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ESCUSA
Sumário
É fundamento para escusar o juiz de presidir a julgamento o facto de, num processo anterior, por despacho circunstanciado ter determinado a extracção de certidão com vista à instauração de procedimento criminal pela prática de um crime de Falsidade de testemunho que agora importa julgar.
Texto Integral
Acordam em Conferência os Juízes do TRP no Incidente de
Escusa de Juiz Penal nº 1130/09.9 TAVNG-A.P1 da 1ª Secção (Criminal):
RELATÓRIO:
O Mmo Juiz M………. do 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia [infra 4JCVNG] requereu concessão de escusa de intervenção co-mo Juiz de Direito no Processo Comum Singular 1130/09.9 TAVNG ali pendente, por entender ocorrer o fundamento de suspeição prevenido no art 43-1-2-4 do CPP [ao qual respeitam as disposições legais infra referidas sem outra referência], considerado em situação análoga pelo ARP de 23-05-2007 sob o nº convencional JTRP00040350 in www.dgsi.pt.
Da certificada TRAMITAÇÃO PROCESSUAL ressuma apenas que:
1. No Processo Comum (Singular) nº 65/07.4 GCOVR daquele 4JCVNG o Escusante realizou em 19.01.2009 a Audiência de Julgamento no decurso da qual o Arguido B………. prestou declarações e depuseram (1) seu amigo desde a infância C………., (2) o GNR D………., (3) o GNR E………., (4) o GNR F………., (5) o GNR G………. (arrolados pelo MP), (6) a Médica H………., (7) o Médico I………., (8) o mediador de seguros J………. e (9) o vendedor de automóveis K………. (arroladas pelo Arguido).
2. No decurso do depoimento de H……….. a Digna Procuradora Adjunta requereu “…seja extraída certidão da presente acta e da sentença que venha a ser proferida e a mesma seja entregue, acompanhada da respectiva gravação, aos serviços do MºPº deste Tribunal” porquanto “A testemunha ora inquirida, sob juramento legal, afirmou peremptoriamente que o arguido na noite do acidente jantou e permaneceu em casa consigo e com um amigo. Tais factos são completamente contraditórios em relação ao depoimento da testemunha F………. que afirmou ter estado com o arguido no mesmo restaurante, restaurante L………. em ………., pouco antes das 00h00 desse dia. Uma vez que existe, a nosso ver, fundamento para procedimento criminal pelo crime de falsidade de testemunho, pelo depoimento ora prestado…”, cujo conhecimento o Mmo Juiz Escusante relegou para ulterior momento oportuno.
3. Tendo a Audiência de Julgamento prosseguido com inquirição de (6) H………., (7) I………., (8) J………. e (9) K………. (arrolados pelo Arguido), o Mmo Juiz Escusante procedeu da seguinte forma seguinte [conforme transcrição após scanerização da Acta da Audiência de 19.01.2009 certificada a fls 6-12 deste Traslado]:
DESPACHO
Inquiridas as testemunhas arroladas, constata-se que F………. refere que no dia 30/01/2007 jantou no restaurante “L……….” sito em ………. aí tendo visto a testemunha C………. e o arguido B………..
Por outro lado, C………., ao ser inquirido como testemunha afirmou peremptoriamente que na dita data não jantou com o arguido no dito restaurante.
Por outro lado, a esposa do arguido, H………., ao ser inquirida como testemunha referiu que o arguido, no dito dia, chegou a casa por volta das 20h00, não mais dela se tendo afastado.
O MºPº requereu a extracção de certidão para procedimento criminal pelo crime de falsidade de depoimento relativamente à esposa do arguido.
Todas as testemunhas prestaram depoimento e depois de advertidos das sanções legais em que incorriam, sendo evidente que os ditos depoimentos são contraditórios entre si, razão pela qual se determina ao abrigo do disposto no artº 146º do CPP a acareação entre as mesmas, a realizar de imediato, dando assim às testemunhas a possibilidade de confirmarem ou modificarem, em algum ponto, os seus depoimentos, antes do tribunal tomar decisão sobre o requerido pelo MºPº.
Em seguida, o Mm.º Juiz reproduziu os depoimentos prestados por cada uma das testemunhas F………., C………. e H………., pediu a cada um deles que os confirmassem ou modificassem, contestando, querendo, os prestados pelas outras testemunhas, tendo formulado as perguntas que entendeu convenientes para o esclarecimento da verdade, tendo cada uma das referidas testemunhas confirmado o depoimento que prestara, tudo tendo ficado gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, CD 1 1 93.
Após, o Mm.º Juiz explicou às testemunhas C………. e H………. que poderia ser instaurado contra ambos procedimento criminal pelo crime de falsidade de testemunho, alertando-as para o facto de a punição por tal crime não se verificar caso elas se retratassem nos termos do art.º 362.º do C.P., sendo este um momento oportuno para o efeito.
Ambas as testemunhas disseram então que o que haviam declarado na presente audiência correspondia à verdade não pretendendo alterar em nada o seu depoimento.
Em seguida, pelo Mmº Juiz foi proferido o seguinte DESPACHO:
A fim de ser instaurado procedimento criminal por falsidade de testemunho contra as testemunhas C………. e H………., extraia certidão da presente acta e da sentença que vier a ser proferida e remeta a mesma aos serviços do MºPº deste Tribunal.
A dita certidão deverá ser acompanhada de cópia dos depoimentos prestados pelas ditas testemunhas, bem como de cópia do depoimento prestado pela testemunha F………..
4. A Audiência culminou na condenação de B………. em 100 dias de multa a 16 € pela autoria material de um crime doloso consumado de simulação de crime p.p. pelos arts 14-1, 26 e 366-1 do CP, efectuada conforme Sentença de 28.01.2009 [certificada a fls 13-24 deste Traslado] do Mmo Juiz Escusante que naquela expressou a formação da seguinte “…convicção sobre a factualidade provada e não provada…” [conforme transcrição após scanerização]:
O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de toda aprova produzida, nomeadamente nos documentos juntos aos autos, nas declarações do arguido, no depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento e no CRC do arguido.
Relativamente ao que o arguido denunciou na PSP relevou o teor do auto de denúncia junto ao processo apenso a fls. 2 e 2 v.2 do P.P..
No que diz respeito ao teor do despacho que veio a ser proferido na sequência de tal denúncia, relevou o teor de fls. 5 do P.P. do processo apenso.
Resulta também do teor do auto de notícia junto a fls. 2 do P.P. que o veículo automóvel em causa, pelas 0h.40m, se encontrava na ………., em Esmoriz, acidentado, após ter abalroado três contentores de lixo e colidido com um poste aí existente, estando as respectivas chaves na ignição, conforme foi corroborado pelo depoimento de D………., militar da GNR que se deslocou ao local, e pelo depoimento de C………., amigo do arguido, que chamou a GNR ao local e que no mesmo permanecia quando esta chegou.
O arguido, nas declarações que prestou em sede audiência de julgamento, declarou que o dito veículo era sua propriedade, sendo que no dia 30 de Janeiro de 2007, à noite, teria estacionado o mesmo no lugar que lhe está afecto na garagem colectiva do prédio onde reside, só tendo dado pela sua falta na manhã do dia seguinte, razão pela qual a denúncia que apresentara correspondia à verdade.
A mulher do arguido, H………., inquirida em sede de audiência de julgamento na qualidade de testemunha, referiu que o seu marido, no dia 30 de Janeiro de 2007, teria chegado a casa por volta as 20 horas, tendo deixado o veículo em causa no dito lugar de garagem, cuja porta é accionada através de um comando, tendo jantado em casa e só a abandonado na manhã do dia seguinte, tendo a ela regressado de imediato quando, ao chegar à garagem, teria dado pela falta do veículo.
A dita testemunha descreveu o seu marido como pessoa extremamente cuidadosa, não tendo dúvidas em afirmar que o mesmo, até sair de casa no dia 31 de Janeiro de 2007, não lhe deu conta de qualquer facto, nomeadamente, qualquer falta das chaves do veículo em causa.
Ora, não se pode ignorar o facto de existir uma discrepância entre as declarações do arguido e o depoimento da sua mulher. Na verdade, aquele apresentou queixa pelo furto do veículo em causa situando a subtracção do mesmo entre as 21h.30m do dia 30 de Janeiro de 2007 e as 9 horas do dia 31 de Janeiro de 2007, sendo certo que, segundo a sua mulher, o mesmo teria chegado a casa no dia 30 de Janeiro de 2007 pelas 20 horas, não tendo sido apresentada qualquer justificação para o facto de o arguido estar convicto de que até as 21h.30m do referido dia aquela subtracção não poderia ter ocorrido, dado que a sua mulher afirmou que após o mesmo ter chegado a casa só a tornou a abandonar no dia seguinte pela manhã.
Por outro lado, nem o arguido nem a sua mulher deram conta de, em algum momento, terem dado pela falta das chaves do referido veículo. Na verdade, esta última referiu que o seu marido, ao sair de casa pela manhã do dia 31 de Janeiro de 2007, não teria referido ter constatado qualquer falta das referidas chaves o que seria normal caso se tivesse esquecido das mesmas no interior daquele no dia anterior. Acresce que tal esquecimento nem sequer é lógico, dado que a mulher do arguido afirmou que este era uma pessoa extremamente cuidadosa, pelo que aquele esquecimento não seria muito adequado com tais características.
Acresce que, de acordo com o relatório da inspecção lofoscópica realizada ao veículo em causa, não foram encontrados quaisquer vestígios com valor identificativo.
Ora, a conjugação de tais elementos, nomeadamente a presença no veículo, aquando do acidente, das respectivas chaves, e o facto de o seu proprietário não ter dado pela falta das mesmas, desde logo indiciava pela não ocorrência de qualquer furto.
Acresce que tal viria a ser confirmado pelo depoimento do militar da GNR, F………., que ao ser inquirido em sede de audiência de julgamento deu conta de reconhecer o arguido e a testemunha, C………., como tendo estado presentes no Restaurante “L……….”, situado nas imediações do local onde foi encontrado o veículo, no dia 30 de Janeiro de 2007 à noite.
Acresce que o mesmo justificou plenamente o facto de se recordar do sucedido. Na verdade, segundo afirmou, no dia em causa apenas estavam dois grupos, sendo que integrava um deles, sendo o outro integrado pelo arguido e pela dita testemunha.
Mais acrescentou que, ao abandonar o dito restaurante teria passado pelo local do acidente, lembrando-se do veículo em causa dado que, posteriormente, o mesmo teria sido transportado para o Posto onde exercia funções, sendo que ao mesmo, também posteriormente, se teria deslocado o arguido a fim de levantar a viatura, o que o próprio arguido confirmou.
Sempre convém afirmar que o dito militar não conhecia até então o arguido, não tendo sido apresentado qualquer facto capaz de demonstrar que aquele possuísse qualquer inimizade para com o arguido capaz de justificar urna hipotética falta de isenção.
Por outro lado, a versão apresentada pela dita testemunha, é mais lógica, explicando mais facilmente a presença das chaves na ignição do veículo acidentado, bem como o facto de nem o arguido nem a sua mulher terem dado pela falta das mesmas.
É certo que a testemunha C………. afirmou que, quando pela meia noite andava a passear pelo local teria isto o dito veículo acidentado e, reconhecendo o mesmo como sendo o do seu amigo, aqui arguido, teria telefonado para a assistência em viagem, para a polícia e para o seu amigo a fim de regularizar a situação.
É certo que quer a dita testemunha quer o arguido deram conta de a testemunha não ter conseguido falar com o arguido naquela noite, o que, contudo não se mostrou muito lógico.
Na verdade, resulta da lista de fls. 31 do P.P., em conjugação com a informação prestada a fls. 86 do P.P. que a dita testemunha telefonou para o telefone do arguido, naquela noite, entre as 00h.25m e as 01h31m 9 vezes, sendo certo que 6 dessas chamadas têm a duração de 1 minuto, duas delas têm a duração de 5 minutos e uma delas de 2 minutos.
O arguido deu conta de, efectivamente, no dia seguinte, ter várias chamadas não atendidas do seu amigo, o dito C………., sendo que teria algumas mensagens de voz em que nada se dizia, só se ouvindo barulho e pessoas a falar.
É no mínimo estranho que perante tantas chamadas, o que demonstra, pelo menos, uma preocupação em falar com o arguido, a testemunha não tenha deixado nem uma mensagem de voz ou enviado uma mensagem escrita a dar conta do sucedido.
Acresce que, tendo a própria testemunha dado conta de que telefonou para a assistência em viagem, e estando tais elementos obviamente junto à documentação da viatura no interior da mesma, tenha consultado a mesma, sem dar conta do sucedido ao seu amigo.
Por fim sempre se diga que a testemunha em causa prestou depoimento de uma forma visivelmente comprometida, o que desde logo indiciou que estava a esconder factos que sabia serem relevantes para a decisão da causa, relatando outros que sabia não corresponderem à verdade.
Acresce que não apresentou qualquer explicação para andar a passear de madrugada, na rua, numa noite de Inverno, sendo certo que, apesar de ter afirmado que não jantou com o seu amigo no referido restaurante na dita noite, o certo é que o seu depoimento foi totalmente infirmado pelo depoimento do militar F………., o que lhe retirou credibilidade.
Por outro lado, é certo que a mulher do arguido prestou depoimento segundo o qual o seu marido teria permanecido em casa naquela noite, sendo que até teriam recebido uma visita de um seu colega de trabalho.
Contudo, inquirido como testemunha o tal colega de trabalho da mulher do arguido, I………., este apenas deu conta de numa noite se ter deslocado à residência do arguido, onde teria chegado por volta das 21 h ou 22h, única altura em que tem a certeza que viu o arguido, dado que depois falou com a mulher daquele na sala quando apenas os dois estavam presentes, não se recordando se teria despedido do arguido quando se foi embora.
Acresce que a testemunha em causa não se recordava se o sucedido ocorreu ou não na noite de 30 para 31 de Janeiro de 2007, dado que foi a mulher do arguido quem lhe disse que o acidente com o dito veículo, supostamente furtado, teria ocorrido na noite em que a testemunha se deslocara a casa dela, não podendo pois esta afirmar se se tratava ou não daquele dia.
Finalmente, não se poderá nunca esquecer que a esposa e o amigo do arguido, por o serem, gozam obviamente de menor isenção e imparcialidade do que o dito militar da GNR.
Assim, demonstrado que nenhum furto aconteceu, só o facto de o arguido conduzir a viatura quando teria sofrido o dito acidente e, perante o receio a ser submetido a qualquer controlo policial, nomeadamente para detecção da presença de álcool no sangue, explica o facto de o veículo ter sido encontrado com as chaves na ignição e a denúncia falsa que o mesmo apresentou, não obstante saber que assim desencadearia em vão um processo de investigação judicial.
Foram ainda ponderados os depoimentos das restantes testemunhas de defesa que deram conta da reputação de que beneficia o arguido.
Foram ainda ponderadas as declarações do arguido quanto às suas condições pessoais e profissionais.
Por fim, foi valorado o C.R.C. do arguido junto aos autos.
5. A supra referida Certidão extraída do PCS 65/07.4 GCOVR foi RDA como Inquérito 1130/09.9 TAVNG da 3ª Secção do MP de VNG que foi RDA ao 4JCNVG para julgamento pelo Mmo Juiz Escusante de C………. e de H………. cada um acusado pela autoria material de um crime (doloso) de falso testemunho p.p. pelo art 360-1-3 do CP 2007 porquanto [conforme transcrição após scanerização da Acusação de 26.5.2010 certificada a fls. 25-33 deste Traslado]:
5.1. No dia 19 de Janeiro de 2009, neste Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, no decurso de audiência de julgamento, que teve lugar no âmbito do processo comum singular n° 65/07.4 GCOVR, que correu termos no 4° Juízo Criminal deste Tribunal, o arguido C………. foi inquirido na qualidade de testemunha.
5.2. O referido Arguido foi indicado como testemunha pelo Ministério Público, que nesses autos deduziu acusação contra B………., imputando-lhe a prática de crime de Simulação de Crime, previsto e punido pelo disposto no artigo 366°, n°1, do Código Penal, encontrando-se, assim, este último a ser julgado, para apreciação de tal acusação.
5.3. Antes de começar a prestar o seu depoimento, após ser inquirido acerca da sua identificação e condições pessoais, o aqui arguido C………. foi interpelado relativamente aos costumes, tendo declarado conhecer o aí arguido B………. de quem é amigo desde a sua nascença, nada o impedindo de dizer a verdade (cfr. fls. 4).
5.4. Foi então advertido de que deveria prestar juramento, responder às perguntas que lhe iriam ser feitas e fazê-lo de acordo com a verdade, sob pena de, assim não agindo, perpetrar crime de falsidade de testemunho.
5.5. O arguido C………. prestou juramento legal, tendo sido interpelado pelo Mmo. Juiz que presidiu à audiência de julgamento se jurava por sua honra dizer a verdade e só a verdade, ao que respondeu que “sim” e “juro” (cfr. fls. 34).
5.6. Seguidamente, no decorrer do seu depoimento, o Arguido declarou que na noite de 30 para 31 de Janeiro de 2007 “andava a passear” na ………. em Esmoriz, “por volta das onze e tal” quando encontrou o carro do seu amigo acidentado, estando o mesmo ‘batido”, “num poste”, encontrando-se vazio. Mais referiu que chamou a GNR e o reboque, tendo tentado contactar o seu amigo, ligando-lhe para o telemóvel várias vezes, sendo que ele nunca atendeu.
5.7. Ainda na mesma audiência e após ter sido interpelado se naquela noite tinha jantado com o seu amigo dono do carro, o aqui arguido C………. respondeu que “não”.
5.8. Porém na noite em questão, o Arguido tinha jantado com B………. no restaurante “L……….”, situado em ………., sendo que após o referido jantar B……… conduziu o seu veículo automóvel tendo embatido com o mesmo nuns contentores de lixo e num poste de electricidade, abandonando de seguida o local, solicitando ao arguido C………. para ir acompanhando a situação e informando-o, não correspondendo assim à verdade que tenha encontrado por acaso o veículo de B………., acidentado e vazio.
5.9. Efectivamente, tal como foi decidido por sentença proferida no âmbito do mencionado processo nº 65/07.4 GCOVR, constante de fls. 64 e seguintes, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais:
5.9.1. Na madrugada do dia 31 de Janeiro de 2007, cerca das 00h15m, o aí arguido B………. conduzia o veículo automóvel, de que era proprietário, de modelo Mercedes — Benz ……… e matrícula ..-..-XA, pela ………., em Esmoriz, quando, por incúria, abalroou três contentores de lixo e um poste de electricidade.
5.9.2. Temendo que do acidente resultasse a comparência de agentes da autoridade no local e resultado positivo no rastreio da presença de álcool no sangue, o arguido decidiu abandonar o local, aí deixando o veículo, não sem que antes tenha providenciado para que pessoa das suas relações se encarregasse de acompanhar a remoção da viatura acidentada, mantendo-se em permanente contacto consigo para o telemóvel ……… entre as 00h25m e as 01h32m.
5.9.3. Na manhã do dia seguinte, sabedor da recolha do veículo pela força policial e preocupado com as consequências do acidente, decidiu o arguido que iria ficcionar a ocorrência de um crime que pudesse justificar o sucedido.
5.9.4. Assim decidido, o arguido dirigiu-se à 10ª esquadra da Policia de Segurança Pública, em Vila Nova de Gaia, área desta comarca, onde manifestou a sua intenção de participar a alegada subtracção do referido veículo, declarando que tinha ocorrido entre as 21h30m do dia 30 de Janeiro e as 9h do dia 31 de Janeiro, enquanto o veículo se encontrava estacionado na garagem colectiva da sua residência, atribuindo a incertos essa apropriação.
5.9.5. Por via dessa sua actuação foi elaborado no posto policial um auto de denúncia, que o arguido assinou, dando notícia do que parecia ter sido um crime de furto, expediente que foi encaminhado para os serviços do Ministério Público na comarca de Vila Nova de Gaia, onde veio a ser distribuído à 3 secção como inquérito criminal com o nº 126/07.0 PAVNG.
5.9.6. Na sequência das diligências realizadas, designadamente inspecção judiciária ao veículo, o inquérito em questão foi arquivado por se ignorar quem pudesse ter cometido o suposto crime de furto.
5.9.7. O aí arguido B………. agiu sabendo e querendo denunciar crime, perante autoridade competente, sem o imputar a pessoa determinada, bem sabendo que o mesmo não se verificara.
5.9.8. Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
5.10. Em consequência, o aí arguido B………. foi condenado, como autor material e sob a forma consumada, de um crime de Simulação de Crime, previsto e punido pelos artigos 14°, n°1, 26° e 366°, n°1, do Código Penal, em pena de multa.
5.11. A referida sentença foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, em acórdão constante de fls. 76 e seguintes, datado de 09-09-2009.
5.12. Tendo transitado em julgado em 08-10-2009 (cfr. fls. 63).
5.13. Do mesmo modo, na mencionada audiência de julgamento, que teve lugar no âmbito do pro-cesso comum singular n° 65/07.4 GCOVR, que correu termos no 4° Juízo Criminal deste Tribunal, foi inquirida, na qualidade de testemunha, a aqui arguida H………..
5.14. A arguida H………. foi indicada como testemunha de defesa pelo aí arguido B………., seu marido, que se encontrava a ser julgado pela prática do mencionado crime de Simulação de Crime.
5.15. Antes de começar a prestar o seu depoimento, após ser inquirido acerca da sua identificação e condições pessoais, a Arguida foi interpelada relativamente aos costumes, tendo declarado ser casada com o arguido.
5.16. Foi então advertido dos termos do artigo 134°, n°1,al. a) e n°2 do Código de Processo Penal, ou seja que uma vez que é casada com B……… a fei lhe dava a faculdade de não prestar declarações.
5.17. Interpelada se queria recusar-se a depor ou pretendia prestar depoimento, a Arguida respondeu querer prestar depoimento (cfr. fls. 6 e fls. 43).
5.18. A arguida H………. foi então advertida pelo Mmo. Juiz que se encontrava a presidir à audiência de julgamento que, na qualidade de testemunha, devia prestar juramento e responder às perguntas que lhe iriam ser feitas e fazê-lo de acordo com a verdade, sob pena de, assim não agindo, perpetrar um crime de falsidade de testemunho.
5.19. Após, a aqui arguida H………. prestou juramento legal, tendo-lhe sido perguntado se jurava por sua honra dizer a verdade e só a verdade, ao que respondeu que “sim” e “juro”.
5.20. Seguidamente, no decorrer do seu depoimento, H………. declarou ter acompanhado o seu marido na manhã de 31 de Janeiro à PSP de Gaia para comunicar o furto do carro, sendo que na noite anterior o seu marido ‘jantou em casa, chegou por volta das oito, oito e meia como é habitual” e jantaram em casa. Mais referiu que nessa noite o seu marido não saiu de casa.
5.21. Novamente interpelada afirmou ter “certeza absoluta” que na noite anterior à comunicação do furto, o seu marido esteve em casa e jantou em casa (cfr. fls. 44).
5.22. Porém, conforme foi considerado provado na referida sentença, na noite de 30 para 31 de Janeiro de 2007, B………., designadamente cerca das 00h15m, conduziu o seu veículo automóvel de matrícula ..-..-XA, pela ………., em Esmoriz, tendo embatido nuns contentores de lixo e num poste de electricidade.
5.23. Ainda no decurso da referida audiência de julgamento, o Mmo. Juiz que se encontrava a presidir à mesma proferiu o seguinte despacho “inquiridas as testemunhas arroladas, constata-se que F………. refere que no dia 30-01-2007 jantou no restaurante “L……….” sito em ………., aí tendo visto a testemunha C………. e o arguido B………..
Por outro lado, C………., ao ser inquirido como testemunha, afirmou peremptoriamente que na dita data não jantou com o arguido no dito restaurante.
Por outro lado, a esposa do arguido H………. ao ser inquirida como testemunha, referiu que o arguido, no dito dia, chegou a casa por volta das 20h00, não mais dela se tendo afastado.
Todas as testemunhas prestaram depoimento e depois de advertidos das sanções legais em que incorriam, sendo evidente que os ditos depoimentos são contraditórios entre si, razão pela qual se determina, ao abrigo do disposto no artigo 146° do CPP a acareação entre as mesmas, a realizar de imediato, dando assim às testemunhas a possibilidade de confirmarem ou modificarem, em algum ponto, os seus depoimentos.
Em seguida, o Mmo. Juiz reproduziu os depoimentos prestados por cada uma das testemunhas F………., C………. e H………., e pediu a cada um deles que os confirmassem ou modificassem, contestando, querendo, os prestados pelas outras testemunhas, tendo formulado as perguntas que entendeu convenientes para o esclarecimento da verdade, tendo cada uma das referidas testemunhas confirmado o depoimento que prestara.
Após, o Mmo. Juiz explicou às testemunhas C………. e H………. que poderia ser instaurado contra ambos procedimento criminal pelo crime de falsidade de testemunho, alertando-as para o facto de a punição por tal crime não se verificar caso elas se retratassem nos termos do artigo 362° do CP, sendo aquele o momento oportuno para o efeito
Ambas as testemunhas (aqui arguidos) disseram que o que haviam declarado na audiência correspondia à verdade, não pretendendo alterar em nada o seu depoimento.
Em consequência, o Mmo. Juiz determinou a extracção da certidão que deu origem aos presentes autos (cfr. fls. 8).
5.24 As declarações prestadas pelos aqui arguidos C………. e H………. na referida audiência de julgamento foram, assim, falsas tendo os Arguidos pleno conhecimento dessa falsidade, sendo que B………., na noite em que ocorreram os factos, não jantou em casa, mas sim no restaurante “L……….”, juntamente com C………., tendo sido o condutor do veículo embatido, facto do conhecimento de ambos os Arguidos.
5.25 Os arguidos C………. e H………. pretendiam evitar, com os seus depoimentos, que sabiam não corresponder à verdade, que B………., respectivamente amigo de infância e cônjuge dos aqui Arguidos, fosse condenado pela prática do crime de que tinha sido acusado.
5.26 Os arguidos C………. e H………. agiram de forma livre, voluntária e consciente, prestando declarações que sabiam não corresponder à verdade, apesar de terem prestado juramento perante o Mmo. Juiz que se encontrava a presidir à audiência de julgamento, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
APRECIANDO:
Consabido que “O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir…” (art 43-4) “…quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade” (art 43-1) ou no caso de “…intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40º” (art 43-2) que elenca “…tiver: a) Aplicado medida de coacção prevista nos artigos 200.° a 202.°; b) Presidido a debate instrutório; c) Participado em julgamento anterior; d) Proferido ou participado em decisão de recurso ou pedido de revisão anteriores; e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta” (redacção da Lei 48/2007 de 29/8 vigente desde 15.9.2007) como casos de “impedimento por participação em processo” (epigrafe do art 40),
Constata-se que o CPP aprovado (ao abrigo da Lei de Autorização Legislativa 43/ 86 de 26/9) pelo DL 78/87 de 17/2 (rectificado pela Declaração de 31.3.1987), vigente desde 01.1.1988 (conforme artigo único da Lei 17/87 de 1/6) continua a não conter critério algum que oriente o intérprete e (mormente) o aplicador do Direito Processual Penal na definição de “motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”, nem no balizamento de qual “…intervenção do juiz noutro processo…” é susceptível de fundamentar a colocação de um pedido de escusa,
Não obstante o CPP ter sido objecto no interim de 19 alterações pelos DL 387-E/ 87 de 29/12, 212/89 de 30/6 e 17/91 de 10/1, pela Lei 57/91 de 13/8, pelos DL 423/91 de 30/10, 343/93 de 1/10 e 317/95 de 28/11, pelas Leis 59/98 de 25/8, 3/99 de 13/1 e 7/2000 de 27/5, pelo DL 320-C/2000 de 15/12, pelas Leis 30-E/2000 de 20/12 (rectificada pela Declaração 9-F/2001 de 31/3) e 52/2003 de 22/8 (rectificada pela Declaração 16/2003 de 29/10), pelo DL 324/2003 de 27/12, pela Lei 48/2007 de 29/8 (rectificada pelas Declarações 100-A/2007 de 26/10 e 105/2007 de 9/11), pelo DL 34/2008 de 26/2 e pelas Leis 52/2008 de 28/8, 115/2009 de 12/10 e 26/2010 de 30/8,
E não obstante vasta Jurisprudência dos Tribunais Superiores não coincidente na conclusão da Escusa de Juiz em intervir no processo por crime (doloso) de falso testemunho praticado no curso do processo originário:
1. O ARC tirado em 16-3-2000 por Reis Fonseca, Rosa Maria Coelho e Maria do Rosário concluiu “Não constitui[r] fundamento da escusa de juiz num processo pelo crime de falsas declarações o facto de ele ter presidido ao julgamento em que as falsas declarações terão sido prestadas” [Sumário de Hugo Afonso dos Santos Lopes] in CJR 2/2000, pág 45, porquanto [conforme copy paste da Fundamentação]:
Nada há que permita ao Juiz, no despacho em que recebe a acusação, que emita um pré-juízo sobre a sua procedência ou não nem que emita juízos sobre a questão que lhe é colocada.
O Juiz tem de julgar e abster-se de condições exteriores ao facto que lhe é submetido a jurisdição e não pode, muito menos deve, partir para um julgamento com uma opinião já formada sobre a prova que se irá produzir ou a decisão que irá formular.
Quantas e quantas vezes nos surgem, nesta, por vezes, ingrata missão de julgar, situações em que as então testemunhas se nos deparam noutra situação processual.
O juiz, na decisão tem de atender à prova que lhe é apresentada, nada contendo com outra que outra de que a eventualmente conhecimento.
Temos ainda de ter em consideração que a escusa muitas vezes, junto da opinião pública um factor agravativo da imagem do Magistrado Judicial, do Juiz, como cúpula do sistema e sempre o último responsável.
De acordo com o 43º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, não existe fundamento sério para que se possa per mitir a escusa, antes devendo o Mmº Juiz proceder, como lhe incumbe, sem ter em consideração os factos anteriormente já considerados.
Aliás, tudo de acordo, não só com o Estatuto dos Magistrados Judiciais e a própria Constituição da República que nos cometem a função, como membros de um órgão de soberania, de julgar.
Temos de ter em consideração que o julgador tem de apreciar a prova que lhe é submetida a julgamento e não tendo o saber quase absoluto do que se vai passar, quando se diz que” entraria na saia de audiências com conhecimento de todo o factualismo pertinente”.
Mas, mesmo que tal pudesse alguma vez acontecer, isso não impediria o Juiz de decidir, o que é o seu munus.
No dizer do Prof. Cavaleiro de Ferreira trata-se de decidir se os fundamentos invocados para a escusa são integradores de “um risco do não reconhecimento público da sua imparcialidade” (“Curso de Processo Penal”, l, pág. 237). Do mesmo modo se refere no Ac. da Rel. Évora, de 5/2/96, que “o que importa é determinar se um cidadão médio, representativo da comunidade, pode, fundadamente suspeitar que o juiz, influenciado pelo facto invocado, deixa de ser imparcial e injustamente o prejudique.” (Col. Jur. Ano XXI, T. 11, pág. 281).
Ou como se exara no acórdão deste Tribunal de 12/5/99,” a simples referência ao facto de o juiz ter conhecimento oficioso dos factos sujeitos a julgamento, não pode, por si só, ser fundamento para a recusa ou escusa do juiz, pois ou o juiz tem conhecimento dos factos porque são de conhecimento geral - e neste caso deve usá-los, conforme o art. 514 do CPC- ou porque assistiu de modo a poder depor como testemunha - e neste caso deverá exigir-se actuação de acordo com o disposto no art. 39º, nº 2 do CPP.” (Recurso nº 205/99).
Singelamente diremos que ao Juiz, enquanto membro de um órgão de Soberania, incumbe-lhe a função de julgar, seja em que circunstância for, e não se pode, nem concebe, que o Juiz se demita desse seu objectivo, sob pena de se subverter todo o sistema.
Continuamos a considerar que o estar investido nesse cargo, procurando a Justiça que todos procuram, deve e tem, o juiz abstrair de todos os factores que possam afectar a sua convicção. Senão a função de julgar poderá vir a ser um mero acto burocrático, em que qualquer computador, introduzidos os dados, nos dará a decisão.
Tanto basta para que seja indeferido o pedido.”
2. O ARP tirado por unanimidade em 23-05-2007 por Maria do Carmo da Silva Dias, António Augusto de Carvalho e António Guerra Banha no processo 07112825 com o nº convencional JTRP00040350 in www.dgsi.pt concluiu que “Deve ser deferido o pedido de escusa do juiz a quem foi distribuída para julgamento um processo por crime de falsidade de depoimento do artº 360º, nºs 1 e 3, do CP95, se foi esse juiz que procedeu ao julgamento onde foi prestado o imputado depoimento falso e na fundamentação da respectiva sentença tecem sobre ele comentários, considerando-o não credível” porquanto [conforme copy paste da Fundamentação]:
O incidente processual de escusa de juiz (tal como o de recusa), previsto no art. 43 do CPP [(1) Dispõe o artigo 43º (recusas e escusas) do CPP: 1. A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. 2. Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do nº 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40º. 3. A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis. 4. O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos nº 1 e 2. 5. Os actos processuais praticados pelo juiz recusado ou escusado até ao momento em que a recusa ou a escusa foram solicitados só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo; os praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo], assenta em princípios e direitos fundamentais das pessoas, próprios de um Estado de direito democrático, visando assegurar a imparcialidade dos tribunais, o que exige independência e garantia de imparcialidade dos juízes [(2) Neste sentido, Despacho do Presidente da Relação de Lisboa, de 14/6/99, CJ 1999, III, 75 a 82] (ver, entre outros, arts. 2, 8, 20, 202 e 203 da CRP; art. 4 nº 2 da LOFTJ; arts. 4, 5 e 6 do Estatuto dos Magistrados Judiciais; art. 6 § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [(3) O art. 6 § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Lei nº 65/78, de 13/10, DR I Série de 13/10/1978), dispõe: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido por lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela (…)”]; art. 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem [(4) Dispõe o art. 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (texto publicado no DR I Série de 9/3/1978): «Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida».]; art. 14 nº 1 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos [(5) O art. 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Lei nº 29/78 de 12/6, DR I Série de 12/6/1978), estabelece no seu nº 1: «Todos são iguais perante os tribunais de justiça. Todas as pessoas têm direito a que a sua causa seja ouvida equitativa e publicamente por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, que decidirá do bem fundado de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra elas, quer das contestações sobre os seus direitos e obrigações de carácter civil. (…)» e art. 47 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [(6) Estabelece o § 2 do art. 47 (direito à acção e a um tribunal imparcial) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, JOC 364 de 18/12/2000, pp. 1 a 22: «Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. (…)»].
As regras da independência e imparcialidade são inerentes ao direito de acesso aos tribunais (art. 20 nº 1 da CRP), constituindo ainda, no processo criminal português, atenta a sua estrutura acusatória (art. 32 nº 5 da CRP), uma dimensão importante do princípio das garantias de defesa (art. 32 nº 1 da CRP [(7) Ver, entre outros, Ac. do TC nº 935/96, consultado no site www.tribunalconstitucional.pt]) e mesmo do princípio do juiz natural (art. 32 nº 9 da CRP).
Pretende-se «assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição. É que, quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições de “administrar a justiça”. (…) Importa, pois, que o juiz que julga o faça com independência. E importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial. É que a confiança da comunidade nas decisões dos seus magistrados é essencial para que os tribunais ao “administrar a justiça”, actuem, de facto, “em nome do povo” (cf. art. 205 nº 1 da Constituição)» [(8) Assim, Ac. do TC nº 135/88, DR II Série de 8/9/1988 (apud cit. ac. do TC nº 935/96)].
É “o dever de imparcialidade” que determina o pedido de escusa do juiz, imparcialidade essa que impõe o exercício de facto das suas funções com “total transparência (…). Não basta ser é preciso parecer. Assim o exige o princípio da confiança dos cidadãos na justiça”[(9) José António Mouraz Lopes, A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual no Processo Penal Português, Coimbra Editora, 2005, p. 87, acrescentando, na nota 244, que «[a] exteriorização da imparcialidade é fundamental para que possa ser relevada pela colectividade.» Sobre “o direito à imparcialidade”, ver ob. cit., p. 99].
Para sustentar a escusa ou recusa do juiz, atento o disposto no citado art. 43 nº 1 e 4 do CPP, é necessário verificar [(10) Neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 28/6/2006, proc. nº 06P1937 (consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais), cujo relator (Simas Santos), indica diversa jurisprudência sobre a matéria]: - se a intervenção do juiz no processo em causa corre “o risco de ser considerada suspeita”; - e, se essa suspeita ocorre “por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”.
Mas, se é certo que a lei não define o que se deve entender por «motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade» do juiz, cuja recusa ou escusa é requerida ou pedida respectivamente, a verdade é que, para tanto, deverão ser indicados factos objectivos susceptíveis de preencher tais requisitos.
Em nome da transparência da administração da justiça e tendo presente a natureza do processo equitativo, ainda “será a partir do [bom] senso e da experiência” comum “que tais circunstâncias deverão ser ajuizadas” [(11) Assim, Ac. do TRC de 10/7/96, CJ 1996, IV, 64, também citado no Ac. do TRL de 6/4/2006, proc. nº 2440/2006-3, consultado no mesmo site do ITIJ] caso a caso.
Como diz Ireneu Barreto [(12) Ireneu Cabral Barreto, A Convenção dos Direitos do Homem anotada, 2ª ed., Coimbra Editora, 1999, pp. 154 e 155. Na síntese de Henriques Gaspar (Ac. do STJ de 3/5/2006, proc. nº 05P3894, consultado no referido site do ITIJ), «na aproximação objectiva, em que são relevantes as aparências, intervêm, por regra, considerações de carácter orgânico e funcional (…), mas também todas as posições com relevância estrutural ou externa, que de um ponto de vista do destinatário da decisão possam fazer suscitar dúvidas, provocando o receio, objectivamente justificado, quanto ao risco da existência de algum elemento, prejuízo ou preconceito que possa ser negativamente considerado contra si. Mas devem ser igualmente consideradas outras posições relativas que possam, por si mesmas e independentemente do plano subjectivo do foro íntimo do juiz, fazer suscitar dúvidas, receio ou apreensão, razoavelmente fundadas pelo lado relevante das aparências, sobre a imparcialidade do juiz; a construção conceptual da imparcialidade objectiva está em concordância com a concepção moderna da função de julgar e com o reforço, nas sociedades democráticas de direito, da legitimidade interna e externa do juiz. (…) Por isso, para prevenir a extensão da exigência de imparcialidade objectiva, que poderia ser devastadora, e para não tombar na “tirania das aparências” (…), ou numa tese maximalista da imparcialidade, impõe-se que o fundamento ou motivos invocados sejam, em cada caso, apreciados nas suas próprias circunstâncias, e tendo em conta os valores em equação – a garantia externa de uma boa justiça que seja mas também pareça ser»], comentando o art. 6 nº 1 da CEDH, «a imparcialidade do juiz pode ser vista de dois modos, numa aproximação subjectiva ou objectiva. Na perspectiva subjectiva, importa conhecer o que o juiz pensava no seu foro íntimo em determinada circunstância; esta imparcialidade presume-se até prova em contrário. Mas esta garantia é insuficiente; necessita-se de uma imparcialidade objectiva que dissipe todas as dúvidas ou reservas, porquanto, mesmo as aparências podem ter importância de acordo com o adágio do direito inglês Justice must not only be done; it must also be seen to be done. Deve ser recusado todo o juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos».
Por isso, bem se compreende que só seja lícito recorrer aos mecanismos processuais das recusas e escusas em “situações limite” em que se verifiquem os respectivos pressupostos.
Assim, debruçando-nos agora sobre o caso concreto, verificamos que, de facto, a Srª. Juíza requerente do pedido de escusa exerceu as suas funções jurisdicionais no processo nº …../03.1GBPNF, no qual era arguido D….
Nesse processo, na audiência de julgamento de 3/11/2005, foi inquirida a testemunha C…, a qual apresentou versão (dizendo que era ela a condutora do veículo, utilizado na prática do crime p. e p. no art. 291 nº 1-b) do CP, imputado ao arguido) contraditória com o de outras duas testemunhas também inquiridas (que mereceram crédito ao tribunal), o que deu origem a que fosse ordenada a extracção de certidão para instauração de procedimento criminal, com vista à investigação de crime de falsidade de depoimento p. e p. no art. 360 nº 1 e 3 do CP.
Na motivação de facto da respectiva sentença condenatória que elaborou, proferida em 11/11/ 2005, a Srª. Juíza avaliou o depoimento daquela testemunha C…, emitindo juízos de valor quando explicou as razões pelas quais tal depoimento (que pretendia ilibar o arguido) não mereceu crédito.
Esse mesmo depoimento é fundamento (é o objecto) da acusação proferida contra a C………. no processo nº …./05.0TDPRT, aqui na qualidade de arguida, por crime de falsidade de depoimento p. e p. no art. 360 nº 1 e 3 do CP.
Ao exarar, na motivação de facto da sentença proferida no processo nº …./03.1GBPNF, juízos de valor sobre o depoimento da ali testemunha C…, a Srª. Juíza formou a sua convicção e um pré-juízo que condiciona a sua intervenção jurisdicional no processo nº …./05.0TDPRT (no qual é arguida a mencionada C… por crime de falsidade de depoimento p. e p. no art. 360 nº 1 e 3 do CP), que lhe foi distribuído.
Esses juízos de valor poderiam de alguma forma interferir nos que viesse oportunamente a formular no processo nº …./05.0TDPRT, caso o requerimento aqui em apreço fosse indeferido [(13) Assim, Ac. do TRC de 14/12/2005, proferido no processo nº 3775/05, relatado por Jorge Dias, consultado no site do ITIJ].
Mesmo do ponto de vista da comunidade e, até perante a arguida, poderiam suscitar-se dúvidas sobre as “garantias de imparcialidade e isenção que um juiz sempre deve oferecer”[(14) Ibidem].
E, não obstante se poder discutir se este caso concreto configura “motivo grave e sério gerador da desconfiança sobre a imparcialidade” do juiz, o certo é que, atentas as suas particularidades, também estamos em situação próxima da figura do impedimento, sendo necessário acautelar o posicionamento do julgador que (na motivação de facto da sentença acima mencionada) já emitiu um juízo sobre o tema da causa.
3. O ARP tirado por unanimidade em 19.12.2007 por Correia de Paiva e Manuel Joaquim Braz no processo 0716719 com o nº convencional JTRP00040898 in www.dgsi.pt concluiu que “O facto de um juiz ter tido intervenção num processo que deu origem a outro processo-crime cujo julgamento lhe cabe fazer, não constitui só por si fundamento de escusa. Com efeito, é natural e vulgar que um juiz tenha jurisdição em mais do que um processo em que haja envolvimento das mesmas pessoas” porquanto [conforme copy paste da Fundamentação]:
Numa 1.ª abordagem, é-se sensibilizado para se admitir como fundamento de suspeição o facto de o juiz do julgamento ter tido intervenção num processo que está na origem dele. Porém, vamos a concentrar-nos e a vermos as “coisas” pelo melhor e mais conveniente fiel da balança, dispensando as soluções eventualmente mais fáceis por menos questionáveis.
Desde logo, custa-nos a compreender como é que só em sede de julgamento e na hora em que a audiência se inicia se suscita o problema de suspeição pelo Magistrado, quando os autos lhe haviam sido apresentados desde o início, designadamente, para o despacho que tem por missão o “saneamento”, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 311.º, do CPP, onde tudo começa com uma acusação com base, precisamente, numa audiência de julgamento noutro processo. É que também – e quando se afirma “Sem embargo de considerar que estaríamos habilitados, no que à imparcialidade respeita, a proceder à presente audiência de sessão e julgamento – nada obstava que, logo na presente audiência, se colocasse aos tais “restantes sujeitos processuais” a questão prévia. Além do mais, evitava-se toda esta demora, tendo implicado que o Tribunal e as pessoas se tivessem entregue a uma actividade perfeitamente inútil e que - estas últimas - nem compreenderão.
Mas, como se dirá com as “palavras” de outros abaixo citadas, um juiz é um juiz e, portanto, tem de estar acima de qualquer suspeita. Também um processo é um processo, “morrendo” com ele tudo quanto nele se passou: quod in est in actis non est in mundo... Quantas vezes somos obrigados a intervir em acções que, pelas mais variadas circunstâncias, se apresentam com interligações ou relações com outras. Em especial, quando permanecemos em funções numa comarca por períodos dilatados ou que a não são alheias as nossas “origens”. Ibi commoda ibi incommoda... Daí que tenhamos de ir para a frente...
Estamos perante um processo-crime que teve origem noutro processo que se desenvolvera na forma do julgamento por Colectivo de Juízes. Em que o ora Recusante interveio, sim, mas como Adjunto. Estão, pois, de alguma forma, atenuadas as interferências. Tanto mais que nem sabemos qual foi a sua posição pessoal exacta quanto à matéria de facto ou mesmo de direito, sem prejuízo do que se dispõe nos arts. 372.º-n.º2, do CPP, e 653.º-n.º3, do CPC.
Da presente acusação consta que “foi reputado de verdadeiro” o antedito depoimento prestado no julgamento”. Parece-nos que há um lapso, pois o depoimento que é considerado como verdadeiro não é o que ocorre em audiência de julgamento mas, sim, no inquérito/instrução.
Por outro lado, a versão a que o Tribunal naquela ocasião chegou nada tem a ver com o facto de a aqui Arguida ter falado ou não verdade, porque uma coisa é o ali Arguido ter cometido um crime e a ali testemunha saber se cometera ou não. O Tribunal apenas constatou que a ali testemunha e aqui Arguida apresentou sobre os factos duas versões e agora irá apurar-se qual é a verdadeira e quais as justificações para um comportamento duplo, mas no que versa ao seu conhecimento pessoal dos factos pelos quais o ali Arguido estava a ser julgado. E o Tribunal não indagou e nem tinha que indagar se a ali testemunha falava ou não verdade, constituindo mero meio de fundamentação dos factos que se deram como provados e não provados.
Portanto, aqui a questão é diversa. Sendo certo que apenas estamos perante uma certidão de depoimentos prestados pela mesma pessoa de oposto pendor. Daí que o Tribunal agora se encontre a apreciar uma questão algo diversa.
O facto de um juiz ter intervenção num processo em que há uma questão, para mais, de certa maneira, acessória, que fora tema versado noutro processo não pode, de forma alguma e só por si, constituir fundamento de escusa. Com efeito, é mais do que natural e vulgar que um juiz se encontre com jurisdição em mais do que 1 processo e em que haja envolvimento das mesmas ou de apenas algumas pessoas. E não é por aí que a suspeita pode suscitar-se.
Não lobrigamos mesmo como é que se possa questionar a intervenção de um juiz só porque interveio em determinado processo. A não ser que essa mesma intervenção tivesse merecido apreciação menos positiva. Mas nem nada aí foi ainda suscitado. E a sentença pode ser apreciada em sede de duplo grau de instância.
Como é que pode funcionar um tribunal de comarca com 1 só juiz? Como é que os juízes lutaram - e o Legislador aderiu - pela abolição do sexénio? Como é que um juiz pode manter-se anos a fio numa mesma comarca, ainda que mude de juízo ou de funções?
Tudo está no comportamento sustentado no exercício das suas funções. Face a uma situação como a dos autos, os Tribunais dignificam-se exercendo as funções para que foram criados.
As partes tão-pouco foram sequer ouvidas. Não foi levantada qualquer suspeita. Sem uma denúncia de factos minimamente concretizados, como ocorre, em absoluto, no presente incidente, não podemos sufragar um tal pedido, por não se nos deparar uma situação que, objectivamente, constitua uma das que a lei prevê como típicas de fundamento para "as partes oporem suspeição ao juiz", nomeadamente, ao abrigo do art. 127.º-n.º 1, do CPCivil.
A auto-flagelação não é recomendável. Bem bastam os ataques diários mas inconsequentes, porque não passam de atoardas, sem qualquer substracto, mais parecendo que se trata de luzes da ribalta ou então - bem mais grave - de missão de colocar em crise a autoridade, ao fim ao cabo, quer se queira, quer não, do ESTADO de DIREITO. E tudo isto quando publicações, tendo por tema - e lema? - a justiça, albergam opiniões absolutamente negativas não já da Justiça, mas, sim, dos próprios executores - os juízes, sem se especificar a proporção, pelo que se infere a generalidade ou, pelo menos, a maioria (é a lógica).
Portanto, vamos a exercer as nossas funções. Enquanto nos deixarem sermos delas titulares. Sem prejuízo de - com igual vigor - a seu tempo e com fundamento, a dispensa - e o que mais for de lei – funcionar.
Não é, pois, possível enquadrar - a Recusante não enquadra - os factos em apreço no disposto no art. 126.º-n.º1- in fine, do CPCivil.
Não estamos “sós”. Com efeito, no Ac, Cb., de 16-03-00, na CJ XXV, t. II, fls. 45, decidiu-se: “Não constitui fundamento de escusa de juiz num processo pelo crime de «falsas declarações» o facto de ele ter presidido ao julgamento em que as falsas declarações terão sido prestadas”. Que se justificou; “Nada há que permita ao Juiz emitir um pré-juízo sobre a sua procedência ou não, nem que emita juízos sobre a questão que lhe é colocada, no despacho que recebe a acusação”. “O juiz tem de atender à prova que lhe é apresentada, nada contendo com outra de que tenha eventualmente conhecimento”.
Portanto, é absolutamente irrelevante, nos presentes autos, que o Juiz tenha tido intervenção no processo originário.
4. O ARP tirado por maioria em 09-07-2008 por Elisa Marques e Teixeira Pinto (contra Aniceto Piedade com voto de vencido) no processo 0843611 com o nº convencional JTRP00041414 concluindo que “É motivo para escusar um juiz de presidir ao julgamento de arguido acusado da prática de um crime de falsidade de testemunho se esse juiz interveio como elemento do tribunal colectivo no julgamento em que teve lugar o depoimento considerado falso e se ordenou a extracção de certidão da ocorrência, para efeito de procedimento criminal” porquanto [copy paste da Fundamentação]:
3.1. Como é sabido, a CRP no respeito pelos direitos dos arguidos consagrou no seu art. 32 nº9, como princípio fundamental, o princípio do juiz natural.
Tal princípio só pode ser afastado em situações-limite, quando outros princípios ou regras, porventura de maior ou igual dignidade, o ponham em causa.
3.2. Entre esses outros princípios está naturalmente incluído o “da imparcialidade e isenção, igualmente com consagração constitucional no n.º 1 do art. 32.º da Lei Fundamental (cfr. ainda art.ºs 203.º e 216.º) [(1) Acórdão STJ de 5/7/07, acessível em dgsi pt/jstj]”.
Justamente porque a imparcialidade do juiz constitui uma garantia essencial para o cidadão é que a lei adjectiva regule a questão atinente à capacidade subjectiva do juiz, no CPP sob a epígrafe "Dos Impedimentos, Recusas e Escusas”.
3.3. Assim, e no que ao caso interessa, dispõe o art. 43°, nº 1, do CPP que “A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita por existir motivo, sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade" e o nº 2, do mesmo normativo consagra que "Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do nº 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art. 40°" dispondo o nº4 do mesmo normativo que "O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos nºs 1 e 2".
3.4. A imparcialidade a que se reporta o mencionado preceito, tem de ser vista em duas vertentes: a subjectiva e a objectiva.
A primeira está relacionada com a posição pessoal do juiz e àquilo que ele, perante um certo dado ou circunstância, guarda em si e possa representar motivo para favorecer ou desfavorecer um interessado na decisão (pressupõe, como é óbvio, a existência de indícios que permitam demonstrar ou indiciar relevantemente uma tal predisposição), presumindo-se, até prova em contrário, a imparcialidade subjectiva.
Já a segunda está relacionada com as aparências susceptíveis de serem avaliadas pelos destinatários da decisão, provocando o receio, objectivamente justificado, de risco da existência de algum prejuízo ou preconceito que possa ser negativamente considerado contra si.
Este aspecto exterior ou aparência «que é traduzida no adágio "justice must not only be done; it must also be seen to be done”» [(2) Ac. STJ de 13 de Abril de 2005] tem vindo a ganhar, nas sociedades democráticas, uma importância crescente, em virtude, nomeadamente, das exigências impostas por uma sensibilidade acrescida dos cidadãos às garantias de uma boa justiça.
3.3. No caso em apreço, a Mma Juiz Dr.ª. B… participou no colectivo que julgou o processo (comum colectivo) nº …/04.6 GCAMT, em que era testemunha de acusação C… sendo que no processo nº …/07.3TAAMT, são imputados à então testemunha, ora arguido, C…, um crime de falsidade de testemunha.
3.4. Ora, a Mmª juíza enquanto membro daquele colectivo participou na emissão do juízo sobre o conteúdo e verosimilhança do depoimento prestado pela então testemunha (ora arguido) nessa audiência de julgamento, tendo aliás, como refere, participado na deliberação que ordenou a extracção de certidão para efeitos de investigação de crime de falsidade de testemunho, o que é susceptível de influenciar o julgamento no processo nº …/07.3 TAAMT.
3.5. Para além de ser razoavelmente de supor que o arguido – e o cidadão comum –, suscite dúvidas e fique apreensivo, se confrontado com um dos juízes interveniente em Colectivo, em que foi considerado em certo sentido o depoimento então prestado, e a quem caberia agora apreciar se faltou de facto ou não á verdade.
3.6. De tudo quanto se vem expondo, impõe-se concluir que por mais isenta e imparcial – que não se põe, de todo, em causa – que fosse a actuação da Mmª juíza, correria o risco de ser considerada suspeita, o que constitui motivo sério e grave adequado a gerar a desconfiança pública sobre a imparcialidade da Mma Juiz nas decisões proferidas no aludido processo, e por conseguinte a impor a prevenção.
3.7 Nesta conformidade, e considerando que o critério fundamental da decisão, em casos como o presente, assenta em garantir uma boa justiça, e porque para obter esse desiderato não basta que o seja, mas também que o pareça ser [(3) Assim, Acórdão STJ antes citado]; para que, no processo em causa, não se suscitem quaisquer dúvidas passíveis de por em causa a imparcialidade ou isenção da Mmª juíza requerente, tendo em atenção o disposto no citado art. 43°, nºs 1, 2 e 4, do CPP e com os fundamentos expostos, defere-se o pedido de escusa.
Declaração de voto de vencido de José Joaquim Aniceto Piedade:
Não voto a decisão que defere o pedido de escusa da Sr.a Juíza, por ter participado numa Audiência de Julgamento, no decurso da qual foi ordenada a extracção da certidão que originou este processo, tendo por objecto um crime de falsidade de testemunho.
Tal não é motivo de escusa, em primeiro lugar, porque, tendo participado no Colectivo como Juíza Adjunta, não lhe incumbia participar na decisão de extracção de uma certidão, pois essa tarefa está atribuída apenas ao Presidente do Colectivo, incluindo-se nos poderes-deveres de disciplina e direcção da Audiência, objecto de referência exemplificativa nos arts. 322° e 323° do CPP.
Se foi consultada acerca de tal assunto, praticou-se um acto inútil, e por isso sem consequências jurídico-processuais, pois tal decisão não é da competência do Colectivo.
Mas ainda que tal decisão estivesse atribuída ao Tribunal Colectivo (e não apenas ao seu Presidente), tal não é susceptível de gerar suspeita séria e grave sobre a sua imparcialidade, pois uma ordem de extracção de uma certidão, solicitada pelo MºPº, não comporta uma valoração dos factos que lhe estão subjacentes e, muito menos, a formulação de um juízo de culpabilidade.
A Srª Juíza não teve qualquer intervenção no procedimento criminal que a referida certidão originou; não investigou os factos, não os apreciou para efeitos de aplicação de uma medida de coacção, não deduziu acusação ou a apreciou em sede de Instrução, nem praticou ou dirigiu no mesmo, qualquer acto processual.
Refira-se que idêntica posição foi tomada por este Tribunal, no Proc. nº 4102/06, em Acórdão proferido em 07/07/2006, tendo sido indeferido o pedido de recusa da Srª Juíza com base em esta ter ordenado a extracção de certidão para procedimento criminal pela prática de um crime de falsidade de testemunho, apenas com a diferença que tal iniciativa partia do arguido, declarando, no entanto, a Julgadora que tal facto não a impedia de ser imparcial.
Mais recentemente, no Ac. deste Tribunal, de 11/06/2008 (publicado no sítio da DGSI) surge referido o seguinte: "Ora o facto de um juiz se encontrar numa audiência de julgamento, no pleno exercício das suas funções, seja a presidir, seja como adjunto, no decurso da qual se verificam certas ocorrências que originam a extracção de certidões, que são remetidas ao Ministério Público, sem que aquele magistrado seja um dos visados ou então tenha, nessa ocasião, procedido a qualquer valoração dessa factualidade, bem como à formação de um juízo de culpabilidade de quem quer que seja, não configura uma circunstância atendível para se dizer que o mesmo venha a ser um juiz suspeito."
Para além de contender com o princípio Constitucional do Juiz Natural, ao Julgador é, pelo seu estatuto e função, atribuída uma presunção de imparcialidade, que não é susceptível de ser abalada - de forma atendível - pela circunstância aqui em causa, não correndo a Srª Juíza de ver considerada suspeita a sua intervenção no processo "por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade".
5. O ARP tirado por unanimidade em 17-09-2008 por António Gama Ferreira Ramos e Luís Eduardo B de Almeida Gominho no processo 0844096 com o nº convencional JTRP00041622 concluindo que “É fundamento para escusar um juiz de presidir a julgamento de arguido acusado da prática do crime de falsidade de testemunho, se esse juiz integrou o tribunal colectivo que efectuou a audiência em que terá sido prestado o depoimento falso” porquanto [conforme copy paste da Fundamentação]:
Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei, art.º 203º da Constituição. E a imparcialidade do juiz constitui para o arguido a garantia de que o seu julgamento decorre de forma isenta e com respeito pelos seus direitos.
Ciente da importância da imparcialidade e isenção na conformação do processo leal e justo o legislador não descurou a sua regulamentação nos artºs 39 e segts do Código de Processo Penal.
A imparcialidade tem uma vertente objectiva e outra subjectiva. A elaboração jurisprudencial do TEDH permite caracterizar a vertente subjectiva da imparcialidade no sentido de determinar o que pensa o juiz que intervém num tribunal, no seu foro interior e se ele esconde qualquer razão para favorecer alguma das partes. Porque se trata de questão a apreciar em concreto, torna-se necessário, para ser questionada essa imparcialidade, de arguição prévia. Nesta vertente, a imparcialidade do juiz presume-se.
Na vertente objectiva o que se impõe indagar e garantir é se o juiz, por virtude de considerações de carácter orgânico ou funcional não apresenta qualquer prejuízo ou preconceito em relação à matéria a decidir, como também se não permite que aparente essa possibilidade, fazendo jus à máxima de que não basta ser, é preciso parecer. A visão que se tem do exterior, do exercício da actividade jurisdicional, é um tópico relevante e considerado pela jurisprudência na densificação do conteúdo «imparcialidade objectiva, dando relevância ao adágio anglo-saxónico «justice must not only be done; it must also be seen to be done».
Relevam a este propósito as intervenções anteriores do juiz «em fase anterior do mesmo processo», ou intervenção «noutro processo», falando-se com propriedade de contaminação objectiva, art.º 43º n.º2 do Código de Processo Penal.
Delimitando o conceito e conteúdo da imparcialidade podemos dizer que se identifica com o facto de o juiz no exercício da sua função dever ser, mas também aparecer liberto de condicionamentos que possam justificar a suspeita de um qualquer pré-juízo no confronto do objecto do procedimento [(1) Mouraz Lopes, A tutela da imparcialidade endoprocessual no processo penal português, p. 75 e segs. 86 e 87].
No caso, não está em questão a imparcialidade na sua vertente subjectiva, pois, como realçou o Ex.mo juiz requerente e citamos «não temos qualquer dúvida em sublinhar a ideia de que porventura formos nós a presidir à audiência de julgamento e a elaborar a correspondente sentença lidaremos com a situação nos termos habituais, isto é, com total imparcialidade e com a máxima objectividade que estiver ao nosso alcance». Está em questão, como o mesmo juiz refere, a imparcialidade na sua vertente objectiva, pois, e passamos a citar o seu requerimento, «aos olhos da comunidade possa parecer um pouco estranho que o mesmo juiz que interveio no colectivo que considerou em certo sentido os depoimentos dos aqui arguidos seja o mesmo a apreciar nestes autos se eles faltaram de facto ou não à verdade».
Parafraseando Jonh Rawls [(2) Uma teoria da Justiça, 2ª ed. p. 157] um juiz imparcial é aquele cuja situação e carácter lhe permitem julgar sem qualquer predisposição ou preconceito. No caso o Ex.mo juiz tem consciência da sua precedente intervenção processual «noutro processo». Essa consciência é um bom sinal quanto à sua independência e imparcialidade, está de sobre aviso contra uma eventual inquinação da sua racionalidade. Se não existe um juiz «bactereologicamente puro» imune a qualquer condicionamento mental, ter consciência das hipotéticas fontes de condicionamento é uma garantia a favor da independência e da imparcialidade. Acresce que, segundo diz, pessoalmente não tem dúvidas da sua imparcialidade, apenas está preocupado com o que pensarão os arguidos. Mas este é apenas um prisma da questão, uma visão orgânica.
Vista a questão na perspectiva dos arguidos, parece-nos claro que a sua confiança na imparcialidade do juiz será diversa consoante seja o requerente a presidir ao seu julgamento ou outro juiz que não teve qualquer intervenção no julgamento onde depuseram como testemunhas. Não temos muitas dúvidas que os arguidos pensarão que o juiz requerente já está comprometido com a decisão anterior proferida noutro processo, naquele onde os seus depoimentos não mereceram crédito. Serem julgados por esse mesmo juiz será motivo, para eles, de maior inquietação. Na visão dos arguidos este é um juiz que já se comprometeu «contra» os arguidos antes deste processo, ao participar na decisão que não deu crédito aos seus depoimentos em julgamento e ordenou a extracção das certidões.
É certo que em contraponto poderá dizer-se que ordenar a extracção de certidões nisso se esgota, que ao Ministério Público compete, de modo autónomo, o exercício da acção penal, acusar ou não. Ordenar a entrega de certidão não tem qualquer poder conformador. Organicamente as coisas são assim, mas importa também ver as coisas de fora, não apenas na perspectiva do que é mas também do que parece. O enfoque terá que ser o da perspectiva dos arguidos; acresce, e isso faz toda a diferença para não estarmos reféns de puras subjectividades dos arguidos ou de quem quer que seja, que o relevante para aferir da escusa não é o despacho tabelar a mandar extrair certidão mas a avaliação crítica do depoimento de pelo menos dois dos arguidos a que se procedeu na decisão onde foram testemunhas.
A acusação foi formulada imputando a prática aos arguidos de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.º 360º n.º1 e 3 do Código Penal, pelos seus depoimentos em audiência; assume-se, na acusação, que os arguidos mentiram em julgamento. Diverso poderia ser o caso se a acusação abordasse a questão numa perspectiva de «determinação alternativa do facto»: as declarações contraditórias em duas ocasiões distintas, no inquérito as testemunhas disseram uma coisa, em julgamento outra diversa, não conciliável com o primeiro depoimento, não se sabendo qual deles é o verdadeiro [(3) Jescheck — Weigend, Tratado de derecho penal, 2002, p. 154-5 e Maurach, Zipf, Derecho penal parte general, I, p. 124]. Mas não é o caso. A acusação sustenta que os arguidos mentiram em julgamento.
A situação tem algo de paralelo com o conhecido caso Algar c.. Espanha onde o TEDH vislumbrou violação do art.º 6º, n.º1, da CEDH e da tutela da imparcialidade. Neste caso dois dos juízes num primeiro momento tinham rejeitado um recurso e depois integraram o colectivo que o julgou e condenou.
Estando em causa garantir a realização da justiça com imparcialidade, que o processo seja equitativo e leal, não só na perspectiva orgânica mas também na óptica do destinatário da actividade judicial, é fácil intuir, pelo menos por este segundo prisma de análise, que a actividade do requerente no futuro julgamento, por mais isenta e imparcial que fosse, em caso de condenação dos arguidos, correria o sério risco de ser considerada suspeita de parcialidade pelos seus destinatários, o que só por si constitui motivo sério e grave a gerar desconfiança pública, ou de parte do público. Neste contexto, que não é de pura subjectividade, que não relevaria, pois, recorde-se o requerente teve participação «noutro processo» e nele apreciou os depoimentos agora imputados de falsos, sopesando o risco de aparentemente banalização do instituto da escusa, impõe-se não permitir que paire qualquer dúvida quanto à imparcialidade do julgamento, pelo que se impõe deferir o requerimento de escusa.
Conclui-se, assim, que, no caso concreto, tendo o juiz participado em julgamento no qual os depoimentos de duas das testemunhas mereceram sérias reservas dos julgadores expressas na motivação, a intervenção desse juiz noutro processo subsequente onde se vai julgar a acusação imputando a essas testemunhas, agora arguidos, o crime de falso testemunho cometido naquele julgamento, corre sério risco de gerar nos arguidos desconfiança sobre a sua imparcialidade, caso ocorra condenação, pelo que existe fundamento de escusa.
Donde foi prudente a avaliação da situação a que procedeu o Ex.mo juiz requerente.
Da diversa Jurisprudência supra recenseada da encontrada publicitada quanto a (in)deferimento da escusa da intervenção de Juiz no processo por crime (doloso) de falso testemunho praticado no processo originário em que interveio, releva-se a constatação no passado recente, da valorização da afirmação na Comunidade, da convicção de confiança dos destinatários, na objectividade do exercício da Jurisdição Penal, por imperativos desde logo constitucionais, como devidamente explanado no ARE tirado por unanimidade em 27.01.2009 por João Gomes de Sousa e Maria Amélia Ameixoeira no processo 2909/08-1 in www.dgsi.pt com a seguinte Fundamentação:
Inexistindo normativo no ordenamento jurídico português que explicitamente defina tal conceito, dispõe o artigo 6º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Direito a um processo equitativo) [(1) “Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais”, de 4 de Novembro de 1950 (Roma), com entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa a 9 de Novembro de 1978 - aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, publicada no Diário da República, I Série, n.º 236/78. Não houve reservas do Estado português relativamente ao citado artigo] a vigorar na ordem jurídica interna portuguesa com valor infra constitucional - que “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, …”.
Este normativo estabelece garantias dos quais ressalta a “imparcialidade”, enquanto elemento “constitutivo e essencial” da noção de Tribunal.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a desenvolver jurisprudência concretizadora do conceito de “tribunal imparcial” que se impõe recordar.
XII. A imparcialidade do tribunal deve ser apreciada segundo uma dupla ordem de considerações; de uma perspectiva subjectiva, relativamente à convicção e ao pensamento do juiz numa dada situação concreta, não podendo o tribunal manifestar subjectivamente qualquer preconceito ou prejuízo pessoais, sendo que a imparcialidade pessoal do juiz se deve presumir até prova em contrário.
XIII. A perspectiva objectiva da imparcialidade exige que seja assegurado que o tribunal ofereça garantias suficientes para excluir, a este respeito, qualquer dúvida legítima.
(Acórdão Lavents v. Letónia de 28-11-2002)
Também o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 124/90 (v. igualmente os acórdãos nº 935/96 e 186/98), vem a reconhecer aquelas vertentes do conceito “imparcialidade”, de Tribunal imparcial, na consagração constitucional do princípio do acusatório (artigo 32º, nº 5 da CRP) e do princípio do processo justo e equitativo (“a due process of law”) na consagração das garantias de defesa (artigo 32º, nº 1 da CRP):
«Ao consagrar o nº 5 do artigo 32º da Constituição uma tal garantia - a garantia do processo criminal de tipo acusatório - o que, pois, a Lei Fundamental pretende assegurar é … um julgamento independente e imparcial»
“Num Estado de direito, a solução jurídica dos conflitos há-de, com efeito, fazer-se sempre com observância de regras de independência e de imparcialidade, pois tal é uma exigência do direito de acesso aos tribunais, que a Constituição consagra no artigo 20º, nº 1 …”
“um julgamento independente e imparcial é, de resto, também uma dimensão - e dimensão importante - do princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32º, nº 1, da Constituição, para o processo criminal, pois este tem que ser sempre a due process of law”
São, pois, estes os parâmetros normativos que regem a noção de “imparcialidade” no ordenamento constitucional português.
A que devemos adicionar a própria previsão de necessidade de “independência” dos Juízes – artigo 203º da CRP – e que resulta como consequência pensada na estatuição de um regime de garantias e incompatibilidades – artigo 216º da CRP.
E acrescenta aquele Tribunal no Acórdão nº 135/88 (Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1988).
Assim, necessário é, inter alia, que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição.
É que, quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições de "administrar justiça". Nesse caso, não deve poder intervir no processo, antes deve ser pela lei impedido de funcionar - deve, numa palavra, poder ser declarado iudex inhabilis.
Importa, pois, que o juiz que julga o faça com independência. E importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial.
Ou seja, o Tribunal Constitucional vem igualmente a consagrar as ditas vertentes objectiva e subjectiva do conceito de “imparcialidade”.
Essa imparcialidade poderia suscitar-se por intervenção nesse ou noutro processo ou por especial relação com os nele intervenientes, “que faça legitimamente suspeitar da sua imparcialidade”.
Não está, portanto, em apreciação a vertente objectiva daquele conceito, sim e apenas a vertente subjectiva. Está em causa apurar, somente, esta última hipótese, não apenas na possibilidade (pessoal) de o Mmº Juíz decidir de acordo com ela, também na perspectiva de as suas decisões surgirem perante a comunidade como isentas, imparciais.
Impõe-se, portanto, apurar se algo nos factos alegados pelo Mmº Juíz que impeça que o julgamento a realizar surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial ou, de outra forma, se há uma especial relação estabelecida com os intervenientes no processo “que faça legitimamente suspeitar da sua imparcialidade”.
Na perspectiva objectiva importa fazer apelo a um critério essencialmente social, a um ponto de vista comunitário, ao “homem médio” (“a reasonable person” do Supremo Tribunal canadiano), desapaixonado e plenamente consciente das circunstâncias do caso concreto,
“O que importa é determinar se um cidadão médio, representativo da comunidade, pode, fundadamente, suspeitar que o juiz, influenciado pelo facto invocado, deixe de ser imparcial e, injustamente o prejudique”, no dizer do Tribunal Constitucional.
Além disso, para a procedência da escusa, não servem quaisquer razões, mesmo que penosas para o Juiz.
Aquela há-de assentar em razões fortes, a abalar aquela credibilidade de um ponto de vista da comunidade, “motivos, sérios e graves, adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade dos juízes” [(2) Prof. G. Marques da Silva, in Processo Penal, vol. I, p. 203, citando Costa Pimenta]
Ou, no dizer do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 2000 (in C.J. – Supremo Tribunal de Justiça – II, 244), “só deve ser deferida escusa ou recusado o juiz natural quando se verifiquem circunstâncias muito rígidas e bem definidas, tidas por sérias, graves e irrefutavelmente denunciadoras de que ele deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção”.
Daí que, também nas causas de escusa, se deve recorrer a uma exegese restritiva, como o fez o legislador na previsão de fundamentos para o impedimento.
Naturalmente que não se deve atender ao convencimento do Mmº Juíz quanto, no caso, à sua capacidade para “vir a ser imparcial”. Como se disse supra não está, longe disso, elidida a sua presunção de imparcialidade.
Já MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, I, reimpressão em 1981 (da Universidade Católica autorizada pelo Autor) do original de 1955, pág 237-239, explicava (a propósito do instituto das suspeições in art 112 do CPP de 1929) que:
“Os mesmos motivos da necessária imparcialidade da pessoa do juiz e de confiança pública nessa imparcialidade determinam a enumeração dos fundamentos de suspeição. As suspeições baseiam-se em factos menos nítidos, em que não revela tão forte a ligação do resultado do processo com o interesse pessoal do juiz, e por isso a capacidade subjectiva deste não é necessariamente excluída. Mas, de toda a maneira a possibilidade de estabelecer uma ligação entre o interesse pessoal do juiz e o processo, ou as pessoas que nele intervêm é suficiente para suscitar o perigo duma relacionação da actividade judicial com o seu interesse pessoal que ofusque ou perturbe a sua imparcialidade.
Não importa, aliás, que na realidade das coisas, o juiz permaneça imparcial; interessa, sobretudo, considerar se em relação com o processo poderá ser reputado imparcial, em razão dos fundamentos de suspeição verificados. É este também o ponto de vista que o próprio juiz deve adoptar para voluntariamente declarar a sua suspeição. Não se trata de confessar uma fraqueza: a impossibilidade de vencer ou recalcar questões pessoais, ou de fazer justiça, contra eventuais interesses próprios; mas de admitir ou não admitir o risco do não reconhecimento público da sua imparcialidade pelos motivos que constituem fundamento de suspeição.
Por isso a suspeição é fundamento de recusa do juiz pelas partes no processo, e é também fundamento de abstenção voluntária do próprio juiz; tanto podem as partes recusar o juiz como este declarar-se voluntariamente suspeito.
(…) Porém, como os motivos de suspeição não apresentam contornos tão rígidos como as causas de impedimento, podem ser fraudulentamente provocados para permitir a recusa do juiz. A fraude destrói a plausibilidade da suspeição. Se o juiz considerar fraudulenta a criação de motivo de suspeição, embora formalmente existente, deverá declará-lo nos autos, mas a decisão sobre a verificação da fraude na criação do fundamento de suspeição cabe ao tribunal hierarquicamente superior (112.º § único), e sobre ela não decide, portanto, e neste caso, o próprio juiz recusado com fundamento por ele reputado fraudulento.
Quer dizer, já não a decisão sobre o fundamento da suspeição, mas a decisão sobre a existência de fraude na invocação da suspeição cabe ao tribunal superior. Enquanto sobre a suspeição decide o próprio juiz arguido de suspeito, sobre a inanidade do fundamento fraudulento da suspeição só pode decidir o tribunal imediatamente superior”.
Pois bem, não podendo / devendo uma intervenção de um Juiz no processo penal anterior constituir por si só fundamento directo e imediato de escusa da sua intervenção no processo penal posterior originado naquele e que entretanto lhe foi distribuído, para precludir inadmissíveis provocação (dolosa) ou produção (negligente) de preterição das prescrições constitucionais e legais pertinentes à definição do juiz natural,
In casu verifica-se que no PCS 65/07.4 GCOVR o Mmo Juiz ora Escusante não se limitou a extrair as consequências jurídicas da constatação da evidência da produção no decurso da Audiência de Julgamento de prova pessoal vg declarações /depoimentos contraditórios entre si e ou com demais prova vg real, documental, produzida.
Ora, o citado ARC de 16-3-2000 indeferiu a escusa no caso em que a “aqui arguida (Felicidade Antunes) foi arrolada como testemunha no PCS nº 152/98 pela aí arguida Lara da Costa Antunes, sendo esta filha daquela; eu próprio presidi ao julgamento e proferi sentença; Felicidade Antunes apresentou-se a depor no PCS nº 152/98 e, atenta a sua relação de parentesco com a aí arguida, foi advertida de que podia recusar-se legitimamente a depôr, tendo declarado ser seu desejo prestar declarações, o que passou a fazer; Tendo declarado que a assinatura aposta num aviso de recepção, com o nome de sua filha Lara, era de sua autoria, embora tentando imitar a assinatura de sua filha, logo foi colhida à então testemunha Felicidade o nome manuscrito de sua filha, sendo advertida de que deveria fazer o maior esforço possível para imitar desta; Confrontadas a imitação da assinatura da Lara da autoria da sua mãe com a do aviso de recepção e do bilhete de identidade da Lara, resultou perfeitamente evidente, mesmo para um leigo, que a assinatura aposta no aviso de recepção não poderia ter sido feita pela Felicidade, nisso consistindo a falsa declaração” [negrito nosso];
E o citado ARP de 19-12-2007 indeferiu a escusa no caso em que “Da presente acusação consta que “foi reputado de verdadeiro” o antedito depoimento prestado no julgamento”. Parece-nos que há um lapso, pois o depoimento que é considerado como verdadeiro não é o que ocorre em audiência de julgamento mas, sim, no inquérito/instrução. Por outro lado, a versão a que o Tribunal naquela ocasião chegou nada tem a ver com o facto de a aqui Arguida ter falado ou não verdade, porque uma coisa é o ali Arguido ter cometido um crime e a ali testemunha saber se cometera ou não. O Tribunal apenas constatou que a ali testemunha e aqui Arguida apresentou sobre os factos duas versões e agora irá apurar-se qual é a verdadeira e quais as justificações para um comportamento duplo, mas no que versa ao seu conhecimento pessoal dos factos pelos quais o ali Arguido estava a ser julgado. E o Tribunal não indagou e nem tinha que indagar se a ali testemunha falava ou não verdade, constituindo mero meio de fundamentação dos factos que se deram como provados e não provados. Portanto, aqui a questão é diversa. Sendo certo que apenas estamos perante uma certidão de depoimentos prestados pela mesma pessoa de oposto pendor. Daí que o Tribunal agora se encontre a apreciar uma questão algo diversa” [negritos nossos].
Na verdade e em rigor, para decidir de facto e de direito o PCS 65/07.4 GCOVR o Mmo Juiz ora Escusante teve de proceder a densa e extensa valoração do conteúdo ou teor de variados meios de prova produzidos em Audiência de Julgamento que entre cruzou concluindo pela condenação em 100 dias de multa a 16 € de B………. pela comissão em 01.02.2007 de factos constitutivos da autoria material de um crime (doloso) de simulação de crime p.p. pelo art 366-1 do CP (objecto daquele PC S 65/07.4 GCOVR) bem assim (posto que correlativamente) pela indiciação da comissão (na Sessão de 19.01.2009 da Audiência de Julgamento naquele PCS) por C………. (amigo daquele desde a infância) e H………. (mulher daquele) de factos constitutivos da autoria material por cada um de um crime (doloso) de falso testemunho p.p. pelo art 360-3-1 do CP 2007 (“perjúrio”).
Não se questionando a capacidade, nem sequer tendo o Mmo Juiz Escusante protestado uma incapacidade, volitiva (de querer) e cognitiva (de poder) efectivamente abstrair do juízo de facto e de direito que condensou no Despacho de 19 jan que concluiu pela indicação (e na Sentença de 28 jan 2009 que concluiu pela condenação crime do Arguido B………. por valoração) como (dolosos) falsos testemunhos do (amigo) C……… e da (mulher) H………. (daquele) no PCS 65/07.4 GCOVR,
Cumpre efectivamente prevenir (desde logo) que Sujeitos e ou Intervenientes Processuais no PCS 1130/09.9 TAVNG e (ademais) público em geral (vg familiares e ou amigos e ou terceiros que compareçam em Audiência de Julgamento no PCS 1130/ 09.9) se questionem da parcialidade (assim suspeitando da imparcialidade) do Mmo Juiz ora Escusante em realizar julgamento objectivamente independente de C………. e H………. cada por doloso falso testemunho (“perjúrio”), pelo facto de já ter expresso um concreto juízo de valor conclusivo de facto e de direito de 2 dolosos falsos testemunhos, como teve de fazer para poder decidir em 28.1.2009 da condenação ou absolvição de B………. por dolosa simulação de crime.
A conclusão (dir-se-á) excepcionalmente alcançada do deferimento do pedido de Escusa de Juiz Penal do Mmo Juiz para tramitar o PCS 1130/09.9 do 4JCVNG, para objectivar in casu a perspectiva pelo homem médio da Justiça como uma Instituição merecedora de confiança, é a que se afigura congruente com a Jurisprudência (dir-se-á) estrita na matéria de impedimentos, suspeições, recusas e escusas, expressa vg no Acórdão do STJ tirado por unanimidade em 27.4.2005 por Simas Santos, Santos Carvalho e Rodrigues da Costa no processo 05P909 in www.dgsi.pt:
1 - A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.°, n.° 9 - "nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior").
2 - Mas a possibilidade de ocorrência, em concreto, de efeitos perversos desse princípio levou à necessidade de os acautelar através de mecanismos que garantam a imparcialidade e isenção do juiz também garantidos constitucionalmente (art.ºs 203.° e 216.°), quer como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas. Mecanismos a que só é licito recorrer em situação limite, quando exista motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
3 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, com base na intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art. 40.º do CPP.
A final: a apreciação do mérito do pedido de deferimento do incidente de escusa do Juiz em intervir na tramitação do (inclusive a realização da Audiência de Julgamento no) processo pela comissão de um crime (doloso) de falso testemunho no processo originário em que o Juiz interveio e decidiu, pressupõe a não verificação do (muito estrito) instituto do impedimento, que só ocorre “Se o Juiz ter sido oferecido como testemunha, [e] declara[r], sob compromisso de honra, por despacho nos autos, se tem conhecimento de factos que possam influir na decisão da causa…” (art 39-2-I) regime jus processual penal similar ao processual civil no qual se previne, entre os “Casos de impedimento do juiz” (epígrafe do art 122 do CPC), que “Nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária: h) Quando haja deposto ou tenha de depor como testemunha” (art 122-1-h do CPC), a tanto prescrevendo-se que “…deve logo o juiz, por despacho nos autos, declarar-se impedido. [sob pena de] Se não o fizer podem as partes, até á sentença, requerer a declaração do impedimento” (art 123-1-I do CPC).
Ora, in casu a escusa de Juiz não se mostra jus processual penalmente precludida por não se verificar impedimento de Juiz porquanto, não obstante o Mmo Juiz Escusante poder ter sido, certo é que não foi, arrolado como Testemunha pelo Magistrado do MP subscritor da Acusação de 26.5.2010 que indicou como meios de prova apenas: “CD contendo as declarações prestadas em audiência de julgamento. Documental: toda a constante dos autos, designadamente fls 2 a 21, 27 a 30, 33 a 45, 59, 63 a 94 e 98 a 120. Testemunhal: - D………., identificado a fls. 4 e a fls. 99; - E………., identificado a fls. 4 e a fls. 107; - F………., identificado a fls. 5 e a fls. 105; - G………., identificado a fls 6 e a fls. 106” como se colhe da Certidão a fls 25-33 deste Traslado, não sendo caso de excluir a eventualidade do Mmo Juiz Escusante poder /dever ser arrolado como Testemunha, designadamente caso se gore audição da gravação áudio da prova pessoal produzida em Audiência de Julgamento no PCS 65/07.4 GCOVR.
TERMOS EM QUE:
1. Conforme art 43-4-1-2 do CPP 2007 defere-se o pedido de escusa do Mmo Juiz M………. do 4JCVNG de intervenção na tramitação que competir (inclusive a realização da Audiência de Julgamento) no Processo Comum Singular 1130/09.9 TAVNG pendente contra C………. e de H………. pela acusada autoria material por cada Arguido de um crime (doloso) de falso testemunho p.p. pelo art 360-1-3 do CP 2007, a assegurar conforme Leis de Organização Judiciária pelo substituto legal do Mmo Juiz escusado.
2. Sem tributação.
TRP, 15 de Dezembro de 2010.
José Manuel da Silva Castela Rio
José Manuel Ferreira de Araújo Barros