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REGISTO PREDIAL
PRINCÍPIO DO TRATO SUCESSIVO
NULIDADE
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
PRIORIDADE DE REGISTO
INOPONIBILIDADE A TERCEIRO ADQUIRENTE
Sumário
I - Vem-se entendendo que o registo das acções se encontra subordinado a todas as regras estabelecidas pela lei registral, nomeadamente ao princípio do trato sucessivo, na modalidade de continuidade das inscrições (art. 34º, nº4 do Cod. Reg. Pred. na redacção actual e 34º, nº2 na redacção do DL nº 322/01, de 17.03), pelo que, perante uma inscrição registral em nome de pessoa diversa do A. ou do R. da acção que se pretende registar, a observância do princípio do trato sucessivo impõe ao conservador que lavre o registo da acção duplamente provisório: por natureza e por dúvidas. II – São quatro os requisitos de que o art. 291º do CC faz depender a aplicação do regime ali previsto: a) – Ter o terceiro (adquirente) adquirido o seu direito através de um negócio a título oneroso; b) – Ter feito essa aquisição de boa fé, considerando-se ser esse o caso se ele, no momento da aquisição, desconhecia, sem culpa, o vício que constitui fundamento da nulidade ou anulabilidade; c) – Haver o terceiro registado a sua aquisição antes de feito o registo da acção de nulidade ou de anulação ou, tratando-se de anulação convencional, antes de ocorrido o registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio; d) – Não ter a acção de nulidade ou anulação sido proposta e registada antes do prazo de 3 anos (ou o acordo anulatório registado), a contar da data do respectivo negócio. III – Perante uma sentença proferida numa acção em que não foi parte a titular inscrita no registo, e que não pode produzir efeitos em relação à mesma, a Conservadora do Registo Predial não pode lavrar o registo definitivo da referida sentença, sob pena de o mesmo ser nulo por violação do princípio do trato sucessivo, na modalidade de continuidade das inscrições (arts. 16º, al. e) e 34º, nº4 do Cod. Reg. Pred.), restando-lhe lavrá-lo provisório por dúvidas, nos termos dos arts. 70º, 71º e 72º, nº3 do mesmo diploma.
Texto Integral
Proc. nº 445/09.0TBVRL.P1 – 3ª Secção (Apelação)
Recurso de Conservador – 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real
Rel. Deolinda Varão (466)
Adj. Des. Freitas Vieira
Adj. Des. Cruz Pereira
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
Em 26.11.01, B………. e mulher C………. celebraram escritura de justificação de posse, no Cartório Notarial de Vila Pouca de Aguiar, na qual declararam pertencer-lhes o prédio rústico, composto de cultura e pastagem, com a área de 7150 m2, sito no ………., freguesia de ………., inscrito na respectiva matriz em nome do justificante marido sob o artigo 1640º.
Em 08.01.02, o CONSELHO DIRECTIVO DE BALDIOS DE ………. instaurou contra os referidos B………. e mulher C………. a acção declarativa comum, com forma de processo sumário, que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real com o nº 31/02, na qual formulou os seguintes pedidos:
- Reconhecimento de que a área ocupada pelos réus (inscrita sob o artigo matricial rústico 1640º) pertence ao baldio de ……….;
- Cancelamento de todos os registos feitos sobre este prédio, a favor dos réus ou de terceiro que daqueles venha a adquirir;
- Anulação da escritura de justificação de posse celebrada pelos réus em 26.01.01.
Em 29.01.02, foi inscrito na CRP de Vila Real a aquisição do direito de propriedade do prédio rústico 1640º por D………., Ldª aos referidos B………. e mulher C………..
Em 17.02.03, foi registada a acção sumária 31/02, tendo o registo sido lavrado provisoriamente por natureza e por dúvidas.
Em 24.07.08, foi proferida sentença na mesma acção sumária que:
- Condenou os réus a reconhecerem que o prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1640º pertence ao baldio de ……….;
- Declarou a nulidade da escritura de justificação de posse celebrada pelos réus em 26.01.01;
- Ordenou o cancelamento de todos os registos feitos sobre o referido prédio, a favor dos réus ou de terceiro que a estes o venham a adquirir.
A sentença transitou em julgado em 19.09.08.
Em 02.02.09, o Conselho Directivo dos Baldios requereu o registo da sentença, o qual foi lavrado provisoriamente, por dúvidas, em 02.02.09, conforme o seguinte despacho da Conservadora do Registo Predial de Vila Real:
“Inscrição Provisória por Dúvidas, nos termos do artº 70º do Código do Registo Predial, em conjugação com o artº 34º, nº 4 e artº 68º do citado diploma legal, por Violação do Princípio do Trato Sucessivo, na modalidade da continuidade das inscrições, sendo certo que não se verifica a inscrição da titular inscrita «D………., Ldª», com sede em ………. - Vila Real, nos documentos apresentados”.
Em 02.02.09, não se encontrava registada a acção sumária 31/02.
O Conselho Directivo dos Baldios recorreu do despacho da Conservadora do Registo Predial para o Tribunal da Comarca, pedindo a alteração do mesmo por forma a que seja registada a sentença proferida na acção sumária 31/02.
Como fundamento, alegou, em síntese, que, tendo o registo sido declarado nulo pela referida sentença, impõe-se à Conservadora do Registo Predial o princípio de legalidade e o dever de obediência às decisões emanadas do Tribunal.
A Conservadora do Registo Predial respondeu ao recurso, sustentando o despacho recorrido, para tal, alegando, em síntese, que, na observância do princípio do trato sucessivo, a titular inscrita do registo, D………., deveria surgir como ré na acção supra referida, ou ser chamada ulteriormente à demanda como parte principal, pois também no registo de decisão judicial há terceiros, isto é, pessoas especificamente protegidas pelo registo.
Os autos foram com vista ao MºPº que perfilhou o entendimento do recorrente, defendendo que deve ser lavrado o respectivo registo definitivo.
De seguida, foi proferida sentença que julgou procedente o recurso e determinou que se procedesse à alteração do despacho da Conservadora do Registo Predial de forma a que seja registada de forma definitiva a sentença proferida no âmbito do processo nº 31/02 do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real.
O INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO recorreu, formulando as seguintes
Conclusões
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O requerente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
Os elementos resultantes dos autos com interesse para a decisão do recurso são os que constam do ponto anterior.
*
III.
A questão a decidir – delimitada pelas conclusões da alegação do apelante (artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nºs 1 e 3 do CPC) – é a seguinte:
- Se o Conservador do Registo Predial pode recusar lavrar registo definitivo da sentença proferida nos autos de acção sumária 31/02 que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real.
Resulta do disposto nos artºs 70º, 71º e 73º, nº 2 do CRP – na redacção actualmente em vigor, introduzida pelo DL 116/08, de 04.07, pertencendo a esta versão todas as normas do CRP adiante citadas sem outra menção – que, se as deficiências do processo de registo não forem sanadas nos termos do artº 73º, o registo deve ser feito provisoriamente por dúvidas quando existam motivos que obstem ao registo do acto tal como é pedido e que não sejam fundamento de recusa (os previstos no artº 69º do CRP), lavrando-se despacho de provisoriedade.
Diz o artº 34º, nº 4 do CRP que, no caso de existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido ou de mera posse, é necessária a intervenção do respectivo titular para poder ser lavrada nova inscrição definitiva, salvo se o facto for consequência de outro anteriormente inscrito.
Consagra-se naquele preceito o princípio do trato sucessivo, na modalidade de continuidade das inscrições, garantindo a quem possui uma inscrição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido, ou de mera posse, que não possa, à sua revelia, ser lavrada uma nova inscrição definitiva sobre o prédio[1].
O artº 34º do CRP é dirigido somente ao conservador e da sua inobservância resulta uma nulidade do registo (artº 16º, al. e) do CRP)[2], impondo-se ao conservador que o mesmo seja lavrado provisório por dúvidas nos termos dos artºs 70º, 71ºe 73º, nº 2 do CRP.
Diz o artº 116º, º 1 do CRP (na redacção do DL 322/01, de 17.03) que o adquirente que não disponha de documento para a prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo [Capítulo I do Título VI do CRP].
Segundo o artº 89º, nº 1 do Código do Notariado (na redacção do DL 322-A/01, de 14.12), a justificação para os efeitos do nº 1 do artº 116º do CRP consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais.
Resulta das disposições conjugadas dos artºs 2º, nº 1, al. a) e 3º, nº 1, al. a) do CRP, na redacção do DL 322/01, que estão sujeitas a registo as acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção do direito de propriedade.
A acção em que se pede a anulação de escritura de justificação notarial de posse, em que os justificantes declararam pertencer-lhes um determinado prédio, tem por fim a extinção do direito de propriedade reconhecido por aquele meio, pelo que está sujeita a registo, por força das disposições legais citadas no parágrafo anterior.
O registo das acções é provisório por natureza (artº 92º, nº 1, al. a) do CRP, na redacção do DL 322/01).
O registo provisório por natureza das acções corresponde a um registo essencialmente cautelar. Como a maior parte das inscrições desse tipo, constitui “uma reserva de inscrição para o futuro”, com a qual se salvaguardam os direitos não admissíveis imediatamente a registo definitivo. Naturalmente, é a decisão “de meritis” que dirime o conflito entre o autor e o réu. Mas, como a sentença pode demorar, permite a lei ao primeiro que acautele desde logo o pedido que formulou contra o segundo[3].
Na redacção do CRP introduzida pelo DL 322/01, o registo provisório por natureza das acções, se não fosse também provisório com outro fundamento, mantinha-se em vigor pelo prazo de três anos, renovável por períodos de igual duração, a pedido dos interessados, mediante documento que comprovasse a subsistência da razão da sua provisoriedade (artº 92º, nº 3).
Se não fosse convertido em definitivo ou se não fosse renovado nos termos do preceito citado, o registo da acção caducava (artº 11º, nº 2 do CRP, na redacção do DL 322/01).
[O DL 116/08 eliminou a sujeição a prazo de caducidade do registo da acção – artº 92º, nº 11].
Embora ao registo da acção se siga o registo da sentença, pode entender-se este último como a conversão em definitivo do registo da acção, até por ser feito por averbamento ao registo da acção (artº 101º, nº 2, al. b) e nº 4 do CRP, quer na redacção do DL 322/01, quer na actual)[4].
O registo das acções pode também ser provisório por dúvidas, como resulta do disposto no citado no citado artº 92º, nº 3, quando se refere à provisoriedade com outro fundamento.
Efectivamente, vem-se entendendo que o registo das acções se acha subordinado a todas as regras estabelecidas pela lei registral, nomeadamente ao princípio do trato sucessivo, na modalidade de continuidade das inscrições (artº 34º, nº 4 do CRP na redacção actual e 34º, nº 2 na redacção do DL 322/01)[5].
Assim, perante uma inscrição registral em nome de pessoa diversa do autor ou do réu da acção que se pretende registar, a observância do princípio do trato sucessivo impõe ao conservador que lavre o registo da acção duplamente provisório: por natureza e por dúvidas.
Prosseguindo no domínio da subordinação do registo da acções aos princípios registrais, interessam-nos os princípios da oponibilidade a terceiros e da prioridade do registo, previstos nos artºs 5º e 6º do CRP.
Na redacção do DL 322/01, dizia o nº 1 daqueles preceitos que os factos sujeitos a registo só produzem efeito contra terceiros depois da data do respectivo registo.
E dizia o nº 1 do segundo que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes.
No domínio do registo das acções, aqueles princípios encontram-se reflectidos em normas de direito adjectivo como o artº 271º, nº 3 do CPC e em normas de direito substantivo como os artºs 243º (simulação), 291º (nulidade ou anulação), 435º (resolução do contrato) e 979º (revogação das doações), todos do CC[6].
Diz o artº 271º, nº 1 do CPC que, no caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.
Mas a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a sua transmissão antes de feito o registo da acção (nº 3 do mesmo preceito).
Aplica-se aqui o princípio da oponibilidade a terceiros dos factos registados (ou, no reverso, da inoponibilidade a terceiros dos factos não registados).
Assim, se o registo da acção for efectuado antes do registo da aquisição, a sentença produz efeitos em relação ao adquirente da coisa ou direito em litígio.
Mas se o adquirente lograr registar a transmissão antes de ser registada a acção, a sentença já não produz efeitos em relação a ele, carecendo então o autor de instaurar nova acção contra o adquirente.
No que respeita aos efeitos substantivos do registo da acção, interessa-nos o artº 291º do CC.
Diz o nº 1 daquele preceito que a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.
Por seu turno, o nº 2 do mesmo preceito exclui o reconhecimento dos direitos de terceiros previsto no número anterior, se a acção (de nulidade) for proposta ou registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.
E o nº 3 define a boa fé como o desconhecimento no momento da aquisição, sem culpa, do vício do negócio nulo ou anulável.
São assim quatro os requisitos de que o preceito citado faz depender a aplicação do regime ali previsto:
a) Ter o terceiro adquirente adquirido o seu direito através de um negócio a título oneroso;
b) Ter feito essa aquisição de boa fé, considerando-se ser esse o caso se ele, no momento da aquisição, desconhecia, sem culpa, o vício que constitui fundamento de nulidade ou anulabilidade;
c) Haver o terceiro registado a sua aquisição antes de feito o registo da acção de nulidade ou de anulação ou, tratando-se de anulação convencional, antes de decorrido o registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio;
d) Não ter a acção de nulidade ou anulação sido proposta e registada antes do prazo de 3 anos (ou o acordo anulatório registado) a contar da data do respectivo negócio.
O regime do artº 291º, nº 1 do CC é especial ou excepcional em relação à regra do artº 289º, nº 1 do mesmo Diploma que estatui a retroactividade da declaração de nulidade e anulação do negócio e a obrigatoriedade de restituição de tudo o que tiver sido prestado.
Como salienta José Alberto Gonzaléz[7], a finalidade imediata do disposto no artº 291º do CC consiste em evitar que contra o terceiro que se encontre na situação aí identificada, sejam obtidas as consequências normais, perante quem não é parte, da declaração de nulidade ou anulação de um acto jurídico dispositivo (artº 289º, nº 1 do CC).
O nº 2 do mesmo artº 291º constitui uma excepção àquele regime excepcional, reflectindo a oponibilidade ao terceiro do registo da acção de nulidade ou anulação.
No caso dos autos, os diversos actos relevantes que foram praticados, foram-no na seguinte sequência temporal:
- escritura de justificação notarial outorgada por B……… e mulher C………., declarando pertencer-lhes o prédio inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o artigo 1640º;
- instauração da acção 31/02 do 3º Juízo do Tribunal Judicial pelo ora autor contra os justificantes, pedindo o reconhecimento do eu direito de propriedade sobre o referido prédio e a anulação da escritura de justificação notarial;
- inscrição no registo do mesmo prédio a favor de D………., Ldª;
- registo da acção 31/02, que foi lavrado provisoriamente por natureza e por dúvidas, devido à existência de titular inscrito que não era parte na acção;
- sentença da acção 31/02, que julgou a acção procedente e ordenou o cancelamento de todos os registos feitos sobre o referido prédio, a favor dos réus ou de terceiro que destes viesse a adquirir.
Da sequência temporal daqueles actos resulta que estamos no âmbito da previsão da segunda parte do artº 271º, nº 3 do CPC, ou seja, a sentença proferida na acção 31/02 não produz efeitos em relação à titular inscrita no registo, D………., Ldª, porque esta registou a sua aquisição antes do registo da acção.
Seria assim ainda que o registo da acção não tivesse caducado, mas podemos ter como certo que o registo da acção caducou, uma vez que, quando foi registada a sentença da acção, aquele registo já não constava da descrição registral do prédio.
Tudo se passa então como se a acção não tivesse sido registada.
E é com esta falta de registo que temos de lidar para subsumir a situação dos autos à previsão do artº 291º do CC.
É certo que a acção foi instaurada nos três anos subsequentes à transmissão do prédio dos justificantes para a titular inscrita, mas, uma vez que não foi registada, a anulação da escritura de justificação não pode ser oposta àquela titular inscrita: não se mostram verificados os requisitos do nº 2 do artº 291º do CC.
O caso dos autos cabe assim na previsão do nº 1 do mesmo preceito: sendo o registo da aquisição anterior ao registo da acção (mesmo que este não tivesse caducado), a anulação da escritura de justificação judicial não prejudica o direito da titular inscrita no registo desde que esta esteja de boa fé.
E, para se averiguar se a titular inscrita estava de boa fé quando adquiriu o imóvel, teria esta de ter sido demandada na acção de anulação para aí alegar e provar os factos tendentes à demonstração dessa boa fé, ou seja, alegar e provar que desconhecia sem culpa o vício da justificação notarial.
Em conclusão: nem, em termos processuais, a sentença proferida na acção 31/02 produz efeitos em relação à titular inscrita D………., Ldª, por força do disposto na segunda parte do nº 3 do artº 271º do CPC, nem, em termos substantivos, a anulação da escritura de justificação notarial é oponível àquela titular inscrita, por força do disposto no nº 1 do artº 291º.
Assim, perante uma sentença proferida numa acção em que não foi parte a titular inscrita no registo, e que, pelas razões que acima explicámos, não pode produzir efeitos em relação à mesma, a Conservadora do Registo Predial de Vila Real não pode lavrar o registo definitivo da referida sentença, sob pena de o mesmo ser nulo por violação do princípio do trato sucessivo, na modalidade de continuidade das inscrições (artºs 16º, al. e) e 34º, nº 4 do CRP), restando-lhe lavrá-lo provisório por dúvidas, nos termos dos artºs 70º, 71º e 72º, nº 3 do mesmo Diploma.
Tendo o autor deixado caducar o registo da acção 31/02, não pode já prevalecer-se do disposto no artº 291º, nº 2 do CC.
E só poderá prevalecer-se do disposto no nº 1 do mesmo preceito se, em acção instaurada contra a titular inscrita, esta não lograr provar a sua boa fé.
Caso a titular inscrita prove a boa fé, o autor não poderá obter dos justificantes a restituição em espécie do prédio, mas apenas a restituição em valor (artº 289º, nº 1 do CC).
Procedem assim as conclusões do apelante, pelo que haverá que revogar a sentença recorrida, mantendo-se o despacho da Conservadora do Registo Predial de Vila Real.
*
IV.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência:
- Mantém-se o despacho de 02.02.09 da Conservadora do Registo Predial de Vila Real.
Custas pelo apelado.
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Porto, 03 de Novembro de 2010
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Evaristo José Freitas Vieira
José da Cruz Pereira
_______________________
[1] Mouteira Guerreiro, Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), pág. 78.
[2] Isabel Pereira Mendes, CRP Anotado e Comentado, 17ª ed., pág. 191.
[3] Seabra Magalhães, “O Registo das Acções”, Estudos de Registo Predial, pág. 24 (citando Azevedo Souto, CRP Anotado, pág. 42 e Catarino Nunes, CRP Anotado, pág. 235).
[4] Isabel Pereira Mendes, “Repercussão no Registo das Acções dos Princípio de Direito Registral”, Estudos Sobre Registo Predial, pág. 95.
[5] Seabra Magalhães, estudo citado, pág. 54 e Isabel Pereira Mendes, estudo e lugar citados na nota anterior.
[6] Cfr. Seabra Magalhães, estudo citado, pág. 12.
[7] A Realidade Registral Predial Para Terceiros, pág. 409.