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ARRENDATÁRIO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
COMPRA E VENDA
DOAÇÃO
SIMULAÇÃO DE CONTRATO
EFICÁCIA DO NEGÓCIO
Sumário
Tendo os contraentes celebrado entre si, por escritura pública, negócio jurídico que intitularam de "doação" de bem imóvel, quando o que realmente quiseram foi celebrar entre si um negócio "jurídico de compra e venda", assim tendo agido com o intuito de frustrarem a exercitação de um direito de preferência por parte do arrendatário desse imóvel, deve considerar-se um tal negócio como nulo entre os mesmos contraentes como doação (art. 289, n. 1 do C.Civil), mas, todavia, válido como efectiva "compra e venda" em relação ao preferente.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
Razão da Revista
1. "A" e mulher B, residentes na Rua ..., na freguesia do ... da Comarca de Vila Nova de Gaia, instauraram no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C, residente na Rua ..., no Porto, e contra D, residente na Rua ..., na freguesia do ..., da Comarca de Vila Nova de Gaia e contra E, residente na Rua ..., na freguesia do ..., da Comarca de Vila Nova de Gaia, na qual alegam e pediram o seguinte:
1.1. Em 8 de Novembro de 1991, as Rés C e D, por escritura pública, doaram ao Réu E o prédio urbano composto de casa de quatro pisos e logradouro, sito na Rua ..., no ..., Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o artigo 2894, com o valor patrimonial de 1.369.710$00.
Porém, o que as Rés C e D pretenderam realizar através daquela escritura, foi uma venda ao Réu E e não uma doação.
Isto foi feito com o intuito de enganar o Autor que é arrendatário do referido prédio.
1.2.- Por isso tinha o Autor A o direito de preferência na venda, que, aliás, as Rés lhe comunicaram, tendo o Autor sempre mostrado interesse na aquisição.
O negócio simulado é nulo.
O preço de venda foi de 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos).
1.3.- Concluem os Autores pedindo que a acção seja julgada procedente e em consequência:
- a) que seja declarada a nulidade da doação simulada entre as Rés C e D e o Réu E e ordenado o cancelamento do respectivo registo;
- b) que seja declarada a validade da compra e venda realizada entre os mesmos, titulada pela escritura de 8 de Novembro de 1991, relativa ao identificado prédio, pelo preço de 15.000.000$00 a pagar da seguinte forma:
- 5.000.000$00, até à data da realização da escritura;
- 5.000.000$00, até Novembro de 1992;
- 5.000.000$00, até Novembro de 1993;
- c) que seja declarado que o Autor tem direito de preferir na compra do referido prédio;
- d) mediante o pagamento da quantia de 5.000.000$00 e, eventualmente, de despesas inerentes ao contrato e bem assim da constituição da obrigação de pagamento da parte restante do preço em duas prestações de 5.000.000$00 cada, com vencimentos nas datas referidas e colocar os Autores na posição compradora do Réu E, havendo para si o mencionado prédio;
- e) condenar-se os Réus a reconhecer o peticionado.
2. Todos os Réus contestaram alegando o seguinte:
As Rés fizeram efectivamente uma doação ao Réu E, não tendo simulado o que quer que fosse.
Não houve qualquer conluio entre as Rés e o Réu E para prejudicar os Autores.
Aliás, os Autores não alegaram a má fé do Réu, pelo que a simulação não lhe pode ser oposta. Concluem pedindo que a acção seja julgada improcedente.
3. Foi proferida sentença que julgou a acção procedente e em consequência:
Declarou nulo, por simulação, o negócio relativo à doação, ordenando o cancelamento do respectivo registo;
Declarou válido o negócio de compra e venda realizado entre as Rés C e D e o Réu E, titulado pela mesma escritura de 8 de Novembro de 1991, que consta de fls. 9 e 10, relativa ao mesmo prédio, pelo preço de 15.000.000$00;
Declarou que o Autor tem o direito de preferir na compra do identificado prédio, pelo que substituiu o Réu comprador pelo Autor, no contrato de compra e venda celebrado, mediante o pagamento do preço de 15.000.000$00 e das correspondentes despesas de escritura.
4. A Relação do Porto, revogou parcialmente o assim decidido, mantendo apenas o seguinte: a declaração de nulidade, por simulação, do negócio de doação, com o cancelamento do respectivo registo. (fls. 293/v):
5. Daí que tenham recorrido, o autor A e sua mulher, e o réu E, apresentando alegações autónomas, como adiante se analisam.
II
Objecto da revista
O objecto do recurso é traçado pelas conclusões dos recorrentes.
Assim, vamos expô-las, na parte em que relevam substantivamente, não obstante, aqui e ali, a sua formulação repetitiva.
A) as conclusões dos recorrentes/autores:
1ª- O acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação as normas dos artigos 241º e 1410º, do Código Civil.
2ª- Na verdade, entendem os recorrentes que a exigência quanto à forma, feita no nº. 2 do artigo 241º, não diz respeito a todos os elementos essenciais do contrato.
3ª- No caso de o negócio dissimulado consistir numa compra e venda, as razões do respectivo formalismo (ponderada reflexão das partes e prova da alienação do bem) foram satisfeitas com a outorga da escritura pública.
4ª- Da aplicação da tese defendida no acórdão recorrido, viria a resultar "nunca ser possível validar o acto dissimulado, desde que fosse formal, pois a simulação consiste precisamente em ocultar a vontade real".
5ª- Não contestam os recorrentes que "o que caracteriza a venda é a onerosidade da alienação traduzida num preço; por isso é que, na acção que interpuseram, para além de arguirem a simulação da doação, alegaram a provaram o preço da venda realizada.
6ª- Numa escritura de compra e venda em que o preço é simulado também não consta o preço por que foi feita a venda, e, no entanto, ninguém se lembraria de, na acção de preferência com arguição de simulação do preço, invocar que o negócio é nulo por lhe faltar um elemento essencial. O que sucede sempre é conceder-se ao titular da preferência o direito de ser admitido a preferir pelo preço real, que entretanto for apurado na acção.
7ª- Quando falta, de todo, o preço na escritura (por se ter tentado encapotar a venda com uma doação) ou quando o que dela consta é simulado, é a decisão proferida na acção em que se invocou a simulação que fixa qual foi o preço real.
B) As conclusões do recorrente/réu, E:
1) O formalismo reclamado para certo contrato não pode, de maneira nenhuma, considerar-se preenchido se induz em erro sobre a índole desse acto, se leva a crer que se vendeu, quando se doou, ou que se doou, quando se vendeu.
2) O conteúdo do acto tem de estar integralmente vazado no documento, e é óbvio que o acto dissimulado não se contém no documento onde se exarou o acto simulado, antes está em contradição com ele.
3) Não resulta claro dos factos provados que tenha havido conluio simulatório no tocante à compra do prédio em questão.
4) Não se provou que os pais do R tivessem acordado dolosamente, em nome deste, com as RR. que a compra teria por fim enganar, também, o A; decorre dos factos dados como provados que quem quis enganar o A foram as RR que quiseram vender .
5) Inexistiria dolo, quando muito, e, sem conceder, poderia existir negligência dos pais do R, o que não é suficiente para integrar a simulação.
6) Não ficou assente que tivesse havido pagamento de qualquer preço, nem a obrigação de pagar eventual preço e o preço é elemento essencial do contrato de compra e venda.
7) A eventual compra e venda nula, a existir, nunca permitiria a sanação ou convalidação do contrato, que também nunca existiu.
8) Não existindo contrato de compra e venda válido não existe simulação, por falta de negócio simulado.
9) Se se entender que existe negócio dissimulado de compra e venda, como causa de anulação da doação, há que dar cumprimento ao disposto no art.289° do Código Civil, como consequência da anulação da doação, e ordenar a restituição do preço que se considerar ter sido pago.
Uma proposição tem como contrapartida a outra.
III
Matéria de facto apurada
Vem apurado o seguinte quadro relativo à matéria de facto com relevo para decidir:
A) Em 8 de Novembro de 1991, no Primeiro Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia, as primeiras Rés outorgaram na escritura pública lavrada a fls. 83, 83v, do Livro 49-E, daquele Cartório, na qual declararam doar ao segundo Réu o prédio urbano composto de casa de quatro pisos e logradouro, sito na Rua ..., lugar de Lavadores, freguesia de ..., Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o artigo 2849, com o valor patrimonial de 1.369.710$00 - doc. de fls. 9 e 10.
B) Tal prédio é parte do descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o nº. 3679, a fls. 86 do Livro B-10, na mesma registado a favor das Rés, sob o nº. 66690, a fls. 78v, do Livro G-62.
C) À dita doação foi atribuído o valor de 1.370.000$00 (um milhão, trezentos e setenta mil escudos).
D) O Autor é, desde 1 de Setembro de 1975, arrendatário do prédio urbano identificado na anterior alínea A).
E) O que as Rés pretenderam realizar através da outorga da escritura referida na anterior alínea A) foi uma venda ao segundo Réu.
F) Esta divergência entre a vontade real e a vontade declarada foi feita por combinação entre as primeiros Rés e os pais do segundo Réu, seus representantes legais, com o intuito de enganar o Autor.
G) O preço e as condições de pagamento referentes à venda e
causa foram os seguintes:
- 15.000.000$00, sendo
- 5.000.000$00, até à data da realização da escritura,
- 5.000.000$00, até Novembro de 1992 e
- 5.000.000$00, até Novembro de 1993.
IV
Direito aplicável
1. Antes de mais, e por razões de método, uma palavra prévia e sumária, sobre questões processuais que são invocadas nas conclusões 3, 4, 5, e 6 do recorrente E, quanto aos factos provados cuja reapreciação solicita.
Trata-se, como se sabe, de matéria definitivamente fixada pelas instâncias, fora do regime legal da prova vinculada, que este Tribunal não pode censurar, como determinam os artigos 722º-2 e 729º-1, ambos do Código de Processo Civil.
2. A questão das duas revistas, traduzida nas diferentes conclusões que acabam descrever-se, é simples de enunciar:
Trata-se de saber se um negócio jurídico de natureza formal, como o de doação de um imóvel, dissimulado em negócio de compra e venda do mesmo imóvel, é válido, tendo sido observada a forma da declaração negocial correspondente, embora nesta forma de celebração - a escritura pública - não constem todos os elementos para que o negócio produza todos os seus efeitos essenciais.
Concretizando, para o caso em apreço, o exame jurídico que está subjacente às enunciadas revistas, consiste em saber, se a doação feita ao recorrente E que é nula, por simulada, pode valer como venda, não obstante a ausência da menção do preço, enquanto um dos efeitos essenciais da compra e venda.
É esta a questão chave.
E é velha! discutida na jurisprudência e na doutrina, antes e depois do Código Civil actual (e dele serão todos os artigos doravante citados), continua a colocar-se em modelo semelhante, em duas vertentes de análise da mesma realidade.
Deste modo: A validade (ou nulidade) da venda, simulada em doação, feita através de declaração negocial a que falte o elemento da onerosidade, como no caso do processo; a validade (ou nulidade) da doação simulada em venda, através de declaração negocial, a que falte o elemento da gratuitidade.
Encontramos repostas, num sentido e noutro, em ambas as vertentes assinaladas.
3. A questão debatia-se no domínio do Código anterior, e a ela respondeu o assento deste Tribunal de 23 de Julho de 1952, publicado no B.M. J. n.º32, páginas 258/260, dizendo-se que "anulados os contratos de compra e venda de bens imóveis... que dissimulavam doações, não podem estas considerar-se válidas" (1).
Claro que o assento não tem aplicação no domínio da nova lei, mas marca um elemento histórico do debate que passou à actualidade sem que o legislador, conhecendo a questão, a tivesse resolvido, particularmente com a formulação normativa do artigo 241º do actual Código Civil.
Deixou assim a questão em aberto para a jurisprudência e para a doutrina (2).
4. No caso em apreço, estamos perante um negócio gratuito uma doação - dissimulado em negócio jurídico oneroso - uma venda, celebrado por escritura pública, tendo por objecto (objecto mediato) uma casa de habitação, arrendada aos autores/preferentes, aqui também recorrentes.
A tese do acórdão recorrido é a de que a doação é nula, mas não pode valer como venda a benefício dos autores, porque lhe falta a indicação de um elemento essencial à venda, que é o preço.
É aqui que reside o núcleo da questão - da acção, da apelação e da revista.
Ao solvê-la, esgota-se, e assim se responde, ao quadro das conclusões que vêm colocadas pelos recorrentes.
5. Não é inteiramente garantido afirmar-se que o preço é um elemento essencial do negócio jurídico da compra e venda.
Convém nesta linha de pensamento, transcrever o artigo 879º, do Código Civil, inserido sistematicamente na secção II, titulo II, sob a designação
EFEITOS DA COMPRA E VENDA.
Diz assim: A compra e venda tem como efeitos essenciais:
a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
b) A obrigação de entrega da coisa;
c) A obrigação de pagar o preço.
O que a lei, acabada de mencionar, diz, é que a compra e venda gera, como efeito essencial, entre outros, a obrigação de entregar o preço.
Mas não diz que o preço tenha que ser elemento essencial da validade da declaração correspondente, de tal forma que, na falta da sua indicação, como conteúdo da declaração, esta seja nula.
Essencial é a declaração de vender e de comprar.
A menção do preço, decorre como efeito, e pode não ser um elemento essencial à validade do negócio de compra e venda. Basta que se verifique expressamente que houve um preço, como sucede com a venda de bens futuros (artigo 880º); com a venda de bens de titularidade incerta (artigo 881º). E nem a falta de pagamento do preço é causa resolutiva do contrato (artigo 886º).
Vem a propósito lembrar o que estabelece o artigo 883º sobre a determinação do preço: se o preço não estiver determinado e as partes o não determinarem, nem convencionarem modo de ele ser determinado, vale como preço contratual o que o vendedor normalmente praticar á data da conclusão do contrato, ou na falta dele, o do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador devia cumprir.
E na ausência destas regras, o preço é determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade E quando as partes se tenham reportado ao justo preço, valem as regras precedentes (n.º 2, artigo 883º) (3).
Retenhamos assim, na economia da análise, esta primeira ideia: a obrigação de pagar o preço é um efeito essencial da compra e venda, segundo determina a alínea c), do artigo 879º, do Código Civil
6. O acórdão recorrido (fls. 291/293) desenvolve uma lógica irrepreensível para, por esse caminho, concluir pela nulidade da doação, sem salvar a venda.
A lógica por que se sustenta, documentada em abundante doutrina portuguesa, é a seguinte:
«A escritura de doação não reveste minimamente os elementos essenciais constitutivos da compra e venda, devendo o conteúdo do acto estar inteiramente vazado no documento.» E acrescenta: «para a validade do negócio jurídico real é necessária a observância do formalismo que, para ele, a lei exige, mesmo que tal forma não seja necessária para o negócio aparente». «Se não existe contra declaração integrada pelos requisitos formais exigidos para esse negócio dissimulado; se não existe a contra declaração, mesmo tendo sido observado o formalismo exigido para o negócio dissimulado, nesta situação», conclui o acórdão (fls.293), louvando-se na opinião do professor Mota Pinto: «O negócio simulado é nulo por simulação e o negócio dissimulado é nulo por falta de forma».
7. Cremos que o douto acórdão, que aliás também se abona num laborioso trabalho de incursão doutrinária, relativa ao tema, perfila-se num exercício formal que vem ao arrepio do que se afigura ser o exercício judiciário e, por via deste, a própria postura no uso funcional de modernidade e de constante aperfeiçoamento do ordenamento, que lhe deve ser dada.
De facto, sem reclamar para tal exercício, qualquer ideia de novidade, a verdade é que o desafio vai por uma cultura judiciária onde se busque olhar primeiro o mundo e a vida, tal como ela é; e, depois a norma, reclamando para esta, como critério referenciador, "a arte de julgar a vida normativamente e com fundamento ético", e não tanto interpretar tecnicamente a norma, como exercício de lógica tabelar (4).
Vale por dizer do mérito da justiça judicativa (do caso) sobre a justiça normativa (da norma). Ou então, no dizer do saudoso Professor Baptista Machado : «... o discurso teorético da ciência, puramente instrumental, abstrai desta realidade fundamental da condição humana, para poder situar-se no plano e fazer o percurso da racionalidade pura e formal» (5).
Não é assim no plano da lógica conceitual seguido pelo acórdão recorrido, e na esteira da doutrina em que apoia, que vai pelo caminho do mesmo exame.
8. Serve esta introdução para abrir o passo seguinte, com uma interrogação pertinente, antecipando a postura metodológica do próprio exercício judiciário que aí fica. Vejamos se é proficiente.
(?) Que nos diz o resultado da prova, judiciariamente fixada de forma irreversível, como de início se sublinhou, quando dele, do resultado, pretendemos assimilar o que verdadeiramente quiseram as partes com o negócio, ora trazido ao debate?
Diz o seguinte: Em 8 de Novembro de 1991, no Primeiro Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia, as primeiras Rés outorgaram na escritura pública lavrada a fls. 83, 83v., do Livro 49-E daquele Cartório, na qual declararam doar ao segundo Réu o prédio urbano composto de casa de quatro pisos e logradouro, sito na Rua ..., lugar de Lavadores, freguesia de ..., Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o artigo 2849, com o valor patrimonial de 1.369.710$00.
À dita doação foi atribuído o valor de 1.370.000$00.
O Autor é, desde 1 de Setembro de 1975, arrendatário deste prédio.
O que as Rés pretenderam realizar através da outorga da escritura referida, foi uma venda ao segundo Réu.
Esta divergência entre a vontade real e a vontade declarada foi feita por combinação entre as primeiros Rés e os pais do segundo Réu, seus representantes legais, com o intuito de enganar o Autor.
O preço e as condições de pagamento referentes à venda em causa foram os seguintes:
- 15.000.000$00, sendo
- 5.000.000$00, até à data da realização da escritura,
- 5.000.000$00, até Novembro de 1992 e
- 5.000.000$00, até Novembro de 1993.
9. É inquestionável que as partes quiseram uma coisa e declaram outra. Quiseram vender por preço determinado, e declararam doar; E fizeram-no com o propósito concertado de subtrair o inquilino ao exercício do direito de preferência, preço por preço.
Salta à vista que não houve desencontro de vontades. Todos (os três) quiseram a mesma coisa: As duas declarantes quiseram vender o imóvel; o declaratário quis comprá-lo: todos consensualisaram o preço de 15 mil contos, modelando o prazo e as prestações de pagamento.
Nada faltou de essencial à vontade negocial, à declaração das partes e ao objecto negocial a que se dirigiam. Com uma reserva: o aparente fingimento para o qual, todos, de propósito, se concertaram, com vista a enganarem o preferente/autor.
Ora, a disciplina da simulação é inspirada na exigência de proteger terceiros, não frustrando a sua confiança na situação aparente concertada pelas partes. Por forma que, verificado o conluio, fingindo-se uma declaração de vontade, enganadora de terceiros, quando a verdadeira vontade negocial é outra, a lei vai ao encontro da protecção da confiança dos terceiros enganados.
Nem poderia ser diferente no contexto do fundamento ético do direito de que há pouco falámos.
Por isso, faz prevalecer a situação real sobre a situação aparente, desde que a realidade obedeça a requisitos mínimos (Artigo 241º-2).
10. No caso em apreço, existem contra declarações a dar este sentido negocial à realidade que se apurou.
Está revelada no processo, e de forma não ilidível, uma declaração de vender e a correspondente declaração de comprar.
E isto porquê ?
Porque também é inquestionável, e está definitivamente fixado, que, onde as declarantes declararam "doar", a vontade declarativa, real, era "vender", onde o declaratário declarou "aceitar" a doação, a vontade declarativa, real, era "declaro comprar".
Aqui reside a essencialidade do conteúdo declarativo negocial, vertido em escritura pública, como requisito formal de validade do negócio que as partes verdadeiramente quiseram (artigo 220º). As declarações de vontade foram, de um lado e de outro, dirigidas à produção dos efeitos negociais queridos pelas partes e tutelados pela lei. Cumpriu-se o negócio jurídico de compra e venda, tal como as partes o pretenderam, a que não faltou a indicação do preço total, e o escalonamento dos montantes e das datas em que, por três parcelas, seria pago pelo comprador (nº. 7, anterior).
É este o pensamento nuclear através do qual tem que passar a análise do caso em apreço e de acordo com o perfile que apresenta (nº. 7).
11. Releva acrescentar um aspecto ligado à consecução das razões de exigência excepcional da forma do negócio jurídico (artigo 220º), em oposição à regra geral da liberdade de forma ou consensualidade (artigo 219º).
Também aqui estão garantidamente acauteladas, sem se deixar também de cumprir, aqui, a lei, quanto ao fundamento racional que explica a necessidade de forma, excepcionalmente, para certos negócios jurídicos.
Assim: a formalização escrita e autêntica da vontade negocial de vender; a reflexão ou ponderação das partes sobre o alcance do conteúdo negocial; a prova inequívoca deste ... tudo ficou preenchido.
Não nos parece que em nome de uma lógica formal que mencionamos no nº. 5, seja consciencioso fechar os olhos á realidade que o processo revela. Nem a evidência pode ser negada, só porque um exercício de lógica normativa conduz ao sacrifício da substância, em homenagem á cegueira da forma, numa situação concreta em que a justificação legal da sua exigência está perfeitamente alcançada.
12. Um derradeiro aspecto: é verdade que não existe, nem pode existir, escritura pública, como forma negocial de doação, que mencione um preço; como não existe escritura idêntica para uma qualquer compra e venda que declare ser esta gratuita.
Haveria contradição interna dos próprios conceitos legais (artigos 874º e 940-1) que reciprocamente se excluiriam. Mas esta verdade só reforça a inconsistência prático-jurídica de quem defenda a tese da invalidade do contrato dissimulado, no contexto concreto por que se revela neste processo, através de um percurso de demonstração conceitual daquela invalidade. Dogmaticamente, os contrários não são conciliáveis: as instâncias basearam-se na inconciliação!
Nunca, assim, haveria doação dissimulada em venda, nem venda dissimulada em doação! Um prémio legal aos faltosos, que a doutrina não explica, pela cegueira da forma académica, a benefício de um contrato falso, contra a validação de um contrato verdadeiro, quando a verdade é invocada - e demonstrada (o que não é fácil, há que reconhecer) exactamente por aquele em favor de qual a lei tutela a confiança, no regime da simulação (6) - no caso, o autor.
13. Consequentemente, condensando os fundamentos e o resultado do exercício que acaba de fazer-se, dir-se-á que o negócio é nulo entre as partes, como doação, por respeito à sua autonomia e liberdade contratual, já que não foi a doação que quiseram, devendo nesta medida serem restituídas à situação originária, como determina o artigo 289º , em especial o nº. 1.
Mas válido como venda, em relação ao preferente, que ocupa a posição contratual correspondente, satisfazendo o preço.
V
Decisão
Termos em que, tudo ponderando, acordam no Supremo Tribunal de Justiça - 7ª secção - em julgar procedentes as revistas e, em consequência, tendo em conta o objecto destas, decide-se o seguinte:
Declara-se nulo, por simulação, o negócio jurídico celebrado entre os réus, enquanto declarado como doação, ordenando-se o cancelamento do respectivo registo, devendo as partes restituir o que houverem prestado, em conformidade com o que dispõe o artigo 289º-1, do Código Civil.
Declara-se válido o negócio jurídico, enquanto querido como de compra e venda, realizado entre as Rés C e D e o Réu E, titulado pela mesma escritura de 8 de Novembro de 1991, relativa ao mesmo prédio, pelo preço de 15.000.000$00, acautelando o seguinte:
O Autor tem o direito de preferir na compra do identificado prédio, pelo que substitui, ocupando a correspondente posição contratual, o Réu E, no aludido contrato de compra e venda que as partes quiseram verdadeiramente celebrar, pagando o preço de 15.000.000$00 e as correspondentes despesas de escritura.
Custas pelos réus, na proporção de um terço para cada um.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2002
Neves Ribeiro,
Óscar Catrola,
Araújo de Barros.
_______________
(1) Solução que se inspirava na opinião do professor Beleza dos Santos, que invoca, citando a passagem correspondente em "A Simulação no Direito Civil ", Vol. I, página 363/364.
(2) Vão no sentido da validade do negócio dissimulado os seguintes acórdãos deste Tribunal: de 18 de Abril de 1969, publicado no B.M.J. n. 186, pagina 190, comentado na Revista de Legislação e Jurisprudência, pelo Professor Vaz Serra nº. 3428, páginas 360 e seguintes;
De 19 de Julho de 1979, publicado no B.M.J. nº. 289, páginas 271 e sgs.; de 17 de Maio de 1988, no processo nº. 76.062 (numa situação paralela à do caso em apreço no texto); de 9 de Março de 1989 no processo 76.170; de 26 de Junho de 1990, no processo 79.086).
No sentido da invalidade, identificámos o acórdão de 2 de Maio de 1985.
Na doutrina, é quase pacífica a invalidade do negócio dissimulado: assim: Beleza dos Santos, A Simulação em Direito Civil, particularmente, páginas 359/360; Oliveira Ascensão Direito Civil, Teoria Geral, páginas 199/200; Galvão Teles, Dos Contratos em Geral, páginas 164/165, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil., páginas 478/480 (edição de 1996), Castro Mendes , Direito Civil, II volume, edição de 1985, paginas 160; Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil (1996), páginas 239/243; Heinrich Horster, Contratos Actualidade e Evolução, (1997) páginas 120, edição da Universidade Católica Portuguesa.
A favor da validade do negócio jurídico dissimulado, encontrámos: Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica páginas 191/193; Rui de Alarcão em relação ao texto do anteprojecto do Código Civil , no B.M.J. nº. 84 páginas 311/312.
Finalmente, pronunciam-se a favor da validade Pires de Lima e Antunes Varela, concordando com Manuel de Andrade, que citam, em anotação ao artigo 241º do Código Civil.
(3) A propósito do preço, salienta o professor Antunes Varela: No caso de (é o preferente) só estar disposto a preferir em relação ao preço que julga ser o realmente o fixado pelas partes, o preferente pode aguardar a decisão da acção de simulação, para, na hipótese de ela proceder, exercer o seu direito, no prazo de seis meses a contar do trânsito em julgado da decisão que fixa o elemento essencial da alienação, que é o preço (Anotação ao artigo 1410º do Código Civil, e R.L.J. ano 100, páginas 209 e seguintes).
(4) Assim escrevemos no nº. 3, de Janeiro de 2002, na publicação "COMUNICAR JUSTIÇA", página 9.
(5) Introdução ao direito e ao discurso legitimador, páginas 325, e nota 3 da mesma página.
(6) Também neste sentido, e para o direito italiano, particularmente o artigo 1414 do Código Civil, fonte do nosso artigo 241º, pode ver-se: O Contrato, de Enzo Roppo, páginas 164/165 e 300. Tradução do Professor Januário Gomes (Almedina -1988).