente climatéricas e que terá sido a única ou pelo menos a principal causa do despiste, em clara infracção ao disposto no art. 24.°, n.° 1 e 25.°, n.° 1 h) do Código da Estrada pelo que só ele responde pelos danos causados no veículo, devendo as Recorrentes, em conformidade, ser absolvidas do pedido.
B) Da recorrente, C………., S. A.:
1. Salvo o devido respeito, a douta sentença do Tribunal a quo enferma de nulidade por omissão de pronúncia relativamente à matéria alegada pela R. nos itens 10°, 1 1º, 12° e 13° da sua contestação, matéria essa que é nitidamente importante para a boa decisão desta lide, mais ainda quando a A. alega que o acidente se ficou a dever à existência de animais nas vias;
2. De resto, grande parte dessa factualidade constitui até facto público e notório (que a A4, na parte da concessão da R., é uma auto-estradas sem portagens, que os Nós de acesso não são fechados por não haver barreiras de portagem, p. e.), sendo curioso ainda verificar que o próprio Tribunal acaba por reconhecer isso mesmo na resposta à matéria de facto - cfr. última página e parágrafo daquela resposta;
3. Era (e é) possível considerar essa matéria como provada com base designadamente nos depoimentos conjugados das testemunhas I………., J………., K………. e L……….;
4. No que à resposta sobre a matéria de facto se refere, e concretamente, àquela dos artigos 5º, 7.º e 8º da douta p. i., cremos que também não andou bem a decisão do Tribunal, uma vez que estes artigos deveriam ter sido considerados não provados (e não, como aconteceu, dados como provados);
5. Efectivamente, colhe-se facilmente dos três depoimentos transcritos no "corpo" das presentes alegações (de E………., F………. e G……….) e importantes para este efeito que estamos perante três versões completamente distintas do mesmo sinistro e ainda que temos três explicações bem diversas para o aparecimento dos animais na via, para o local onde terão sido avistados, para o trajecto que posteriormente ao sinistro terão feito, etc, sendo certo que apenas num ponto todos estão de acordo, ou seja, que o automóvel da A. circulava na via da direita das 3 aí existentes (contrariando, apesar de tudo, as próprias declarações do condutor exaradas na participação da autoridade policial - que rodava antes na via central);
6. No mais, as contradições entre os depoimentos são tantas que não se vislumbra, ainda que com muito boa vontade, um denominador comum, um "fio condutor" que de alguma maneira ligue os referidos depoimentos;
7. Resumindo: a testemunha E………. vê vultos (não animais ou cães) à (para a) esquerda do veículo da A. e na altura em que este guina para o seu lado esquerdo, quando se encontrava (manifestamente equivocada em matéria de distância) a cerca de 40/50 m do veículo; para o F………. os animais estavam estagnados em fila numa curva (o único, aliás, a referi-lo) e assim ficaram após o sinistro; já para o G………. os animais surgiram detrás de um pilar de um viaduto e entraram na auto-estrada na via da direita, sendo que este se desviou para contorná-los, não dizendo em momento algum que os animais passaram diante do automóvel quando fez a guinada para o lado esquerdo;
8. Depois: de acordo com o relato de E………., a velocidade (cerca de 90 Km/h) e a distância a que rodaria do veículo da A. que circulava à sua frente ter-lhe-iam permitido chegar ao local do sinistro em cerca de 10 segundos; ora, já o F………. refere que chegou um carro logo a seguir e que ele e o condutor terão sido ajudados a sair pelas pessoas que vinham nesse carro; no caso do G………. estimou, grosso modo, um lapso temporal entre 1 Vi e 2 minutos para a chegada ao local da testemunha E………. (o que, a ser verdade, permitia que o veículo em que esta seguia tivesse percorrido cerca de 1,5 - 2 Km), depois de o carro que conduzia ter-se despistado (guinado para a esquerda e para a direita), subido ao talude, capotado, de terem ambos (condutor e passageiro), perguntado mutuamente se estavam bem, desapertado o cinto de segurança, saído pelo "próprio pé", subido para a berma, depois ainda de a testemunha F………. ter dado uns passos e ter-se deitado na relva e, finalmente, de o G………. ter-lhe pedido (ao F……….) o telefone e iniciado uma conversa telefónica com um familiar. Então sim - diz - terão chegado duas pessoas, mais tarde um casal;
9. Ora, é extremamente improvável (quando não mesmo impossível) que a testemunha E………. - a colega como lhe chamou o F………. que supostamente não a conhecia, logo procurando desajeitadamente "emendar a mão" - tenha estado sequer nas imediações do local do sinistro, muito menos que tenha visto animais ou o que quer que seja relativamente ao acidente; já quanto ao F………., o seu depoimento é, diga-se assim, o pior de todos, até pela incredulidade que demonstrou e pela teimosia que revelou, mesmo depois de lhe ter sido dito e mostrado que o acidente afinal não tinha eclodido numa curva, mas numa recta; em relação ao G………., condutor e filho da A., é, pelo menos, clara a forma titubeante (a palavra não é nossa) com que relatou o local onde terá visto os animais pela primeira vez (seria detrás do pilar do viaduto ou já na via da direita?);
10. Daqui resulta a óbvia inconsistência de todos estes depoimentos tomados conjugadamente e resulta também a ausência total de crédito que todos eles, ao contrário do que fez a douta sentença, deveriam ter merecido, mas não fosse pela extrema rapidez com que os animais se teriam eclipsado, sem qualquer rasto, da auto-estrada, o que vale por dizer que a douta sentença valorou indevidamente aqueles depoimentos;
11. Além disso, convirá lembrar que não consta (p. e. da participação de acidente de viação) que houvesse testemunhas do sucedido e concretamente a testemunha E………. que alegadamente até terá conversado no local com os agentes no local e, de outra parte, que não houve notícia, antes ou depois do acidente ter eclodido de que andassem animais (cães) a deambular pelas vias, sendo que ninguém (concessionária, autoridade policial ou outros utentes da via) viu vestígios desses (ou de outros) animais;
12. No que concerne à solução de Direito adoptada (Lei n° 24/2007, de 18 de Julho), temos que, também neste particular, falece a razão à douta sentença do Tribunal a quo, desde logo porque inaplicável ao sinistro sub judice que, aliás, ocorreu em data bem anterior ao seu início de vigência (cfr. artigo 12° do Cód. Civil e ac. RP de 29 de Janeiro de 2008, in www.dgsi.pt; procurado pelos descritores "acidente de viação and auto-estrada");
13. Nada naquela Lei nos diz que é interpretativa de uma Lei anterior, diversamente do que sustenta a douta decisão, devendo designadamente presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e exprimiu o seu pensamento adequadamente (vide Cód. Civil, artigo 9° n° 3);
14. Aliás, estamos antes em presença, não de uma Lei, mas de uma disposição contratual do contrato de concessão que, de forma incontroversa (veja-se o artigo 2o do Decreto-Lei n° 189/2002, de 28 de Agosto e a Base LXX1II, encimada esta pelo capítulo XVI - "Responsabilidade Extracontratual perante terceiros"), afasta a aplicação de qualquer outra solução jurídica a acidentes ocorridos nesta auto-estrada que não seja a responsabilidade extracontratual;
15. Por isso, e com muito mais propriedade, estamos antes diante de uma lei inovadora, exclusiva deste tipo de sinistros em auto-estrada, que não pode ter aplicação retroactiva e que, também por essa razão, arreda a solução assumida pela douta sentença de aplicar a Lei referida ao sinistro dos autos;
16. Contudo, ainda que se entenda - o que se faz apenas para efeito deste raciocínio - que a Lei referida é interpretativa e que, portanto, se aplica retroactivamente nesta hipótese, nem assim, e salvo o devido respeito, andou bem a douta sentença;
17. Na verdade, para que a presunção contida no artigo 12° n° 1 daquela Lei recaísse sobre a R./apelante sempre seria necessário (obrigatório), de harmonia com o n° 2 do mesmo preceito legal, que a autoridade policial verificasse e confirmasse no local as causas do acidente, só estando dispensada de o fazer em caso de força maior (n° 3);
18. Sucede, porém, que a autoridade policial não verificou, nem confirmou no local causa alguma para o acidente (e mormente a presença de cães na via alegada pela A. - vide participação junta com a p. i.), de modo que não poderia o Tribunal a quo fazer uso da dita presunção e era (como é) evidentemente inaplicável à situação em apreço a mencionada Lei;
19. Por isso, resta apenas como enquadramento jurídico possível e único para o acidente em apreço a responsabilidade extracontratual (linha, aliás, seguida pela maioria da nossa jurisprudência), em que, como é sabido, incumbia à A., nos termos dos artigos 342° e 483° do Cód. Civil, a prova dos factos constitutivos do seu direito e da culpa da R. que claramente não logrou fazer (vide resposta negativa aos artigos 14° e 22° da sua peça processual);
20. De resto, resulta inquestionável, apesar das divergências jurisprudenciais e doutrinais registadas no que esta temática se refere, algumas sem a mínima correspondência com o texto e com o espírito da disposição do contrato de concessão a que se aludiu, que esta Lei n° 24/2007, de 18 de Julho reconduz claramente os acidentes ocorridos em auto-estrada à responsabilidade aquiliana, dependente de culpa, embora com a inovação de haver agora uma presunção que impende sobre as concessionárias, mas que - lembre-se - pode ser ilidida, ao contrário do que também sustenta a sentença, com base na chamada "prova de primeira aparência" (o que, diga-se, claramente ocorre in casu - cfr. respostas aos artigos 21° e 22° da contestação da apelante);
21. Na realidade, a douta decisão, mesmo entendendo (mal, na n/ perspectiva) que a presunção a que se fez referência e a Lei a que também nos referimos são aplicáveis neste caso, acaba por lhe dar uma certa aura de presunção absoluta, quase inilidível ou, pelo menos, de extrema dificuldade na sua ilisão para o onerado com essa presunção (no caso, a R./apelante) - vide fls. 227 e 228 dos autos;
22. Efectivamente, não faz, com o respeito devido, dizemo-lo, qualquer sentido a exigência segundo a qual a R./apelante teria que ter dado, de forma diligente (nas palavras da douta sentença), o alerta (informação) ao utente. Mas, como é que isso era possível se resulta indiscutivelmente provado que a R. não tinha conhecimento (e nem sequer razoavelmente poderia ter tido) da (alegada) presença de animais na sua concessão?
23. Pelo contrário, a apelante até conseguiu provar que vigiou a auto-estrada, que não viu, nem antes, nem depois do acidente qualquer animal e que não houve notícia de quaisquer animais na auto-estrada com origem na brigada de trânsito da GNR ou em outros utentes da via, pelo que aquele alerta exigido pela douta sentença não é mais que uma falsa questão;
24.Aliás, lembre-se que os deveres que impendem sobre as concessionárias são meros deveres de meios e não, como a douta sentença dá a entender, de resultado ou de garantia - cfr. o trabalho do Prof. Doutor Manuel A. Carneiro da Frada, intitulado "Sobre a Responsabilidade das Concessionárias por acidentes ocorridos em auto-estradas", in Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, Setembro de 2005, pgs. 407 -433, mas também aqueloutro do Prof. Dr. António Menezes Cordeiro, "Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas", Almedina, Coimbra, 2004;
25.Assim, no entendimento da apelante, a douta sentença violou, salvo o devido respeito, os n°s. 1 alínea b) e 2 da Lei n° 24/2007, de 18 de Julho, os artigos 342°, 483° e 487°, todos do Cód. Civil e bem assim, tal como resulta da primeira parte da fundamentação deste recurso, o disposto no artigo 668° n° 1 alínea d) do C. P. C.
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Não houve contra-alegações.
II – Corridos os vistos, cumpre decidir.
É em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (artºs 684º, nº3, 690º, nº3, 660º, nº2 e 713º, nº2, todos do CPC), sem prejuízo das que são do conhecimento oficioso.
Pelo que, as questões a decidir, neste caso, versão sobre - as apontadas nulidades, impugnação da decisão de facto e aplicação do direito.
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Factos dados como provados, pela 1ª instância, sem subordinação a números ou alíneas, e apenas com a menção do item do articulado de que provêm:
- Na madrugada de 11 de Fevereiro de 2007, entre as duas e três horas deste dia, o veículo então propriedade da Autora, matrícula ..-CZ-.., marca "Suzuki ……….", que era conduzido pelo filho desta, G………., teve um acidente na Auto-Estrada A4, ao quilómetro 1,650, no sentido Poente - Nascente, isto é, no sentido ………. - ………. (sub lanço ………. / ………. (resp. ao art. 1o da p.i.).
- aquele carro seguia pela faixa direita da via de comunicação em apreço, a uma velocidade de cerca de 80 a 90 Kms. / Hora (resp. ao art. 5º da p.i)
- ... quando lhe surge, oriundos da berma do lado direito, atento o sentido de marcha que então era o do carro da Autora, um conjunto de vários cães que penetraram na faixa de rodagem (resp. ao art. 5º da p.i).
- Era tempo de Inverno e o piso estava encharcado (resp. ao art. 6º da p.i.)
- aqueles animais atravessaram-se à frente do carro da Autora, de tal forma que, para neles não embater, o condutor deste se viu compelido a travar, guinando para o seu lado esquerdo: tendo em vista tornear o inesperado obstáculo representado pelos animais (resp. ao art. 7º da p.i.).
- O Filho da Autora logrou não embater neles (resp. ao art. 8º da p.i.).
- Mas não conseguiu evitar que o carro, despistando-se, rodopiasse sobre si mesmo, acabando por sair sobre a berma do lado direito e tendo capotado e caído para o talude que existe na berma da falada via de comunicação (resp. ao art. 9º da p.i.).
- neste local, a Auto-Estrada A4 não tinha rail de protecção instalado na berma (resp. ao art. 10° da p.i.).
- uma Brigada de Trânsito, que ali se deslocava em patrulha, tomou conta da ocorrência (resp. ao art. 23° da p.i.).
- Em 15.12.06 a Autora celebrou com a sociedade "M………., S A" um contrato com vista a adquirir-lhe, pelo montante de € 14.000,00, um veículo novo de marca "Suzuki ………. (resp. ao art. 27° da p.i.).
- Em cumprimento do que acertado fora entre a Autora e aquela sociedade, em 09.02.07 esta última entregou àquela, no estado de novo, a viatura em apreço, tendo recebido então, concomitantemente, o preço de 6 14.070,99 (resp. ao art. 28° da p.i.).
- E, exactamente porque a viatura transaccionada fosse completamente nova, a referida "M………., S A" habilitou a Autora com o necessário Certificado de Entrega e Garantia N°. ….. (doe. 4) e bem assim emitiu Declaração, que também lhe entregou, justificava perante quaisquer autoridades do direito ao uso da viatura em questão (resp. ao art. 30° da p.i.).
- Já em Maio de 2007, tramitado que fora o necessário procedimento registai junto da competente Conservatória do Registo de Automóveis, que era a do Porto, viria, ainda agora a "M………., S A", a expedir à Autora a documentação da viatura demonstrativa de que, por mor da falada compra e venda, esta passara a ser detentora do inerente direito de propriedade sobre aquele veículo (resp. ao art. 31° da p.i.).
- A Autora para poder voltar a ter o carro reparado e em condições de o usar, era forçada a suportar um custo que lhe foi orçado em € 12.637,46, custo este necessário para a implantação no carro de todas as peças que ficaram destruídas, neste custo se incluindo também a própria mão de obra (resp. ao art. 35° da p.i.).
- a Autora optou por vender os destroços do carro (resp. ao art. 37° da p.i.).
- Essa venda concretizou-a a Autora a favor de N……….., o qual aceitou pagar-lhe, e tendo-lhe efectivamente pago, pelos ditos destroços do carro, a quantia de € 2.500,00 (resp. ao art. 38° da p.i.).
- imediatamente antes do acidente, o carro valeria pelo menos € 13.367,44. ( resp. ao art. 41° da p.i.).
- No dia do acidente, os funcionários da R efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão, tendo passado por diversas vezes no local do sinistro e não detectaram qualquer animal, designadamente um ou mais cães, nas imediações daquele local (resp. ao art. 21° da contestação).
- A Ré efectua patrulhamentos diários, em regime de turnos e durante 24h (resp. ao art. 22° da contestação).
- à data do acidente, a R tinha transferido a sua responsabilidade civil, através de um contrato de seguro de responsabilidade civil/exploração para a D………., SA, o qual prevê uma franquia de 10% do valor do sinistro, com um mínimo de € 2.500,00 e um máximo de € 25.000,00 (resp. ao art. 44° da contestação).
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Debrucemo-nos sobre o suscitado.
Ambas as recorrentes iniciam as suas alegações arguindo nulidades: a recorrente D………., COMPANHIA DE SEGUROS, SA a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do art. 668.°, n.° 1, d) do C.P.C., por ter baseado a decisão em factualidade não alegada pelas partes, e por contradição entre a decisão e os seus fundamentos por ter condenado a recorrente C………. por esta não ter dado ao condutor da viatura dos autos o alerta ou a informação a que alude a Base LIII, n°2 conjugado com o n° 1 da base LIV do regime de concessão. A recorrente C………. argui nulidade por omissão de apreciação da matéria de facto que havia alegado nos n.ºs 10°, 11º, 12° e 13° da sua contestação, que reputa de importante para a boa decisão da causa.
Vejamos.
Desde logo, sendo certo que o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, nos termos do art.º 664.º do CPC (sem prejuízo do disposto no art.º 264.º do mesmo Código) não é exacto que a Mma. Juíza tivesse baseado a sua decisão em factualidade não alegada pelas partes. O simples exame da matéria de facto enunciada na sentença recorrida revela que todos os seus pontos foram retirados dos articulados da petição inicial e da contestação da R. C……….. Existe, sim, em sede de fundamentação jurídica, uma passagem que refere “antes do acidente não teve conhecimento da existência de animais ou cães no local, contudo não conseguiu, de forma diligente, dar o alerta (informação) ao utente. E tal era-lhe exigível nos termos que decorrem da Base LIII, n° 2 conjugado com o n° 1 da base LIV”. Ora, que a R. não teve conhecimento da existência de animais ou cães naquele local, decorre da própria versão da R. C………., que naturalmente não poderia accionar um alerta a respeito de situação que desconhecia. Não podendo, assim, a tal propósito falar-se de alargamento do “thema decidendum” por iniciativa do tribunal e ao arrepio da alegação dos factos pelas partes. A questão estará em saber se esse desconhecimento violou o dever de diligência a cargo da R. C………., e nessa sede a sentença recorrida respondeu afirmativamente. Aqui estaremos já no âmbito, não de qualquer vício processual, mas antes do mérito da decisão. Por ora, regista-se que a sentença não exorbitou da alegação das partes, menos ainda em termos qualificáveis como tendo conhecido de questões que lhe estava vedado apreciar.
No tocante à nulidade invocada pela R. C………., geralmente designada por omissão de pronúncia, segundo o disposto no art. 668º, n.º 1, al. d) -1ª parte, do CPC, existe quando "o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar". De harmonia com o disposto no art. 660º, n.º 2, deste Código, o juiz deve conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, salvo se estiverem prejudicadas pela solução dada a outras anteriormente resolvidas. A doutrina e a jurisprudência vêm, uniformemente, assinalando que, na apreciação desta nulidade, importa distinguir entre as questões postas na acção e os argumentos apresentados para sustentar a pretensão ou posição processual e que a dita nulidade só existe se o juiz deixar de se pronunciar sobre as questões postas pelas partes, e não se deixar de apreciar algum argumento das partes - cfr. o Prof. Dr. Alberto dos Reis e o Cons. Dr. Rodrigues Bastos, in obras supra citadas, e os Acs do STJ de 2.7.74, in BMJ, n.º 239, pág. 168, de 6.1.77, in BMJ, n.º 263, pág. 187, de 22.11.84, in BMJ, n.º 341, pág. 378, e de 29.11.84, mesmo n.º do BMJ, pág. 413. A omissão de apreciação da matéria dos n.ºs 10°, 11º, 12° e 13° da contestação da R. C………., caso relevem e se mostrem indispensáveis para a solução da causa, não integra, com propriedade, nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos da referida al. d) do art.º 668.º do CPC., mas antes insuficiência de fundamentação da sentença, a suprir mediante anulação da decisão e ampliação da matéria de facto, nos termos do art.º 712.º, n.º 4, do CPCiv. Embora tal matéria pudesse assumir alguma utilidade, servindo para contextualizar o local do acidente (o qual, no estado actual da tecnologia, pode ser visualizado através da internet, com recurso ao site maps.google.pt ou ao software Google Earth, podendo dizer-se que adquiriu características de notoriedade), crê-se, contudo, que com os elementos disponíveis é já possível apreciar e julgar a causa sem necessidade de anular o julgamento e de acrescentar os pormenores pretendidos pela recorrente.
Pretendem ainda ambas as recorrentes, em face dos depoimentos das testemunhas E………., F………., G………. ver invertida, para “não provados”, a resposta dada aos pontos 5.°, 7.°, e 8.° da PI. No essencial, sustentam que tais testemunhas, que depuseram no sentido desses pontos da versão da A., concertaram entre si depoimentos, ficcionando factos que não percepcionaram. Tendo havido gravação dos depoimentos prestados em audiência e as recorrentes indicado os pontos de facto impugnados, bem como os depoimentos em que se fundam, por referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 712º, n.º1 do C. P. Civil, na redacção introduzida pelo DL n.º 39/95, de 15/12, é possível a reapreciação da prova com vista à modificação da matéria de facto declarada provada. Sabe-se, no entanto, que a gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos não proporciona toda a informação e impressão revelada em directo, deixando, designadamente, de reproduzir comportamentos gestuais ou certas reacções dos depoentes, reveladoras do modo como são prestadas as declarações, as hesitações e embaraços que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o enfraquecimento da memória (sobre a questão, v. Antunes Varela, RLJ, Ano 129º, pág. 295., e António Abrantes Geraldes In, "Temas da Reforma do Processo Civil", vol. II, 3ª ed. pág. 273). Tais aspectos da prestação dos depoimentos gravados só podem ser percepcionados e valorados por quem os presencia, sendo insusceptíveis de posterior valoração por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do ou dos julgadores. No que concerne à valoração da força probatória dos depoimentos das testemunhas, a regra é a da livre apreciação pelo tribunal, conforme o disposto nos artigos 396º do C. Civil e 655º, do C. P. Civil, traduzindo-se em "prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei" (Alberto dos Reis Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 569.). Tal julgamento, obtido com imediação de todas as provas só deverá ser sindicado pela Relação, que, por não dispor dos referidos elementos, corre risco superior de valoração, uso dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, ocorrendo caso de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, tal como decidiu o Acórdão da Relação de Lisboa, de 19.9.2000 (CJ, Tomo IV, pág. 186). Em caso de desconformidade tal que as regras da ciência, da lógica ou da experiência, inequivocamente afastem a razoabilidade da convicção formulada.
Ouvidos os depoimentos das referidas testemunhas e o da testemunha H………., membro da GNR, que se deslocou ao local, onde chegou já depois de a testemunha F………. ter sido conduzida ao hospital, que terá confundido com o condutor (“eu presumo que o condutor já não estava lá, já tinha sido enviado para o hospital”), crê-se não ser possível, com inteira segurança, subscrever-se a conclusão dos recorrentes. Efectivamente, não há concordância em alguns pontos dos depoimentos destas testemunhas, designadamente no modo como referem ter-se apercebido da presença dos cães e descrevem o seu surgimento na via, sendo certo que F………. não refere tê-los visto em movimento, a atravessar a via da direita para a esquerda, tal como as duas outras testemunhas. Deve, no entanto, notar-se que a referida testemunha era passageiro da viatura sinistrada, logo, por não ter de conduzir poderia não ter a sua visão fixada na via imediatamente antes da situação de emergência. Por outro lado, sabido que havia decorrido mais de um ano e meio sobre a data do acidente, é normal alguma margem de imprecisão por parte das testemunhas. A pouca aptidão da testemunha E………. para estimar distâncias é ainda compatível com tal margem de imprecisão. De notar ainda que as restantes respostas da testemunha F………. estão em perfeita consonância lógica com a sua versão – e das duas outras testemunhas – de ter resultado ferido em consequência do acidente e de ter sido evacuado para o hospital, sendo frequente que a testemunha que concerta previamente um depoimento ficcionado se atrapalhe e cometa incongruências evidentes. Tal não parece ter sucedido, e mesmo a expressão “colega”, que pronunciou ao referir-se à testemunha E………. pode perfeitamente ter-se tratado de um “lapsus linguae”, na sequência da expressão “o meu colega” que, com propriedade, poucos instantes antes, tinha pronunciado referindo-se à testemunha G……….. Parece, pois, algo forçado ver aí um “fugir da boca para a verdade”, só por esse motivo denunciador de uma concertação malévola com a testemunha E………..
Vai, assim, integralmente confirmada a matéria de facto considerada provada pela 1.ª instância, e será com base na mesma que terão de equacionar-se as questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, do enquadramento jurídico e do regime de responsabilidade civil a que se encontram sujeitas as empresas concessionárias do serviço público das auto-estradas por danos sofridos pelos utentes em consequência de um acidente de viação.
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Sendo uma questão há muito debatida e geradora de controvérsia, quer na jurisprudência, quer na doutrina, com soluções díspares, a verdade é que, a entrada em vigor da Lei n.º 24/2007, designadamente, o seu art.º 12º (“1-Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”, veio dar um grande contributo para a sua resolução.
Com efeito, esta norma interpretativa (“As leis interpretativas podem ser definidas pelo legislador. Se o fizerem não se levantará qualquer dúvida sobre essa sua natureza. Porém existem outras que, pese embora o legislador não as apode assim, dada a sua índole, terão que ser dessa maneira qualificadas.
Quanto ao critério definidor destas leis, têm-se vindo a aceitar depender da existência cumulativa de dois elementos: a) a lei regular um ponto de direito acerca do qual se levantam dúvidas e controvérsias na doutrina e jurisprudência; b) a lei consagrar uma solução que a jurisprudência pudesse tirar do texto da lei anterior, sem intervenção do legislador (vide Emídio Pires da Cruz, obra citada, pág. 246). No mesmo sentido o Prof. Batista Machado (in Sobre a Aplicação no Tempo do novo Código Civil, 1968, págs. 286 e segs.) sustenta que a lei interpretativa, para ser assim considerada, exige o seguinte:
“1º- Ela intervém para decidir uma questão de direito cuja solução era controvertida ou incerta no domínio da vigência da L.A (lei antiga). Significa isto, antes de tudo, que, para que a LN (lei nova) possa ser interpretativa de sua natureza, é preciso que haja matéria de interpretação. Se a regra de direito era certa na legislação anterior, ou se a prática jurisprudencial lhe havia de há muito atribuído um determinado sentido, que se mantinha constante e pacífico, a LN que venha resolver o respectivo problema jurídico em termos diferentes deve ser considerada uma lei inovadora….
2º- A lei interpretativa, para o ser, há-de consagrar uma solução que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado no domínio da lei anterior. Significa este pressuposto, antes de mais, que se a LN vem na verdade resolver um problema cuja solução constituía até ali matéria de debate, mas a resolve fora dos quadros de controvérsia anteriormente estabelecida, deslocando-o para um terreno novo ou dando-lhe uma solução que o julgador ou o intérprete não estavam autorizados a dar-lhe, ela será indiscutivelmente uma lei inovadora….
Para que a LN possa ser concebida como uma lei interpretativa, será preciso que ela consagre uma forte corrente jurisprudencial ou doutrinal anterior? Não necessariamente…” A LA não tem de consagrar uma corrente doutrinal prevalecente, sendo suficiente a adopção de uma interpretação defendida anteriormente”- Ac. do STJ, de 16/9/2008, Relator Garcia Calejo, in www.dgsi.pt, n.º do doc. SJ200809160020941. No mesmo sentido, os Acórdãos do STJ, de 13/11/07, 9/9/08, 16/9/08, 2/11/08 e 1/10/09, todos disponíveis in www.dgsi.pt, excepto o de 2/11/08, in C.J., Ano XVI, tomo III, 108, e, também, os Acórdãos da RLisboa, de 15/10/09, da Relação do Porto, de 19/1/09, e da Relação de Évora, de 30/4/09, para consulta no mesmo sitio) que, dada a sua natureza, tem aplicação imediata, uma vez que se integra na lei interpretada, veio solucionar o problema, pondo fim à apontada controvérsia (com três posições diferentes: - uma defendia que estávamos perante um contrato inominado, celebrado entre o utilizador da via que pagava, por isso, uma taxa à concessionária, fornecedora desse serviço; - outros, ainda dentro da linha contratualista, entendiam que existia responsabilidade contratual originada pelo contrato, celebrado entre a concessionária e o Estado, a favor de terceiro, no caso - o utente da via e, finalmente, - os defensores da responsabilidade extracontratual, que alegavam ser a concessionária responsável a titulo de dolo ou mera culpa, nos termos dos pressupostos contidos no art.º 483º, do C.C. e segs, sem esquecer o disposto no art.º 493º. Abraçar uma ou outra, destas teses, tinha grande relevância, para efeitos da repartição do ónus da prova da culpa. Enquanto que, para as duas primeiras – contratualistas -, a presunção de culpa tinha resposta no estabelecido no art.º 799º, do C.C. e, assim, era à respectiva concessionária que caberia alegar e provar factos que a afastasse; já para os defensores da responsabilidade regulada pelos artºs 483º e segs., do mesmo Código – extracontratual, aquiliana ou delitual -, era ao lesado que incumbia o ónus de alegar e provar a culpa da concessionária da via, por força do estabelecido no nº1, do art.º 487º, do mesmo diploma, a não ser que se entendesse ser de aplicar o estabelecido pelo art.º 493º), até aí na ordem do dia.
Assim, de acordo com o normativo citado, actualmente, cabe à respectiva concessionária elidir a presunção de incumprimento, da sua parte. Ou seja, é ela que tem o encargo, o ónus, de alegar e provar que cumpriu com as suas obrigações de segurança, em toda a linha, de maneira a afastar essa presunção.
E, o facto de não se saber se o disposto no nº2, do art.º 12º citado foi cabalmente cumprido (apenas se sabe que uma Brigada de Trânsito, que ali se deslocava em patrulha, tomou conta da ocorrência), não leva a que se retire daí as consequências apontadas pelas Recorrentes. Não. O normativo, o que estabelece é uma obrigatoriedade para a autoridade policial que deverá confirmar no local se as causas do acidente se reportam às situações a que as alíneas do nº1, do mesmo artigo, se referem, mas ela não se substitui, porque não têm competência para tal, ao juízo ulterior a efectuar pelo tribunal. Não pode ser. Portanto, o que interessa é que, em julgamento, como aqui sucedeu, se provou que ocorreu um acidente rodoviário, com consequências danosas para ... bens, desde que a respectiva causa diga respeito a atravessamento de animais (b).
In casu, provou-se que o condutor do veículo sinistrado seguia na via indicada, a uma velocidade compreendida dentro dos limites legais, quando lhe surge, oriundos da berma do lado direito, atento o sentido de marcha que então era o do carro da Autora, um conjunto de vários cães que penetraram na faixa de rodagem Era tempo de Inverno e o piso estava encharcado e aqueles animais atravessaram-se à frente do carro da Autora, de tal forma que, para neles não embater, o condutor deste se viu compelido a travar, guinando para o seu lado esquerdo: tendo em vista tornear o inesperado obstáculo representado pelos animais. O Filho da Autora logrou não embater neles, mas não conseguiu evitar que o carro, despistando-se, rodopiasse sobre si mesmo, acabando por sair sobre a berma do lado direito e tendo capotado e caído para o talude que existe na berma da falada via de comunicação. Neste local, a Auto-Estrada A4 não tinha rail de protecção instalado na berma.
Assim, por força do nº1, do mesmo normativo, volta-se a frisar, era à Recorrente concessionária que cabia o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança.
A Recorrente C………., S A., como concessionária da via em causa, está obrigada a garantir que a mesma se mostre desobstruída, designadamente de animais, e em adequadas condições, de molde a permitir a circulação rápida (face à natureza da via) dos veículos em total segurança e comodidade, a qualquer hora do dia e/ou da noite - cfr. Bases anexas ao DL n.º 87-A/2000, de 13/5, nomeadamente: - as Bases – VIII; XXX, nº4, al. a; XLV, nº1; LIII, nº3; LIV, nº1, através de vedações e/ou outros meios adequados para o efeito.
No caso concreto, não demonstrou ter cumprido a sua obrigação de proporcionar aos utentes da via as condições indispensáveis à circulação rodoviária.
A presunção referida não foi ilidida pela Recorrente, como lhe competia ter feito.
Assim, e face à restante factualidade apurada, há que concluir pela responsabilidade desta na eclosão do acidente e, por via do segura, à chamada, sendo sua obrigação reparar os danos dele decorrentes, devidamente apurados, por força do contido no art.º 562º, do C C., o que nos leva a não censurar o decidido pelo Tribunal a quo.
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III- Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelas Recorrentes.
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Porto, 26 de Outubro, de 2010
Maria da Graça Pereira Marques Mira
João Carlos Proença de Oliveira Costa (vencido nos termos de declaração que junto)
António Francisco Martins (voto a decisão, embora por fundamentos diversos, nos termos do voto anexo)
____________________ Declaração de voto
Vencido. Uma auto-estrada não é uma “coisa imóvel”, tratando-se antes de um bem do domínio público, e, como tal, subtraído do comércio jurídico. Como tal, não lhe é aplicável a presunção consagrada no art. 493°, n° 1 do CCivil. A menos que tal preceito fosse analogicamente aplicado, o que como é sabido, o art.° 11.° do CCivil veda: estando em causa uma norma que estabelece uma presunção de culpa, invertendo a regra geral do ónus da prova consagrada no n.° 1 do art.° 342.° CCivil, trata-se aqui de norma excepcional, que não comporta aplicação analógica, admitindo apenas interpretação extensiva.
Por outro lado, a presunção em apreço reporta-se apenas a danos causados pelo imóvel e não no imóvel, como se entendeu no Ac. STJ de 14/10/2004. Aí se escreveu que “os danos em questão não foram causados pela auto-estrada em si mesma considerada, na sua estrutura física, mas pelo embate do veículo no cão atropelado”. É indiscutível que o canídeo não é elemento da estrutura física da auto-estrada. Bastará, a título de exemplo, considerar, comparativamente, as hipóteses de danos provocados pela queda de objectos colocados na cobertura de um edifício, e de danos provocados pela queda de animais que aí deambulem, para imediatamente intuir que merecem tratamento diferenciado no tocante à presunção de culpa que recai sobre o proprietário ou possuidor do imóvel.
Por fim, mesmo que houvesse lugar a presunção de culpa da concessionária da auto-estrada, demonstra-se que a R. C………. actuou com a diligência exigível no sentido de evitar o sinistro, tendo nessa medida ilidido a presunção de culpa estabelecida pelo n.° 1 do art.° 493.º CCiv. Com efeito, provou-se que no dia do acidente, os funcionários da R efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão, tendo passado por diversas vezes no local do sinistro e não detectaram qualquer animal, designadamente um ou mais cães, nas imediações daquele local; e que a Ré efectua patrulhamentos diários, em regime de turnos e durante 24h. Perante tais factos, de concluir é que a R. C………. agiu com a diligência necessária em função das circunstâncias do caso, nenhum outro comportamento podendo adoptar no sentido de prevenir o resultado danoso. Conforme se escreveu no Ac. STJ de 2-6-2003 (www.dgsi.pt, SJ200402030040816) o dever de vigilância que recai sobre a concessionária deve ser entendido em termos de dever médio, não implicando a “característica da omnipresença. No caso vertente, referiram-no as testemunhas e pode confirmar-se através da consulta do site maps.google.pt ou do sofware “Google Earth”, é notório que o local o sinistro situa-se a escassas centenas de metros de um nó de acesso à auto-estrada onde, também notoriamente, não existe qualquer vedação ou quaisquer barreiras à entrada (caso contrário, não seria possível o acesso dos veículos), sendo ainda do conhecimento geral que não existiam nem existem praças de portagens naquele lanço da A4. O surgimento de animais na via, em tais condições, pode inexoravelmente ocorrer num lapso de poucos minutos, se não mesmo inferior ao minuto. Em termos de presunção natural, não existindo notícia de qualquer rotura ou destruição da vedação da auto-estada, é de presumir que os animais aí se introduziram através da abertura do nó de acesso, sem que a concessionária, agindo com a diligência média, pudesse impedir a sua entrada. Devendo, por isso, concluir-se que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa da concessionária, por essa via resultando igualmente ilidida a presunção de culpa em apreço.
Por tais razões, revogaria a douta decisão recorrida, absolvendo as RR. de todos os pedidos.
João Carlos Proença de Oliveira Costa
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Subscrevo a decisão porquanto, embora tenha o entendimento de que o art. 12º da Lei 24/2007 não tem carácter interpretativo, adiro à jurisprudência de que, no âmbito do regime legal anterior, estamos perante um contrato inominado, celebrado entre o utilizador e a concessionária, presumindo-se a culpa desta, nos termos do artº 799º do Código Civil.
Considerando que, in casu, tal presunção de culpa não foi afastada, mantenho por acu, digo afastada, votei a decisão no sentido de confirmar a decisão recorrida.