Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONVENÇÃO ANTENUPCIAL
CADUCIDADE
REGISTO CIVIL
EFICÁCIA
ABUSO DE DIREITO
BOA-FÉ
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Sumário
I - O abuso de direito pressupõe uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito. II - A ideia imanente na proibição do "venire contra factum proprium é o "dolus praesens" - a conduta sobre que incide a valoração negativa é a conduta presente sendo a conduta anterior apenas posta em referência para, tendo em conta a situação então criada, se apurar da legitimidade da conduta actual. III - A força probatória, material e formal, do registo civil só pode ser abalada através de uma acção de registo ou de estado. IV - O registo nulo, enquanto a nulidade não for reconhecida por sentença judicial, produz efeitos como se fosse válido. V - A convenção antenupcial, embora tenha caducado mas não sendo levado tal a registo, produz efeitos - mesmo depois de cancelado o registo são atendíveis os efeitos produzidos durante o período em que o registo existiu, deve atender-se a todas as situações de boa fé do sujeito, quer nos casos de direitos adquiridos por terceiro quer nos adquiridos pelos próprios cônjuges. VI - A partilha do casal, entretanto divorciado, deve ser feita de acordo com o registo da convenção antenupcial, se este se não encontrar cancelado por decisão transitada proferida na respectiva acção de registo, se os cônjuges estiverem de boa fé quanto à eficácia daquela.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. No 1º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, A, intentou acção declarativa de simples apreciação com processo sumário contra sua ex-mulher B, pedindo que se declare:
a) que, quando Autor e Ré celebraram o casamento em 31 de Outubro de 1971, a convenção antenupcial, por ambos outorgada em 9 de Dezembro de 1968, se tornou ineficaz, por ter caducado, nos termos do artigo 1716º, do Código Civil.
b) e, em consequência, o regime que passou a vigorar entre Autor e Ré foi o regime de bens da comunhão de adquiridos "ex vi" artigo 1717º, do Código Civil.
2. Contestou a Ré que invoca o abuso de direito para negar a eventual caducidade da convenção antenupcial e deduz reconvenção pedindo que se declare:
a) que a partilha a efectuar no processo de inventário referido no artigo 1º da petição inicial e na sequência da dissolução, por divórcio, do casamento celebrado entre Autor e a Ré deve fazer-se segundo o regime de comunhão geral de bens ou como se o Autor e a Ré tivessem sido casados no regime de comunhão geral de bens.
- Subsidiariamente, pede que se declare:
b) que os bens imóveis identificados nos artigos 37º e 49º são comuns do Autor e da Ré, na proporção de metade para cada um deles.
3. No despacho saneador julgou-se a acção procedente e improcedente a reconvenção.
4. A Ré apelou. A Relação do Porto, por acórdão de 2 de Outubro de 2000, julgou improcedente o recurso de apelação.
5. A Ré pede revista - revogação da decisão recorrida e substituição por outra que mandando elaborar despacho saneador e seleccionar a matéria assente e a base instrutória, ordene que os autos prossigam seus termos até final -, formulando as seguintes conclusões:
1) a recorrente alegou factos na sua contestação - reconvenção que consubstanciam um abuso de direito na actuação do recorrido.
2) Sendo que o abuso de direito não reside na invocação da caducidade da convenção antenupcial, mas sim em pretender beneficiar dessa caducidade quem, ao longo de toda a vida em comum, criou a convicção na recorrente de que o casamento fora celebrado no regime de comunhão geral de bens.
3) Pelo que não existe incompatibilidade entre a procedência do pedido reconvencional e a declaração de caducidade da convenção antenupcial.
4) A reconvenção fundamenta-se em factos alegados que, uma vez provados, consubstanciam um abuso de direito, na modalidade de "venire contra factum proprium".
5) O autor apresentou contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
Questões a apreciar no presente recurso.
A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa, fundamentalmente, pela análise da questão de saber se as partilhas do casal devem ser efectuadas segundo o regime de comunhão geral de bens por existir abuso de direito na actuação do Autor (recorrido).
- Abordemos tal questão -
III
Se as partilhas do casal devem ser efectuadas segundo o regime de comunhão geral de bens por existir abuso de direito na actuação do Autor.
1. Elementos a tomar em conta:
A) Factos fixados pelas instâncias:
a) Em 9 de Dezembro de 1968 , a Autora e o Réu celebraram convenção antenupcial, em que se convencionou o regime de comunhão geral de bens.
b) Autora e Ré casaram em 31 de Outubro de 1971.
B) Factos fixados nos termos do artigo 722º; nº 2 do Código de Processo Civil:
a) No cartório Notarial de Ponte de Lima, foi lavrado, em 9 de Dezembro de 1968, o assento da Convenção Antenupcial celebrada, em 9 de Dezembro de 1968,
b) No assento de casamento da Autora e Réu consta o averbamento de 9 de Novembro de 1971, do seguinte teor:
"Foi celebrado uma convenção antenupcial lavrada em 9 de Dezembro de 1968, no Cartório Notarial de Ponte de Lima, em que se convencionou o regime de comunhão geral de bens.
c) O casamento da Autora e do Réu foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 15 de Novembro de 1996, transitada em 28 de Novembro de 1996.
d) Só em fase adiantada do processo de partilhas é que o Autor (A) foi informado pelo seu advogado de que a convenção antenupcial havia caducado e passou então a defender essa ideia e a exigir que a partilha se fizesse como se eles tivessem sido casados no regime supletivo de comunhão de adquiridos.
e) Em 26 de Setembro de 1972, foi celebrada no Cartório Notarial de Ponte de Lima escritura de partilhas por óbito de C, pai do Autor, que havia falecido em 19 de Setembro de 1969.
f) Nessa escritura, intervieram como interessados, o Autor e a Ré, tendo constado dela designadamente o seguinte:
"A e mulher B, casados no regime de comunhão geral de bens."
g) Nessa mesma escritura, ficou ainda a constar mais o seguinte:
"Aos segundos outorgantes, A e mulher, para pagamento do seu quinhão hereditário, são adjudicados os seguintes bens: por inteiro as verbas atrás descritas sob os números treze, dezassete, dezanove, vinte, vinte e dois, vinte e cinco, quarenta e um, quarenta e três, quarenta e quatro, quarenta e oito, quarenta e nove, cinquenta e oito e sessenta."
h) No processo de inventário facultativo que correu por óbito de D, mãe do autor, foi elaborado mapa de partilha, no qual ficou exarado o seguinte:
"O interessado A, casado com B, no regime de comunhão geral de bens, em seu pagamento, haverá os números descritos sobre as verbas...".
i) Por sentença proferida na acção de divórcio ... foi decretado o divórcio entre o Autor e a Ré, declarando-se dissolvido o seu casamento e decretando-se o Autor (ali Réu) como único culpado no divórcio.
2. POSIÇÃO DA RELAÇÃO E DA RÉ/RECORRENTE
2a) A Relação do Porto decidiu não verificar-se qualquer situação de abuso de direito por parte do Autor, na medida em que se está perante uma situação de facto retirada da disponibilidade das partes - trata-se de caducidade que opera oficiosamente para o Tribunal - não existindo qualquer direito, de sorte a não poder haver abuso e menos ainda na modalidade de "venire contra factum proprium".
2b) A Ré/recorrente discorda da posição assumida nas Instâncias ao não darem como procedente o pedido reconvencional de as partilhas do casal se processar como se Autor e Ré tivessem sido casados no regime de comunhão geral de bens, uma vez que a contestação assenta na invocação de factos que, a serem julgados provados, consubstanciam um abuso de direito, na modalidade de um "venire contra factum proprium" e impedirão que a decisão produza os efeitos jurídicos pretendidos pelo Réu, porquanto o que constitui o abuso de direito na modalidade referida não é a invocação da declaração de caducidade da convenção antenupcial na presente acção, mas antes o facto de com a decisão de que o regime que vigorou no casamento do Autor e da Ré o supletivo (o de comunhão de adquiridos) vir a ser beneficiado pelo Autor que ao longo de toda uma vida em comum, em actos que envolveram a transmissão ou aquisição de bens, criou a convicção de que o regime de casamento era o da comunhão geral de bens e não o de comunhão de adquiridos.
- E conclui afirmando que só após a deliberação sobre a veracidade dos factos alegados na contestação é que o Tribunal está em condições de, pronunciando-se sobre a caducidade da reconvenção, decidir sobre os efeitos práticos dessa mesma caducidade e o reflexo na forma de efectuar a partilha dos bens do casal: estamos perante uma situação em que alguém pode usufruir de um direito cujo exercício manifestamente excede os bons costumes e, principalmente, a boa fé.
- Que dizer?
3. O artigo 664º, do Código de Processo Civil define a relação entre a actividade do Juiz e a actividade das partes no tocante aos materiais de conhecimento. E define-a assim: pelo que respeita aos factos a sua actividade está vinculada: só pode servir-se dos factos constitutivos, impeditivos ou extintivos das pretensões, formuladas na acção, alegadas pelas partes; pelo que respeita ao direito - a acção do Juiz é livre na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito: tem os movimentos livres na aplicação do direito, o que equivale a dizer que o Juiz não se encontra adstrito na qualificação jurídica dos factos efectuada pelas partes - cfr. ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pags. 676/677.
A actividade do Juiz foi sublinhada de forma elucidativa por A. os REIS quando escreveu:
"O autor ou o Réu invoca determinada disposição legal; se o Juiz entende que tal disposição não existe, ou que, apesar de existir, não é o que mais se ajusta ao caso concreto em litígio, põe completamente de parte a indicação feita pela parte e vai buscar a regra do direito que, em seu modo de ver, regula a espécie de que se trata - cfr. CÓDIGO PROCESSO CIVIL ANOT. Vol. V, pags. 93.
Tem sido esta a doutrina firmada por este Supremo Tribunal de Justiça (entre outros, o acórdão de 17 de Junho de 1992, BMJ nº 418, pags. 710).
4. Perante o que se deixa exposto, em conjugação quer com as pretensões deduzidas pela Ré na sua reconvenção (a partilha do casal, na sequência da dissolução do casamento, deve fazer-se como se o Autor e a Ré tivessem sido casados no regime de comunhão geral de bens, ou declarar-se que os imóveis identificados nos artigos ... são comuns do Autor e da Ré, na proporção de metade para cada um) quer com os factos alegados a sustentar tais pretensões (os referidos em 1. do presente parágrafo), não pode aceitar a qualificação jurídica dada pela Ré (os factos consubstanciam um abuso de direito na modalidade de "venire contra factum proprium").
5. Os factos alegados na Reconvenção não consubstanciam um abuso de direito, uma vez que é necessário uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito (cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., pags, 565), sendo certo que esta contradição é patente nos casos de "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM": são os casos com que a pessoa pretende destruir uma relação jurídica ou um negócio, invocando, por exemplo, determinada causa de nulidade, anulação, resolução ou denúncia de um contrato, depois de fazer crer à contraparte que não lançaria mão de tal direito ou depois de ter dado causa ao facto invocado como fundamento da extinção da relação do contrato "- cfr. A. VARELA, obra citada, pags. 517".
A ideia imanente na proibição do "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM" (que cai no âmbito do "Abuso de Direito, cfr. A. Varela, obra citada, pags. 566; e MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. II, 1984, pags. 760) é a "DOLUS PRAESENS": a conduta sobre que incede a valoração negativa é a conduta presente sendo a conduta anterior apenas ponto de referência para, tendo em conta a situação então criada, se ajuizar da legitimidade da conduta actual - cfr. B. MACHADO, Tutela de Confiança e Venire Contra Factum Proprium, in "OBRA DISPERSA", vol. I, pags. 385.
No mesmo sentido, MENEZES CORDEIRO, OBRA CITADA, pags. 758; e Tratado de Direito Civil Português, Tomo I, 1999, pags. 184/186.
6. Se os factos alegados pela Ré não consubstanciam um abuso de direito (não se surpreende o exercício abusivo do direito por parte do Autor ao pretender que a partilha do casal seja feita segundo o regime de comunhão de adquiridos) nem na modalidade do "Venire Contra Factum Proprium" (não se surpreende que o Autor tenha criado uma situação de que a partilha seria efectuada segundo o regime de comunhão geral de bens e que traíra essa mesma situação de confiança), como qualificar esses factos?
- A qualificação jurídica dos factos alegados na reconvenção não pode ser senão a da eficácia e da natureza do registo da convenção antenupcial, conforme se passa a evidenciar.
7. Para ser válida, qualquer que seja o seu conteúdo, a convenção antenupcial necessita de constar de escritura pública - artigo 1710º, Código Civil - e só produz efeitos em relação a terceiros depois de registada, sendo certo que o registo da convenção antenupcial não dispensa o registo predial relativo a factos a ele sujeitos - artigo 1711º, nºs. 1 e 3.
A convenção antenupcial perde a sua eficácia (caduca) se o casamento, em vista do qual foi realizada, não for celebrado dentro de um ano: a convenção tem a sua eficácia sujeita à condição "si nuptial sequantur" - artigo 1716º.
- O registo da convenção antenupcial - que é obrigatório, cfr. Artigo 1º, nº 1, alínea c), do Código de Registo Civil - é feito na Conservatória do Registo Civil, mediante a sua menção no assento de casamento, sempre que a certidão da respectiva escritura seja apresentada até à celebração deste ou por averbamento ao assento de casamento, quando apresentada após a celebração do casamento, cfr. Artigo 190º, do Código de Registo Civil.
8. A prova resultante do registo, quanto aos factos que a ele estão obrigatoriamente sujeitos e ao estado civil correspondente, só pode ser ilidida nas acções de estado e de registo (artigo 3, do Código de Registo Civil).
Assim, a força probatória, material e formal (sobre estas noções, ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2ª ed., 520) só pode ser abalada através de uma acção, acção esta que será de registo, se se visar a realização de alterações ao próprio assento registal por motivo de comprovada inexactidão, deficiência ou irregularidade ou proceder à declaração da sua inexistência ou nulidade; ou de estado, se se visar proceder à impugnação do próprio acto registado - e, por decorrência, do respectivo estado civil - cfr. JOSÉ MANUEL VILALONGA, Eficácia e natureza jurídica do registo do casamento, na Revista "O Direito", ano 132, pags. 60/61.
9. Sendo estas as únicas formas pelas quais se pode impugnar o registo é consabido que só se pode impugnar um facto cujo registo é obrigatório com os fundamentos previstos nos artigos 85º, e segs, do Código de Registo Civil e, ainda, que, nos termos do artigo 3º, nº 2, do mesmo diploma legal, "os factos registados não podem ser impugnados sem que seja pedido o cancelamento ou rectificação dos registos correspondentes, colocados somos perante duas questões: a primeira, será que a convenção antenupcial produzirá os seus efeitos se o registo for nulo; a segunda, de que forma é que os efeitos da convenção antenupcial são afectados em virtude do cancelamento do registo por força da sua nulidade. - Vejamos. -
10. Apesar do registo da convenção antenupcial ser qualificado como falso, nos termos do artigo 88º alínea c), do Código de Registo Civil, por a convenção antenupcial se encontrar caduca à data da celebração do casamento, por decurso do prazo referido no artigo 1716º, do Código Civil, temos como correcta a punição de que o registo nulo, enquanto a nulidade não foi reconhecida por sentença judicial, produz efeitos como se fosse válido (o que significa que a convenção antenupcial será tida como plenamente relevante).
- Tal entendimento ressalta quer do disposto no citado artigo 3º nº 2 quer no artigo 90º que estabelece que a nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial, conforme sublinha MANUEL VILALONGA, Obra citada, na Revista "O Direito", ano 132, pags. 47/48.
11. A outra questão (de que forma é que os efeitos da convenção antenupcial são afectados em virtude do cancelamento do registo por força da sua nulidade) é mais complexa, na medida em que, conforme sublinha MANUEL VILALONGA, "nessa actuação sobre o passado poderá afrontar (ou afrontará efectivamente) com uma série de efeitos entretanto produzidos. Tais como ... a prática de actos para os quais o cônjuge não teria legitimidade se não fosse casado (emergindo aqui o problema relacionado com os direitos adquiridos por terceiros de boa fé) e os próprios efeitos entre os cônjuges - obra citada, ano 132, pags. 48.
11a) Não temos dúvidas em afirmar que serão de atender a efeitos produzidos pelo registo nulo, na medida em que não faria sentido defender-se a relevância do registo nulo antes de ser declarado judicialmente, para, agora, sustentar-se a irrelevância de todos os efeitos entretanto produzidos, uma vez cancelado o assento (averbamento) registal.
- Entende-se que, mesmo depois de cancelado o respectivo registo, são atendíveis efeitos da convenção antenupcial produzidos durante o período em que o registo existiu.
- Tal entendimento retira-se (apoia-se) no disposto no artigo 91º nº 2, do Código de Registo Civil, conforme MANUEL VILALONGA quando escreve:
"Estabeleceu-se que o registo nulo só depois do cancelamento é que deixa de produzir qualquer efeito como título do facto registado, tem por efeito reflexo admitir-se que antes do cancelamento o registo nulo produz efeitos como tal (como título do facto registado).
"Os efeitos anteriormente produzidos ficam, assim, ressalvados. O cancelamento tem, nesta medida, e portanto, eficácia ex nunc "- cfr. OBRA CITADA, na REVISTA "O DIREITO" , ano 132, pags. 51".
- Assim sendo, e em obediência à fé pública registral, os efeitos produzidos antes do cancelamento do registo subsistem depois da realização deste.
11b) Serão atendíveis todos os efeitos produzidos antes do cancelamento do registo.
- Dúvidas não temos de que deverá atender-se a todas as situações de boa fé do sujeito: a boa fé assume relevância quer nos casos de direitos adquiridos por terceiros, quer nos adquiridos pelos próprios cônjuges (ex: os resultantes do chamamento hereditário e os do divórcio, dado que este é equiparado á dissolução do casamento por morte de um dos cônjuges, ou seja, cessam além do mais, as relações patrimoniais - artigos 1762º e segs., Código Civil - procedendo-se à partilha dos bens do casal - artigo 1689º - tal como se o casamento se tivesse dissolvido por morte de um dos cônjuges).
12. Tudo a significar que, por um lado, na constância do matrimónio, os bens adquiridos, através do chamamento hereditário, são havidos como comuns; por outro lado, por efeito do divórcio, na partilha do casal, cada um recebe os seus bens próprios e a sua meação no património do casal - artigo 1689º, nº 1, do Código Civil.
- Dito de outro modo, a partilha do casal será feita em consonância com o registo da convenção antenupcial, em que se convencionou o regime de comunhão geral de bens, se este não se encontrar cancelado por decisão, transitada em julgado, proferida na respectiva acção de registo, e, ainda, se os cônjuges estiverem de boa fé quanto à eficácia da convenção antenupcial.
- A boa fé dos cônjuges quanto à eficácia da convenção antenupcial determina não só que se considere comum os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges, por sucessão, na constância do casamento, mas também que se atenda ao regime de bens convencionado aquando da partilha do casal, por efeito do divórcio.
13. A qualificação jurídica dada aos factos alegados na reconvenção, em conjugação quer com a dissolução do casamento do Autor e da Ré, decretada por sentença de 13 de Novembro de 1996, transitada em 28 de Novembro de 1996, quer com a data do decretamento do cancelamento do averbamento da convenção antenupcial celebrado entre Autor e Ré (sentença da 1ª instância, de 24 de Fevereiro de 2000), permite-nos precisar não só que são comuns os bens adquiridos na constância do casamento, por sucessão (precisamente os referidos em g) e h) dos "Elementos a tomar em conta" do presente parágrafo), mas também que a partilha deve ser feita como se tivessem sido casados segundo o regime de comunhão geral de bens.
Conclui-se, assim, que as partilhas do casal devem ser efectuadas segundo o regime de comunhão geral de bens.
IV
Conclusão:
Do exposto, poderá extrair-se que:
1) O regime fixado pela convenção antenupcial, celebrado pelo Autor e Ré, foi o da comunhão geral de bens.
2) A convenção antenupcial, celebrada entre Autor e Ré, caducou por o casamento não ter sido celebrado dentro de um ano.
3) Como ninguém se apercebeu da caducidade da convenção antenupcial, o casamento foi celebrado pelos cônjuges e sacerdote como se a convenção se mantivesse eficaz, dela se fazendo menção no assento do casamento, através do respectivo averbamento.
4) A boa fé dos cônjuges quanto à eficácia da convenção antenupcial determina que se considere comum os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges, por sucessão, na constância do casamento, após o registo da convenção.
5) A boa fé dos cônjuges quanto à eficácia da convenção antenupcial, na constância do casamento, após o registo, determina que se atenda ao regime de bens convencionado, aquando da partilha do casal, por efeito do divórcio.
Face a tais conclusões, em conjugação com a matéria fáctica fixada, poderá precisar-se que:
1) A partilha dos bens do Autor e da Ré, por efeito do divórcio, será efectuada segundo o regime de comunhão geral de bens.
2) O acórdão recorrido não pode ser mantido, dado ter inobservado o afirmado em 1.
Termos em que se concede a revista e na revogação do acórdão recorrido determina-se que, na procedência da reconvenção, a partilha dos bens do Autor e da Ré se processe segundo o regime de comunhão geral de bens.
Custas pelo Autor/recorrido nas instância e neste Supremo Tribunal de Justiça.
Lisboa, 19 de Abril de 2001
Miranda Gusmão,
Sousa Inês,
Nascimento Costa.
1º Juízo Tribunal Viana do Castelo - P. 20/99.
Tribunal da Relação do Porto - P. 851/00 - 5ª Secção.