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ACIDENTE DE TRABALHO
CONSTRUÇÃO DE OBRAS
CULPA DA ENTIDADE PATRONAL
Sumário
I - Na construção de um prédio é obrigatória a colocação de andaimes com guarda corpos sempre que necessário para a segurança dos trabalhadores. II - Se o trabalhador cai ao solo por não existirem os guarda corpos verifica-se a culpa da entidade patronal no acidente, por inobservância das normas de segurança. III - A culpa da entidade patronal a que se refere o nº 2 da Base XVII da Lei 2127 abrange a culpa grave e a culpa simples.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
A intentou, no Tribunal do Trabalho de Guimarães, a presente acção com processo especial contra X, S.A., e herdeiros de B, todos identificados na P.I., pedindo a condenação da 1. Ré, ou caso se venha a entender que não é da sua responsabilidade, a condenação dos 2s. Réus, a pagarem-lhe a pensão anual vitalícia de 314636 escudos e das despesas de deslocação e transporte, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal.
Para tanto, alegou que, em 10 de Outubro de 1995, o seu marido C foi vítima de um acidente de trabalho quando, sob as ordens, direcção e fiscalização do falecido B, de que os 2s. Réus são herdeiros, exercia as suas funções de oficial - trabalho de 1., acidente que causou a sua morte.
Mais alegou que o falecido B havia transferido para a 1. Ré a sua responsabilidade infortunística laboral.
Como 1. Ré contestou a Y, S.A., dado ter sucedido à X, S.A., em todos os seus direitos e obrigações, conforme documento n. 1, que prestou, concluindo dever a acção ser julgada procedente por provada, digo procedente em relação à contestação, subsidiariamente sendo os co-Réus condenados a título principal.
Os 2s. Réus contestaram referindo ter sido transferida a responsabilidade infortunística laboral para a 1. Ré, mais sustentando inexistir culpa sua na produção do acidente.
Foi proferido despacho saneador e elaboradas especificação e questionário, de que os 2s, Réus reclamaram, sem serem atendidos.
Efectuado o julgamento, foi proferida douta sentença, julgando a acção procedente no tocante à 1. Ré, condenando esta a pagar à Autora, com início em 11 de Outubro de 1995, a pensão anual e vitalícia de 314636 escudos e as quantias de 2700 escudos de despesas de transportes e 96249 escudos, de despesas de funeral, acrescidas de juros de mora, à taxa de 10%, mais julgando prejudicado o conhecimento do pedido formulado contra os 2s. Réus.
Apelou a 1. Ré, nas suas alegações e conclusões, manifestando o entendimento, tal como já o fizera na contestação, que o acidente de trabalho mortal ocorreu por culpa da entidade empregadora, pelo que "... deverá ser concedido provimento à apelação, revogando-se a douta sentença recorrida e condenando-se os co-Recorrentes a título principal, sendo a apelante condenada a título meramente subsidiário...".
Contra-alegaram os 2s. Réus e a Autora pedindo a manutenção da douta sentença recorrida.
O Tribunal da Relação do Porto, por douto Acórdão de fls. 203 a 206, concluiu que o acidente que vitimou o sinistrado C ocorreu por culpa dos 2s. Réus recorridos e decidiu:
"Acorda-se em conceder provimento ao Recurso e, revogando-se a sentença recorrida, condenam-se os 2s. Réus a pagar à Autora a pensão e demais quantias fixadas na mesma sentença, acrescidas de juros de mora aí também fixados, sendo a responsabilidade da Recorrente meramente subsidiária.".
Inconformados, os 2s. Réus, Herdeiros de B, interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal, nas suas alegações, concluindo:
"1. A Douta Sentença proferida na 1. Instância aplicou, correctamente, a lei à factualidade que lhe foi apresentada para julgamento, pelo que se impõe que tal Sentença se mantenha em pleno vigor.
2. Ao contrário, o Acórdão Recorrido, ao socorrer-se da legislação resultante do Regulamento das Edificações Urbanas, como elemento de interpretação do Regulamento Especial para a Construção Civil, fez errada interpretação da lei, designadamente do artigo 1 do Decreto-Lei 41821.
3. Como tal, perante essa errada interpretação deste dispositivo legal, deve o Acórdão Recorrido ser revogado, mantendo-se a Decisão proferida na 1. Instância que absolveu os ora Recorrentes do Pedido.
4. Subsidiariamente, deve ser declarada a nulidade do Acórdão, face à contradição alegada na matéria de facto constante de algumas alíneas dos factos dados como provados, contradição essa que inquinou a fundamentação da Decisão Recorrida, com violação, entre outros, dos artigos 668, n. 1 alínea b) e 666 n. 3 ambos do Código de Processo Civil.
5. Deve, consequentemente, manter-se intacta a decisão proferida na 1. Instância absolvendo-se os Réus do pedido e revogando-se o Acórdão da Relação do Porto.
6. Subsidiariamente, deve ser declarada a nulidade deste Acórdão, com as legais consequências.".
Contra-alegou a Autora pugnando pela manutenção da decisão da 1. Instância e, por isso, revogando-se o Acórdão recorrido.
Também contra-alegou no sentido do improvimento da revista a 1. Ré, só que agora fê-lo a Z, S.A. dado que, conforme documento que junta (fls. 227 a 245), resultou da fusão por incorporação das companhias de seguros V S.A. e Y, S.A..
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer no sentido de não ser concedida a revista.
Colheram-se os vistos.
Matéria de facto dado como provada na 1. Instância e aceite pelo Tribunal da Relação do Porto:
"a) A Autora é viúva de C.
b) O qual trabalhou anos sob a ordem, direcção e fiscalização de B, com domicílio profissional no Lugar da Agra, freguesia de Gandarela, concelho de Guimarães.
c) Desempenhando as funções próprias da categoria profissional de trolha, oficial de 1., mediante a retribuição mensal de 72300 escudos por 14 meses acrescida de 12980 escudos por 11 meses, de subsídio de alimentação.
d) O B dedicava-se à actividade de prestação de serviços de construção civil, no desempenho da qual procedia, por si e pessoal técnico, entre o qual o C, por forma sistemática e habitual, mediante remuneração, com intuito lucrativo.
e) O B faleceu no dia 14 de Julho de 1995.
f) Tendo deixado, como únicos e universais herdeiros, os 2s. Réus, sendo a primeira viúva e os restantes filhos, aos quais ficou a pertencer, em comum e sem determinação de parte ou direito o estabelecimento de construção civil.
g) Onde o C prestava o seu trabalho.
h) No dia 10 de Outubro de 1995, cerca das 16 horas, no lugar de Covadinha, freguesia de S. Mamede de Negrelos, concelho de Santo Tirso, o C procedia à construção de uma moradia de rés-do-chão e primeiro andar para aquela sua entidade patronal.
i) Encontrando-se, então, junto à face posterior do prédio e deslocou-se para a parte nascente do mesmo, em cima de um andaime/prancha.
j) E caíu desamparadamente no solo, aí batendo com a cabeça e o tórax e tendo ficado estatelado, de bruços, por alguns minutos, já que nenhum dos seus colegas de trabalho se apercebeu da sua queda.
k) Momentos depois, foi conduzido, ainda com vida, ao Hospital de Guimarães, onde veio a falecer pelas 17 horas e 3 minutos, como consequência directa e necessária das lesões.
l) As quais integraram um traumatismo craniano e toráxico.
m) O falecido vivia com a Autora em comunhão de mesa e habitação, sustentando-a com a sua retribuição.
n) A Autora dispendeu com transportes, nas vindas a Tribunal, a quantia de 2700 escudos e a importância de 159000 escudos com o funeral da vítima.
o) A 1. e 2. Rés não pagaram à Autora qualquer quantia a título de pensões, transportes e despesas de funeral.
p) Entre a Ré Seguradora e a 2. Ré existia um contrato de seguro, pelo qual esta última havia transferido para aquela a respectiva responsabilidade por acidentes de trabalho ocorridos com trabalhadores ao seu serviço.
q) A Y, S.A., sucedeu à Ré Seguradora nos seus direitos e obrigações.
r) O C encontrava-se junto à face posterior do prédio a colocar betão.
s) O sinistrado estava executando o reboco das paredes do prédio.
t) E a cerca de 2,30 metros de altura em relação ao solo.
u) Tendo o C caído dele.
v) O andaime não dispunha de guarda-corpos.
x) Para qualquer das suas plataformas ou passadiços.
z) O sinistrado não usava qualquer dispositivo individual de segurança contra quedas em altura.
w) Tendo caído no solo por se ter desequilibrado e porque não havia guarda-corpos nas plataformas do andaime.
Conhecendo:
O objecto da presente revista é o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto e não a sentença da 1. Instância que foi ela objecto do recurso de apelação.
Nos termos do artigo 85 do Código de Processo do Trabalho, este Supremo Tribunal, quando funciona como tribunal de revista, conhecerá apenas da matéria de direito.
No entanto, embora em termos limitados, pode conhecer da matéria de facto importando, no caso vertente, ter em conta que, nos termos do n. 3, do artigo 729 do C.P.C., quando for entendido ocorrerem contradições na matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.
Na sua conclusão 4. (a fls. 215) os Recorrentes alegam a contradição na matéria de facto constante de algumas alíneas dos factos dados como provados, contradição essa que inquinou a fundamentação da Decisão Recorrida, com violação, entre outros, dos artigos 668, n. 1, alínea b) e 666, ambos do Código de Processo Civil.
Do texto das suas alegações resulta que a contradição invocada se situa na matéria de facto constante, por um lado nas alíneas i) e j) e, por outro lado, no constante das alíneas n) e w).
Tal contradição já foi analisada pelo douto Acórdão recorrido que decidiu pela sua inexistência.
E como inexistência de contradição se tem de entrada também, atento o teor destas alíneas:
i) Encontrando-se o C, então, junto à face posterior do prédio e deslocou-se para a face nascente do mesmo, em cima de um andaime / prancha.
j) E caiu desamparadamente no solo, aí batendo com a cabeça e o tórax e tendo ficado estatelado de bruços, por alguns minutos, já que nenhum dos seus colegas de trabalho se apercebeu da sua queda.
u) Tendo o C caído dele.
w) Tendo caído no solo por se ter desequilibrado e porque não havia guarda-corpos nas plataformas do andaime.
Não há contradição entre estes factos. O que há é matéria de facto provada, especialmente a constante da alínea w) que os Recorrentes, se bem se apercebeu todo o seu raciocínio argumentativo, prefeririam que não estivesse provada.
Mas tal conhecimento está vedado a este Supremo Tribunal, por inalterável, nos termos dos artigos 729, ns. 1 e 2 e 722, n. 2, ambos do Código de Processo Civil.
Assim, é face à matéria de facto provada que há que analisar e decidir do mérito da revista.
O Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, a seguir abreviadamente designado por R.S.T.C.C., constante do D. 41821, de 11 de Agosto de 1958 estabelece, no seu artigo 1, (estabelece) a obrigatoriedade do emprego de andaimes nas obras de construção civil em que os operários tenham de trabalhar a mais de quatro metros do solo.
Tal obrigatoriedade é imposta em função da altura do solo em que o trabalhador executa as suas funções e não em relação com a altura do prédio em construção, se for esse o caso, como o é no presente.
Mas, se a menos de 4 metros do solo não é obrigatória a instalação de andaimes, por força do artigo 1 do R.S.T.C.C., não é menos certo que a alturas inferiores podem e devem ser instalados andaimes sempre que necessário para a segurança dos trabalhadores, por força do disposto no artigo 8, n. 1, do Decreto-Lei 441/91, de 14 de Novembro, uma vez que o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança em todos os aspectos relacionados com o trabalho.
E é da experiência comum da vida e do bom senso que, para trabalhar com segurança a 2,30 metros do solo, é necessária a existência de um andaime ou qualquer dispositivo de segurança que proteja o trabalhador de uma queda.
Não cabe aqui teorizar qual a altura mínima a partir da qual se deve, para segurança do trabalhador, instalar andaimes. Basta ter em conta que a queda de uma altura de 2,30 metros é de ter como suficiente para causar lesões corporais graves ou até a morte.
E assim parece ter sido entendido pelo facto de terem sido instalados andaimes.
São factos assentes que o infeliz C trabalhava em cima de um andaime sem guarda-corpos a 2,30 metros de altura do solo, quando se desequilibrou e caiu desamparadamente no solo, sofrendo um traumatismo craniano e toráxico, falecendo como consequência necessária e directa destas lesões (alíneas j, l, u, v, t, e w da matéria de facto provada).
O artigo 23 do R.S.T.C.C. estabelece ser obrigatória a aplicação de guarda-costas nos andaimes de madeira, que deverão ser pregados solidamente às faces interiores dos prumos, a 0,90 metros de cada plataforma ou andaime, dispondo o artigo 26, do mesmo diploma legal, que os andaimes metálicos e mistos devem satisfazer condições de segurança não inferiores às estabelecidas para os andaimes de madeira.
Nada neste Regulamento dispõe que os artigos 23 e 26 só se aplicam aos andaimes obrigatoriamente empregues nos termos do seu artigo 1, antes se considerando que são regras gerais relativamente a todos e quaisquer andaimes instalados.
Sendo obrigatória a segurança dos andaimes, pela instalação de guarda-costas, a sua inexistência leva à presunção "juris tantum" de culpa da entidade patronal, nos termos do artigo 54 do Decreto-Lei n. 360/71, de 21 de Agosto, a ele competindo alegar e provar, nos termos do n. 1, do artigo 342, do Código Civil, factos ilidíveis da presunção. O que, no caso vertente, não ocorreu.
A responsabilidade infortunística por acidente de trabalho estava transferida para a X, conforme documento de fls. 7, sendo que agora é da Z, S.A..
E a questão a resolver é a de saber se a responsabilidade da Ré Seguradora é meramente subsidiária, como decidiu o douto Acórdão recorrido ou único, como decidiu a douta Sentença da 1. Instância e concluem os Réus recorrentes nas conclusões das suas alegações de revista.
Para tanto há que atender a que a Base XLIII, n. 4, da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965 dispõe:
"Nos casos previstos nos ns. 1 e 2 da Base XVII, a instituição seguradora será apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas nesta lei".
O n. 1 da citada Base XVII é inaplicável ao caso presente dado nada demonstrar nos autos a existência de dolo da entidade empregadora.
Mas o seu n. 2 refere-se à culpa da entidade patronal e é neste plano legal que há que apurar se a Ré Seguradora é, ou não, responsável subsidiária.
A jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal vem entendendo que a culpa a que se refere o n. 2 da Base XVII da Lei n. 2127 é não só a culpa grave, mas também a culpa simples (negligência). Neste sentido, ver o Acórdão de 13 de Outubro de 1998, no B.M.J., n. 480, páginas 195 e seguintes, de cujo sumário consta:
"I - A entidade patronal permanece responsável pelo pagamento das pensões e indemnizações devidas por acidente de trabalho, quando provocado por si, ou pelo seu representante, com dolo ou mera culpa, não obstante a transferência da responsabilidade da reparação pelos acidentes de trabalho para uma seguradora.
II - Nestes casos, a entidade patronal é responsável pelo pagamento das pensões e indemnizações agravadas, respondendo a seguradora subsidiariamente pelas mesmas, mas sem agravamento.
III - Considera-se existir culpa da entidade patronal, ou do seu representante, quando o acidente se ficar a dever à inobservância de preceitos legais ou regulamentares, assim como de directivas das entidades competentes, que se refiram à higiene e segurança do trabalho.
IV - A culpa da entidade patronal na produção do acidente abrange não só a culpa grave como a simples culpa, entendida aquela como falta de cuidado ou diligência própria da generalidade das pessoas, ainda que mais cuidadosas ou diligentes, e a simples culpa entendida no sentido de involuntária inobservância da diligência que deveria ter sido observada e que, a tê-lo sido, teria evitado a realização do facto danoso".
E dispõe o artigo 54 do Decreto n. 360/71, de 21 de Agosto, já citado, que para efeito do disposto no n. 2 da Base XVII, da Lei 2127, considera-se ter resultado de culpa da entidade patronal o acidente devido à inobservância de preceitos legais e regulamentares.
Dos factos expostos e do constante do artigo 8, n. 1, do Decreto-Lei n. 441/91, dos artigos 23 e 26, ambos do R.S.T.C.C., das Bases XVII, n. 2 e XLIII, n. 4, ambas da Lei 2127 e do artigo 54 do Decreto n. 360/71, de 21 de Agosto, resulta ter havido culpa da entidade patronal no acidente de trabalho que vitimou o infeliz C, sendo assim, a responsabilidade da Ré Seguradora meramente subsidiária.
Nestes termos e decidindo, na improcedência da revista interposta pelos Réus herdeiros de B, confirma-se, embora com fundamentação parcialmente divergente, o recorrido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
Custas pelos Recorrentes.