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AJUDAS DE CUSTO
RETRIBUIÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
Sumário
1) - Deve interpretar-se a expressão "todas as prestações" inserida no Nº2 da Base XXII da LAT (Lei nº 2127, de 3/8/1965) por forma a nela somente se integrarem as atribuições patrimoniais que constituam para o trabalhador uma vantagem económica, representativa do rendimento da sua actividade laborativa, prestações pecuniárias que hão-de traduzir um valor material com repercussão positiva na economia do trabalhador, significando para este uma fonte de rendimento. 2) - Assim sendo, devem considerar-se incluídas na retribuição do trabalhador (motorista de pesados em serviço em Portugal e no estrangeiro) as ajudas de custo que o empregador lhe pagava por cada deslocação, quantias estas pagas para além das despesas de alimentação e estadia que o trabalhador demonstrasse, mediante facturas comprovativas, ter feito.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. "AA" e BB, ambos nos autos identificados, instauraram a presente acção com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra:
Empresa-A, também melhor identificada nos autos, alegando, em síntese, que são respectivamente, mulher e filho de CC, falecido em 4.6.1999, vítima de acidente de trabalho, ao serviço da Ré, com responsabilidade infortunística transferida para a Empresa-B, a qual se conciliou com base na retribuição declarada de 123.457$00.
Todavia, para além deste vencimento-base, a vítima auferia mais a importância de 3.100$00 por cada dia de trabalho efectivo, a título de ajudas de custo, importância que não foi tomada em conta na reparação resultante da conciliação, por não ter sido declarada à Seguradora e por a Ré Patronal entender que tal quantia não integra o conceito de retribuição.
Assim, o pedido nesta acção formulado contra a Ré restringe-se à quota parte da reparação - indemnização por ITA, pensões, despesas de funeral, mais juros legais - correspondente àquela quantia diária de 3.100$00, correspondentes à média mensal de 68.200$00, não contemplada na conciliação.
2. Prosseguindo o processo para julgamento, foi depois proferida a douta sentença de fls. 108 e segs. que julgou improcedente a acção com a consequente absolvição do pedido.
3. Interposto recurso de apelação, veio a sentença a ser revogada pelo douto acórdão da Relação de Coimbra de fls. 128 e segs., condenando a Ré a pagar aos AA. a pensão anual e vitalícia e temporária de 180.048$00 e 120.032$00, respectivamente, acrescidos de uma 13ª prestação, (duodécimo, em Dezembro de cada ano, enquanto subsistirem as condições) pressuposto do direito, tendo as mesmas o início reportado a 6.6.98 e devendo ser pagas em duodécimos na residência dos AA enquanto as prestações já vencidas serão pagas de uma vez, em trinta dias.
Mais foi a R. condenada a pagar, à viúva A. as despesas de funeral proporcionais de 125.033$00 e a quantia de 486$00 a título de ITA desde o acidente até à morte da vítima, vencendo-se juros de mora à taxa legal, sobre todas as prestações em dívida.
II
É deste aresto que vem a presente revista, interposta pela Ré que, a final das suas doutas alegações, formula as seguintes CONCLUSÕES:
1ª - A Lei dos acidente de trabalho - Lei 2127 - foi publicada em 3 de Agosto de 1965, enquanto que a LCT - DL 49408 - foi aprovada por DL publicado em 24.11.1969.
2ª - O DL 49408, que aprovou a LCT prevê no seu art. 3º que a legislação que é contrária às suas disposições fique revogada a partir da sua entrada em vigor, em 1.1.1970.
3ª - Daí que ou a Base XXIII da LAT é consentânea com o conceito de retribuição constante do art. 82º e segs. nomeadamente o disposto no art. 87º, da LCT ou se lhe é contrária deve ter-se por revogada.
4ª - De uma ou outra forma, o regime aplicável para a fixação do conceito de retribuição é o constante da LCT devendo considerar-se que as ajudas de custo, na medida em que são integralmente absorvidas pelas despesas tidas pelo trabalhador com a sua prestação de trabalho não podem ser consideradas como retribuição, quer no âmbito geral do contrato de trabalho, quer no âmbito especial dos acidentes de trabalho.
5ª - Sendo impossível que no mesmo ordenamento jurídico e, dentro deste, num mesmo ramo de direito exista um mesmo termo jurídico encerrando conceitos diferentes.
6ª - O que atentaria contra a certeza e segurança jurídicas.
7ª - Ao decidir como decidiu o tribunal "a quo" violou as seguintes normas jurídicas: art. 3º do DL 49408, de 24.11.1969 que aprovou o RJCIT e os art.s 82º e 87º deste regime, bem como o disposto na Base XXIII da Lei 2127, de 3.8.1965, já que interpretou esta última norma no sentido de que as ajudas de custo, ainda que integralmente consumidas pelas despesas tidas pelo trabalhador com a prestação do seu trabalho e em razão da mesma, devem ser consideradas como fazendo parte da retribuição, quando a interpretação correcta há-de compaginar-se com o disposto nos art.s 82º e 87º da LCT, excluindo as ajudas de custo do conceito de retribuição ainda que para efeito de acidentes de trabalho, já que atento o disposto no art. 3º do DL 49408, deve ter-se por revogada toda a legislação que seja contrária ao regime jurídico que aprova; pelo que ou a norma constante da mencionada Base XXIII é consentânea com o disposto nos art.s 82º e 87º do RJCIT ou deve ter-se por revogada.
Termina pedindo o julgamento ampliado de revista, desatendido por despacho do Exmº Conselheiro Presidente de fls. 162.
Contra-alegaram doutamente as AA MP sustentando a confirmação do acórdão recorrido.
E no mesmo sentido de pronunciou o Exmº Procurador-Geral Adjunto em seu Douto Parecer de fls. 165 e segs.
Notificado às partes, pois a Ré respondeu nos termos de fls. 169 e 170, pugnando pela concessão da revista.
III
Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
Não vindo impugnada nem sendo caso de alteração da matéria de facto fixada pelas instâncias, dá-se aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 713º, nº6 do C.P.Civil, transcrevendo-se apenas a seguinte:
A Ré pagou ao CC as importâncias discriminadas nos recibos de vencimento juntos a fls.61 a 71.
Em todos esses recibos (emitidos pela Ré) se refere "vencimento" e "ajudas de custo".
Nos recibos relativos a Janeiro, Fevereiro e Junho de 1998 (fls. 69 a 71) consta o vencimento de 123.457$00.
A Ré pagava ao A., além daquele vencimento, a importância de 3.100$00 por cada dia de trabalho efectivo.
CC deslocava-se permanentemente, ao serviço da Ré, dentro do País e para o estrangeiro.
A importância de 3.100$00 por cada dia de trabalho efectivo era paga pela Ré a título de ajudas de custo.
Até Abril de 1996 a Ré pagava aos motoristas de pesados as despesas de alimentação e estadia mediante facturas comprovativas.
A partir de Abril de 1994, em substituição do pagamento mediante facturas, a Ré estipulou um valor diário de ajudas de custo, destinadas a compensar as despesas por força da deslocação dos motoristas para fora do local da sua residência.
Registados os factos relevantes para a decisão, vejamos.
O DIREITO.
1. A única questão que nos autos e no recurso se coloca consiste em saber se as ajudas de custo no montante de 3.100$00 por dia de trabalho efectivo, devem ou não integrar o conceito de retribuição previsto na Base XXIII da LAT, para efeito de cálculo das indemnizações e pensões.
Como vimos, as instâncias deram-lhe respostas diferentes:- negativa a sentença da 1ª instância; e positiva o acórdão da Relação.
Em suma, com base nas seguintes fundamentações.
A sentença da 1ª instância, assentando em que tal verba se destinava a compensar as despesas efectuadas por força da deslocação dos motoristas para fora do local da sua residência e na consideração de que a pensão por acidente de trabalho tem por finalidade compensar, ainda que parcialmente, o trabalhador ou os seus familiares pela falta ou redução do rendimento do trabalho em resultado do sinistro, conclui que, não representando aquela verba qualquer ganho efectivo, não integra o conceito de retribuição, pelo que não tinha que entrar no cálculo das pensões e das indemnizações.
Por seu turno, o acórdão da Relação partiu da consideração de que não são coincidentes os conceitos legais de "retribuição" usados no âmbito da LCT e da LAT, sendo aqui mais amplo do que o definido no art. 82º da LCT, em termos de contemplar todas as prestações que revistam carácter de regularidade e tenham correspectividade com a relação jus-laboral.
Vejamos melhor.
Efectivamente não são coincidentes os conceitos de retribuição consagrados na LCT e na LAT.
Começando por esta, diz-nos o 1º 2 da Base XXIII:
"2. Entende-se por retribuição tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade"-
Faz-se aqui uma expressa remissão para o conceito de retribuição da Lei Geral do Trabalho e mais - "todas as prestações que revistam carácter de regularidade"-
O que quer dizer que algo se lhe acrescenta.
Ora, a LCT começa por deixar os princípios gerais no seu art. 82º:
"1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador " -
Ressaltam daqui para além da presunção final, as ideias - força de contrapartida do trabalho e da regularidade e periodicidade das prestações.
Adiante as retomaremos.
Especificamente quanto às ajudas de custo, rege o art. 87º da LCT que começa por afirmar que não se consideram retribuição, excepcionando depois as importâncias por deslocações frequentes -..."na parte que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador"-
A consideração das ajudas de custo como retribuição depende assim, da sua frequência, do excesso sobre as despesas normais e da previsão no contrato ou decorrência dos usos.
Também estas ideias serão retomadas no desenvolvimento da apreciação da questão em análise.
Já vimos que o conceito de retribuição contido na LCT faz apelo à ideia de regularidade nº 2 do art. 82º.
E que a LAT recebe este conceito, acrescentando-lhe todas as prestações que revistam carácter de regularidade, - Base XXIII, nº 2.
O que só pode representar a enfatização do elemento regularidade que viria a ser a tónica dominante.
Talvez por isso, alguma jurisprudência tem sustentado que as ajudas de custo, desde que sejam regulares, constituem retribuição para os efeitos do disposto na Base XXIII da LAT - que o acórdão de 21.6.97, em Ac. Port. 433º, p.125.-
Não será, todavia, a melhor solução para o problema.
A ideia de regularidade não pode ser entendida tão linearmente.
Em primeiro lugar, não é a LAT que a acrescenta ao conceito de retribuição da LCT.
A cronologia dos diplomas - 1965, a LAT e 1969, a LCT - logo evidencia que a LAT não tomou o conceito de retribuição da LCT enfatizando, tanto logicamente, a ideia de regularidade. Antes faz uma primeira afirmação de tal ideia, que depois foi retomada pela LCT no seu art. 82º.
Daí que os demais elementos neste preceito contidos - contrapartida da prestação de trabalho e periodicidade - ganhem relevância interpretativa do conceito de retribuição vasado naquela Base XXIII da LAT.
Em segundo lugar, terão sido considerações desta natureza que inspiraram a nova lei dos Acidentes de Trabalho - Lei nº 100/97, de 13-9 - que no seu art. 26º, nº 3, veio fazer ajustamentos ??? ao conceito de retribuição, preceituando:
"3. Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado, por custos aleatórios".
É aqui, na compensação de despesas, que volta a ganhar relevo a ideia de contrapartida da prestação de trabalho, fazendo sobressair a ideia de rendimento ou de vantagem económica, com exclusão das prestações que visem compensar custos adicionais.
Nesta linha de pensamento, se escreveu no acórdão deste STJ, de 8.3.95, no BMJ, 445º, pi. 379:
" Ora, tendo a pensão por acidente de trabalho por finalidade compensar, ainda que parcialmente o trabalhador, ou os seus familiares, pela falta ou redução do rendimento do trabalho, em resultado do sinistro, que limitou ou aniquilou a sua aptidão para o trabalho, não seria compreensível nem razoável que, no cômputo desse rendimento, se incluíssem valores não lucrativos, mas apenas compensatórios de despesas realizadas pelo trabalhador com deslocações ou novas instalações em serviço da entidade patronal - (cfr. base IX, alínea b), da LAT; Tomás de Resende, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed. pi. 30)-
Por isso, considerando os indicados cânones hermenêuticos, deve interpretar-se a expressão "todas as prestações", inserida no nº2 da referida base XXIII, por forma a nela somente se integrarem as atribuições patrimoniais que constituam para o trabalhador uma vantagem económica, representativa do rendimento da sua actividade laborativa. Essas prestações pecuniárias hão-de traduzir um valor material com repercussão positiva na economia do trabalhador, significando para este uma fonte de rendimento"-
Esta ideia de rendimento ou de vantagem económica com repercussão positiva na economia do trabalhador é a única que, respeitando a filosofia da reparação pelos acidentes de trabalho, nos fornece uma harmonia consistente do conceito de retribuição, que começa naturalmente, na ideia de correspectividade da prestação de trabalho.
Ora, as ajudas de custo não visam, por regra, pagar o trabalho ou a disponibilidade para o trabalho e antes compensar despesas feitas pelo trabalhador por ocasião da prestação de trabalho.
No caso dos autos, vem provada a regularidade do pagamento da importância de 3.100$00 por cada dia de trabalho efectivo, e mais que o trabalhador se deslocava permanentemente, ao serviço da Ré, dentro do país e para o estrangeiro.
O que logo significa que os dias de trabalho efectivo decorrem normalmente em deslocações permanentes, com as consequentes despesas de alimentação e alojamento.
E é da experiência comum e do conhecimento geral que a importância de 3.100$00 por dia facilmente se esgota na satisfação dessas despesas, exigindo mesmo uma administração parcimoniosa dessa verba.
Daí que não haja excesso aproveitável para o conceito de retribuição resultante de ajudas de custo, nos termos do citado art. 87º da LCT.
Por outro lado, vem também provado que, até Abril de 1996, a Ré pagava aos motoristas de pesados as despesas de alimentação e estadia mediante facturas comprovativas, passando depois a atribuir um valor diário destinado a compensar as despesas efectuadas.
O que logo afasta qualquer relevo do estipulado no contrato ou dos usos, a que o mesmo art. 87º faz referência.
Assim fica demonstrado que a quantia de 3.100$00, por cada dia de trabalho efectivo, não representava qualquer ganho real, antes se consumindo esgotantemente, atento o seu montante, na cobertura das despesas ocasionadas pelas deslocações permanentes do trabalhador.
Por isso, não pode ser considerado como integrador da retribuição para os efeitos do nº 2 da Base XXIII da Lei nº 2127.
IV
Termos em que se acorda na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, em conceder a revista, revogando o douto acórdão recorrido, para subsistir a sentença da 1ª instância que absolveu a Ré dos pedidos formulados.
Sem custas, por delas estarem isentas as AA.
Lisboa, 17 de Outubro de 2001
José Mesquita,
Vítor Mesquita,
Diniz Nunes.