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CIRE
BENS APREENDIDOS PARA A MASSA INSOLVENTE
PROCEDIMENTO CAUTELAR
Sumário
Permitindo a lei àqueles que pela apreensão se sintam lesados na sua posse ou no seu direito de propriedade a possibilidade de obter a restituição ou a separação de bens que tenham sido indevidamente apreendidos para a massa insolvente por via do procedimento a que alude o art. 141º e segs. do CIRE, nomeadamente, o art. 145º, é este o procedimento que deve ser utilizado e não o procedimento cautelar (comum) que vise igual finalidade.
1. B………. propôs contra Massa Insolvente de C………., Ldª e Credores da referida Massa Insolvente, o presente procedimento cautelar comum, pedindo que seja decretada a continuação da permanência dos bens móveis que identifica no artigo 1º do requerimento inicial no local em que se encontram actualmente e à guarda do actual depositário.
Alega, para tanto, que é proprietário dos bens móveis que identifica, por os haver adquirido em 20/1/2006 à sociedade “D………., Ldª”, à qual posteriormente os deu de comodato, D………. que era a sua proprietária por força da dação em cumprimento efectuada pela sociedade insolvente, bens esses que foram apreendidos para a massa insolvente requerida; essa apreensão viola o seu direito de propriedade sobre os bens, sendo certo que teve por base um acto de resolução em benefício da massa insolvente, levado a cabo pelo respectivo administrador no competente processo, em momento posterior ao da celebração do contrato de compra e venda que outorgou com a D………., a quem adquiriu os bens de boa fé, passando a possui-los do mesmo modo, embora através de terceiro, há mais de uma ano, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, na convicção de ser deles proprietário, apenas tendo tido conhecimento da apreensão em Outubro de 2009; pretende, por isso, que os bens lhe sejam restituídos, em conformidade com o que dispõe o artº 146º do CIRE, embora mantendo-se, por enquanto, sob detenção da sociedade que lhos vendeu e à qual os emprestou; o acto levado a cabo pelo Sr. Administrador de Insolvência, consubstanciado na resolução, em benefício da massa, do negócio jurídico de dação em pagamento por via do qual a titularidade dos bens foi transmitida da sociedade declarada insolvente para a sociedade que acabou por vendê-los a si, é inválido, por não estarem verificados os pressupostos de facto e de direito para tanto exigidos, pelo que, na eventualidade de o pedido de restituição dos bens não ter acolhimento, deduzirá, subsidiariamente, pedido de impugnação do acto de resolução em benefício da massa acima referido; mais afirma haver fundamento para se concluir pela validade do contrato de compra e venda por si celebrado, mediante o qual adquiriu os bens móveis apreendidos para a massa insolvente e, por isso, pela existência de um direito seu, digno de tutela legal e, partindo do pressuposto da existência do direito, continua afirmando que, dada a natureza móvel dos bens, e atenta a morosidade da “acção de reivindicação de propriedade a propor”, que há um risco sério de lesão do seu direito, emergente, porventura, da própria perda dos bens, quanto mais não seja pela sua venda em resultado de liquidação judicial; finaliza alegando que se verificam os pressupostos legais para o recurso a este procedimento e por que seja decretada a providência por si requerida.
2. Regularmente citados os requeridos, apenas a primeira requerida deduziu oposição, na qual alega que o presente procedimento cautelar não é o meio processual próprio para apreciar a pretensão do requerente, por não previsto no artº 146º do CIRE, e impugna motivadamente a matéria de facto alegada pelo requerente, designadamente aduzindo que, tendo sido objecto de apreensão em 29 de Junho de 2007, os bens são propriedade da insolvente porque a dação em pagamento celebrada em 28/2/2005, entre a insolvente e a “D……….”, foi resolvida na sequência de deliberação da assembleia de credores, não impugnada pela “D……….” que, todavia, não só não os devolveu como instaurou, em 2007, acção de restituição de bens, invocando a sua posse e a do aqui requerente, a qual foi julgada improcedente, além de que alguns dos bens cuja restituição é peticionada não foram apreendidos; o contrato celebrado entre requerente e “D……….” foi simulado, o que justifica que a “D……….” tenha continuado na posse dos bens.
Termina pedindo a procedência da excepção, com a consequente absolvição da instância, ou, caso assim não seja entendido, pela improcedência do procedimento com as legais consequências.
3. Proferida decisão a julgar improcedente o procedimento cautelar e a não decretar a providência requerida, dela apelou o requerente, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
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4. Não tendo sido oferecidas contra-alegações, solicitada que foi ao Tribunal recorrido certidão da decisão (sentença da 1ª instância, deste Tribunal e do Supremo Tribunal de Justiça) da acção de restituição instaurada pela “D……….” contra a “Massa Insolvente”, junta a fls. 157 e seguintes, cumpre decidir, colhidos que foram os vistos legais.
II - FUNDAMENTAÇÃO.
1. Os factos a considerar na decisão do recurso são, para além dos que se deixaram relatados, os seguintes:
- Factos tidos como provados na decisão recorrida:
1) Por sentença proferida pelas 20h00 do dia 30 de Novembro de 2005, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da sociedade “C………., Ldª”.
2) No decurso do processo de insolvência o Sr. Administrador de Insolvência nomeado procedeu, a 29 de Junho de 2007, à apreensão dos seguintes bens:
- uma máquina de impressão a jacto de tinta “Linx - 4800”, de duas linhas;
- uma máquina de impressão Linx Jet - 6200, de quatro linhas;
- uma máquina de impressão Linx Jet - 6200, de quatro linhas;
- uma máquina de encher e de cravar “Mirca 35”, de latas de 500 ml e respectivo tapete;
- uma máquina de rotulagem do tipo M200 155X, com o n.º de série …….;
- uma máquina enchedora e capsuladora tipo RCS 16/1, com o n.º ….;
- uma máquina de fechar caixas modelo SM 4.P do tipo B, com o n.º ......;
- um filtro de azeite, modelo Cartucho;
- uma máquina de encher e de cravar “mirca 35”, de latas de 200 ml;
- um empilhador de marca Nissan, modelo ……., com Kit Gas;
- uma bomba para azeite do tipo RS-41/M, com o n.º …..-..;
- um reservatório em inox para azeite, com capacidade para 30.000 litros;
- um reservatório em inox para azeite, com capacidade para 27.000 litros;
- um reservatório em inox para azeite, com capacidade para 27.000 litros;
- um reservatório em inox para azeite, com capacidade para 10.000 litros.
3) A apreensão de tais bens para a massa insolvente teve por base um acto, levado a cabo pelo Sr. Administrador de Insolvência, de resolução em benefício da massa insolvente requerida de um negócio celebrado entre a sociedade declarada insolvente e a sociedade “D………., Ldª”, pelo qual a primeira transferira para a segunda a propriedade dos bens identificados em 2).
4) Por decisão proferida 25/10/07 no apenso I foi decidido, nos termos do artº 145º do CIRE, a restituição provisória da posse à sociedade comercial D………., dos bens a que se alude em 2), na condição de prestação de caução adequada por parte da Requerente, entretanto prestada.
Factos provados constantes da certidão referida em I.4.:
5) A acção referida em 4) foi julgada improcedente por decisão transitada em julgado.
2. É uma, essencialmente, a questão objecto do presente recurso, delimitada pelas conclusões das alegações do apelante (artºs 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil), a saber: se os factos alegados pelo requerente são susceptíveis de integrar todos os requisitos do procedimento cautelar comum e se o mesmo procedimento constitui meio próprio para obter a entrega de bens apreendidos para massa insolvente.
A decisão recorrida julgou improcedente a providência cautelar comum com o fundamento de que para a entrega dos bens em causa havia um mecanismo expressamente previsto para o efeito, que precludia o recurso à providência requerida, e por ter considerado que o requerente pretendia acautelar algo que o próprio legislador lhe assegurava com a simples propositura da acção de que o procedimento cautelar dependia, concluindo, desse modo, que não estavam verificados os pressupostos legalmente previstos para a sua dedução.
Por sua vez, o recorrente sustenta que a providência requerida é o meio próprio para ver assegurado o admitido o seu direito de propriedade sobre os bens, evitando a perda deles em resultado da mais do que provável venda dos mesmos, pelo que se verificava o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável desse direito, o que se retira da experiência comum.
Apreciemos.
Os procedimentos cautelares “têm por fim acautelar um direito, ameaçado ou já no início de lesão. Trata-se de uma medida que se propõe prevenir o mal ou conservar um direito” no dizer de J. Santos Silveira (em Processos de Natureza Preventiva e Conservatória, pág. 17), e destinam-se, em geral, a acautelar o efeito útil da respectiva acção, ou seja, “a impedir que, durante a pendência da acção, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela”, pretendendo-se assim prevenir os riscos da normal demora do julgamento definitivo da respectiva acção (A. Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 23).
Entre a providência cautelar e a acção principal deve existir uma relação de instrumentalidade, de modo a poder afirmar-se que entre o direito acautelado e o que se pretende ver reconhecido na acção existe uma certa identidade.
Assim, antes de se decretar determinada providência cautelar há que averiguar qual o direito que se pretende acautelar.
Como resulta do resumo que se fez da alegação constante do requerimento inicial (I.1.), o requerente pretende com o procedimento cautelar a entrega dos bens, como preliminar da acção de restituição que disse pretender instaurar ao abrigo do disposto no artº 146º do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18/3) e, subsidiariamente (na eventualidade de o pedido de restituição dos bens não ter acolhimento), do pedido de impugnação do acto de resolução em benefício da massa insolvente [cfr. factos de II.1.3)].
Daí que, pretendendo o requerente acautelar o seu alegado direito de propriedade sobre bens apreendidos pelo administrador da massa insolvente, seja inquestionável a relação de instrumentalidade entre o direito que afirma querer acautelar e o que pretende ver reconhecido na acção principal, quer seja a acção de restituição de bens, quer a subsidiária acção de impugnação do acto de resolução em benefício da massa insolvente.
A providência cautelar comum ou não especificada, regulada no artº 381º e seguintes do Código de Processo Civil, depende da concorrência de dois requisitos essenciais, que são: 1º: A probabilidade da existência do direito tido por ameaçado - objecto da acção declarativa, proposta ou a propor; 2º: O fundado receio de que outrem, antes de proferida a decisão de mérito na acção, cause lesão grave e dificilmente reparável a esse direito; mas, para além desses dois requisitos, comuns a qualquer procedimento cautelar, acrescem ainda, no âmbito dos procedimentos cautelares não especificados, mais os seguintes requisitos: 3º: A não existência de uma providência cautelar tipificada; 4º: Que a providência seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado e 5º: Que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar (artºs 381º, nº 3, e 387º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil).
No que respeita ao primeiro requisito - a existência do direito - a lei contenta-se com a emissão de um juízo de probabilidade ou de verosimilhança, mas exige que tal probabilidade seja forte - neste sentido cfr. Moitinho de Almeida, 1981, pág. 19, e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, Almedina, III Vol., pág. 75.
Ou seja, para que seja decretada a providência, basta que o requerente demonstre a probabilidade séria da existência do direito que invoca - o chamado fumus boni juris.
Para a verificação do segundo requisito - fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável -, vem sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência defender-se a exigência de prova que conduza à formação dum juízo de certeza sobre a realidade integradora de lesão grave e dificilmente reparável, ainda que tal exigência seja entendida com maior ou menor amplitude - cfr., a propósito, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, em anotação aos artºs 381º, nº 1, e 387º, nº 1, do Código de Processo Civil, e bem assim Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 621.
Nesta medida, não será, assim, toda e qualquer consequência decorrente da violação de um direito que poderá sustentar o decretamento de uma medida cautelar que se vai reflectir no património da contraparte, mas apenas a comprovação de uma lesão grave e dificilmente reparável facultará ao tribunal a tomada de uma decisão daquela natureza - cfr. Abrantes Geraldes, obra citada, págs. 83 a 87.
Temos portanto, quanto ao segundo requisito, que é de exigir uma prova “completa”, mas, sem prejuízo de dever ter aqui lugar uma prova mais acentuada que no que se refere ao primeiro requisito, entendemos, dada a estrutura simplificada da providência e a natureza provisória da medida, ser suficiente uma prova menos exigente. Assim o entende também o Prof. A. Varela, obra citada, pág. 25, ao escrever “em vez da demonstração do perigo de dano invocado, bastará que o requerente mostre ser fundado (compreensível ou justificado) o receio da sua lesão.
Relativamente aos terceiro e quarto requisitos - inexistência de uma providência cautelar tipificada e que a providência seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado -, traduzem-se, respectivamente, na ausência de providência tipificada na lei e na necessidade de que a providência se mostre, em concreto, adequada a evitar a lesão.
Finalmente, e quanto ao último requisito - não resultar da providência prejuízo superior ao dano que ela visa evitar -, mais não é do que a consagração do princípio da proporcionalidade (cfr. artº 387º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Como defende Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 222, “Quando de ambos os lados estão exclusivamente interesses de ordem patrimonial ou interesses de ordem moral, a aplicação do princípio referenciado acerca da proporcionalidade não revela especiais dificuldades. Basta, afinal, estabelecer a comparação, a partir dos factos provados, entre os prejuízos que se pretendem acautelar e as consequências que podem advir da execução da medida”.
No caso em apreço os bens estão apreendidos à ordem da requerida massa insolvente, pois, como se referiu, com o procedimento cautelar e consequente entrega dos bens que identifica, o requerente pretende acautelar é o seu alegado direito de propriedade sobre esses bens, que alegadamente teriam sido apreendidos para a massa insolvente de “C………., Ldª”.
A apreensão de bens em processo de insolvência resulta de decisão judicial, visto que na sentença que declara a insolvência o juiz decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador, de todos os bens do devedor, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no nº 1 do artº 150º (artº 36º, nº 1, al. g) do CIRE).
Cabendo ao administrador a concretização dos bens a apreender e podendo dar-se o caso de o administrador apreender indevidamente bens, designadamente por não serem da titularidade do insolvente, ainda assim, a apreensão não deixa de constituir execução de uma decisão judicial.
De acordo com o disposto nos artºs 36º, nº 1, al. g), 149º e 150º, nº 1 do CIRE, o poder de apreensão de bens pelo administrador da insolvência, não está condicionado nem pelo trânsito em julgado da sentença nem pelo seu registo, admitindo, porém, o artº 146º, nº 2 do CIRE, a proposição, a todo o tempo, da acção para o exercício do direito à restituição de bens contra a massa insolvente, os credores e o devedor.
Com vista a obter a reintegração dos bens e valores em causa para a massa insolvente, para efeito de satisfação dos direitos dos credores, o artº 120º do CIRE atribui ao administrador da insolvência o poder de, uma vez verificados os requisitos gerais nele enunciados, fazer operar a resolução “dos actos prejudiciais à massa praticados (…) dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo”, estabelecendo o artº 123º do mesmo diploma que tal resolução pode ser efectuada “por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência”.
A acção de restituição e separação de bens que tenham sido apreendidos para a massa insolvente encontra-se prevista e regulada nos artºs 141º a 148º do CIRE, à qual são aplicáveis as disposições relativas à reclamação e verificação de créditos, englobam a reclamação e verificação do direito de restituição, a seus donos, dos bens apreendidos para a massa insolvente, mas de que o insolvente fosse mero possuidor em nome alheio, a reclamação e verificação do direito que tenha o cônjuge a separar da massa insolvente os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns e a reclamação destinada a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o insolvente não tenha a plena e exclusiva propriedade ou sejam estranhos à insolvência ou insusceptíveis de apreensão para a massa (artº 141º, nº 1).
No caso dos autos, de acordo com o alegado pelo requerente, estamos perante a situação prevista na alínea c) do citado artigo 141º do CIRE, já que ele alega ser o legítimo proprietário dos bens que identifica e que diz terem sido apreendidos para a massa insolvente.
Acontece, porém, que estando os bens (móveis) apreendidos à ordem de massa insolvente, qualquer pretensão sobre bens que integram a respectiva massa tem de ser ponderada à luz do regime especialmente previsto nesse sentido, nomeadamente, nas citadas disposições - artºs 141º a 148º - que integram o CIRE.
Ora, estipula o artº 145º do CIRE, cuja epígrafe é “Entrega provisória de bens móveis”, que “Ao reclamante da restituição de coisas móveis determinadas pode ser deferida a sua entrega provisória, mediante caução prestada no próprio processo” (nº 1) e que “Se a reclamação for julgada definitivamente improcedente serão restituídos à massa os bens entregues provisoriamente ou o valor da caução” (nº 2).
Resulta deste preceito legal que nele é estabelecido um regime especial de entrega de bens móveis apreendidos para a massa insolvente para quem pretenda a sua restituição.
A especialidade do regime passa pela obrigatoriedade de prestação de uma caução, mesmo no caso de ser deferida a sua entrega a quem reclame direito a ela.
Como pertinentemente se afirma na decisão recorrida, “trata-se … de solução perfeitamente compreensível no quadro da ponderação dos interesses subjacentes à mesma.
… pretendeu-se com ela permitir a um terceiro a restituição dos bens a que, porventura, tenha direito, mas assegurou-se, de igual modo, a satisfação dos interesses da massa insolvente e os dos credores em geral, que, apesar da entrega do bem, continuam a ver no seu equivalente pecuniário a possibilidade de satisfação dos seus créditos, mesmo que o bem pereça, se extravie ou danifique (v. o nº 2 do preceito em causa).
Todo este regime estaria prejudicado com o recurso a um procedimento cautelar com os termos com que este foi deduzido.
Na realidade, pretendendo-se uma simples entrega de bens apreendidos para a massa insolvente, o seu deferimento deixaria por acautelar os interesses da massa insolvente e dos credores no caso de, por qualquer motivo, mesmo que sem qualquer responsabilidade do requerente, os bens perecessem.
E a tal conclusão não obsta a possibilidade, prevista no artº 387º, n.º 3 do Código de Processo Civil, de a providência decretada poder ser substituída por caução adequada, sendo certo que, para além de se tratar de opção a tomar (“a pedido do requerido”) verificados que estejam os requisitos especialmente previstos para a mesma, no caso dos autos é o próprio Requerente quem, no seu articulado, manifesta o interesse único e exclusivo de acautelar a posse sobre os bens em si mesmos e não o seu valor (cfr. artºs 84º e 85º da petição)”.
Do que acaba de se expor, resulta que o CIRE prevê expressamente a possibilidade de funcionamento de mecanismos próprios que satisfaçam os interesses de terceiros prejudicados coma apreensão indevida de bens alheios efectuada em processo de insolvência.
Estabelecendo o CIRE uma providência própria para a entrega de bens móveis que tenham sido apreendidos para a massa insolvente, como é o caso em apreço, falece o terceiro dos enunciados requisitos da providência cautelar comum, ou seja o da inexistência de providência cautelar especificada, pois que essa providência existe no citado artº 145º do CIRE.
À mesma conclusão se chega por força do disposto no artº 17º desse diploma legal ao estabelecer que o processo de insolvência se rege pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código, pois que enquanto a substituição da providência cautelar comum mediante a prestação de caução se encontra sujeita a pedido do requerido, que é quem a deve prestar, na entrega provisória de bens móveis no âmbito do CIRE a caução tem que ser prestada pelo requerente.
Estava, portanto, o requerente, também por esta via, atenta a pretensão formulada de entrega (provisória, dada a natureza dos procedimentos cautelares) de bens, impedido de recorrer à providência cautelar comum, porquanto a lei permite àqueles que pela apreensão se sintam lesados na sua posse ou no seu direito de propriedade a possibilidade de obter a restituição ou a separação de bens que tenham sido indevidamente apreendidos para a massa insolvente por via do procedimento a que alude o artºs 141º e seguintes do CIRE, nomeadamente o artº 145º, sendo este o procedimento que deve utilizar e não o procedimento cautelar que vise igual finalidade.
Improcede, deste modo, a apelação.
III - DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante.
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Porto, 25/11/2010
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Evaristo José Freitas Vieira