PARTES COMUNS
PRÉDIO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
Sumário

I - O novo artigo 1418° do Código Civil, (com a redacção do Decreto-Lei nº 267/94), refere que as partes comuns não têm que ser especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal, sendo delimitadas por exclusão de partes, e valendo a regra de que tudo o que não estiver descrito no título constitutivo como parte própria é propriedade comum.
II - O artigo 1421°, al. b), CC, na redacção anterior ao citado Decreto-Lei nº 267/94 de 25 de Outubro, considera imperativamente comuns o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento.
III - Ainda, nessa versão do anterior art. 1421° do CC, não é parte comum do edifício o terraço descrito no título de propriedade horizontal que integra a fracção autónoma “C”, pertença dos réus, ainda que sirva de cobertura a parte de uma loja, situada em parte imediatamente inferior a este, dado ser cobertura integral do edifício.

Texto Integral

Proc. 483/06.5TBETR.P1

Relator: Pinto Ferreira - R/1335 -
Adjuntos: Marques Pereira
Caimoto Jácome - 1772 -

Comarca do Baixo Vouga - Estarreja - Juízo Média e Pequena Instância - Processo autuado a 14-09-2009
Data da decisão recorrida: 30-03-2010; Data da distribuição na Relação: 24-09-2010


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

B………. e mulher, C………., residentes na Rua ………., lote ., nº., freguesia da ………., concelho da Murtosa, intentaram a presente acção contra D………. e mulher, E………., residentes na Rua ………., nº…, em S. João da Madeira, pedindo a condenação destes a absterem-se da prática de quaisquer actos ofensivos do seu direito de propriedade, a retirar ou substituir as grelhas do terraço da fracção de que são proprietários por outras que permitam o rápido e eficaz escoamento das águas, a efectuar na dita fracção, nomeadamente no terraço, obras que evitem a infiltração de águas na fracção dos AA, no prazo máximo de 20 dias, fixando-se uma sanção pecuniária compulsória de € 150,00 por cada dia de atraso no cumprimento, como ainda no pagamento, reparações e os prejuízos por eles já suportados em virtude dos danos sofridos, no montante de € 5.120,88,
Finalmente, pede o pagamento de quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente aos incómodos e custos que os AA terão que suportar aquando da reparação dos estragos, nomeadamente com e encerramento ou com a transferência do seu estabelecimento comercial, e também a pagar aos AA a quantia, a liquidar em execução de sentença, relativa ao custo da reparação dos estragos causados com as últimas infiltrações.
Alegam que, são donos e legítimos possuidores da loja destinada a comércio, sita na ………., nº.., r/c, freguesia da ………., concelho da Murtosa, correspondente à fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio descrito na Conservatória do registo Predial da Murtosa sob o nº 00507/190589, da freguesia da ………., onde exploram uma salão de jogos e um estabelecimento de pronto-a-vestir, e que os réus são donos da fracção autónoma designada pela fracção “C” do mesmo prédio, que se encontra precisamente por cima da fracção dos AA, sendo que o R é também administrador do condomínio do prédio.
Sucede que, através do terraço da fracção dos RR se propagam infiltrações das águas na fracção dos AA, nomeadamente porque os RR colocaram, sobre os dois buracos existentes no dito terraço e que se destinam a escoar a água que aí cai, grelhas metálicas que impedem o rápido escoamento das águas das chuvas e que, por vezes, ficam tapadas com o lixo que sobre elas se acumula, bem ainda, eventualmente, devido ao deficiente isolamento do terraço.
Por isso, a fracção dos AA, na parte onde se encontra instalado o salão de jogos, tem vindo a ser alvo de sucessivas inundações e infiltrações de águas provenientes do terraço da fracção dos RR, causando estragos e prejuízos, o que sucedeu em 22.06.2001, em 11 e 12.08.2004 e em 18.02.2006.
Acrescentam que, devido às duas primeiras referidas inundações procederam a reparações cujo valor ascendeu a € 1.190,00 e € 2.430,88 e que para proceder à reparação dos danos causados pela última inundação é necessário encerrar o estabelecimento ou transferi-lo para outro local. Referem que de todo o referido deram conhecimento ao R, quer enquanto proprietário da fracção “C”, quer enquanto administrador do condomínio do prédio, sendo que este nada fez para resolver a situação.
Acrescentam que até tal reparação esteja concluída terão de arrendar um local para o salão de jogos funcionar e pagar, pelo mesmo, uma renda no valor de € 500,00 mensais e que a situação acima descrita lhes tem causado aflição e preocupação, pedindo, a título de danos morais, uma indemnização de quantia não inferior a € 1.500,00. Acrescentam que é aos RR que compete ressarci-los dos prejuízos acima referidos, porquanto as infiltrações e inundações dos autos são originadas pelo facto de aqueles não cuidarem, nem repararem o terraço da sua fracção.
Os RR contestaram invocando a sua ilegitimidade em virtude de o terraço da fracção de que são proprietários constituir parte comum do prédio de que a mesma faz parte e defendendo que a acção deveria ter sido interposta contra o condomínio do prédio.
No mais, negam que as infiltrações e inundações apontadas pelos AA tenham origem no terraço da sua fracção, impugnam a existência e a extensão dos danos invocados, a necessidade de encerramento do estabelecimento para proceder à sua reparação.
Os AA pronunciaram quanto à excepção de ilegitimidade deduzida pelos RR, afirmando que a legitimidade dos RR lhes advém do facto de serem proprietários da fracção “C” e de o R marido ser também o administrador do condomínio do prédio, sendo que a sua responsabilidade resulta quer do facto de, naquela qualidade de proprietários, não diligenciarem pelo correcto escoamento das águas que caem no seu terraço, quer ainda de atenta a eventual deficiência no isolamento do terraço, questão que cumprirá ao condomínio reparar.
Conclui que os pedidos que formulam nos presentes autos estão numa relação de subsidiariedade e a sua procedência, relativamente a ambos os RR, apenas quanto ao R marido, enquanto administrador do condomínio, ou mesmo até solidária, dependerá do que se provar quanto à origem do problema e às medidas que será preciso adoptar para o resolver.
Subsidiariamente, e para o caso de se entender que o pedido não está suficientemente claro, ampliam-no em conformidade com o supra exposto.

Tendo-lhes sido dirigido convite nesse sentido, vieram os AA concretizar parte da matéria alegada na petição inicial.
Admitida a ampliação do pedido, foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pelos RR e se procedeu à selecção da matéria de facto relevante.
Determinou-se a citação do Condomínio do prédio de que fazem parte as fracções dos AA e dos RR, o qual regularmente citado, deduziu, em suma, defesa por impugnação e deduziu incidente de intervenção acessória da “Companhia de Seguros F………., SA”.
Uma vez citada, a chamada contestou alegando que os danos invocados pelos AA estão excluídos da cobertura do contrato de seguro que celebrou com o R Condomínio e a prescrição do direito dos AA.
Elabora-se novo despacho saneador, o qual julgou improcedente a excepção de prescrição invocada pela chamada “F……….”, tendo-se procedido então a nova selecção da matéria controvertida.
Procedeu-se a julgamento e sobre a decisão da matéria de facto não houve qualquer censura.
Profere-se sentença em que se julga a acção parcialmente procedente, absolvendo-se o Condomínio dos pedidos formulados mas condenam-se os réus D………. e E………. no pedido.
Inconformados, recorrem os réus.
Recebido o recurso, apresentam-se alegações e contra alegações.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.

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II - Fundamentos do recurso

O âmbito dos recursos fixa-se em função das conclusões que vêm formuladas nas alegações - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -.
Daí a sua relevância e a justificação para a sua transcrição.
Assim:

1. Não foi feita prova na audiência de julgamento que as infiltrações que os AA, dizem ter na sua fracção provenham do terraço dos RR. Na verdade, nenhuma das testemunhas dos AA. conhecem o terraço dos RR., à excepção da testemunha G………., que quando efectuou reparação no prédio, em 2005, disse que o terraço não tinha quaisquer fissuras ou rachadelas.
2. Nenhuma das testemunhas dos AA. sabe por onde a água entra, pois não têm conhecimentos técnicos para isso, ou sequer conhecem o terraço em questão, pelo que algumas delas só sabem que os AA. B………. e mulher dizem que é do terraço dos RR.,
3. Na audiência de julgamento foi levantada a hipótese pelos RR. de existirem condensações e de a água estar a entrar pela parede lateral do prédio virada ao mar, que estava por impermeabilizar e nela tinha introduzidos dois pedaços de madeira que serviram de apoio aos andaimes à altura do tecto da fracção dos AA. e foi admitido por todas as testemunhas, empreiteiros de profissão que era possível a água entrar por ai (G………., H……….; I………. e J……….).
4. Não foi requerida pelos AA. perícia ao terraço em questão, nem foi efectuada qualquer perícia ao mesmo.
5. As testemunhas dos RR., os empreiteiros H………., I………. e J………. afirmaram que o terraço está impermeabilizado por tela (o que está provado) e que o seu estado era de perfeita conservação, não tendo o mesmo qualquer fissuras ou rachadelas.
6. Atenta a insuficiência da prova a efectuar pelos AA., tendo estes o ónus da prova e diga-se mais uma vez sem que o terraço em questão fosse objecto de qualquer perícia técnica a matéria constante dos quesitos 9°, 20°, 24°, 34°, 35° teria que ser dada como não provada.
7. Não foi feita qualquer prova de que as grelhas existentes no terraço foram colocadas pelos RR, nem tampouco que as concretas inundações e infiltrações se tenham ficado a dever à falta de limpeza periódica do terraço dos RR (transcrição do testo da sentença — pág. 13), pelo que não existe qualquer responsabilidade dos RR., a título pessoal.
8. Não podem os RR ser responsabilizados pelas obras a efectuar no terraço da sua fracção simplesmente como se diz na sentença recorrida porque muito embora o dito terraço seja zona comum está afectado ao uso exclusivo dos RR.
9. Á data da entrada em vigor da nova redacção do artigo 1421°C.Civil já estava constituída a propriedade horizontal e definidas as partes comuns do edifício e determinada a afectação de uma parte, concretamente deste terraço ao uso exclusivo dos RR, ou seja, estava definitivamente fixado o conteúdo e efeitos do direito de propriedade dos condóminos.
10. É portanto a versão do artigo 1421°C. C., na versão anterior às alterações introduzidas pelo DL 267 o aplicável à situação vertente atenta a data da constituição da propriedade horizontal (11 de Fevereiro de 1992).
11. As fracções são individualizadas no respectivo titulo de constituição da propriedade horizontal, aí se especificando as partes do edifício pertencentes a cada um delas — art. 1418° C.C. E o que não esteja especificado como pertencente a dada fracção será em princípio, havida como parte comum, a não ser que esteja afecta ao uso exclusivo de um dos condóminos.
12. Das partes comuns do edifício umas são imperativamente comuns a todos os condóminos n°1 do art. 1421°, enquanto outras o são apenas presuntivamente — n°2 do mesmo artigo.
13. Nas primeiras incluem-se aquelas que são objectivamente necessárias ao uso comum do prédio. Elas são comuns como advogam P. Lima e A. Varela (In C. Civil, Anotado, vo III, em anotação ao art 1421°) ainda que o seu uso esteja afectado a um só dos condóminos, pela razão simples de que a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos.
14. Face ao disposto na al. b) do n°1 e n°2 do citado artigo 1421° podem ser consideradas comuns coisas destinadas ao uso exclusivo de um só dos condóminos. E o que acontece precisamente com os terraços de cobertura, como é o caso presente.
15. A este propósito dizem aqueles ilustres Profs (oh. e loc. cit) mesmo que o terraço se destine ao uso exclusivo de um dos condóminos, ele não deixa de ser forçosamente comum pela função capital (de cobertura e protecção do imóvel) que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção.
16. O terraço em causa constitui um prolongamento da fracção dos AA., situada ao nível do rés-do-chão e serve de cobertura, ainda que parcial ao espaço onde se situa a actividade dos, 4A., ou seja a fracção dos AA. exorbita fisicamente do corpo do edifício e, nessa parte, o terraço em questão é a única cobertura que a fracção dos AA dispõe. Exerce ele a função capital de cobertura de que falam P. Lima e A. Vareta.
17. Por outro lado, enquanto cobertura da fracção dos AA. integra a parte estrutural do edifício
18. O terraço que faça as vezes de telhado numa fracção que exorbite fisicamente do seu corpo principal como é o caso, constitui uma parte obrigatoriamente comum do edifício, não obstante estar afectado ao uso exclusivo de um condómino.
19. Esta tomada de posição encontra acolhimento na al b) do n°1 do art 1421°. Neste preceito incluem-se todos os terraços que tenham função idêntica à dos telhados, que os substituam, mesmo que não se situem no topo dos edifícios.
20. As alterações introduzidas pelo DL 267/94, mais que inovadoras, são interpretativas ou esclarecedoras das situações anteriores, resultando agora de uma forma explícita que os terraços que sirvam de cobertura são partes comuns, independentemente da sua localização.
21. Sendo o terraço dos RR., a cobertura parcial da fracção dos AA., uma parte comum do edifício as reparações indispensáveis teriam que ser da responsabilidade de todos os condóminos na proporção do valor das suas fracções e nunca da responsabilidade exclusiva dos RR. — n°1 do artigo 1424° C. Civil -
22. Não é o artigo 1424° n°3 do C. Civil que tem aqui aplicação como fez o tribunal a quo, na verdade tal disposição refere-se especialmente às despesas com os diversos lanços de escadas e às despesas com as partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos, o que não é o caso dos autos atenta a função capital de cobertura da fracção dos AA. pelo terraço em questão.

Termos em que deve a presente sentença ser revogada por outra que pelos motivos expostos absolva os RR. da condenação em questão, como é de elementar,

Nas contra alegações vêm formuladas conclusões e todas no sentido de se considerar improcedentes os argumentos dos apelantes e certos o da decisão impugnada.
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II - Factos Provados

Documentalmente, do acordo das partes e das respostas dadas à matéria de facto, resultam provados os seguintes factos:

1) os AA, B………. e C………., são donos e legítimos possuidores da loja destinada a comércio, sita na Rua ………., nº.., r/c, freguesia da ………., concelho da Murtosa, correspondente à fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial da Murtosa sob o nº00507/190589-A, designada pela letra “A” e inserida no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Murtosa no regime de propriedade horizontal sob o nº00507/190589, da freguesia da ………., tratando-se de r/c direito, destinada a comércio e com a área (comercial) de 143 m2, dois wc com a área de 7 m2 e arrumos de 5 m2, fracção onde exploram um salão de jogos denominado “……….” e um estabelecimento de pronto-a-vestir;
2) os RR, D………. e E………., são donos da fracção “C” do aludido prédio, correspondente ao 1.º andar esquerdo, destinado a habitação e composto por cozinha, sala comum, três quartos, despensa, dois wc, corredor, com a área de 11 m2, terraço e varanda com a área de 30 m2, garagem e arrumos na cave, situando-se por cima da fracção dos AA;
3) o R D………. é administrador do prédio em que se inserem as fracções ditas em 1) e 2) desde, pelo menos, o ano 2000;
4) por carta datada de 06.11.2001, a Companhia Seguradora “F……….” comunicou aos AA que, até à data, não havia sido elaborada pelo Administrador do Condomínio a competente participação, razão pela qual não lhe seria possível atender a reclamação oportunamente apresentada pelos AA. Arquivando o processo sem qualquer outro procedimento;
5) em consequência da carta referida em 4), o A dirigiu uma missiva ao R, no dia 27.11.2001, informando-o do conteúdo da carta da seguradora e reclamado o cumprimento do seu dever de Administrador do prédio, nomeadamente o de efectuar a referida participação à Companhia de Seguros, concedendo-lhe, para o efeito, um prazo de 5 dias, decorridos os quais mandaria proceder à reparação da fracção e imputar-lhe-ia os custos na medida em que a Seguradora recusava o pagamento dos prejuízos devido à inércia do Administrador; 6) em 12.12.2001, a A dirigiu ao R uma carta reiterando o conteúdo da anteriormente enviada pelo A, vindo a obter resposta negativa no dia 18.12.2001;
7) em carta datada de 13.08.2004, remetida pelo A ao R, fez-se constar, designadamente, o seguinte: “(…) Assunto: infiltração de águas no prédio de que V. Ex.ª é proprietário, sito na ………. - ……….. (…) Não obstante as minhas queixas anteriores quanto à infiltração de água no meu estabelecimento comercial provenientes do seu apartamento, verifica-se que nada foi feito para solucionar o problema, o que ocasionou que com as últimas chuvadas fortes (…) tenha mais uma vez existido infiltrações de água, que me causaram prejuízos nos tectos e nas paredes.
Assim, venho solicitar a V. Ex.ª o favor de mandar alguém especializado nessa área, para proceder à reparação dos estragos no meu estabelecimento, bem como solucione de uma vez por todas o problema existente na sua propriedade, concretamente no terraço existente. Caso nada seja feito até ao final do corrente mês, informo V. Ex.ª que irei proceder às reparações necessárias, imputando os custos a V. Ex.ª”;
8) os RR utilizam a fracção referida em 2) como habitação de veraneio e nos fins-de-semana que aí passam durante o resto do ano;
9) no terraço da fracção acumulam-se poeiras, folhas e papeis para aí levados pelo vento;
10) no terraço existem dois buracos cerca de 15 cms. de diâmetro;
11) os quais se destinam ao escoamento da água;
12) entre Maio e Julho de 2006, no terraço dos autos e nos buracos referidos em 10), existiam as grelhas visíveis na foto cuja cópia se mostra junta a fls. 152 dos autos;
13) se não for feita limpeza periódica do terraço, as grelhas ficam tapadas com lixo, que aí se acumula;
14) no dia 22.06.2001, ocorreram infiltrações de águas na fracção dos AA;
15) e essas águas provinham da fracção dos RR;
16) o referido em 14) causou estragos nas paredes e no tecto da fracção referida em 1);
17) em data anterior a 06.11.2001, os AA participaram à “F……….” a ocorrência de infiltrações de água no estabelecimento;
18) o tecto do salão de jogos explorado pelos AA era de pladur;
19) e com as inundações e infiltrações ficou com humidade e deformado/ondulado;
20) as paredes do salão apresentavam manchas de humidade na pintura;
21) em Junho de 2002, os AA mandaram reparar o tecto e as paredes do salão;
22) no que despenderam € 1.190,00;
23) nos dias 11.08.2004 e 12.08.2004, ocorreram infiltrações de água no estabelecimento dos AA;
24) e a água era proveniente da fracção dos RR;
25) o referido em 23) atingiu o tecto, o chão e as paredes da fracção referida em 1);
26) em Junho de 2005, os AA substituíram o tecto falso e o revestimento, pintaram as paredes e aplicaram rodapé no estabelecimento;
27) no que despenderam € 2.430,88;
28) no dia 18.02.2006, o estabelecimento dos AA ficou inundado por águas provenientes da fracção dos RR;
29) o piso desse estabelecimento é constituído por uma película (tapete) de borracha, sob a qual existe corticite;
30) e por força do referido em 28), ficou coberto de poças de água;
31) a película referida em 29) está descolada numas zonas e apresenta bolhas noutras;
32) e as placas de pladur estão a apodrecer;
33) a pintura da parede está coberta de manchas de humidade;
34) e os bilhares do salão de jogos (em madeira e tela de tecido verde) ficaram manchados;
35) o referido em 34) deveu-se à absorção de água e humidade;
36) na fracção referida em 2), o terraço está impermeabilizado por tela;
37) tal tela cobre a superfície do terraço e alonga-se cerca de 5 ou 6 cms. à área das paredes circundantes;
38) no terraço do prédio dos RR, quando o nível da água ultrapassa a superfície coberta por tela ocorrem infiltrações nas paredes;
39) e a água desagua na placa, alcançando a fracção referida em 1);
40) para reparar a sua fracção, os AA terão de encerrar o estabelecimento que lá funciona ou transferi-lo (provisoriamente) para outro local;
41) e de arrendar um imóvel para manter o estabelecimento activo;
42) o que importará uma despesa de € 500,00 mensais;
43) os AA sentem-se nervosos e aflitos pelos estragos ocorridos na sua fracção;
44) para a reparação do terraço e a substituição das grelhas da fracção dos RR são suficientes 20 dias;
45) o R Condomínio transferiu a responsabilidade civil, por danos materiais causados a terceiros decorrentes das partes comuns do edifício referido em 1), para a “Companhia de Seguros F………., SA”, pelo contrato de seguro de responsabilidade civil – Condomínio Seguro, titulado pela apólice nº……./., cujas condições gerais constam de fls. 253-296, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
46) este contrato de seguro tem como limite de responsabilidade € 50.000,00 por sinistro e € 100.000,00 por período de vigência;
47) o R Condomínio e a “Companhia de Seguros F………., SA” acordaram as condições particulares que constam do documento de fls. 251/252, do qual consta, designadamente, que o contrato referido em 45) “garante a responsabilidade civil decorrente de rotura, defeito, entupimento ou transbordamento, súbitos ou imprevistos, da rede interna de distribuição de águas ou de esgotos do edifício seguro, sem prejuízo das demais exclusões fixadas”.
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IV - O Direito

Como resulta claro das conclusões formuladas em sede de alegações, duas questões essenciais se apresentam neste recursos, sendo uma centrada na alteração das respostas a certa e determinada matéria de facto, concretamente, aquela que foi dada aos factos 9º, 20º, 24º, 34º e 35º, e uma outra relativa à integração qualificativa do terraço inserido na propriedade dos RR, se bem comum ou próprio e exclusivo destes.

IV - I- Da propriedade do terraço

Iniciaremos a apreciação do recurso quanto a esta valência, ou seja, de saber se o terraço que faz parte da fracção situada no 1º andar, com a área de 30 m2 e que se situa por cima da fracção dos AA, correspondente ao r/chão e destinado a comércio, deve ser considerado como parte comum ou não.
Isto porque consideramos que, fixado este ponto, mais fácil se torna averiguar o sentido e razão de ser da requerida alteração da matéria de facto.

Vejamos então.
Resulta do ponto 2) dos factos provados que os RR, D………. e E………., são donos da fracção “C” do aludido prédio, correspondente ao 1.º andar esquerdo, destinado a habitação e composto por cozinha, sala comum, três quartos, despensa, dois wc, corredor, com a área de 11 m2, terraço e varanda com a área de 30 m2, garagem e arrumos na cave, situando-se por cima da fracção dos AA.
Por outro lado, está aceite que o terraço integrado na fracção dos RR é saliente em relação ao corpo principal do edifício e que serve de cobertura, ainda que em parte, da fracção dos AA, destinada a comércio, por se situar imediatamente por baixo.
Também não se duvida que o título da propriedade horizontal é de 11 de Fevereiro de 1992, logo, constituído antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/94 de 25 de Outubro, o qual, por sua vez, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1995.
De igual modo, aceite se encontra que o DL n.º 267/94 altera o art. 1421º do CC, dando nova redacção às alíneas b) e d) do n.º 1 e à alínea d) do n.º 2 do artigo 1421º do Código Civil, assim como lhe introduziu o n.º 3, passando então a ser admissível que os telhados ou os terraços de cobertura sejam destinados ao uso de qualquer fracção, e não apenas ao uso do último pavimento, assim como advieram alterações no que respeita às instalações de gás, e das comunicações, bem como no que respeita aos lugares de estacionamento - Abílio Neto, CPC Anotado, anotação ao art. 1421º -.
O artigo 1421º do Código Civil, à data da constituição da propriedade horizontal, dizia:
“São comuns as seguintes partes do edifício: (...) b) o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento”.
Porém, perante a matéria provada e acima apontada e o conceito preciso e concreto da disposição legal - fala em terraço e uso de último pavimento -, somos levados a pensar que estamos na presença do denominado terraço intermédio, mesmo que uma parte deste sirva de telhado a uma fracção que se situa na sua parte inferior.
E porquê?
O novo artigo 1418º do Código Civil, (com a redacção do Decreto-Lei n.º 267/94), refere que as partes comuns não têm que ser especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal, sendo delimitadas por exclusão de partes, e valendo a regra de que tudo o que não estiver descrito no título constitutivo como parte própria é propriedade comum.
Deste modo, apenas se obriga a especificar, no título, as partes dos edifícios correspondentes às várias fracções, para que estas fiquem devidamente individualizadas ficando, tudo o resto, integradas em parte comuns do edifício.
No caso dos autos e conforme resulta de 2º dos factos provados, o terraço, no título de constituição da propriedade horizontal, é descrito como parte integrante da fracção pertencente aos autores, mostrando-se assim individualizado, no cumprimento, aliás, do artigo 1421º b) do Código Civil, vigente à data da constituição da propriedade horizontal, de 1992.
O artigo 1421º, b), nesta data, considerava imperativamente comuns o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento, mas só estes.
Como aponta o Ac. do STJ de 8/4/97, visível em Abílio Neto, CC Anotado, pág. 1367 que «O “terraço intermédio”, incrustado num dos vários andares do prédio, cobrindo apenas uma parte deste, não situado na parte superior, ao nível do último pavimento e ao qual só é possível aceder através de uma fracção contígua, não é parte comum, devendo entender-se que pertence a essa fracção, mesmo que tal afectação não conste do título da propriedade horizontal». No caso até consta.
Também o Ac. STJ, de 8-4-1997, ibidem, refere que é “intermédio” e não de cobertura, o terraço incrustado num dos vários andares do prédio que dá cobertura apenas a uma parte deste e que não se situa - ao nível do último pavimento - na sua parte superior e que se encontra desde sempre afecto ao uso exclusivo dos donos daquele andar e ao qual só ele têm acesso.
Isto é, o artigo 1421º, b), na redacção anterior ao citado Decreto-Lei n.º 267/94 de 25 de Outubro, considera imperativamente comuns o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento, mas sobre esta problemática explica o Ac. do STJ de 8/4/97, CJ Ano V, tomo 2, pág. 35, considerando que esta destinação do uso do terraço ao último pavimento só tem sentido se se entender que esse terraço é o que serve tal como o telhado de cobertura ao prédio em si, visto na sua globalidade e daí que, se a lei visasse também os terraços intermédios, teria certamente ressalvado, do mesmo modo, a afectação do uso desses terraços aos pavimentos contíguos.
Também Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. III, pág. 422 referem que “são considerados comuns, por constituírem igualmente parte integrante da estrutura do prédio, o telhado, e os terraços de cobertura. Ainda que o terraço se destine ao uso exclusivo de um dos condóminos (por estar situado no mesmo nível do último pavimento, porque o acesso se faça pelo interior desse pavimento), ele não deixa de ser forçosamente comum pela função capital (de cobertura ou protecção do imóvel) que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção (alínea b) do n.º 1). (sublinhado nosso)».
Ainda tendo como campo de aplicação a anterior norma civilista do art. 1421º do CC, considerava-se que o telhado e os terraços de cobertura de fracção de prédio submetido ao regime de propriedade horizontal só são partes comuns quando a sua função é exercida no interesse de toda a construção.
E assim, concordamos com a redacção sumariada no Ac. R. Coimbra de 23-9-2008, www.dgsi.pt, quando afirma que “Com as alterações efectuadas pelo D. L. nº 267/94, de 25/10, ao C. Civ., de que proveio a actual redacção do preceito citado, teve-se em atenção a jurisprudência que sobre o antigo preceito existia (versão original de 1966), tendo-se querido que nesta actual versão passassem a estar abrangidos os chamados terraços de cobertura intermédios, isto é, os terraços que apesar de servirem de cobertura a alguma ou algumas fracções, se situavam ao mesmo nível doutra ou doutras fracções, podendo servir de pátio ou varandas a estas.”
Também sobre esta problemática se pronuncia o Ac. R. Guimarães, de 14-12-2006, consultável em www.dgsi.pt, em caso prático e factual em tudo idêntico ao que aqui apreciamos e, por com ele estarmos em total acordo, tomamos a liberdade de o transcrever quando afirma que:
«A redacção actual do artigo 1421º do Código Civil, dada pelo Decreto-Lei n.º 267/94 não se aplica àquelas situações já definitivamente constituídas e reguladas, quando da sua entrada em vigor.
E assim, tendo em conta a data da constituição da propriedade horizontal – 1987 (no nosso caso foi em 1992) –, entendemos que o terraço em causa, não tinha a natureza de parte comum do edifício.
O terraço não serve de cobertura ou protecção do imóvel visto na sua globalidade, e do teor do título constitutivo ressalta que o mesmo integra a fracção - no nosso caso “C”-
Como resulta do título constitutivo a fracção dos autores é constituída por um terraço, que é intermédio e não de cobertura, e por isso não se presume, nem presumia à data da constituição da propriedade horizontal como comum, nem a escritura violou a imperatividade do citado artigo.
E a lei nova – nova redacção do artigo 1421º- não se aplica ao caso concreto.”.
Assim sendo, consideramos que o terraço não tinha a natureza de comum, antes se encontrando fixado a um bem determinado e perfeitamente individualizado, pelo que, embora acompanhando os recorrentes quando afirmam que à data da entrada em vigor da nova redacção do artigo 1421° C.Civil já estava constituída a propriedade horizontal e definidas as partes comuns do edifício e determinada a afectação de uma parte, concretamente deste terraço ao uso exclusivo dos RR, ou seja, estava definitivamente fixado o conteúdo e efeitos do direito de propriedade dos condóminos, sendo portanto a versão do artigo 1421° C.C., na redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL 267, o aplicável à situação vertente, atenta a data da constituição da propriedade horizontal (11 de Fevereiro de 1992), mas já não os seguimos e acompanhamos quando considera o terraço dos RR., a cobertura parcial da fracção dos AA., uma parte comum do edifício, donde que as reparações indispensáveis teriam que ser da responsabilidade de todos os condóminos na proporção do valor das suas fracções e nunca da responsabilidade exclusiva dos RR.
Já não assim e estaríamos portanto de acordo, se estivéssemos perante uma situação de facto integrada na nova versão do art. 1421º do CC, onde então os terraços, mesmo que situados ao nível de qualquer dos pisos e mesmo que se destinem a cobertura de parte do prédio serão sempre partes comuns, até mesmo que com usos exclusivo de alguns ou algum dos condóminos.
É que, convirá fixar, os réus têm, em virtude da constituição da propriedade horizontal o direito de propriedade do terraço que se encontra integrado na sua fracção, sendo desta parte integrante, e não apenas e só o direito ao seu uso.
Por isso que consideramos, na versão do anterior art. 1421º do CC, não ser parte comum do edifício o terraço descrito no título de propriedade horizontal que integra a fracção autónoma “C”, pertença dos réus, ainda que sirva de cobertura a parte de uma loja, situada em parte imediatamente inferior a este.
Ressalvando sempre melhor entendimento, este é o nosso pensar.

IV - II - Da requerida alteração das respostas à matéria de facto

Definida que está a propriedade do terraço, como não sendo parte comum do edifício em que está integrado e antes parte completamente individualizada, vejamos agora o problema da solicitada alteração da matéria de facto.
Consideram os apelantes, que não foi feita prova, na audiência de julgamento, que as infiltrações que os AA dizem ter na sua fracção, provenham do terraço dos RR.
Ou seja, entendem os apelantes que nada se provou que justificasse as respostas positivas aos quesitos 9º, 20º e 24º - que a água que inundou a fracção dos autores tenha provindo do terraço dos réus - e 34º e 35º, isto é, que há infiltrações pelo terraço dos réus quando o nível da água ultrapassa a tela, segue para a placa e entra na fracção dos autores.
Volta novamente este tribunal a deparar-se com o problema de reexame da matéria de facto dada em 1ª instância, faculdade concedida pelos artigos 690º-A e 712º do CPC, tanto mais que a prova se mostra gravada e a parte apelante procedeu à transcrição total de toda a prova produzida.
E quando tal acontece, importa analisar, ainda que de forma genérica, os condicionalismos legais impostos e as naturais e consequentes limitações que sofre o novo julgador.
Assim e desde logo vejamos o sentido que foi dado no Preâmbulo do DL n.º 39/95 de 15/2, criador de tais normas, onde afirma que esta faculdade deve ser entendida como uma possibilidade de reacção contra eventuais, mas sempre excepcionais, erros do julgador e apenas quando estes se revelem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade.
De igual modo, não pode ser exigido que se procure uma nova convicção sobre depoimentos cuja presença física estão totalmente ausentes, mas procurar antes e sobretudo se a convicção formada no tribunal recorrido tem suporte razoável naquilo que a gravação demonstra, se essa "decisão foi adequada", como refere Teixeira de Sousa, Estudo sobre o Novo Processo Civil, pág. 374, sendo também este o sentido apontado no Ac. STJ, de 13-03-2002, Revista n.º 58/03, 7ª Secção, Sumários, Março/2003, em www.stj.pt. e se reforça no Acórdão do Tribunal Constitucional, de 3-10-2001, no Acs. do Tribunal Constitucional, vol. 51, pág. 206 e ss, reforçado ainda com o Ac. STJ, de 14 de Março de 2006, em CJSTJ, Tomo I, pág. 130, segundo o qual o objectivo da reapreciação facultada pelo art. 712º do CPC é, não o de proceder a um novo e global julgamento da matéria de facto, mas apenas o de - pontualmente e sempre sobre a iniciativa da parte interessada - detectar eventuais erros de julgamento.

No caso concreto, vemos que os apelantes pretendem ver alterada uma parte da matéria provada, parte esta que se mostra totalmente relevante para o desfecho da acção e para a decisão de mérito.
Precisemos.
O pedido da acção e a sua causa de pedir estão perfeitamente definidos - artigos 467º e 661º do CPC -, que se resumem à condenação dos réus a efectuarem no terraço, obras que evitem a infiltração de águas na fracção dos AA, e no pagamento das reparações e dos prejuízos por eles já suportados em virtude dos danos e incómodos sofridos com tais infiltrações.
Aos autores competia provar tanto os estragos sofridos como serem eles devidos a infiltrações derivadas do terraço dos réus e cuja causa a eles deve ser imputada e aos réus que tais danos não ocorreram e não são devidos a qualquer sua conduta, nem oriundos do seu terraço - art. 342º n.º 1 e 2º do CC -.
Daí que a resposta dada ao quesito 9º, 20º e 24º, em que se dá como provado que as águas provinham da fracção dos réus, concretamente do seu terraço, e aos quesitos 34º e 35º, em que se deu como provado também que no terraço do prédio dos RR, quando o nível da água ultrapassa a superfície coberta pela tela ocorrem infiltrações nas paredes e a água desagua na placa, alcançando a fracção dos autores, sejam essenciais para o desfecho da acção.

Ora, para efeitos de reapreciação da matéria de facto, releva também a fundamentação e motivação dada pelo tribunal de 1ª instância às respostas, bem como atender à impressão obtida dos depoimentos das testemunhas.
E aqui, da consulta à motivação justificativa das respostas vemos que o tribunal analisa, separadamente, cada quesito relacionando com o depoimento de cada testemunha.
Assim, verificamos que aponta o facto de ter dado como provado que a água encontrada da loja dos autores provinha do terraço dos réus não só com o depoimento da testemunha K………. como de L………., afirmando ainda que por esta testemunha foi também referido que viu água a cair “de cima”, vinda do tecto, tendo a testemunha K………. declarado ter também observado água a verter das paredes, testemunha que, perante o que viu, se convenceu que a mesma vinha do terraço da fracção dos RR. O próprio R declarou, embora apenas a propósito da infiltração ocorrida em Junho de 2001, que verificou que a água provinha do terraço da sua fracção, e não, como inicialmente pensava, do WC da mesma. Neste contexto, convencemo-nos que a água provêm, efectivamente, do terraço da fracção dos RR, como defendem os AA.
A mais adiante afirma que no que concerne aos quesitos 24 a 31 atendeu-se ao teor dos depoimentos das testemunhas K………., L………., já acima referidas, e M………. (que também prestou serviços na área de construção civil aos AA), conjugados com o teor do documento de fls. 38 (relatório de ocorrência elaborado pela GNR) e, ainda, do relatório pericial de fls. 136 e ss., a que também já acima nos referimos, sendo que, quanto ao quesito 24 o próprio R, no seu depoimento, admitiu que, dessa vez, a água que se acumulou no terraço da sua fracção atingiu uma altura tal que chegou a entrar na cozinha da mesma.
O referido nos quesitos 31º a 35º (logo 34 e 35), resulta dos depoimentos das testemunhas G………. e H………., que conhecem o terraço dos autos, confirmando a factualidade em apreço, tendo o vertido nos quesito 34 e 35 sido, ainda, afirmado pela testemunha I………..

Assim, podemos notar ainda que a motivação sustentou-se não apenas e só no depoimento das testemunhas, como também terá contribuído a análise dos documentos (relatórios) que se mostram junto aos autos.
Por tudo isto e em função desta motivação, se mostra relevante atender-se aos princípios da imediação, oralidade e concentração e da livre apreciação da prova, do artigo 655° n.º 1 do CPC, segundo o qual esta “deve reflectir o resultado da conjugação de vários elementos de prova que na audiência ou em momento anterior foram sujeitos às regras da contraditoriedade, da imediação ou da oralidade" Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, pág. 209, sendo certo que na prova testemunhal, a liberdade de apreciação da prova pelo julgador vem fixada pelos artigos 396°, 391° e 389°, todos do C. Civil, significando " prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios preestabelecidos................” Prof. A. Reis, CPC Anotado, Vol. IV, pág. 544 -, sendo excepção os caso em que se impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova, definindo-se também como o “tirar de conclusões em conformidade com as impressões recém-recolhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que foram aplicáveis" - Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do C. Civil Revisto, pág. 157.
Relevante também para este particular são os ensinamentos de A. Varela, Manual do Processo Civil, 2ª ed., pág. 657, sobre a imediação, segundo o qual «……..Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, das pessoas e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato do depoimento não pode facultar….»

Porém, tribunal reexaminador cuidou, para além da visão documental junta aos autos, de ouvir toda a gravação efectuada e ler atentamente os depoimentos transcritos pelos recorrentes.
E que análise fazemos desta audição e leitura?
Para contrariar a decisão da matéria de facto que foi dada como provada pelo tribunal a quo, apontam e indicam os apelantes as testemunhas para esse efeito.
Mas vejamos o que dizem.
A testemunha K………., que quanto ao particular aspecto aqui questionado respondeu aos quesitos 9 e 20, afirma que a “água vinha de cima, do tecto”, “que não havia canos nem ruptura destes”, “via água a pingar e baldes para a apanhar”, “via-se a verter água pelas paredes”, “não era falta de arejamento nem condensação”, esclareceu que soube não pelo que lhe contou o Sr. B………. mas pelo que ele próprio observou, pois “viu o tecto sem tecto, enfulado, viu os baldes cheios de água, viu água a correr pelas paredes e o chão enfolar”, repetindo depois que viu a placa que saía da placa água.
A L………., que na mesma perspectiva acima enunciada respondeu aos quesitos 9 e 20, afirma que assistiu a algumas infiltrações de água na loja dos autores, pelo menos 3, que viu o tecto caído por causa da água, muita água, a cair do tecto, que vinha dos terraços.
O N………., pintor e que efectuou restauro aos autores, que na mesma medida respondeu ao quesito 35, afirma que andou a pintar os tectos e as paredes, devido a humidade que tinha lá entrado.
O M………., trabalhador da construção civil, quanto aos quesitos 24 e 35, que conhece o estabelecimento dos autores e que efectuou trabalhos ali, considera que a humidade que encontrou não era normal, que vinha bastante humidade da parte de cima, devia ser entrada de água e que a explicação única é que era infiltração de entrada de água da parte de cima.
O O………., gerente de empresa de tectos falsos mas que trabalhou na loja dos autores, em restauro (quesitos 9, 20, 24), afirma que constatou que a água provinha da placa, cujo tecto falso a tapava, apontando os estragos a água surgida do andar superior.
Quanto a G………., que trabalhou para os réus, conhece o terraço e considera que os ralos existentes no terraço têm um buraco muito estrito. Que há lixo que ali se acumula que é preciso limpar as grelhas que lá foram colocadas. Que avisou o Sr. D………. que as grelhas eram bocado apertadas.
Quanto à tela que isola o terraço explicou que dobra muito pouco e o espaço que a tela dobra é o suficiente para a água subir e entrar, portanto, aquilo enche a água infiltra-se por trás da tela. Que tal dobra é de 5,6 cm, quando o normal é de 20, donde concluir que a tela não foi bem aplicada. Explicou ainda o problema da soleira e da água se espalhar por baixo da tela e descer por buracos que existam na massa que não foram bem vimbrados e repassam para baixo.
A testemunha H……… (quesitos 34 e 35), empreiteiro, explicou o problema das telas nos terraços e da cota que precisam de ter nas paredes para que a água se infiltre nestas, estando de acordo com o depoimento da anterior testemunha. Sobre as hipóteses que lhe foram colocadas, será totalmente irrelevante o seu depoimento.
O I………. respondeu aos quesitos 34º e 35 (atento os factos aqui em jogo) e reforça no seu depoimento o conteúdo das respostas dadas aos quesitos acima indicados.
Por fim o J…….., inquirido ao quesito 34, elucida sobre a tela do terraço e quanto tem de virar nas paredes para evitar a entrada de água.

Um argumento muito utilizado pelos réus diz respeito ao facto de as testemunhas que indica para sua defesa, nunca terem visto a água cair, nunca terem ido ao terraço e dizerem donde vinha a água.
Consideramos que da prova que foi efectuada em julgamento, tal a sua abundância, nem tal seria necessário, para se concluir, como se concluiu, da proveniência da presença da água na loja dos autores.

Deste modo, podemos concluir, contrariamente ao pretendido pelos apelantes, que a decisão da matéria de facto se mostra completamente adequada, concretamente sobre os pontos 9, 20, 24, 34 e 35, reflectindo totalmente o que se passou em audiência, em conjugação com os documentos juntos.
Isto é, não vislumbramos qualquer erro por banda do tribunal a quo na fixação da matéria de facto, reflectindo exactamente aquilo que a audição da gravação e leitura dos depoimentos representa, pelo que mantemos intacta a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.

Por outro lado, não fora estes quesitos, vemos que os réus aceitam toda a restante matéria provada e dela não se pode esquecer a análise e razão de ser de tais infiltrações, a origem e o motivo de tal facto ocorrer, factos estes que se mostram também provados e que são essenciais para se ter uma visão global e de conjunto de toda a problemática aqui em discussão.
E de facto, não nos podemos esquecer que os réus utilizam a fracção como de veraneio e fins-de-semana, sendo que no terraço se acumulam poeiras, folhas e papeis.
Por outro lado, analisando os factos provados resulta que no terraço existem dois buracos cerca de 15 cms. de diâmetro, destinados ao escoamento da água e nesses buracos, existiam as grelhas visíveis na foto cuja cópia se mostra junta a fls. 152 e que, se não for feita limpeza periódica do terraço, tais grelhas ficam tapadas com lixo, que aí se acumula - pontos 10 a 13 -.
Apurou-se ainda que o terraço está impermeabilizado por tela, que cobre a superfície deste e se alonga cerca de 5 ou 6 cms. à área das paredes circundantes, mas quando o nível da água que se acumula no terraço ultrapassa a superfície coberta por tela, ocorrem infiltrações nas paredes e a água desagua na placa, alcançando a fracção dos AA - pontos 36 a 39 - (todos correspondentes aos quesitos 9, 20, 24, 34 e 35).
Está assim demonstrado o motivo das infiltrações e inundações ocorreram pelo facto de os buracos existentes no terraço e destinados ao escoamento das águas que nele caem terem sido tapados com as grelhas visíveis na foto cuja cópia se mostra junta a fls. 152, não garantindo o regular escoamento das águas, bem ainda com o facto de a tela de impermeabilização do terraço cobrir, para além da sua superfície, apenas cerca de 5 ou 6 cms. da área das paredes circundantes, o que, quando o nível da água que se acumula no terraço ultrapassa tal altura, permitindo a respectiva infiltração nas paredes e na placa da fracção dos autores.

Outra crítica que os réus formulam diz respeito ao facto de os autores não terem pedido, donde se não ter realizado, qualquer perícia ao terraço em questão.
Tal não é justificação para rebater a eventual falta de prova. A lei permite aos réus que a tivessem requerido - art. 388º do CC -, sendo certo ainda que o art. 346º do CC permite a contra prova, ou seja, a possibilidade de, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório possa opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e se o conseguir será a parte onerada com a prova prejudicada.
Por outro lado, convirá reter ainda o art. 389º do CC, segundo o qual a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.
Mas esquecem os apelantes que a prova testemunhal e documental produzida em audiência foi acompanhada de uma inspecção ao local - fls. 375 - e que se mostra junto aos autos uma peritagem requerida pela Seguradora - fls 139 , para além do relatório da GNR.
Assim, em forma de resumo, não podemos aceitar o conteúdo das conclusões que formulam, demonstrando o processo uma outra realidade totalmente distinta.
Do mesmo modo, a interpretação de direito que efectua não tem também a nossa aceitação.
A decisão terá de ser mantida.
*
V - Decisão

Nos termos e pelas razões expostas, acorda-se em se julgar improcedente o recurso e confirmar inteiramente a decisão apelada.
Custas pelos apelantes.
*

Porto, 6-12-2010
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome