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INVENTÁRIO
AVALIAÇÃO
LICITAÇÃO
Sumário
Em processo de inventário, se for requerida a avaliação de bens doados, por motivo de oposição do donatário a licitação sobre esses bens, é admissível segundo a avaliação de tais bens.
Texto Integral
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
I - Em inventário facultativo instaurado para partilha dos bens das heranças de A e mulher B, os interessados C e mulher declararam, oportunamente, que pretendiam licitar sobre o prédio urbano constante da verba n. 5, doado à interessada D, a qual se opôs, tendo os primeiros requerido a avaliação desse prédio.
Procedeu-se a essa avaliação, por um perito, e, notificado da junção do respectivo relatório, aquele interessado C veio, "nos termos dos artigos 1369 e 589 e segs. do C.P.Civil requerer a realização de segunda avaliação ou perícia ao prédio urbano", alegando diversos motivos de discordância em relação à avaliação efectuada (fls. 62).
Esse requerimento foi indeferido, pelo despacho de fls. 65, com o fundamento de ter sido apresentado para além do prazo de 10 dias previsto no citado artigo 589 n. 1.
Os interessados C e mulher interpuseram recurso de agravo e, subsidiariamente, requereram a rectificação de lapso daquele despacho.
O depacho de fls. 71 rectificou o lapso, considerando que o requerimento foi apresentado no prazo do citado artigo 589 n. 1, teve "como prejudicado o recurso interposto" mas indeferiu o pedido da nova avaliação, com o fundamento de esta não ser admissível.
Foi interposto novo recurso de agravo pelos interessados C e mulher, os quais interpuseram também recurso de apelação da sentença homologatória do mapa de partilha.
O acórdão de fls. 121 e segs. negou provimento ao agravo e teve como "precludido" o recurso de apelação.
Neste recurso de agravo, os interessados C e mulher pretendem a revogação daquele acórdão e formulam as seguintes conclusões:
- a decisão de fls. 65 "já transitou em julgado, na parte em que admitiu a segunda avaliação...";
- é admissível essa segunda avalição, que foi requerida;
- foi violado o disposto nos artigos 671, 672, 675, 668 n. 1, alínea d), 589, 1369, 1382, 563, n. 4 e 712, n. 1,alínea b), do C.P.Civil.
Em contra-alegações, os interessados D e marido sustentam a improcedência do recurso.
II - Quanto ao mérito do recurso:
São suscitadas duas questões: a ofensa de caso julgado formal; e a admissibilidade de segunda avaliação de bens doados, no caso de o donatário se ter oposto à licitação sobre esses bens.
O C.P.Civil é aqui aplicável, salvo quanto à generalidade das normas respeitantes à tramitação do recurso, sem as alterações de 1995/96 (artigos 16 e 25 do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro).
De resto, essas alterações não assumem relevo, no processo de inventário, o qual tinha sido já alterado pelo DL 227/94, de 8 de Setembro, e serão daquele Código, na versão anterior a 1995/96, as normas que forem citadas sem outra indicação.
Uma decisão "constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga" (artigo 673) e por isso, como em geral se tem sustentado na doutrina e na jurisprudência, o caso julgado só se forma, em princípio, sobre a própria decisão e não sobre os respectivos fundamentos.
Assim, o despacho de fls. 71 não ofendeu o caso julgado constituído pelo de fls. 65, pois entre eles há identidade de decisão (não admissão da segunda avaliação), só divergindo na fundamentação.
Acresce que, quando foi proferido o segundo despacho, o primeiro não tinha ainda transitado em julgado, porque estava dependente de recurso, e do que se tratou foi apenas de falta de rigor formal: no despacho de fls.71, depois de se proceder à rectificação do lapso do de fls. 65, não haveria que julgar-se "prejudicado" o recurso mas que manter-se o primeiro despacho, por outro fundamento, e admitir-se o recurso; porém, não pode, neste momento, atribuir-se qualquer relevância a esse aspecto formal.
O acórdão recorrido manteve a inadmissibilidade da segunda avaliação com os seguintes fundamentos: o relatório do citado DL 227/94, na parte em que refere que "eliminou-se a 1ª avaliação", as avaliações surgem "como forma de evitar que a base de partida das licitações se apresente falseada...", manteve-se a "avaliação incial baseada no valor matricial e não no respectivo valor real" e, "no que respeita às avaliações, prevê-se a sua realização, em regra, por um único perito designado pelo Tribunal..., sendo certo que as possibilidades de contraditório... serão suficientes para assegurar os legítimos direitos dos interessados na partilha"; a letra do artigo 1369 "é explícita e clara"; não se pretende uma avaliação rigorosa porque "aos interessados fica livre corrigi-la ou por acordo ou por licitação"; as licitações e reclamações são os "meios que a lei põe à disposição dos interessados para corrigir os exageros ou defeitos que estejam na base dos valores antes atribuídos"; e a remissão feita no artigo 1369 apenas se destina "a esclarecer o regime a que fica sujeita a única avaliação de bens aí prevista".
Salvo o devido respeito, não são procedentes os fundamentos invocados, não sendo de manter a decisão recorrida.
Não resulta do relatório do DL 227/94 que tivese havido a intenção do legislador de não permitir a segunda avaliação: a "primeira avaliação" que se diz ter sido eliminada era a relativa aos bens cujo valor não tinha de ser indicado pelo cabeça de casal, o que não abrangia sequer os prédios inscritos na matriz, e a lei processual designava como segunda avaliação aquela que, em rigor, era a primeira (artigo 1347 e 1364 e segs. do C.P.Civil, na redacção anterior a 1994, e M. Flamino Martins, nos Proc. Suc., p. 530); com referência aos bens doados, não está em causa "a base de partida das licitações" porque tais bens estão normalmente excluídos da licitação; a alusão à avaliação "em regra, por um único perito", significa que ela pode ser também realizada por vários peritos, como é o caso da segunda avaliação; e "as possibilidades de contraditório" exigem, em princípio, a admissibilidade de segunda avaliação, por ser o meio mais directo e eficaz de reacção contra os resultados da primeiro (artigo 609).
A letra do artigo 1369 é inteiramente compatível com aquela admissibilidade da segunda avaliação: quando menciona "a avaliação", a lei refere-se sempre à primeira (artigo 568 e segs.); e a remissão para o "preceituado na parte geral do Código" não deve ter o sentido restritivo de aplicação exclusiva do regime dessa primeira avaliação mas o sentido mais amplo e normal de aplicação das regras gerais sobre avaliação, em que se inclui a segunda.
Nâo está aqui em causa a possibilidade de correcção do valor dos bens "por acordo ou por licitações", uma vez que, como já se notou, os bens doado só excepcionalmente podem ser objecto de licitação (artigo 1365).
Não é pois exacto que se não pretenda "uma avaliação rigorosa e segura", bastando "uma estimação aproximada", dado que só essa avaliação rigorosa, dependente da admissibilidade da chamada segunda avaliação, permite um juízo fundamento sobre as diversas consequências dos valores atribuídos aos bens doados, designadamente sobre a inoficiosidade das doações e a sujeição desses bens a licitação.
Deste modo, tanto pela letra da lei como pelo seu espírito (o interesse em procede-se a uma partilha justa) deve ser admitida a segunda avaliação de bens doados.
Em conclusão:
Em processo de inventário, se for requerida a avaliação de bens doados, por motivo de oposição do donatário a licitação sobre esses bens, é admissível segunda avaliação de tais bens ( artigo 1356, 1369 e 609 do C.P.Civil, na redacção anterior a 1995/96).
Pelo exposto:
Concede-se provimento ao recurso.
Revoga-se o acórdão recorrido, bem como o despacho de fls. 71, o qual deve ser substiuído por outro em que se admita a segunda avaliação requerida a fls. 62.
Fica sem efeito o processado, respeitante à partilha, posterior àquele despacho de fls. 71.
Custas dos recursos pelos recorridos.
Lisboa, 6 de Junho de 2000.
Martins da Costa,
Pais de Sousa,
Afonso de Melo.