ROUBO
AGRAVANTE QUALIFICATIVA
ARMA
AMEAÇA
Sumário

1 - Uma pistola de alarme pode servir como meio de coacção e de intimidação mas, no domínio da objectividade e da legalidade, não pode ser considerado como um instrumento, uma arma, de agressão.
2 - Uma vulgar caixa registadora de estabelecimento comercial só preenche o conceito de «receptáculo equipado com fechadura ou outro dispositivo de segurança», para efeitos da agravante qualificativa do art. 204º, nº 1, e), do C. Penal, quando está efectivamente fechada à chave (e não, portanto, quando está a ser normalmente utilizada).

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I
Na Comarca de Albufeira, os arguidos AA, solteiro, jardineiro, nascido em 18.07.75, e residente, antes de preso, no Sítio ...,..., Albufeira; BB, solteira, empregada de quartos, nascida a 14.10.1980, e residente em ...,..., Boliqueime, foram pronunciados como co-autores de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 e 2, al. b) com referência ao art. 204º, nº 2, al. f) do C.Penal.

II
Realizada audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Portimão, por acórdão de 21 de Dezembro de 2000, deliberou:
a) condenar o arguido AA como co-autor de um crime de roubo p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do C.Penal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
b) condenar a arguida BB como co-autora do mesmo crime de roubo p. e p. pelas disposições legais referidas na pena especialmente atenuada de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução por 3 (três) anos, sob condição de a arguida se submeter a tratamento no CAT de Olhão durante o período de 6 meses, devendo fazer prova desse facto nos autos, decorrido aquele prazo;

III
Discordando da subsunção dos factos ao crime de roubo simples, o Exmº Procurador da República junto daquele Círculo interpôs o presente recurso em cuja motivação extraiu as seguintes conclusões:
1ª - A arma utilizada - pistola de alarme - está enquadrada no conceito de arma para efeitos do crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 2, al-b) com referência ao art. 204º, nº 2, al.f) ambos do C.Penal já que tem a virtualidade de provocar na pessoa ofendida um justo receio de vir a ser lesada através da sua respectiva utilização na sua integridade física.
2ª - A referida arma proporciona ao Agente, seu portador, uma maior audácia tão-só pelo facto de o mesmo saber que a pessoa ofendida desconhece em absoluto que tal arma não pode deflagrar daí resultando para esta a sua fragilidade perante a situação criada, como aconteceria se a arma fosse verdadeira e por motivos alheios ao Agente não pudesse deflagrar, ou seja,
3ª - A pessoa ofendida acreditou que a arma foi utilizada como arma "tout court" e como tal encarou a situação.
4ª - Os arguidos agiram mancomunados, voluntária, livre e conscientemente.
5ª - Agiram os mesmos com dolo directo e como tal intenso, como de grande intensidade é o grau de ilicitude dos factos, atenta a natureza do crime de roubo.
6ª - O arguido AA tem antecedentes criminais tendo sido anteriormente condenado por crimes contra o património.
7ª - As penas aplicadas são inadequadas atenta a qualificação do crime de roubo que se sustenta, devendo ao arguido AA ser aplicada uma pena não inferior a 5 anos e 6 meses de prisão e à arguida BB uma pena não inferior a 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução nos termos e com os fundamentos explanados no Douto Acórdão recorrido que sufragamos.

Sem prescindir

8ª - Não se aceitando que o crime de roubo se encontra qualificado nos termos do art. 210, nº 2, al-b) com referência ao art. 204º, nº I, al-b) do C.Penal, deveria então ser qualificado o crime de roubo por referência ao art. 204º o, nº 1, al-e) por força do disposto no primeiro normativo referido já que a pessoa ofendida foi constrangida a abrir a caixa registadora onde se encontrava o dinheiro facto que constava na acusação e dado como provado (nº 5).
9ª - Há assim uma alteração não substancial dos factos que deveria ser comunicada ao arguido - art.358º nº 3 do C.P.P.
10ª - Tal omissão leva a que seja declarado nulo o Douto Acórdão recorrido, nulidade que agora se argui (art. 379º nºs 1, al-c) e 2 do C.P.P.).

IV
Na sua resposta, o arguido AA pronunciou-se pelo improvimento do recurso e apresentou as seguintes conclusões:
1º O conceito de arma não é caracterizado pelo receio que seja sentido por qualquer pessoa, sendo essencial que se verifiquem os respectivos pressupostos.
2º Um objecto, com o cano obstruído, sem a virtualidade de disparar projécteis, não tem a virtualidade de ser uma arma, por muito medo que tal objecto possa causar a terceiros.
3º - O objecto em causa, utilizado pelo Arguido, não é uma arma, nem pode ser entendido como tal, não se verificando, consequentemente, a alegada qualificação.
4º - A circunstância de um objecto que não é arma, poder gerar receio, não o transforma em arma, que não é, bem tendo andado o douto Colectivo "a quo".
5º - Não houve qualquer erro na qualificação, nenhuma disposição legal tendo sido violada, nenhum repara merecendo o douto Acórdão de Fls, que deve ser mantido.

V
Porque tempestivamente requeridas, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta apresentou mui doutas, minuciosas e facundas alegações escritas onde concluiu dever confirmar-se a qualificação jurídico-criminal constante do acórdão recorrido e, consequentemente, manter-se a medida das penas impostas aos recorridos, negando-se provimento ao recurso, uma vez que a utilização de uma pistola de alarme é um facto atípico para efeito da qualificativa do nº 2 al.b) do art. 210º do Cód. Penal, com referência à al.f) do nº2 do art. 204º do mesmo diploma: uma pistola só deverá ser considerada arma para os efeitos de integrar aquela qualificativa, quando e enquanto possa disparar projécteis, pois aí reside a sua capacidade de instrumento vulnerante, capaz de potenciar o ataque".
Com efeito, "a expressão arma - empregue pelo legislador no art. 204º, nº 2, al.f) do C.P. - não deve ser interpretada no sentido de abranger o porte de objecto capaz de intimidar.
Deve antes reportar-se a objecto destinado normalmente ao ataque e apropriado a causar ofensas físicas ou a morte (armas por natureza ou próprias, ou a objecto que pode, eventualmente, utilizar-se agressivamente na produção de ofensas físicas ou da própria morte (arma por destino ou imprópria).
Acontece que uma pistola de alarme é uma arma tão-só na falsa representação da vítima.

Uma pistola de alarme de arma só tem o formato!
E não há armas de alarme, sob pena de evidente contradição nos próprios termos.
Acresce que o disposto no art. 4º do Dec.-Lei nº 48/95, de 15/03.
Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para esse fim, reforça o entendimento que defendemos se atentarmos que na expressão meio de agressão se integram as armas apelidadas de próprias como as impróprias (desde que sejam, ou possam ser, utilizadas como meio de agressão), mas que naquela expressão já não parece poder integrar-se um instrumento que apenas tenha aptidão para intimidar.

Tudo, pois, a apontar no sentido de arma entendida como instrumento com capacidade vulnerante e não apenas intimadora.
Por último, como no crime de furto qualificado, p.e p. pelo art. 204º nº 2, al. f) do C.P., é circunstância elemento trazer agente, no momento do crime, arma aparente ou oculta, sempre será de exigir que o dolo do agente seja integrado pelo conhecimento do porte de um instrumento que, também para ele, constitua uma arma.
Em conclusão, se o agente, quando da prática do crime de furto, trouxer uma pistola de alarme (de brinquedo ou de sabão) - aparente ou oculta -, tal facto não integra a circunstância prevista na al. f), do nº 2, do referido art. 204º

Quanto à alternativa preconizada pelo Digno Recorrente de que a factualidade provada é susceptível de integrar o crime de roubo qualificado previsto pelo art. 210º, nº 2, al.b), com referência ao art. 204º, nº 1, al. e), ambos do Cód. Penal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta entende não lhe assistir razão dado que não consta da factualidade provada que, para abrir a caixa registadora, tenha sido activado mecanismo específico - especialmente destinado à sua segurança, usualmente denominado chave -, antes dela decorre que a empregada do supermercado se limitou a abrir a caixa registadora.

Ora, tratando-se de caixa registadora, só deve considerar-se integrada a circunstância prevista na al. e) do nº1 do art. 204º do C.P. - fechada em gaveta, cofre ou outro receptáculo equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança - quando a caixa registadora, estiver fechada à chave; ou seja, quando tiver sido accionado o dispositivo de segurança e não, como nos parece evidente, quando a caixa registadora se encontre em funcionamento, pois que neste caso, estando em serviço, não está activado o mecanismo de segurança e qualquer pessoa a pode abrir, premindo a tecla de abrir.
Não constando do elenco dos factos, por que os arguidos vinham pronunciados, que a caixa registadora se encontrava fechada com a chave - sendo que da matéria de facto provada em audiência parece antes transparecer o contrário -, bem andou o Tribunal colectivo ao ter considerado apenas integrado o crime de roubo simples, p. e p. pelo nº 1 do art. 210º do C.P.

VI
Colhidos os vistos, procedeu-se à conferência, com observância do formalismo legal.
Cumpre decidir:

O Tribunal Colectivo deu como provados os seguintes factos:
1º) No dia 27 de Abril de 2000, o arguido AA pediu emprestada a CC, seu primo, uma pistola de alarme, em metal de cor preta, calibre 8 mm, fabrico italiano, modelo GT 28 A SALVE, marca TANFOGLIO, uma caixa para 50 munições de salva, calibra 8mm, marca FIOCCHI, com inscrição na base "G.F.L." 8mm e um carregador desmontado, em metal de cor preta, marca TANFOGLIO.
2º) Cerca das 17 horas e 30 minutos do dia 28 de Abril de 2000, os arguidos dirigiram-se conjuntamente no veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula OH, modelo 4GTL, de cor encarnada, propriedade de DD, pai do arguido, ao supermercado "...", sito na Estrada de ..., neste concelho e comarca de Albufeira, transportando o arguido no interior do veículo e na bolsa lateral do seu lado, a descrita pistola de alarme.
3º) Ali chegados, a arguida aguardou no interior do referido veículo, no lugar destinado ao passageiro, enquanto que o arguido entrou no estabelecimento com o propósito de se assegurar que não estavam clientes dentro do mesmo, adquiriu duas pastilhas elásticas, procedeu ao pagamento e saiu dirigindo-se ao veículo.
4º) Seguidamente, o arguido disse à arguida que iria assaltar o estabelecimento usando a pistola de alarme, propósito que já alguns dias antes ambos haviam falado e acordado, tendo para o efeito retirado a pistola de alarme do interior da viatura e combinado com a arguida que esta aguardaria dentro da viatura, do lado do passageiro, de vigia para, caso surgisse algum problema avisar o arguido.
5º) Dentro do supermercado o arguido aproximou-se de EE, empregada de balcão, empunhou a descrita pistola de alarme, apontou-a à cabeça daquela e, acto contínuo, e para a intimidar, puxou o "cão" da pistola à retaguarda, dizendo-lhe que dispararia, caso aquela não abrisse a caixa registadora, o que esta fez imediatamente.

6º) De seguida, o arguido ordenou a EE que se deitasse no solo, ficando esta em posição de. decúbito lateral esquerdo, enquanto o arguido retirava da caixa registadora todo o dinheiro que lá estava guardado, no montante de esc. 53.000$00, em notas do Banco de Portugal.
7º) Após, dirigiu-se apressadamente ao veículo OH, encetando os arguidos precipitada fuga, levando consigo a mencionada quantia, que fizeram sua.
8º) Agiram os arguidos de modo conluiado entre si e por forma deliberada, livre e consciente, querendo e conseguindo fazer seu o dinheiro referido, muito embora soubessem que este não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade da respectiva ofendida.
9º) Para realizar o intento de ambos, tomaram propositadamente EE de surpresa, agindo com o propósito de causar temor e atentar contra a sua autonomia psicológica e de movimentos, que receava pela sua vida, sendo que, para tanto, utilizaram uma pistola de alarme, instrumento que para uma pessoa colocada naquelas circunstâncias aparecia como capaz de ferir ou mesmo matar.
10º) Ao praticar a supra descrita conduta, os arguidos actuaram com a vontade livremente determinada e com a consciência de que a mesma lhe não era permitida.
11º) Utilizaram a quantia supra indicada na aquisição de heroína para seu consumo, em local e a indivíduo cuja identidade não foi possível apurar.
12º) Os arguidos viviam maritalmente um com o outro tendo uma filha menor e, à data dos factos, estavam desempregados e consumiam ambos diariamente cerca de uma grama de heroína, estando então a tentar efectuar cura de desintoxicação e, por isso, com síndroma de abstinência de heroína.

13º) O arguido procedeu entretanto ao pagamento à lesada da quantia de esc. 53.000$00.
14º) O arguido confessou a totalidade dos factos e mostrou-se arrependido.
15º) Em 1994, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado em 16 meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos; em 1995 foi de novo condenado pela prática de crime de furto qualificado em 18 meses de prisão e, em 1999 foi condenado em pena de multa pela prática de um crime de consumo de estupefacientes.
16º) Possui o arguido como habilitações literárias o 8º ano, beneficia de apoio familiar e aderiu o mesmo a um programa de sensibilização e prevenção do consumo de drogas, estando a fazer terapêutica com antagonistas de opiácios.
19ª) A arguida trabalha ocasionalmente como empregada de limpeza em casas particulares, vive com a mãe e a filha menor, possui a frequência do 6º ano de escolaridade e está a efectuar tratamento medicamentoso com acompanhamento terapêutico no CAT, tendo já recaído após o início do tratamento.
20º) Não tem a arguida quaisquer antecedentes criminais.

VII
Procedendo ao enquadramento jurídico-penal dos factos descritos, o douto acórdão recorrido afastou a sua subsunção ao crime de roubo qualificado por que os arguidos estavam acusados, uma vez que a arma por eles utiliza era uma pistola de alarme que, segundo o auto de exame directo de fls. 139, só pode deflagrar munições de salva e sem projéctil, possuindo o seu cano obstruído.
Reconhece-se que a jurisprudência do STJ não tem sido uniforme sobre se o uso de uma pistola de alarme qualifica o roubo nos termos supra referidos (cfr. em sentido afirmativo o Ac. de 15/10/98, CJ, Tomo III, pág. 196 e em sentido contrário os Acs. de 26/03/98, CJ, Tomo I, pág. 243 e de 29/9/99, CJ, TOMO III, pág. 159).
E salienta que, após alguma reflexão, é de perfilhar a posição negativa, isto é, de que uma pistola de alarme não integra o conceito de arma tal como vem expresso no art. 4º do DL 48/95 de 13/03 e que embora sendo apta para criar na pessoa ofendida o justo receio de que a mesma possa ser utilizada contra a sua integridade física, embora ela não saiba que tal arma não possa cabalmente cumprir tal função, não pode a mesma servir para efeitos de qualificar o roubo.

É que, constituindo a exibição da pistola de alarme o meio intimidativo para que a empregada do supermercado, receando pela sua integridade física ou mesmo vida, abrisse a caixa registadora, assim possibilitando que o arguido se apoderasse do dinheiro, só faz sentido agravar o roubo se a pistola utilizada fosse efectivamente um meio idóneo a causar aquela ameaça. Não o sendo, uma vez que além de se tratar de pistola de alarme, a mesma só permitia deflagrar munições de salva e sem projéctil (conforme resulta do exame feito à referida arma), não se pode falar nem de uma maior audácia e perigosidade do agente já que este era conhecedor da falta de aptidão da arma, nem de uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, fundamentos daquela agravação.
Tal como se escreveu no aresto de 26/03/98 já referido "uma pistola de alarme, sendo apta para criar no ofendido a convicção de tratar-se de uma arma de fogo, mostra-se com aptidão suficiente para realizar a ameaça de perigo iminente, elemento típico do crime de roubo simples, mas é facto atípico para efeitos de actuar como qualificativa".

VIII
Nas conclusões da motivação, onde se delimita, como é sabido, o objecto do recurso, o Digno Recorrente suscita apenas as seguintes questões:
a) - A arma utilizada (pistola de alarme) está enquadrada no conceito de arma para efeitos do crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo art. 210º, nº 2 al.b), com referência ao art. 204º, nº2, al.f), ambos do Cód.Penal;
b) - Não se aceitando esta qualificação, deverá o crime de roubo, em apreço, ser qualificado por referência ao art. 204º, nº 1, al. e) do Cód.Penal, já que a pessoa ofendida foi constrangida a abrir a caixa registadora onde se encontrava o dinheiro (facto que constava na acusação e dado como provado).

Apreciando:
A)- Quanto à 1ª questão, a nossa jurisprudência tem, sem dúvida e desde longa data, divergido sobre se uma pistola de alarme integra ou não o conceito de arma, para os efeitos agravativos prevenidos nos normativos mencionados, pressupondo ou considerando a definição constante do art. 4º do DL nº 48/95, de 13 de Março ("Para efeito do disposto no Cód. Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para esse fim").

Pela negativa, concluíram os acórdãos do STJ, de 26/03/98, in CJ, I, 243, proc. nº 1283/97, 3ª secção e de 29/09/99, CJ, III-159, (referidos no douto acórdão recorrido) de 11/06/97, in BMJ, 468-105 (referido nas doutas alegações escritas da Exmª PGA) e ainda os prolatados nos processos:
- Proc. nº 1461/97, 3ª secção, de 18/03/97;
- Proc. nº 261/98, 3ª secção, de 20/05/98;
- Proc. nº 34/98, 3ª secção, de 18/02/98;
- Proc. nº 370/98, 3ª secção, de 20/05/98 (seringa não infectada);
- Proc. nº 494/99, 3ª secção, de 29/09/99.

Enveredaram por uma resposta afirmativa os acórdãos do STJ, de 15/10/98, in CJ, III, 196 (citado no acórdão recorrido); de 3/7/97, in proc. nº 1390 e de 23/01/97, in proc. nº 588/97; de 19/11/97, in proc. nº 963/97 e de 19/11/97, in proc. nº 860/97.

Ressalvando o respeito devido pela solução oposta, afigura-se preferível o entendimento, por mais ajustado à realidade das coisas e ao espírito e letra da Lei, de que uma pistola de alarme, como a descrita nos autos, não integra o conceito de arma para os efeitos agravativos preconizados neste recurso.
Como se disse no acórdão deste STJ, de 26 de Março de 1998, in proc. nº 1.283/97 (supra mencionado): (No uso de uma pistola de alarme), "pode mesmo falar-se mais em meio astucioso do que propriamente numa manifestação de vontade em agredir o ofendido..."
..."Do ponto de vista objectivo, a exibição da pistola de alarme não se mostra apta a configurar o conceito de arma, ainda que aparente".
" Não se vislumbra que a exibição da pistola de alarme tenha sido determinativa da passagem da intenção para o acto praticado, porque destituída de aptidão para reforçar a audácia do arguido" (sublinhámos).
É verdade: uma pistola de alarme pode servir como meio de coacção e de intimidação, mas, no domínio da objectividade e da legalidade, não pode ser considerada como um instrumento, uma arma, de agressão.
Como bem diz o nosso Povo (pelo menos, nas Regiões do Interior), uma pistola de alarme constitui um susto para duas pessoas: naturalmente para a pessoa contra quem é exibida ou apontada e para quem a usa...(pode ser descoberta a tramóia e voltar-se o feitiço contra o feiticeiro!).

B)- Quanto à 2ª questão elencada neste recurso, de que o crime de roubo, em apreço, deverá ser qualificado por referência ao art. 204º, nº 1, al.e), do Cód. Penal, esta alínea prevê: "Fechada em gaveta, cofre ou outro receptáculo equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança".
Analisada a matéria fáctica provada, resulta apenas, salvo o devido respeito, que o dinheiro subtraído (no montante de 53.000$00) se encontrava dentro da Caixa registadora.
Todavia, esta Caixa registadora estava no seu normal funcionamento (portanto, não estava claviculada com o respectivo sistema de segurança), tanto mais que, momentos antes, o arguido havia entrado no estabelecimento comercial ... onde adquiriu duas pastilhas elásticas; procedeu ao pagamento e saiu, dirigindo-se ao veículo (ponto nº 3).
No momento do assalto, o arguido, para intimidar a empregada, puxou o "cão" da pistola à retaguarda, dizendo-lhe que dispararia, caso aquela não abrisse a Caixa registadora, o que esta fez imediatamente (ponto nº 5).

Como bem destaca a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, nas suas doutas alegações escritas, a agravante qualificativa mencionada somente opera "quando a Caixa registadora estiver fechada à chave; ou seja quando tiver sido accionado o dispositivo de segurança e não, como nos parece evidente, quando a Caixa registadora se encontre em funcionamento, pois, neste caso, estando em serviço, não está activado o mecanismo de segurança e qualquer pessoa a pode abrir, premindo a tecla de abrir".
"Para que exista esta qualificativa (ora, em apreço é necessário que seja violado o receptáculo (gaveta ou outro), onde a coisa se encontra, vencendo a resistência da fechadura ou outro dispositivo de segurança e não quando a ofendida estava com a caixa registadora aberta, sem que, portanto, os arguidos terem tido necessidade de violar a fechadura ou o seu dispositivo de segurança (Acórdão do STJ, de 15 de Maio de 1998, in recurso nº 537/98, publicado na CJ, Acs. STJ, VI, III, pág. 196).

É o caso dos autos.

IX
Em face do exposto, os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça decidem negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido na parte impugnada.

Não é devida tributação.

Lisboa, 11 de Outubro de 2001
Dinis Alves
Simões Freire