PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL
ARBITRAMENTO
REQUISITOS LEGAIS
Sumário

I) Não deve haver lugar ao arbitramento oficioso quando não foi deduzido pedido de indemnização civil por negligência da vítima ou, beneficiando de patrocínio judiciário, de quem a representa processualmente.
II) Se assim não fosse o artº 82º-A, nº 1 do CPP entraria em conflito lógico com o artº 71º do mesmo diploma, o qual estabelece que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (sistema de adesão obrigatória).

Texto Integral

Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório
1. No processo comum singular n.º 965/15.8PBBRG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Braga – Instância Local – Secção Criminal – J1, realizado o julgamento, foi proferida sentença de fls. 294 a 301 com o dispositivo seguinte:
«Pelo exposto decide-se:
1. Parte crime:
a) Condenar o arguido Bruno S. pela prática, em co-autoria, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nºs 1, al. a) e 2, com referência ao artº 132º, nº 2, al. h), todos do C.P na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, suspensão subordinada a regime de prova, devendo o respectivo plano de reinserção social ser elaborado e acompanhado na sua execução pela DGRSP.
b) Absolver o arguido Marco A. da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nºs 1, al. a) e 2, com referência ao artº 132º, nº 2, al. h), todos do C.P.
c) Custas pelo arguido Bruno S., fixando-se em 3 Ucs a taxa de justiça, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza.
2. Parte cível:
Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante Hospital de Braga-Escala Braga, Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A. parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condenar o demandado Bruno S. a pagar-lhe a quantia de €125,75 (cento e vinte e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).
b) Absolver o demandado Marco A. do pedido de indemnização civil deduzido.
Sem custas (artº 4º nº1 n) do RCP).
Após trânsito:
a) Remeta boletim à DSIC.
b) Remeta cópia da presente decisão à DGRSP, solicitando a elaboração do plano de reinserção social, no prazo máximo de 30 dias, devendo a DGRSP acompanhar o arguido Bruno S., elaborando relatórios com periodicidade trimestral.
Proceda-se a depósito.»
2. O assistente Bruno M. recorreu da sentença, formulando no termo da sua motivação as seguintes conclusões [as conclusões formuladas pelo recorrente, atenta a sua extensão, não cumprem, por isso, o disposto no artigo 412.º, n.º 1, parte final, do CPP, não sendo sequer, em bom rigor, conclusões, posto que reproduzem, quase que ipsis verbis, o corpo da motivação, não se tendo lançado mão do convite previsto no artigo 417.º, n.º 3, do mesmo código, por uma questão de economia e celeridade processual]:
«I- A sentença que ora é posta em crise prende-se com o facto de que a matéria que o Tribunal “a quo” deu como provada na decisão recorrida e os fundamentos que para tanto invocou são, de todo, insuficientes, para se decidir como se decidiu.
II- Feita a prova directa dos factos que se imputava ao arguido, com relevância criminal, e das lesões que causou ao Recorrente não podia o Douto Tribunal “a quo” ter decidido como decidiu, id est, pela aplicação de uma moldura penal insuficiente para assegurar a finalidade da pena, bem como não ter sido sensível à situação concreta do lesado, hipotecando-lhe o direito a ser ressarcido dos danos e lesões que involuntariamente sofreu.
III- Pelo que, por manifestamente injusta, incoerente e desfasada da realidade social dos nossos dias, não pode o Recorrente conformar-se com tal sentença, que ora coloca em crise, porque considera que a mesma padece dos vícios de nulidade e contradição insanável entre a fundamentação e aplicação do direito.
IV- Ficou provado com relevo para a decisão da causa, que:
1-“No dia 23 de Maio de 2015, cerca das 21h50, na Rua …, Braga, quando seguia apeado para a sua residência, o ofendido Bruno M. foi abordado pelo arguido Bruno S., que lhe disse que o tinha desrespeitado e assaltado.
2- Face a tal confrontação, o ofendido informou o arguido Bruno S. que estaria enganado na pessoa, altura em que surgiram pelo menos mais três indivíduos, de identidade não concretamente apurada, tendo, juntamente com o arguido Bruno S., desferido cabeçadas, murros e pontapés pelo corpo do ofendido e dois golpes com um objecto perfuro-cortante não concretamente apurado na sua omoplata esquerda.
3-Mercê da supra descrita agressão, Bruno M. sofreu instabilidade do dente 1º incisivo superior esquerdo e fractura parcial do 1º incisivo superior direito, duas cicatrizes punctiformes localizadas na região escapular esquerda e dor no braço esquerdo, o qual não apresenta lesão objectivável, lesões essas que lhe determinaram, como causa directa e necessária, 07 (sete) dias para a consolidação médico-legal sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional, tendo resultado do evento como sequelas permanentes duas cicatrizes e a fractura parcial do dente 21.
4- O arguido Bruno S. agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, em comunhão de esforços com os referidos indivíduos de identidade não apurada e segundo um plano previamente delineado de lesar a integridade física de Bruno M., estando perfeitamente ciente da superioridade numérica e da existência de um objecto perfuro-cortante, que sabia poder ser utilizado como instrumento de agressão.
5-Tinha perfeito conhecimento que a sua conduta era proibida e punida por lei.
6- Em consequência das agressões físicas perpetradas pelo arguido Bruno S., o ofendido Bruno M. teve necessidade de receber assistência médica no Hospital de Braga, tendo-lhe sido prestados cuidados médicos e medicamentosos, os quais originaram custos no montante total de €125,75.
7- O arguido Bruno S. não tem antecedentes criminais.
8- O arguido Bruno S. encontra-se desempregado.
9- É solteiro.
10- Tem um filho de 3 anos de idade.
11- Vive com a companheira (igualmente desempregada), o filho, a mãe, um irmão e uma cunhada em casa arrendada, sendo o único rendimento do agregado familiar o Rendimento Mínimo de Inserção recebido pela cunhada, no montante de €600,00 mensais.”
V- Resulta assim que ficou inteiramente provada a factualidade descrita na acusação contra o Recorrido BRUNO S., como refere a própria sentença: “ A conjugação de todos os elementos de prova supra referidos com as mais elementares regras de experiência comum inculca a ideia de que os factos ocorreram da forma como foram dados como provados, não tendo o tribunal a mais pequena dúvida a esse respeito.”
VI- o Recorrido BRUNO S. foi condenado culpado, em co-autoria, da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nºs 1, al. a) e 2, com referência ao artº 132º, nº 2, al. h), todos do C.P. Nenhum reparo aqui merece a douta decisão.
VII- No entanto, não obstante o supra citado, o Tribunal a quo decidiu aplicar uma pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, suspensão essa subordinada a regime de prova, devendo o respectivo plano de reinserção social ser elaborado e acompanhado na sua execução pela DGRSP.
VIII- A acrescer a isto, o tribunal “a quo”, entendeu, incorrectamente -em nosso ver, não atribuir ao Recorrente qualquer indemnização ao abrigo do disposto no art.º 82ºA nº1 CPP, por entender que esta norma não está pensada para situações deste género.
IX- Segundo o Prof. Maia Gonçalves, no seu Código Penal Português - Anotado e Comentado, 18.ª Edição-2007, “as ofensas no corpo ou na saúde de outra pessoa, para que atinjam dignidade penal e sejam subsumíveis à previsão deste artigo, não podem ser insignificantes, precisamente, porque sendo o comportamento penal a ultima ratio, qualquer comportamento humano, para que seja subsumido a preceito incriminador, deve ser filtrado pela luz que dimana do aforismo de minimis non curat praetor”
X- Por sua vez, estatui o artº 145º nº 1 a) CP que “ se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143º.”
XI- Nos termos do nº 2 do artº 145º CP, são susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias de o agente praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum (alínea h) do nº2 do artº 132º CP
XII- Ora, conforme demonstrado, de forma inequívoca, o Arguido actuou em superioridade numérico e recorreu ao uso de uma faca.
XIII- Na própria sentença se pode ler: “Muito embora as circunstâncias referidas não sejam de funcionamento automático, dúvidas não existem que, no caso vertente, essa especial censurabilidade é patente, pois face à grande superioridade numérica dos agressores (eram pelo menos quatro), o ofendido Bruno M. não teve a mais pequena hipótese de defesa. Por outro lado, a censurabilidade é ainda reforçada pela utilização de um objecto Perfuro cortante como arma de agressão.Em suma: as agressões revestiram um carácter bárbaro e poderiam ter originado consequências trágicas, como muitas vezes sucede em situações idênticas.”
XIV- Tendo concluído o douto Tribunal a quo: “Ponderadas as concretas circunstâncias dadas como provadas e que já foram a cima escalpelizadas, não se nos oferece qualquer dúvida que o comportamento do arguido Bruno S., sopesado na sua globalidade, reveste- se de especial censurabilidade. Provou-se ainda que o arguido Bruno S. agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, em comunhão de esforços com os referidos indivíduos de identidade não apurada e segundo um plano previamente delineado de lesar a integridade física de Bruno M., estando perfeitamente ciente da superioridade numérica e da existência de um objecto perfuro -cortante, que sabia poder ser utilizado como instrumento de agressão. Tinha perfeito conhecimento que a sua conduta era proibida e punida por lei. “
XV- Pelo que, o Tribunal “a quo” declarou, acerca da determinação da medida de pena que, de forma notavelmente lúcida e justa, que a conduta do Arguido assumiu a modalidade de dolo directo, uma vez que representou os factos e agiu com a intenção de os realizar e que a sua energia criminosa foi bastante intensa, pois agrediu o ofendido de uma forma perfeitamente gratuita, sem nada que o justificasse, o que aumenta a censurabilidade e o grau de ilicitude do seu comportamento.
XVI- No que concerne ao desvalor do resultado da sua conduta, o Tribunal a quo referiu ter em conta que as consequências do seu comportamento, sem serem das mais graves em situações deste género, revestiram-se já de alguma importância e que as exigências de prevenção geral são elevadas, face à frequência com que se verificam estes comportamentos e ao alarme social que suscitam.” (sublinhado e negrito nosso).
XVII- No entanto, não obstante partir destas premissas, o Tribunal “a quo”, estranhamente, decide extrair um silogismo, no mínimo, incoerente, o de que, atenta a circunstância de o Arguido não ter antecedentes criminais, o tempo decorrido desde a prática dos factos, sem noticia de qualquer outro comportamento desviante e a sua idade ainda jovem, será adequada uma pena de dez meses de prisão, suspensa por um ano, condicionada a regime de prova nos termos do art. 53º nº1 CP, em virtude de o Arguido estar inactivo profissionalmente e não dispor de meios próprios de subsistência.
XVIII- Inexplicavelmente, no entendimento do Tribunal a quo, apesar de todas as circunstâncias em que o crime, “bárbaro” -subscrevendo o adjectivo do próprio Tribunal- decorreu; apesar de o Arguido estar desempregado e não pretender arranjar um meio de vida honesto, apesar de terem decorrido dez meses, sem que este tenha praticado outro crime –como se se tratasse de um feito heróico estar dez meses sem cometer um delito!, apesar de o delito poder ter tido consequências “trágicas”- mais uma vez, usando a terminologia do tribunal; apesar de o Arguido “não ter assumido ou interiorizado a gravidade do seu comportamento, nem denotado o mais pequeno sinal de arrependimento”, recorrendo novamente às palavras do douto Tribunal, apesar de isto tudo, entendeu o tribunal “a quo”, ao arrepio de qualquer coerência, ainda existir “esperança de que o mesmo (o arguido) venha a ser sensível aos valores jurídico-penais.”!!!
XIX- Verifica-se erro notório quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
XX- Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis.
XXI- Como diz Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 12ª ed., pág. 339."... a livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica..."
XXII- Entende o Recorrente padecer a decisão recorrida de um erro notório na apreciação da prova, a que alude o artigo 410.º, n.º 2 al c) do CPC.
XXIII- O erro notório na apreciação da prova unicamente é prefigurável quando se depara ter sido usado um processo racional e lógico mas, retirando-se, contudo, de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irrazoável, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum, bem como das regras que impõem prova tarifada para determinados factos. (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 400/03.4GBPBL de 29-11-2006 in www.dgsi.pt)
XXIV- O erro notório torna-se, assim, numa calamidade interpretativa à luz dos princípios da razão histórica e do padrão cognoscente prevalente e socialmente instituído, i. é, das máximas da experiência comum.
XXV- Assim, não podemos acolher a posição do douto tribunal, o qual, por um lado, afirma categoricamente:
“Na verdade, o crime de ofensa à integridade física praticado pelo arguido Bruno S. é indiscutivelmente de grande gravidade, pelo que a pena de multa, mesmo de substituição, seria encarada pela comunidade como uma prova de fraqueza e de indulgência para com este tipo de criminalidade.
Agressões deste género (em clara superioridade numérica e mediante o uso de objectos perfuro-cortantes) são cada vez mais frequentes, carecendo de ser combatidas sem qualquer espécie de tibiezas ou subterfúgios.
Por outro lado, do ponto de vista da prevenção especial, para além de o arguido não ter rendimentos próprios, o que levaria a que uma multa tão pesada acabasse certamente por onerar o património dos seus familiares, não assumiu ou interiorizou a gravidade do seu comportamento nem denotou o mais pequeno sinal de arrependimento”.
XXVI- Para mais à frente, de modo surpreendente, sem qualquer suporte e sem que nada o fizesse prever, desvalorizar todas as considerações supra expostas, em nome de uma pretensa esperança, ou melhor, milagre!
XXVII- Regressando à envolvente dos factos, é de lamentar que o Tribunal “a quo” não tenha valorizado a coragem e bravura do Recorrente, em denunciar o crime de que foi vítima, ainda para mais, tratando-se o Arguido de um individuo de etnia cigana e, como dita a experiência e senso comum, inserido num grupo territorial de forte influência, não pela nobreza do “modus vivendi”, mas , pelo contrário, por serem conhecidos pela intimidação à restante população e pelos seus perigosos, por vezes, fatais “ajustes de conta”.
XXVIII- Esta situação torna-se ainda mas grave, atento o facto de o Recorrente ser vizinho do agressor, não ser de etnia cigana, ser muito mais jovem (21 anos) e órfão de pais, factualidade a que o tribunal não foi sensível, preocupando-se somente em acautelar o futuro do meliante.
XXIX- Não deixa de ser curioso que o Tribunal a quo, de forma, numa interpretação, no mínimo, ingénua, tenha considerado que a “reprovação pública inerente à pena suspensa, aplicada num processo-crime e em audiência, satisfaça o sentimento jurídico da comunidade e consequentemente realize o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.”
XXX- Não podemos deixar de inquirir:
a) Qual reprovação pública? A de uma audiência onde só estava o próprio Arguido?
b) Qual satisfação de sentimento jurídico da comunidade? A de interiorizar cada vez mais que é inócuo denunciar este tipo de crimes e agressores, pois os mesmos escapam impunes e de sorriso nos lábios?
c) Qual o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica? A do Recorrente saber que nunca mais terá paz, por um dia ter acreditado na justiça? Ou a de só respirar de alívio quando este e a sua namorada se encontram fechados dentro de casa?
XXXI- Nunca é demais relembrar que a necessidade de protecção de bens jurídicos traduz-se na tutela das expectativas da comunidade na manutenção ou reforço da vigência da norma infringida!
XXXII- Trata-se de uma chamada prevenção geral positiva ou de integração e que decorre do principio politico criminal básico da necessidade da pena, consagrado no artigo 18 da Constituição da Republica Portuguesa.
XXXIII- No caso concreto, numa época em que continua a ser tão propalada a crise da justiça, e em que os arguidos saem do tribunal, de costas direitas, a engendrar já o próximo delito que vão cometer, porquanto se voltaram a “safar” deste com pena suspensa, impõe-se sancionar de forma efectiva, em prol da verdade e de um mundo melhor, a conduta daqueles que perturbam o quotidiano e poem em risco a vida das pessoas.Aqui, o douto Tribunal a quo poderia ter marcado a diferença.
XXXIV- Haverá que concluir que a respectiva motivação e a convicção formada pelo Meritíssimo Juiz contrariou as regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e, como tal, merece a nossa total discordância, por manifestamente injusta e desadequada, e o reparo deste Tribunal o que ora se peticiona.
XXXV- Acresce a tudo isto que a decisão, ora colocada em crise, é, assim, nula por violação do disposto nos artigos 70, 71.º1.º e 40.º do Código Penal.
XXXVI- Estabelece, por sua vez, o art.º 71.º critérios para a determinação da medida da pena que, dentro dos limites fixados por lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção;
XXXVII- Nesta determinação, dever-se-á atender a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele considerando, a título exemplificativo, as alíneas a) a f) do n.º 2 do art.º 71.
XXXVIII- Assim, na determinação da mediada da pena, dever-se-á ter em atenção os princípios de prevenção geral, positiva – assegurando à comunidade que a justiça está a ser cumprida e que os comportamentos criminosos são sancionados -, negativa – dissuadindo os membros da comunidade, em face de punições por comportamentos desviantes, à pratica de ilícitos criminais;
XXXIX- De igual modo, respeitando os princípios de prevenção especial, positiva – urgindo o agente infractor, com a condenação, a retomar os comportamentos social e penalmente aceitáveis, reintegrando-o na sociedade -, negativa – que a condenação sirva de “aviso” e punição pelos factos praticados, evitando posteriores comportamentos sancionáveis.
XL- Na prática, a ideia de prevenção geral, servirá para alcançar a moldura de prevenção, o limite máximo a medida óptima da tutela dos bens jurídicos, o mínimo a defesa do ordenamento;
XLI- Nada disto foi respeitado.
XLII- O art.º 18.º da Constituição da República Portuguesa, no seu n.º 2, estabelece, por sua vez, que a Lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos excepcionalmente previstos na Constituição, devendo tais restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;
XLIII- Ora, pelo exposto e salvo o devido respeito que nos merece a sentença ora em crise, que é muito, a mesma violou o princípio da proporcionalidade ínsito no art.º 18.º da CRP e os dispositivos do Código Penal, artigos 71.º e 40.º.
XLIV- Pois que, prescreve o artigo 145º, nº1, al. a), do Código Penal, que “se as ofensas à integridade física foram produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143º”, sendo que é susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, como interesse para o caso, a circunstância de o agente ser determinado por qualquer motivo fútil, e, bem assim, o facto de o agente utilizar meio particularmente perigoso. (cf. art. 132, n.º2, alínea e) e h) do Código Penal)
XLV- Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo”, ao condenar o arguido a uma pena de prisão de dez meses, suspensa, na sua execução, por um ano, e sem o arbitramento de qualquer reparação, aplicou uma pena desajustada, desproporcional às necessidades de prevenção geral positiva e negativa, bem como aos danos patrimoniais e não patrimoniais que causou ao Recorrente, e como tal, deveras injusta e, salvo devido respeito, estéril.
XLVI- Pelo que, ao arrepio do que foi decidido, se pugna pela substituição da sentença, por uma mais ajustada à realidade em que vivemos e aos problemas de marginalidade com que esta cidade se tem vindo a deparar cada vez mais, cumprindo-se assim o disposto no art.º 71.º, 40.º do Código Penal e 18.º da C.R.P.
XLVII- Resultou provado que, nas circunstâncias de tempo e lugar enunciadas na acusação, o Arguido desferiu cabeçadas, murros e pontapés pelo corpo do ofendido e dois golpes com um objecto perfuro-cortante, não concretamente apurado na sua omoplata esquerda, produzindo-lhe dores e lesões na zonas corporais atingidas, nomeadamente, instabilidade do dente 1º incisivo superior esquerdo e fractura parcial do 1º incisivo superior direito, duas cicatrizes punctiformes localizadas na região escapular esquerda e dor no braço esquerdo, o qual não apresenta lesão objectivável, lesões essas que lhe determinaram, como causa directa e necessária, 07 (sete) dias para a consolidação médico-legal sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional, tendo resultado do evento como sequelas permanentes duas cicatrizes e a fractura parcial do dente 21.
XLVIII- Dúvidas não houve da especial censurabilidade ou perversidade a prática do facto mediante utilização de meio particularmente perigoso, que dificultou significativamente a defesa da vítima;
XLIX- Dúvidas não houve da superioridade numérica dos agressores!
L- Dúvidas não houve da prática do facto ser determinada por motivo fútil (cf. art. 132, n.º2, alínea e) do Código Penal).!
LI- O Arresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-05-2010, proc. n.º 58/08.4JAGRD.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt; autor e obra citados, p. 33 dá-nos a seguinte definição e motivo fútil: “Motivo fútil é o motivo de importância mínima. Será também o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime, inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção ofensiva do corpo e/ou da saúde, o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime de que se trate, o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da integridade física humana”.
LII- Dúvidas não houve de que não ocorreu uma causa justificativa da agressão e que esta fosse proporcional ao acto cometido.
LIII- Na verdade, o Arguido nem se deu ao trabalho de tentar convencer o Tribunal da sua inocência, na audiência de julgamento e invocar a legitima defesa, como havia feito, de forma anedótica, em sede instrução.
LIV- Remeteu-se ao silêncio e preferiu não colaborar na descoberta da verdade e nem mostrar arrependimento, nem no início, nem em sede de declarações finais, demonstrando uma total falta de escrúpulos.
LV- O Recorrente sofreu traumatismo crânio-facial, que lhe causou fractura do dente primeiro incisivo superior direito e instabilidade permanente do dente primeiro incisivo superior esquerdo.
LVI- Em resultado das referidas lesões, o ofendido, sofreu várias lesões na boca, nomeadamente na sua dentição. Ficou com dois dentes fracturados, o que obrigará à sua reconstrução, nomeadamente ao tratamento endodôntico do dente 21 e 11, do falso coto do 21 e 11, as coroas provisórias do 11 e 21, bem como as coroas cerâmicas, tratamento esse que, de acordo com o Orçamento para Reabilitação Oral efectuado ao Ofendido terá um custo aproximado de, pelo menos, € 1300,00 (mil e trezentos Euros), conforme orçamento que o médico-dentista, Dr. Francisco M. da “Clinica Dentária…” apresentou ao ofendido, depois de analisados os registos clínicos dos tratamentos e exames complementares que efectuou nessa mesma clínica.
LVII- Ainda hoje, o Recorrente sente dificuldade em alimentar-se, limitação essa que só cessará com uma reconstrução ortodôntica, para a qual o Recorrente não tem meios, pois aufere somente 419 Euros.
LVIII- O Recorrente ficou com a roupa que vestia rasgada e ensanguentada, sendo que um médico do INEM que o assistiu disse-lhe que a sua sorte foi o casaco estar dobrado na região da perfuração, impedindo assim uma perfuração ainda mais profunda.
LIX- Em resultado das agressões dos Arguidos, o Recorrente teve de se deslocar por duas vezes, em 27 de Maio e 9 de Setembro de 2015, ao Instituto de Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, no Hospital de Braga, para se submeter aos exames de perícia de avaliação do dano corporal, conforme está comprovado nos autos.
LX- A vítima teve ainda de regressar ao Hospital de Braga, oito dias volvidos da sutura, para retirar os pontos da mesma.
LXI- Para troca dos pensos na região da perfuração e demais curativos, os quais tinham de ser realizados de três em três dias, deslocou-se o Recorrente ao Centro de Saúde de Martim, em Barcelos.
LXII- Além do transtorno, o Recorrente teve despesas com todas essas deslocações.
LXIII- Na sequência das lesões descritas, foi prescrita ao Recorrente a toma e aplicação de medicamentos para atenuar as dores e ansiedade.
LXIV- Ficou sem o telemóvel.
LXV- Pelo que, todas as despesas medicamentosas, quer as de transporte, a roupa inutilizada e o telemóvel danificado constituem prejuízos causados ao Recorrente, pelo arguido e demais quadrilha, e que à data não foi possível apurar o montante concreto, sendo que, não deverá esse montante ser inferior a € 1700,00 (mil e setecentos Euros).
LXVI- Acresce a isto que, o recorrente teve muitas dores, ficou prostrado no chão, até ser auxiliado por um terceiro que o amparou até à chegada do INEM.
LXVII- Teve de ser assistido no Serviço de Urgência- Cirurgia Geral- do Hospital Público de Braga, onde deu entrada com estado de prioridade e onde permaneceu por várias horas, com uma escala de dor de cinco.
LXVIII- Foi aí observado e submetido a exames radiológicos a várias partes do corpo, tendo sido informado que não tinha fraturas, não obstante as dores que sentia e a dificuldade nas mudanças de postura.Foi aí suturado à região escapular.
LXIX- Tendo ficado com duas cicatrizes punctiformes localizadas, as quais, pouco ou nada se atenuaram, constituindo uma sequela permanente, bem como um dano estético, num jovem com 21 anos.
LXX- Durante o período de convalescença, o Recorrente padeceu, além das dores físicas intensas, de grande angústia e ansiedade.
LXXI- Devido às dores intensas que sentia, não conseguia dormir tranquilamente, tinha um sono agitado, o que lhe provocou um desgaste físico e psicológico.
LXXII- Com as mudanças de temperatura, o lesado ainda hoje sente dores nos dentes.
LXXIII- Fruto dos danos causados nos dentes, pela agressão dos Arguidos, o Recorrente ainda hoje não consegue degustar muitos alimentos, obrigando a uma cautela especial, nomeadamente em eventos sociais, o que lhe causa algum desgosto e vergonha.
LXXIV- Desde então, o Recorrente tem-se encontrado privado de sorrir em público, tendo algumas dificuldades em comunicar e em se fazer entender.
LXXV- Em virtude disso, perdeu o entusiasmo e o orgulho, sentindo-se envergonhado e amedrontado.
LXXVI- Acresce a isto que, sendo o agressor vizinho do Recorrente, e este sendo órfão de pais, tem receio de represálias e de voltar a ser atacado, evitando sair à rua sozinho e a retomar o seu quotidiano e mesmo passear e sair com os amigos.
LXXVII- In suma, fruto da conduta do Arguido, o Recorrente está hoje impedido de dormir tranquilamente e de ter uma vida feliz e harmoniosa, como jovem que é e que merece.
LXXVIII- Os factos do dia 23 de Maio de 2015 têm consternado o lesado, o que lhe causa complexos e até “mania da perseguição” na rua.
LXXIX- O lesado temeu e teme pela sua própria vida.
LXXX- No entanto, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo subestimou e minorou todos estes danos não patrimoniais e patrimoniais, os quais são merecedores de tutela jurídica.
LXXXI- O Tribunal a quo, sem qualquer fundamento, não foi sensível ao dano do Recorrente, fazendo tábua rasa das circunstâncias concretas e da sua real necessidade de protecção.
LXXXII- Como é sabido, o actual art.º 82º-A do CPP prevê a possibilidade de o tribunal, oficiosamente, arbitrar uma indemnização à vítima, desde que, não tenha sido “deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos art.ºs 72º e 77º” e haja lugar a “condenação” por qualquer crime e “particulares exigências de protecção da vítima o imponham”.
LXXXIII- Ora, também aqui não nos parece que o Tribunal a quo tenha feito inteira justiça.
LXXXIV- Na verdade, o Tribunal a quo justificou o não arbitramento de uma reparação à vitima, com base em dois pressupostos, os quais, no nosso humilde entendimento, não estão correctos e contrariam o presente normativo.
LXXXV- No que concerne ao requisito de não dedução do pedido de indemnização civil, o Tribunal a quo entendeu que o mesmo foi deduzido, apenas não tendo sido o mesmo admitido por extemporaneidade.
LXXXVI- Ora, com o devido respeito, há que relembrar que:
a) Ainda está pendente o recurso interposto do despacho de não admissão;
b) Sendo que a ser considerada extemporânea a dedução do pedido de indemnização cível, a mesma não foi por negligência da vítima, mas sim por quem a representa, que terá feito uma interpretação errada da lei. Aliás, o Recorrente foi diligente ao pedir o apoio, acompanhou e colaborou na recolha das provas que dispunha e confiou na Justiça.
c) Na prática forense, o desfecho da demanda depende invariavelmente do arbítrio do julgador, cabendo a este a realização da justiça.
d) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo limitou-se a castigar e penitenciar a vítima, numa clara distorção do que são os valores da Justiça e da finalidade das penas.
e) Ao tratar os Arguidos como vítimas e coarctar os reais lesados que se socorrem dos Tribunais para fazer valer os seus direitos, estamos a defraudar as expectativas e hipotecar o futuro de um Estado de Direito.
f) “Quod non est in actis non es in mundo”.
g) Com isto, se pergunta, como é possível que, tendo um pedido de indemnização sido consideado inexistente, para efeitos de atribuição de indemnização, o mesmo seja válido para restringir o direito à reparação arbitrária da vitima?
h) É de lamentar que as interpretações formalistas e restritivas do Tribunal só sirvam para beneficiar os infractores.
i) Quanto ao argumento invocado, na decisão, pelo Dr. Pinto Albuquerque de que considera-se que não há lugar a arbitramento oficioso quando a vitima não deduzir pedido de indemnização por negligencia própria, sempre se dirá que não se verifica negligência própria da vitima, pois que esta no decurso do prazo de dedução do pedido de indeminização civil, solicitou o apoio judiciário para ser representada e para alguém o fazer por si, nenhuma inércia da parte se vislumbrando aqui.
j) Aliás, o citado Autor sustenta:
“e se assim é, só situações de natureza muito excepcional e devidamente comprovadas justificam o recurso a este mecanismo, sob pena de assim, não sendo consagrar-se em lei uma verdadeira institucionalização da inércia, na medida em que a falta de zelo ou a ausência injustificada na apresentação atempada do excerto cível pela lesada, conquanto que não tenha expressamente se oposto a esse direito, é sempre colmatada com o direito a ver apreciada e eventualmente arbitrada uma determinada quantia, sem que para tanto tenha justificado a ausência de pedido cível nos termos e nos prazos legalmente consagrados para o efeito.”
k) Ora, pergunta-se: onde está a inércia da vítima quando esta colaborou, recolheu provas, pediu apoio judiciário, apresentou um pedido de indemnização, pagou a multa do 3.º dia, recorreu do despacho de não admissão, justificando o seu raciocínio no cálculo da data dea presentação do pedido de indemnização?
l) Pergunta-se onde está aqui a ausência injustificada? Se o que não faltam neste processo, são justificações, e apelos a uma Realização da Justiça que sirva, de forma honesta, humana, pragmática e verdadeira quem a ela apela.
m) Finalmente, sempre se dirá, que não há certeza jurídica neste argumento de que a sentença se socorre, pois o próprio tribunal não descarta totalmente essa faculdade, como se transcreve da douta sentença:“Ainda que em abstracto, se pudesse atribuir uma indemnização ao ofendido ao abrigo do referido normativo…”
n) E se é suposto sermos formalistas, então, se o legislador quisesse limitar o âmbito subjectivo dessa norma, não teria colocado essa excepção num dos vários números do artigo??
LXXXVII- No que concerne ao argumento invocado de que A norma não está pensada para situações deste género, sob pena de se transformar a excepção em regra, de que tudo na norma aponta para o carácter absolutamente excepcional da indemnização a atribuir, desde a sua epígrafe (“Reparação à vítima em casos especiais”)até ao corpo do artigo (não alude simplesmente a exigências de protecção da vítima, mas a Particulares exigências de protecção; e de que não basta que essas exigências aconselhem ou recomendem a atribuição da indemnização, sendo necessário que a imponham, diga-se, em abono da verdade que: o conceito de “de particulares exigências de protecção da vítima” comporta muita discricionariedade, pois facilmente se entende que ficou provado:
i- que foi usado um meio particularmente perigoso, idóneo a causar lesões grave e/ou irreversíveis no visado, revestindo as circunstâncias em que foi produzida a ofensa, por via disso, de especial censurabilidade e perversidade.
ii- que o arguido agiu em superioridade numérica;
iii- que o arguido é vizinho da vitima;
iv- que a vítima tem 21 anos e não tem quem a proteja;
v- que o arguido agiu sem motivo justificativo.
vi- que o arguido agiu de forma bárbara!
vii- que a vitima aufere 419 Euros, sendo que o tratamento para reparar os dentes partidos, em virtude das lesões perpetradas pelo arguido ascendem a 1500 Euros.
LXXXVIII- Pergunta-se se esta plêiade de circunstancias não cabe no elenco , (não tipificado) de particulares exigências de protecção de uma vítima, o que cabe?
LXXXIX- Ainda para mais, apontando todas as probabilidades para que o arguido volte a prevaricar e a agredir e molestar a vitima, visto que nenhuma sanção grave sofreu!
XC- Neste contexto, na nossa humilde opinião, é mais que manifesto que se encontram verificadas particulares exigências de protecção da vítima supostas no preceito em análise e que depende da personalidade/humanidade do julgador – como bem refere Maia Gonçalves, “aqui fica muito para o critério do julgador, que porém deve ser exigente quanto à indagação da necessidade de protecção da vítima e módico na quantia que arbitra, a qual não é a indemnização e virá a ser descontada nesta, se for pedida e concedida”
XCI- Sem dúvida que estamos perante uma norma de natureza excepcional e que nessa medida não impõe a obrigatoriedade de arbitramento de uma indemnização em toda e qualquer circunstância a favor da vítima.
XCII- Com efeito, resulta da conjugação de tais dispositivos legais que a reparação dos prejuízos só é atribuída oficiosamente a vítimas particularmente carecidas de protecção, como refere o mencionado art.º 82°-A, ou seja, tal arbitramento depende da existência de particulares exigências de protecção da vítima, o que pressupõe a obrigação de indagação quanto às reais necessidades de protecção da vítima.
XCIII- O tribunal aqui ultrapassou os limites da discricionariedade ao considerar que : “o ofendido Bruno M. não se enquadra em nenhuma destas situações, tratando-se de um jovem de 21 anos, que não é especialmente frágil ou vulnerável, mas bastante desenvolto (como decorre do depoimento que prestou); que, não obstante a agressão, continuou a fazer a sua vida normalmente; que, embora não beneficie de uma situação económica desafogada, tem muito melhor situação económica do que o arguido Bruno S.; que esteve e está representado por advogado e que poderia perfeitamente ter deduzido o pedido de indemnização civil atempadamente.
A circunstância de poder ter alguns constrangimentos de ordem financeira para efectuar determinado tipo de tratamentos dentários não é, só por si, motivo para deferir a sua pretensão, pois, por um lado, não se trata de tratamentos prioritários ou indispensáveis à sua saúde ou sobrevivência e, por outro lado, esses constrangimentos são comuns a muitos dos ofendidos de agressões.”
XCIV- Também aqui, julgamos que o douto tribunal excedeu os seus limites de julgar e teceu considerações subjectivas, completamente desajustadas da realidade, pois que: se entende que nem princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação justificam tamanha ingerência na intimidade e vida privada da vítima, sob pena de se incorrer em considerações injustas, quase ofensivas.
XCV- Considera-se chocante que um Tribunal considere que, nos dias de hoje, lesões nos dentes e, consequente incapacidade de sorrir e comer normalmente, não sejam tratamentos prioritários ou indispensáveis à sua saúde, ainda por cima quando a vitima tem vinte e um anos.
XCVI- Parece-nos igualmente inqualificável que o Tribunal compare a situação económica da vítima à do arguido, quando ambas são incomparáveis, não só porque o Recorrente tem um modo de sustento honesto, fruto do seu labor diário, enquanto o Arguido, alegadamente, vive de um Rendimento Social, tendo capacidade para o trabalho, mas optando por não o fazer.
XCVII- Afigura-se ainda mais revoltante se considerarmos que foi o Arguido quem se colocou, voluntariamente, nesta situação, ao ofender a integridade física do Recorrente, de forma consciente e dolosa, como ficou provada.
XCVIII- Aliás, não foi o Arguido quem ficou com lesões ortodônticas que tenha de reparar para retomar a sua qualidade de vida anterior à agressão do Arguido.
XCIX- Pelo que é descabida, quase ultrajante, qualquer comparação do foro económico entre um e outro!!!
C- Que o Tribunal não procure indagar do rendimento do arguido, acreditando na palavra deste, quando afirma de forma muito pouco credível, que vive com mais cinco pessoas e recebem na totalidade 600 Euros., ainda se pode tolerar. Que recorra a esse argumento para suavizar a pena, já não.
CI- Parece agora propicio relembrar ao Tribunal que agora não vê inconvenientes em impedir que a excepção se torne a regra.
CII- Não deixa igualmente de ser inconcebível que o Tribunal considere, eufemisticamente, que o lesado que aufira no seu trabalho, 419 Euros, tenha “alguns constrangimentos de ordem financeira para efetuar determinados tipos de tratamentos dentários”, como é sentenciado na decisão.
CIII- Pasme-se, se viver com 400 euros numa casa arrendada, nos dias de hoje, não configuram “situações precárias”, às quais alude o Conselheiro Henriques Gaspar, na citação da sentença.
CIV- Finalmente, importa salientar que o disposto no artigo 82-A não delimita o seu âmbito subjectivo às vítimas de violência doméstica, como prima facie, parece.
CV- Aliás, veja-se o sufragado n do Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do Processo 67/14.4S2LSB: “o art. 82º-A do C.P. Penal, determina o seguinte, no que se reporta à reparação da vítima em determinados casos:
1 – Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.
O que decorre da mera leitura dos normativos acima transcritos é, segundo nos parece, um tempo simples e taxativo:
a. A lei, por princípio, não prevê o arbitramento indemnizatório, isto é, para que possa haver lugar a determinação de uma indemnização, necessário se mostra que tenha oportunamente sido formulado pedido cível enxertado, pelo lesado.
b. Não obstante, essa regra comporta excepções.
- Desde logo, a prevista no nº1 do artº 82-A do C.P. Penal, de carácter genérico (isto é, potencialmente aplicável às vítima de qualquer tipo de crime), sendo apenas requisito da sua aplicabilidade a existência de particulares exigências de protecção da vítima.”
CVI- Assim, salvo o devido respeito, compete ao julgador e aplicar a lei, não fazê-la.
CVII- Na esteira do Prof. Figueiredo Dias entendemos assim, que “a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto” (in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, p. 227).
CVIII- Esta protecção dos bens jurídicos traduzir-se-á na tutela das expectativas da comunidade em manter em vigor a norma infringida e, assim, numa ideia de prevenção geral positiva ou prevenção e integração, que decorre do princípio de política criminal da necessidade da pena consagrado no nº 2 do artigo 18º da Constituição da República.
CIX- Ora, uma vez que o arguido podia e devia ter agido de outra forma, a sua conduta é ético-juridicamente censurável e, assim, culposa, tendo actuado com dolo directo, e tendo a sua conduta causado, de forma grave, danos de natureza não patrimonial e patrimonial suficientemente graves para justificarem a fixação de uma compensação, ainda que módica.
CX- E se a finalidade da pena aplicada for dissuadir o delinquente da prática de novos crimes, responsabilizando-o pela sua conduta, e simultaneamente compensar o ofendido pelas lesões patrimoniais e não patrimoniais que padeceu com a acção daquele, considera-se que funcionou em pleno uma das bases do Estado de Direito Português que é a realização da justiça!
CXI- Finalmente, dir-se-á que a nossa Constituição acolhe o Princípio da Tutela Judicial Efectiva nos seus arts. 20.º e 268.º-4.
CXII- No entanto, as garantias aí consagradas nada significam se não forem criadas as condições para que possam operar, o que depende muito da mentalidade do Julgador.
CXIII- Entendemos assim que não deverá o ofendido, que já sofreu directamente com o crime e sofreu danos e perdas na sua esfera jurídica, causados pelo ilícito criminal, continuar desprotegido e ser punido por um desentendimento de interpretações das normas em vigor, o qual ainda não é pacífico.
CXIV- Finalmente, não deixa de ser caricato que o tribunal a quo restrinja o acesso à vitima a uma reparação, numa interpretação meramente subjectiva do normativo, tirando-lhe toda a protecção e dignidade, invocando o receio de postergar o carácter excepcional de uma norma, mas que tenha acanhamento em aplicar uma pena pesada que possa onerar o património dos familiares do agressor, sem rendimentos próprios.
CXV- Numa clara violação do preceito : Beneficium juris nemini denegandi est”. (A ninguém deve ser negado o benefício do direito)
CXVI- É caso para dizer que se abre um precedente grave, numa altura em que há cada vez mas desempregados jovens a ser sustentados pelos progenitores.
CXVII- Daqui se infere que, infelizmente, não importa ser culpado, desde que seja carenciado (ainda que de modo falso como a realidade do sistema previdencial nos tem demonstrado).
CXVIII- No nosso entender, o Tribunal a quo, violou uma plêiade de preceitos legais, nomeadamente o artigo 70, 71 e 40 do Código Penal, o artigo 18, 20 e 264 da CRP incorrendo ainda numa contradição insanável entre a fundamentação e aplicação do direito, o que envergonha o Sistema Judicial.
CXIX- “Errare humanum est, sed errore perseverare, diabolicum”.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, como é, aliás, de
JUSTIÇA!»
3. O Ministério Público e o arguido Bruno S. responderam ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.
4. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido de que o recurso do assistente, na parte da matéria penal, não poderá ser conhecido porquanto, ao pretender o agravamento da pena aplicada ao arguido, sem demonstração da existência de um interesse concreto e próprio de que esteja carecido, o assistente carece de interesse em agir porque o Ministério Público com aquela se conformou, não tendo interposto recurso da decisão.
5. No âmbito do disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, não houve resposta.
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

*
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença recorrida
1.1. Na sentença proferida na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
«1. No dia 23 de Maio de 2015, cerca das 21h50, na Rua do C… Braga, quando seguia apeado para a sua residência, o ofendido Bruno M. foi abordado pelo arguido Bruno S., que lhe disse que o tinha desrespeitado e assaltado.
2. Face a tal confrontação, o ofendido informou o arguido Bruno S. que estaria enganado na pessoa, altura em que surgiram pelo menos mais três indivíduos, de identidade não concretamente apurada, tendo, juntamente com o arguido Bruno S., desferido cabeçadas, murros e pontapés pelo corpo do ofendido e dois golpes com um objecto perfuro-cortante não concretamente apurado na sua omoplata esquerda.
3. Mercê da supra descrita agressão, Bruno M. sofreu instabilidade do dente 1º incisivo superior esquerdo e fractura parcial do 1º incisivo superior direito, duas cicatrizes punctiformes localizadas na região escapular esquerda e dor no braço esquerdo, o qual não apresenta lesão objectivável, lesões essas que lhe determinaram, como causa directa e necessária, 07 (sete) dias para a consolidação médico-legal sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional, tendo resultado do evento como sequelas permanentes duas cicatrizes e a fractura parcial do dente 21.
4. O arguido Bruno S. agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, em comunhão de esforços com os referidos indivíduos de identidade não apurada e segundo um plano previamente delineado de lesar a integridade física de Bruno M., estando perfeitamente ciente da superioridade numérica e da existência de um objecto perfuro-cortante, que sabia poder ser utilizado como instrumento de agressão.
5. Tinha perfeito conhecimento que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou:
6. Em consequência das agressões físicas perpetradas pelo arguido Bruno S., o ofendido Bruno M. teve necessidade de receber assistência médica no Hospital de Braga, tendo-lhe sido prestados cuidados médicos e medicamentosos, os quais originaram custos no montante total de €125,75.
7. O arguido Bruno S. não tem antecedentes criminais.
8. Por sentença proferida em 16/07/2012, transitada em julgado em 20/09/2012, o arguido Marco A. foi condenado na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de €5,00, num total de €375,00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses, pela prática, em 7/07/2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos arts 292º nº1 e 69º nº1 al. a) do CP, penas essas já extintas.
9. O arguido Bruno S. encontra-se desempregado.
10. É solteiro.
11. Tem um filho de 3 anos de idade.
12. Vive com a companheira (igualmente desempregada), o filho, a mãe, um irmão e uma cunhada em casa arrendada, sendo o único rendimento do agregado familiar o Rendimento Mínimo de Inserção recebido pela cunhada, no montante de €600,00 mensais.
13. O arguido Marco A. encontra-se desempregado.
14. Vive com uma companheira, a qual também está desempregada.
15. Recebe de Rendimento Mínimo de Inserção €358,00 mensais.
16. Tem dois filhos (de 3 e 7 anos de idade), a cargo.
17. Vive em casa arrendada, pagando de renda €51,00 mensais.
18. O assistente Bruno M. aufere mensalmente €419,00.
19. É solteiro e não tem filhos.
20. Vive com a namorada em casa arrendada por um familiar.»
*
1.2. Quanto a factos não provados consta da sentença recorrida (transcrição):
«Não se provou que o arguido Marco A. tivesse abordado o ofendido Bruno M. nem que tivesse tido qualquer tipo de intervenção nas agressões físicas de que ele foi vítima.»
*
1.3. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
«O arguido Bruno S. optou por não prestar declarações, no uso de um direito, que, por lei, lhe assiste, à excepção dos factos respeitantes à sua situação económica.
O arguido Marco A., por sua vez, salientou que, no dia, hora e local a que se reportam os autos, estava à janela do prédio onde vivia quando se apercebeu de uma confusão, envolvendo o seu cunhado (o arguido Bruno S.), pelo que saiu de casa e foi buscá-lo.
No momento em que se aproximou do arguido Bruno S., este já estava separado do ofendido, não tendo, por conseguinte, assistido a quaisquer agressões, muito menos tido intervenção nas mesmas. Sabe, porém, que, no local, encontravam-se cerca de seis pessoas e que o INEM foi chamado.
Assim, a convicção do tribunal quanto aos elementos constitutivos do crime e ao modo como foi cometido baseou-se, sobretudo, no depoimento do próprio ofendido Bruno M. Soares Navarros, o qual descreveu, de forma segura, precisa e credível, além do mais, o modo como foi abordado e agredido pelo arguido Bruno S. e por mais 5 indivíduos, os quais actuaram em conjugação de esforços e os ferimentos e consequências que resultaram de tais agressões, salientando que teve que receber tratamento hospitalar e permaneceu em casa em recuperação durante cerca de uma semana.
Ressalvou, porém, que o arguido Marco A. não se encontrava presente aquando das agressões e não teve qualquer intervenção nas mesmas.
Em segundo lugar, baseou-se o tribunal no depoimento da testemunha presencial Márcio António Ferreira Rodrigues, o qual explicou que, no dia e local a que se reportam os autos, viu o ofendido Bruno M. ser agredido pelo menos por quatro pessoas (que não conseguiu identificar), as quais rodeavam-no e não lhe deixavam qualquer hipótese de defesa.
Prosseguiu, frisando que o ofendido ficou todo ensanguentado, com um dente partido e sinais de perfuração com um objecto nas costas, tendo sido transportado ao Hospital de Braga.
Por último, foi tido em conta o depoimento do agente da PSP José Gomes Pereira, que se deslocou a casa do arguido Bruno S., tendo constatado que nas escadas de acesso à residência eram visíveis no chão marcas de sangue, ainda fresco.
Baseou-se ainda o tribunal nos relatórios médico-legais de fls 6 a 8 e 40 a 42, na informação clínica de fls 14 e na factura de fls. 67, documentos devidamente analisados em sede de audiência de julgamento.
A conjugação de todos os elementos de prova supra referidos com as mais elementares regras de experiência comum inculca a ideia de que os factos ocorreram da forma como foram dados como provados, não tendo o tribunal a mais pequena dúvida a esse respeito.
Porém, quanto ao arguido Marco A., importa frisar que nenhuma prova foi produzida que o implicasse nas agressões ocorridas.
Relativamente aos antecedentes criminais dos arguidos, os C.R.Cs. de fls 272 e 273 ss.
Quanto à situação pessoal e sócio-económica dos arguidos Bruno S. e Marco A. e do assistente Bruno M., as suas declarações, à falta de outros elementos.»
*
1.4. Da sentença recorrida consta a seguinte fundamentação quanto ao arbitramento de indemnização à vítima (transcrição):
«Apenas abordaremos esta matéria porque foi suscitada pelo ofendido Bruno M. em sede de alegações finais, pretendendo que lhe seja atribuída uma indemnização ao abrigo do disposto no art. 82º-A do CPP.
Para enquadrarmos a pretensão do requerente, importa salientar que, como decorre abundantemente dos autos, o assistente Bruno M. deduziu pedido de indemnização civil nos autos, o qual não foi admitido por extemporaneidade, encontrando-se pendente recurso do despacho de rejeição do pedido.
Nos termos do artº 82º-A nº1 do CPP, “Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.”
Escreve o Conselheiro Henriques Gaspar, “Código de Processo Penal Comentado, págs 286 e 287: “O arbitramento oficioso da indemnização em caso de condenação pressupõe uma série de condições: que não haja pedido de indemnização deduzido no processo penal; que não esteja pendente pedido de indemnização deduzido em separado; e que as condições da vítima sejam de tal modo precárias e revelem sérias dificuldades em consequência dos danos sofridos pela prática do crime que “exigências particulares” no sentido de imperiosa protecção da vítima, imponham o arbitramento oficioso da reparação” (sublinhado nosso)
Por sua vez, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição, pág. 234, adianta, com particular interesse para o caso dos autos: “Não há lugar a arbitramento oficioso quando a vítima não deduziu pedido de indemnização por negligência própria.”
Pois bem.
Ainda que, em abstracto, se pudesse atribuir uma indemnização ao ofendido ao abrigo do referido normativo (o que não é nada líquido, pois foi deduzido pedido de indemnização civil, apenas não tendo o mesmo sido admitido por extemporaneidade, encontrando-se pendente um recurso interposto do despacho de não admissão), a verdade é que, em concreto, não estão minimamente reunidos os pressupostos para tal.
O primeiro aspecto a salientar é que tudo na norma aponta para o carácter absolutamente excepcional da indemnização a atribuir, desde a sua epígrafe (“Reparação à vítima em casos especiais”) até ao corpo do artigo (não alude simplesmente a exigências de protecção da vítima, mas a particulares exigências de protecção; e não basta que essas exigências aconselhem ou recomendem a atribuição da indemnização, sendo necessário que a imponham).
Em segundo lugar, a norma não está pensada para situações deste género, isto é, não é uma válvula de segurança para quem não deduziu atempadamente o referido pedido de indemnização civil, sob pena de se transformar a excepção em regra. Não é por acaso que Paulo Pinto de Albuquerque exclui a atribuição da indemnização ao abrigo do artº 82º-A CPP quando existiu negligência da vítima na não dedução do pedido.
O instituto que temos vindo a analisar destina-se a fazer face às situações em que a vítima está muito carenciada economicamente (próximo da indigência ou em condições muitíssimo precárias), psicologicamente (v.g. sujeita a uma relação especial de subjugação por parte do agressor, de que é exemplo paradigmático a vítima de violência doméstica, tendo o legislador dispensado até, nestes casos, a prova do requisito legal -cfr. artº 21º da Lei nº 112/2009, de16/09), fisicamente (pense-se, por exemplo, na vítima que, por força da agressão, ficou em cadeira de rodas, paraplégica ou com a sua capacidade de trabalho sensivelmente diminuída), culturalmente (v.g. a vítima é analfabeta e o seu analfabetismo limitou-a no exercício dos seus direitos) ou é, por natureza, muito frágil (v.g. crianças ou idosos)
Ora, o ofendido Bruno M. não se enquadra em nenhuma destas situações, tratando-se de um jovem de 21 anos, que não é especialmente frágil ou vulnerável, mas bastante desenvolto (como decorre do depoimento que prestou); que, não obstante a agressão, continuou a fazer a sua vida normalmente; que, embora não beneficie de uma situação económica desafogada, tem muito melhor situação económica do que o arguido Bruno S.; que esteve e está representado por advogado e que poderia perfeitamente ter deduzido o pedido de indemnização civil atempadamente.
A circunstância de poder ter alguns constrangimentos de ordem financeira para efectuar determinado tipo de tratamentos dentários não é, só por si, motivo para deferir a sua pretensão, pois, por um lado, não se trata de tratamentos prioritários ou indispensáveis à sua saúde ou sobrevivência e, por outro lado, esses constrangimentos são comuns a muitos dos ofendidos de agressões.
Atribuir-lhe, nestas circunstâncias, uma indemnização ao abrigo do disposto no art. 82º-A nº1 CPP significaria ter de fazê-lo sempre às vítimas de agressões físicas similares (e que não são poucas) quando não tivessem deduzido pedido de indemnização civil ou o tivessem feito fora de tempo, o mesmo é dizer, equivaleria a postergar o carácter excepcional da norma, transformando-a em regra, contra a vontade expressa do legislador.
Em face do exposto, não se atribui qualquer indemnização ao assistente ao abrigo do disposto no artº 82º-A nº1 CPP.»

*
2. Apreciando
2.1. Questão prévia
No seu parecer defende o Exmo. Procurador-Geral Adjunto que não deve conhecer-se do recurso do assistente relativamente à pretensão de agravamento da pena aplicada ao arguido por carecer de interesse em agir.
Conhecendo.
Estabelece o artigo 69.º do Código de Processo Penal:
1. Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei.
2. Compete em especial aos assistentes:
c) Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito.
Por outro lado, o artigo 401.º do Código de Processo Penal estatui:
1. Têm legitimidade para recorrer:
b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;
2. Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
No que diz respeito à legitimidade do assistente para recorrer relativamente à espécie e medida da pena da condenação, a questão continua a ser controvertida, não tendo o nosso mais alto Tribunal uma posição uniforme.
No sentido de que aquela legitimidade é reconhecida ao assistente, caso se demonstre um “concreto e próprio interesse em agir”, destaca-se o Assento n.º 8/99, de 30/10/1997, que decidiu:
«O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir»( - Publicado no Diário da República, I-A Série, de 10/8/1999.).
No Acórdão n.º 5/2011, de 9/2/2011, tratando embora de questão diversa, o Supremo Tribunal de Justiça fixou a seguinte jurisprudência obrigatória:
«Em processo por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia, em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público»( - Publicado no Diário da República, I Série, de 11/3/2011.).
Na sua fundamentação refere-se que «[o] assistente só tem legitimidade para recorrer das decisões contra ele proferidas, mas dessas decisões pode sempre recorrer, haja ou não recurso do Ministério Público.
A circunstância de haver ou não recurso do Ministério Público não aumenta nem diminui as possibilidades de recurso do assistente. A única exigência feita pela lei ao assistente para poder recorrer de uma decisão é que esta seja proferida contra ele. Não há que procurar outras a coberto do chamado interesse em agir, a que alude o n.º 2 do artigo 401.º
De facto, sendo a legitimidade, no processo civil, a posição de uma parte em relação ao objecto do processo, justificando que possa ocupar-se em juízo da matéria de que trata esse processo (cf. Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, Faculdade de Direito de Lisboa, Lições, 1973 -1974, p. 151), em processo penal, a legitimidade do assistente para recorrer significa que ele só pode interpor recurso de decisões relativas aos crimes pelos quais se constituiu assistente (cf. Damião da Cunha, ob. cit., p. 646).
Já o interesse em agir do assistente, em sede de recurso, remete para a necessidade que ele tem de lançar mão desse meio para reagir contra uma decisão que comporte para si uma desvantagem, que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, a significar que ele só pode recorrer de uma decisão com esse alcance, de acordo com Figueiredo Dias, que conclui, citando Roxin: «Aquele a quem a decisão não inflige uma desvantagem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na sua correcção, não lhe assistindo, por isso, qualquer possibilidade de recurso» (RLJ, ano 128, p. 348).
Sendo assim, deve concluir -se que o texto da alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º já abrange o interesse em agir, ao exigir, para além da qualidade de assistente, que a decisão seja proferida contra ele, ou seja, que lhe cause prejuízo ou frustre uma expectativa ou interesse legítimos. O assistente tem interesse em pugnar pela modificação de uma decisão que não seja favorável às suas expectativas. Parece ser este o pensamento do mesmo autor, quando afirma, referindo-se ao artigo 401.º: «ao demarcar nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 a legitimidade dos sujeitos e participantes processuais para além do Ministério Público, aquele preceito legal deixa já no essencial consignado o sentido e alcance do respectivo interesse em agir» (ob. cit., p. 349).
Deste modo, repete -se, para o assistente poder recorrer, não há que fazer -lhe outras exigências para além das que o artigo 401.º, n.º 1, alínea b), comporta: que a decisão seja relativa a um crime pelo qual se constituiu assistente (legitimidade) e seja contra ele proferida (interesse em agir).».
Assim, segundo a doutrina fixada no citado assento, o reconhecimento da legitimidade há-de ser aferido e reconhecido (ou não) caso a caso, ou seja, avaliando, em concreto, se a posição do assistente é afectada pela natureza ou medida da pena imposta ao arguido na condenação.
No caso em apreciação, o assistente pretende o agravamento da pena aplicada ao arguido por a considerar demasiado branda e insuficiente para assegurar as finalidades da punição, entendendo que a mesma não respeita os critérios previstos nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal e não assegura as exigências de prevenção geral e especial do caso concreto.
Significa isto que o assistente não demonstra que a pena aplicada comporta para si uma desvantagem, a frustração de uma sua expectativa ou interesse legítimos, isto é, que afecta as suas posições e os seus direitos, sendo certo que o pedido de indemnização civil foi deduzido pelo assistente fora de prazo e, como tal, foi rejeitado, decisão esta que foi confirmada por esta Relação.
A prossecução das finalidades da punição – que, em última análise, o recorrente invoca como justificação para o agravamento da pena aplicada ao arguido – é uma questão que diz respeito ao interesse punitivo do Estado cuja defesa pertence ao Ministério Público e não ao assistente.
A posição do assistente não é minimamente afectada ou diminuída pela punição imposta ao arguido pelo que, em concreto, carece de interesse em agir para impugnar a pena aplicada pela 1ª instância ( - O interesse em agir tem que poder ser controlado pelo tribunal superior, em ordem a decidir sobre a admissibilidade do recurso, como decorre do disposto nos artigos 414.º, nºs 2 e 3 e 420.º, n.º 1, b) do Código de Processo Penal. Por isso, para este efeito, só se pode entrar em linha de conta com as tomadas de posição do assistente que estejam documentadas no processo, as únicas susceptíveis desse controlo – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2011, Diário da República, I Série, de 11/3/2011, p. 1415.).
Consequentemente, não se conhece do recurso do assistente na parte respeitante à medida da pena por carecer de interesse em agir em relação a esta concreta questão.

2.2. Passemos, então, a conhecer do recurso do assistente
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso( - Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 2ª edição, 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, 107; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/1997 e de 24/03/1999, in CJ, ACSTJ, Anos V, tomo III, pág. 173 e VII, tomo I, pág. 247 respectivamente.), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso( - Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995.).
Assim, atenta a conformação das conclusões formuladas, bem como o decidido em sede de questão prévia, a questão essencial a apreciar e decidir consiste em saber se deve ser arbitrada uma quantia ao assistente, a título de reparação, nos termos do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal.
O assistente insurge-se contra a decisão recorrida na medida em que esta não lhe atribuiu qualquer indemnização, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, por entender que esta norma não está pensada para situações deste género.
Sob a epígrafe “Reparação da vítima em casos especiais”, estabelece o artigo 82.º-A do Código do Processo Penal o seguinte:
«1. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.
2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.
3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.»
A atribuição oficiosa desta reparação é realizada excepcionalmente na medida em que é apenas atribuída quando não é deduzido pedido de indemnização civil, nos termos dos artigos 71.º e 72.º do Código de Processo Penal.
Por outro lado, apenas é atribuída se existirem particulares exigências da vítima que o imponham, ou seja, o legislador quis proteger aqueles que por algum motivo válido se encontram numa posição de maior fragilidade, como os menores sem qualquer tipo de protecção, as pessoas com graves dificuldades financeiras, aqueles que ainda que devidamente informados não são capazes de compreender perfeitamente o que está em causa com a dedução do pedido de indemnização civil e também aqueles que não foram devidamente informados nos termos do artigo 75.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e apresentem alguns dos requisitos anteriormente enunciados( - Cfr. Daniel Duarte Trigo Vargues da Conceição, Pedido de Indemnização civil, O princípio do pedido, in http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/12079/1/trabalhofinal1.pdf. ).
No caso dos autos, o assistente Bruno M. formulou pedido de indemnização civil que foi rejeitado liminarmente por ter sido apresentado fora de prazo, decisão esta que foi objecto de recurso, o qual foi julgado improcedente por esta Relação.
Daí que, para todos os efeitos, não haja pedido de indemnização civil deduzido que possa constituir obstáculo a decisão oficiosa de indemnização nos termos do citado preceito
No entanto, como salienta a decisão recorrida, a norma do artigo 82.º-A do CPP não está pensada para situações como a dos presentes autos, isto é, não constitui uma válvula de segurança para quem não deduziu atempadamente o pedido de indemnização civil, sob pena de se transformar a excepção em regra.
A este respeito refere Paulo Pinto de Albuquerque que não há lugar a arbitramento oficioso quando a vítima não deduziu pedido de indemnização civil por negligência própria( - Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição, pág. 231.).
Assim, não deve haver lugar ao arbitramento oficioso quando não foi deduzido pedido de indemnização civil por negligência da vítima ou, beneficiando de patrocínio judiciário, de quem a representa processualmente, pois se assim não fosse o artigo 82.º-A, n.º 1 do CPP entraria em conflito lógico com o artigo 71.º do mesmo diploma, o qual estabelece que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (sistema de adesão obrigatória).
A norma do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal constitui uma válvula de escape do sistema de adesão, sistema este que é fundamentalmente centrado no princípio civilístico do dispositivo.
De todo o modo, ainda que assim se não entenda, analisando a matéria de facto dada como provada, tal como entendeu a decisão recorrida, também não se nos afigura que estejamos perante uma situação particular de vítima carenciada de protecção que imponha o arbitramento de reparação, pois a situação do assistente, enquanto vítima de agressão, está longe de puder ser considerada como um caso especial e diferente da maioria dos ofendidos por este tipo de crime [saliente-se que o que está aqui em causa não é uma indemnização próprio sensu que tenha em conta, na sua medida, a extensão do dano provocado, mas sim as fragilidades da vítima, sendo atribuída esta reparação apenas enquanto compensação por a sua posição, já de si diminuída, ter sido acentuada pelo facto criminoso, a qual ficará dependente do prudente arbítrio do julgador e não de uma avaliação do dano).
Como sublinha Maia Gonçalves «[a] quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos é atribuída oficiosamente a vítimas particularmente carecidas de protecção. Aqui fica muito para o critério do julgador, que porém deve ser exigente quanto à indagação da necessidade de protecção da vítima e módico na quantia que arbitra, a qual não é a indemnização e virá a ser descontada nesta, se for pedida e concedida»( - Código de Processo Penal Anotado, 15ª edição, 2002, pág. 235.).
Improcede, portanto, o interposto recurso.

*
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo assistente Bruno M. e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
*
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

*
(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
*
Guimarães, 5 de Dezembro de 2016

_____________________________

_____________________________