INCOMPETÊNCIA RELATIVA
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário

A decisão que oficiosamente conheça da incompetência relativa e não for impugnada transita em julgado e impõe-se ao tribunal considerado competente, o qual não pode suscitar de novo a questão.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. O Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto requereu ao Excelentíssimo Conselheiro Presidente deste Supremo Tribunal a solução do conflito negativo de competência suscitado entre os Excelentíssimos Juízes do Tribunal do Trabalho de Viseu e do 5. Juízo do Tribunal do Trabalho do Porto que, mutuamente se atribuem Competência, negando a própria, para conhecer da Acção Sumária n. 341/99, em que é Autor A e Ré B.
2. A acção foi proposta na comarca do Porto - e aí distribuída ao 5. Juízo do Tribunal do Trabalho - por A, com residência indicada no Lugar de Quintela, Ventosa, município de Vouzela, contra B, com sede em Barcelos, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a importância de 1294500 escudos, respeitantes a salários, férias não gozadas e subsídios de férias e de Natal, cujo não pagamento esteve na base da sua rescisão do contrato de trabalho que entre ambos existiu desde 1 de Agosto de 1996 até 22 de Dezembro de 1997.
3. A Ré contestou, por excepção, invocando a prescrição dos créditos e por impugnação, alegando que o salário acordado era de 72300 escudos (e não 260000 escudos como foi alegado na petição), que sempre lhe foi pago, acrescendo que o Autor não rescindiu, por qualquer forma, esse contrato, pois não lhe dirigiu qualquer comunicação manifestando a intenção de rescindir.
4. Conclusos os autos ao Meritíssimo Juiz do 5. Juízo, proferiu este o despacho fotocopiado a folhas 16 e verso que julgou:
- incompetente, em razão do território, o Tribunal do Trabalho do Porto para conhecer da acção; e
- competente territorialmente o Tribunal do Trabalho da comarca de Viseu.
- Ordenando a remessa dos autos a este tribunal, logo que transitada em julgado a decisão.
Após o trânsito, foi, efectivamente remetido ao Tribunal do Trabalho de Viseu, nele vindo a ser proferido pelo Meritíssimo Juiz o despacho fotocopiado a folha 18 que declarou o Tribunal do Trabalho de Viseu territorialmente incompetente para a acção, entendendo que essa competência pertence ao Tribunal do Trabalho do Porto, onde a acção foi instaurada, aduzindo os seguintes fundamentos:
- A Ré não arguiu a excepção da incompetência territorial;
- não se está perante nenhum dos casos previstos no n. 1 do artigo 110 do Código de Processo Civil, sendo que o n. 3 se reporta, necessariamente, aos casos em que é possível o conhecimento oficioso e que do artigo 495 do Código de Processo Civil resulta que é vedado ao tribunal o conhecimento oficioso da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo artigo 110 do Código de Processo Civil;
- razão por que o Tribunal do Trabalho do Porto não podia conhecer oficiosamente da incompetência relativa.
Devolvido o processo ao 5. Juízo do Tribunal do Trabalho do Porto foi aí proferido o despacho de folha 19, onde, com fundamento no esgotamento do seu poder jurisdicional, se remeteu de novo ao Tribunal do Trabalho de Viseu para aí ser suscitado o conflito negativo de competência.
5. Admitido por despacho de folha 22, foi ordenada a notificação dos Meritíssimos Juízes que para dizerem o que lhes oferecesse nos termos do artigo 118 do Código de Processo Civil.
Nada tendo dito, foram os autos com vista à Excelentíssima Magistrada do Ministério Público que neles emitiu o douto parecer de folhas 23 e 24 no sentido de a competência ser atribuída ao Tribunal do Trabalho de Viseu, com invocação do disposto no n. 2 do artigo 111 do Código de Processo Civil de onde resulta que, transitada em julgado a decisão do Tribunal do Trabalho do Porto que conheceu oficiosamente da questão da incompetência relativa, ela ficou definitivamente resolvida.

II - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O Código de Processo do Trabalho contém normas específicas quanto à competência territorial, contendo-se no artigo 14, n. 1 o princípio geral de que: - "As acções devem ser propostas no tribunal do domicilio do réu, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes".
E o artigo 15, respeitante às acções emergentes de contrato de trabalho propostas pelo trabalhador contra a entidade patronal, estabelece que podem ser propostas no lugar da prestação do trabalho ou do domicílio do autor.
Atentos os dados de facto já atrás referidos, a que agora se acrescenta que a actividade do Autor foi levada a cabo em Berlim, Alemanha, chega-se à curiosa conclusão de que a acção não foi proposta em qualquer dos tribunais oferecidos pelos artigos 14 e 15, do Código de Processo do Trabalho.
Na verdade, o domicílio do Autor é em Vouzela e o domicílio da Ré é em Barcelos.
A acção foi proposta no Tribunal do Trabalho do Porto que não apresenta qualquer elemento de contacto relevante para a competência territorial.
Mas, tratando-se da incompetência relativa - artigo 108 do Código Civil - ela não pode ser oficiosamente conhecida pelo tribunal, a não ser nos casos referidos no artigo 110 do Código de Processo Civil, conforme estatui o artigo 495 do mesmo Código.
Aquele artigo 110 estabelece no seu n. 1 - "A incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários e nos casos seguintes:
a) Nas causas a que se referem os artigos 73, 74, n.2, 82, 83, 88, 89, 96, n. 1 e 94 n. 2.
b) Nos processos cuja decisão não seja precedida de citação do requerido.
c) Nas causa que, por lei, devam correr como dependência de outro processo.
Nenhuma destas situações se verifica nos presentes autos.
Daí a conclusão de que ao Meritíssimo Juiz do 5. Juízo do Tribunal do Trabalho do Porto, não tendo a excepção sido arguida pela Ré na sua contestação, estivesse vedado dela conhecer oficiosamente o que significa aceitar que o processo aí prossiga, como se esse 5. Juízo fosse o territorialmente competente.
A Excelentíssima Procuradora Geral Adjunta traz à colação o disposto no artigo 111, n. 2, do Código de Processo Civil que preceitua sob a epígrafe - Instrução e julgamento da excepção:
"1. Produzidas as provas indispensáveis à apreciação da excepção deduzida, o juiz decide qual é o tribunal competente para a acção.
2. A decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada".
E com base neste n. 2 conclui pela competência do Tribunal do Trabalho de Viseu, uma vez que transitou em julgado a decisão do Meritíssimo Juiz do 5. Juízo do Tribunal do Trabalho do Porto que nesse sentido se pronunciou.
A solução parece clara e linear, em face desse n. 2 do artigo 111.
Mas a verdade é que algum prejuízo traz a este raciocínio o preceito do n. 3 do artigo 115 do mesmo Código.
Este artigo 115 define o conflito de competência no seu n. 2, estatuindo:
"2. Há conflito, positivo ou negativo, de competência, quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
3. Não há conflito enquanto forem susceptíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência".
Pareceria, assim, que o n. 2 do artigo 111 prejudicava a verificação de conflitos de competência.
No domínio do Código de 1939, em que o parágrafo único do artigo 115 correspondia ao actual n. 3, escrevia o Professor ALBERTO DOS REIS, no seu comentário, em anotação ao artigo 107 - página 323:
"os artigos 106 e 107 dizem respeito ao valor do julgamento proferido sobre incompetência absoluta.
O princípio é este: a decisão que declare absolutamente incompetente um determinado tribunal, embora transite em julgado, não tem valor algum fora do processo em que foi proferida (artigo 106).
Quer isto dizer que o caso julgado sobre a incompetência absoluta vale como simples caso julgado formal; não tem o alcance do caso julgado material (artigos 671 e 672).
Se compararmos o princípio formulado no artigo 106 com o que se enuncia no último período do corpo do artigo 111, vemos logo que há diferença profunda entre o valor do julgamento da incompetência absoluta e o do julgamento da incompetência relativa: o primeiro só tem força de caso julgado formal; o segundo tem força de caso julgado material; o primeiro não ultrapassa os limites do processo em que foi proferido, o segundo ultrapassa-os, ou melhor, tem de ser acatado pelo novo tribunal a que a causa seja afecta".
É esta a posição do autorizado Mestre face a preceitos de sentido equivalente.
Dizia, na verdade, a parte final do corpo do artigo 111:
"A decisão que transitar em julgado resolverá definitivamente a questão da competência".
Hoje, o n. 2 desse artigo 111 diz o mesmo e acrescenta-lhe - "... mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada" - o que só reforça a conclusão de que, transitado em julgado o despacho do Meritíssimo Juiz do 5. Juízo do Tribunal do Trabalho do Porto que, negando a sua competência, a atribuiu ao Tribunal do Trabalho de Viseu, ficou definitivamente decidida a questão da competência.
Como se leu no passo citado de A. REIS - "Tem de ser acatado pelo novo tribunal a que a causa está afecta".
E mais adiante - página 324 - escreve ainda:
"Sob o ponto de vista pragmático, custa admitir que, proferida uma decisão, com trânsito em julgado, no sentido de que determinada causa é da competência dos tribunais de certa espécie e categoria, o tribunal perante o qual a causa venha depois a ser proposta, em obediência ao caso julgado, tenha ainda o poder de se declarar incompetente. Espectáculo pouco edificante e situação desairosa.
Por isso é que no direito alemão e no direito austríaco se segue, com o aplauso de MORTARA, outra doutrina: a decisão sobre a incompetência absoluta vincula o novo tribunal a que a causa seja afecta".
O direito português, quanto à incompetência absoluta adoptou o regime peculiar do artigo 107. Mas, quanto à incompetência relativa, adoptou aquele sistema no transcrito n. 2 do artigo 111: a decisão transitada em julgado, resolve definitivamente a questão da competência.
Esta é a solução que aqui se acolhe.
Termos em que se acorda na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça em resolver o presente conflito negativo de competência decidindo-o no sentido da competência do Tribunal do Trabalho de Viseu.
Sem custas.

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2000.

José Mesquita,,
Almeida Deveza,
Sousa Lamas.