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PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
REMISSÃO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE NÃO CONCORRÊNCIA
Sumário
I - A obrigatoriedade de proferir uma decisão fundamentada tem em vista delimitar de forma concreta e específica os factos comunicados na nota de culpa portadores da mensagem inequívoca de proceder ao despedimento. O importante, é que o trabalhador fique ciente e sem quaisquer dúvidas, acerca dos factos que lhe são imputados e que fundamentam o despedimento. II - No caso em que se encontrem descriminados os factos que fundamentam o despedimento, é lícita, não sendo, assim inválido o procedimento disciplinar, a remissão da decisão do despedimento para os factos constantes na nota de culpa. III - Com tal remissão o trabalhador fica absolutamente ciente dos factos que lhe são imputados. Por força da remissão, os factos constantes da nota de culpa passam a fazer parte da decisão. IV - A remissão efectuada pela decisão final, para os factos constantes na nota de culpa em nada impede a ponderação das circunstâncias do caso e a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador. V - Tal prática, em situações em que não haja qualquer margem para dúvidas, não afecta em nada os direitos de defesa do trabalhador. VI - Para se preencher a violação do dever de não concorrência não é necessário que se tenha efectivamente verificado um desvio de clientela, basta a possibilidade factual desse desvio, a sua potencialidade; nem é necessário a existência de um dano, mas tão só a potencialidade da sua ocorrência, consubstanciando-se, assim, a concorrência numa infracção de perigo, em que seja previsível a ocorrência de um prejuízo, de poder resultar uma transferência de clientela. VII - Constitui justa causa de despedimento, por violação do dever de não concorrência, a conduta da trabalhadora [Autora] que atendendo, no local de trabalho, um telefonema de uma cliente da Ré com vista à marcação de um serviço de manicura a informou de que não havia disponibilidade de agenda mas que ela [Autora] a poderia receber fora do seu horário de trabalho, no seu próprio domicilio, para aquele efeito.
Texto Integral
Recurso de Apelação: nº 456/09.6TTGDM.P1 Reg. Nº23
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. José Carlos Machado da Silva
Recorrente: B……….
Recorrida: C……...., Lda.
Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
B………. deduziu, em 01 de Outubro de 2009 [cfr. fls. 29] contra C………., Lda. a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum, pedindo que a ré seja condenada a:
a) A reconhecer que a A. foi admitida ao serviço da Ré em 2001;
b) A reconhecer que a A. foi ilicitamente despedida;
c) A pagar à Autora os créditos laborais vencidos com a cessação do contrato de trabalho no montante de € 2.034,38, relativa a férias e respectivo subsídio vencidos em 1 de Jan./09 e a proporcionais de férias e de subsídios de férias e de natal do ano da cessação do contrato;
d) A pagar à Autora o montante das retribuições que deixou de auferir nos antecedentes 30 dias e nas que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão, computando-se as vencidas em € 657,75;
e) A pagar-lhe indemnização de antiguidade, conforme opção que fez a fls. 79 p.p.;
f) No pagamento de juros à taxa legal.
Alega a A., para tanto e em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré em Junho de 2001, data a partir da qual passou a trabalhar para a mesma sob as suas ordens, direcção e fiscalização, com a categoria profissional de “manicure”.
Que auferia uma retribuição mensal ilíquida de € 525,00, acrescida de € 6,03 por cada dia útil de trabalho, a título de subsídio de alimentação, Que no dia 5 de Junho de 2009 a Ré decidiu suspender preventivamente a A. e por carta datada de 29 de Junho de 2009 a Ré enviou à A. Nota de Culpa, tendo, por carta datada de 11 de Agosto de 2009, recebida a 17, a Ré procedido ao despedimento da A., por decisão proferida no processo disciplinar que lhe foi instaurado, decisão esta ilícita por falsidade dos factos imputados e por não terem sido ponderadas as circunstâncias do caso concreto, não ser feito qualquer enquadramento entre o despedimento e a culpabilidade do trabalhador, e nem sequer serem indicados os concretos factos que findo o processo disciplinar se consideram provados.
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Frustrada a audiência de partes a ré apresentou contestação, impugnando a data do início do contrato e sustentando a validade da decisão disciplinar e que os factos constantes da decisão disciplinar integram o conceito de Justa causa, pelo que conclui pela sua absolvição do pedido e pedindo que a A. seja considerada como litigante de ma fé e como tal condenada a pagar condigna indemnização.
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Realizado o julgamento foi proferida sentença em 24 de Março de 2010, a qual, julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.629,13 (mil e seiscentos e vinte e nove euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, absolvendo-a do restante pedido.
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Inconformada com o assim decidido, veio a Autora interpor recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença e a condenação da apelada nos exactos termos plasmados na petição inicial, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
1ª - A decisão de despedimento emitida pela Recorrida – cfr. doc. 7 junto com a P.I., não possui os elementos identificados no art. 357.°, nº 4 do C.T.
2ª- Na decisão não são ponderadas as circunstâncias do caso concreto, não é feito qualquer enquadramento entre o despedimento e a culpabilidade da trabalhadora, nem sequer são indicados os concretos factos que, findo o processo disciplinar, se consideram provados.
3ª - O procedimento disciplinar em apreciação nos presentes autos é inválido, por força do disposto no art. 382° nº 1 e nº 2, alínea d), do C.T., o que determina a ilicitude do despedimento da Recorrente
4ª - Não foi feita qualquer prova da prática efectiva por parte da Recorrente de qualquer actividade concorrencial à Recorrida, nem sequer a sua intenção de a vir a desenvolver, uma vez que o único facto apurado, não permite fazer tal extrapolação.
5ª - Não tendo ficado demonstrado que a Recorrente tenha efectivamente recebido a referida cliente em sua casa, a que título é que a iria receber, se como amiga ou como cliente, nem se a intenção da Recorrente era fazer um favor a uma amiga ou cobrar pelo serviço prestado, não se pode considerar que a Recorrente tenha violado qualquer dever de lealdade.
6ª - O comportamento da Recorrente descrito nestes autos, analisado de forma directa e objectiva, desacompanhada de qualquer outro facto ou elemento que possa contextualizar tal realidade, não pode sequer considerar-se uma infracção disciplinar, muito menos uma infracção com a gravidade exigida para um despedimento.
7ª - Seja pela invalidade do procedimento disciplinar, seja pela ausência de justa causa para despedir a Recorrente a decisão do mérito da causa deverá ser a mesma - a declaração de ilicitude do despedimento da Recorrente, e a condenação da Recorrida no pagamento das retribuições que aquela deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, e no pagamento da indemnização prevista no art. 391° do C.T.
8ª - A sentença posta em crise violou, nomeadamente, o disposto no art. 351º nº 1, art. 357º, nº 4; art. 381º alínea b), art. 382º nº 1 e nº 2 alínea d), art. 390º, nº 1 e art. 391º todos do Código do Trabalho.
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A ré apresentou contra alegações, formulando as seguintes conclusões:
1ª -As alegações da Recorrente centram-se em dois temas: a invalidade do procedimento disciplinar e a inexistência de justa causa de despedimento.
2ª -E haveria invalidade do procedimento disciplinar porque a decisão de despedimento não foi fundamentada, antes se encavalitou no facto de a Recorrente não ter contestado a nota de culpa.
3ª -Ora, a sentença recorrida não se encavalitou nesse facto, pelo contrário declarou expressamente que seria considerado um formalismo exagerado e irracional repetir discriminadamente na decisão todos os factos invocados na nota de culpa, sendo certo que esta foi recebida e deles teve perfeito e integral conhecimento a Recorrente.
4ª -A recorrente violou grave e grosseiramente os seus deveres de lealdade e não concorrência com a sua entidade empregadora, tomando impossível a subsistência da relação laboral.
5ª -Efectivamente, propôs à cliente da Recorrida, D………. prestar-lhe os seus serviços em sua casa, dizendo que precisava de se desenrascar.
6ª -Tal facto revela um comportamento grave e doloso da Recorrente e que resulta exclusivamente de uma opção de vontade sua.
7ª - Comportamento que viola o principio da lealdade e faz pressupor uma concorrência desleal, em termos de tomar impossível a continuação da manutenção da relação laboral.
8ª - Neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência dominante, nomeadamente, a do STJ, conforme se pode ver do AC do STJ de 16-10-1996, acima citado.
Termos em que deve ser mantida a sentença recorrida nos precisos termos proferidos.
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O Ex.º Sr.º Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação não merece provimento.
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A autora respondeu ao referido parecer.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Fundamentos de facto enumerados na sentença sob censura os quais não foram alvo de impugnação, nem impondo os elementos do processo decisão diversa, insusceptível de ser destruída por outras provas, nem tendo sido oferecido qualquer documento superveniente que por si só seja suficiente para destruir a prova em que a decisão recorrida assentou (artigo 712º, nº 1, do Código de Processo Civil):
1.º A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de cabeleireiro, manicura, pedicura e estética, bem como à venda de produtos com estes relacionados.
2.º - A Autora foi admitida ao serviço da Ré em 1 de Julho de 2004, data a partir da qual passou a trabalhar para a mesma sob as suas ordens, direcção e fiscalização e mediante retribuição, com a categoria profissional de “manicure”.
3.º A. Autora auferia da Ré a retribuição mensal de € 525,00, acrescida de € 6,03 por cada dia útil de trabalho, a título de subsídio de alimentação.
4.º No dia 5 de Junho de 2009, a Ré instaurou inquérito prévio disciplinar e decidiu suspender preventivamente a Autora, tendo enviado à autora nota de culpa, com o seguinte teor[1]:
“1.°
A Arguente é uma sociedade comercial que se dedica, principalmente. à venda e prestação de serviços de cabeleireiro, manicura, pedicura e estética.
2.°
A Trabalhadora – Arguida é trabalhadora dependente da Arguente, tendo iniciado as suas funções em 1 de Julho de 2004.
3.°
Actualmente, a trabalhadora tem a categoria profissional de "Manicure", incumbindo-lhe o desempenho das inerentes tarefas e funções.
4.°
Exerce, por isso, funções de responsabilidade e confiança; no desempenho das tarefas a que está afecta ao serviço da Arguente.
5.°
No âmbito das suas funções, é competência da Trabalhadora - Arguida cumprir todos os deveres contratuais e legais a Que está obrigada.
6.°
De entre estas regras incluem-se o dever de não concorrer com o empregador1 regra esta bem explicita no contrato assinado.
7.°
Ora, para cumprimento das suas funções de "Manicura”, a Arguente confia à Trabalhadora – Arguida todos os produtos e ferramentas indispensáveis.
8.°
Só assim a Trabalhadora - Arguida pode desempenhar as funções para que foi contratada, as quais se obrigou a cumprir com zelo, competência e diligência.
9.°
Sucede que a Trabalhadora – Arguida, violou estas regras, aliciando uma cliente da Arguente a deslocar-se ao seu domicílio para execução de serviços de Manicura.
10º.
No pretérito dia 22 de Maio de 2009, a Trabalhadora - Arguida, quando confrontada telefonicamente por D………., que pretendia proceder à marcação na área de manicura, afiançou-lhe não ter disponibilidade de agenda, ao que ofereceu, como alternativa, para a invocada sobrecarga, a visita da cliente, não ao salão, mas ao seu domicílio privado.
11.°
No dia 29 de Maio de 2009, cerca das 14 horas, no seu local de trabalho, sito no salão C……….., na ………., dirigindo-se pessoalmente a D………., e aquando do seu atendimento, a trabalhadora disse, que na sua própria indisponibilidade de agenda, poderia a cliente, em alternativa, deslocar-se a sua casa para o serviço pretendido.
12.º
O empregador obteve informações, nos últimos dias, em sede de inquérito prévio, que há já algum tempo, a Trabalhadora - Arguida estaria a enviar SMS para clientes daquele no sentido de as fazer deslocar-se ao seu domicílio, em alternativa ao salão.
13.º
Em sede de inquérito prévio, o empregador tomou ainda conhecimento de que a Trabalhadora - Arguida se apoderou, ilegitimamente, de produtos existentes no espaço onde trabalha e, abusivamente, levou consigo ferramentas indispensáveis para a prática de serviços de manicura que realizava no seu domicílio.
14.º
A Trabalhadora - Arguida, no dia 3 de Junho de 2009, ao final do dia, foi vista, por uma colega de trabalho (Cujo testemunho consta do inquérito prévio realizado), a separar pedras brilhantes em forma de borboletas azuis para aplicação nas unhas, sendo certo que não tinha qualquer trabalho a realizar com este tipo de produto.
15.º
No dia 4 de Junho de 2009, a mesma colega de trabalho viu uma outra colega sua com as referidas aplicações de borboletas azuis nas unhas, tendo, de Imediato, verificado o stock e constatado que faltavam peças.
16.º
A gerência falou com a funcionária a quem foram colocadas as borboletas azuis nas unhas, que confessou que a Trabalhadora – Arguida, lhe tinha perguntado que pedras brilhantes gostava mais, pergunta à qual respondeu; que gostava muito das pedras em forma de borboleta azul, que as já tinha visto aplicadas numa cliente, mas pediu para não levar nada do salão. No final do dia, quando foi ao domicílio da Trabalhadora – Arguida, constatou que as borboletas que esta lhe aplicou em sua casa eram do salão.
17.º
A funcionária informou ainda ter constatado também, que a Trabalhadora – Arguida tinha em seu poder gel para trabalhos de manicura em frascos sem rótulo. Ora, a gerência já tinha verificado em situações anteriores que a Trabalhadora – Arguida, por várias vezes trocava o gel dos frascos originais para frascos sem qualquer tipo de rótulo, ou para frascos com uma etiqueta autocolante com o nome da própria.
18.º
Para além de material de manicura, a Trabalhadora – Arguida levou para casa produtos ………. azul e violeta, para aplicar em si própria, facto testemunhado por vários colegas de trabalho, cujo testemunho consta de inquérito prévio.
19.º
Foi indicado por estes colegas de trabalho Que a Trabalhadora – Arguida comunicasse este facto à gerência e procedesse ao pagamento do mesmo. No entanto, foi observado mais tarde que a Trabalhadora - Arguida colocou as embalagens vazias no local de controlo de consumos internos, ora, este local destina-se apenas e só a embalagens vazias resultantes da actividade da Arguente.
20.º
Tal facto não foi dado a conhecer à gerência, nem o pagamento devido foi efectuado. Pelo contrário, usando de má-fé, a Trabalhadora – Arguida misturou-os com os consumidos para que não fossem identificáveis.
21.°
Ora, a Trabalhadora – Arguida omitiu todos estes factos à Arguente, bem sabendo que não podia fazê-lo.
22.º
Todos estes factos associados à omissão, configuram, inevitavelmente, um sério prejuízo, quer na facturação, quer no património da Arguente, quer a curto, quer a longo prazo, e coloca em causa a confiança depositada na Trabalhadora – Arguida.
23.º
É de referir também que a Arguente não tem forma de provar há quanto tempo esta situação acontece, no entanto verifica já há algum tempo incoerência nas existências físicas e aumento de gastos de produtos no salão onde a Trabalhadora – Arguida desempenha funções.
24.º
Atentos estes factos, conclui-se que a Trabalhadora – Arguida prejudicou deliberadamente a Arguente.
25.º
Acontece que a Trabalhadora – Arguida adoptou deliberadamente alguns comportamentos não aceitáveis para e no exercício da sua actividade.
26.º
Além do que se expôs, era prática habitual da Trabalhadora - Arguida Interromper o atendimento a uma cliente para fazer um intervalo, muitas vezes de duração superior ao tempo àquele a que tinha direito.
27.º
Era também hábito proceder a trabalhos realizados em si própria, em horário normal de funcionamento, sabendo a Trabalhadora – Arguida de antemão, que tal não era permitido, de acordo com as ordens e instruções do empregador.
28.º
A Arguente já tinha repreendido a Trabalhadora – Arguente por certos comportamentos em privado com vista a que determinadas atitudes fossem corrigidas, desconhecendo no entanto a Arguente na altura a gravidade e dimensão do problema.
29.º
Os factos descritos, são extremamente graves, e põem em causa a relação de trabalho, tornando-a insustentável. 30.º
Esta conduta por parte da Trabalhadora – Arguida trouxe prejuízos consideráveis à Arguente.
31.°
Conduta esta, que põe irremediavelmente em causa a confiança que a Arguente depositou na Trabalhadora – Arguida, como se disse supra.
32.º
Por todo o exposto, resulta que a Trabalhadora – Arguida violou os deveres a que se refere o art. 128º, alíneas c), e), f), g) e h), todos do Código do trabalho, pelo que deverá aplicada a sanção disciplinar de despedimento com justa causa.
33.º
Com esta conduta, a Trabalhadora – Arguida lesou seriamente os interesses patrimoniais da empresa, previstos no nº 2 alínea c) e e) do art. 351º do Código do Trabalho.
34º
Em face de todo o exposto, concluímos que os mencionados comportamentos da Trabalhadora – Arguida, constituem violação grave, consciente e culposa de deveres legais a que está obrigada.”
5.º Por carta datada de 29 de Junho de 2009, a Ré enviou à Autora nota de culpa, com intenção de despedimento.
6.º Por carta registada junta aos autos a fls. 25 p.p., recebida a 17 de Agosto de 2009, a Ré comunicou à Autora a sua decisão de despedimento proferida no processo disciplinar, com o seguinte teor[2]:
“Vem pela presente, a empresa C………., Lda, dar a conhecer a B………. que foi decidido pela Gerência, como resultado do processo disciplinar que lhe foi instaurado, a sanção disciplinar de despedimento por justa causa.
Sendo que V. Exa. não exerceu o direito consagrado no nº 1 do art. 355º do Código do Trabalho, são então considerados verdade incontestável os factos que foram base da abertura do processo disciplinar instaurado no dia quinze de Junho de dois mil e nove, que a seguir passo a descrever:
-Angariação concorrencial de clientes da empresa C………., Lda.,
- Mau uso de material de manicura que estava à sua guarda para aplicação a clientes.
- Mau uso de material de cabeleireiro propriedade do salão para aplicação a clientes.
A sanção disciplinar terá efeito a partir do dia dezassete de Julho de dois mil e nove, data na qual expirou o prazo para a contestação da nota de culpa.
Agradece a Gerência da empresa C………., Lda., que se desloque no dia vinte e nove de Agosto de dois mil e nove ao nosso escritório na Rua ………. a fim de procedermos à quitação de todos os valores a que tem direito.”
7.º A autora não tem antecedentes disciplinares ao serviço da Ré.
8.º No dia 22 – 05 – 2009, a Autora atendeu no local de trabalho um telefonema de D………., cliente da Ré, para marcação de prestação de serviços de manicura, tendo a Autora respondido que não havia disponibilidade de agenda, mas que ela Autora poderia recebe-la fora do seu horário de trabalho no seu próprio domicilio para aquele efeito.
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II. Fundamentação.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto, como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil[3], ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, são duas as questões suscitadas e a decidir nesta apelação:
– Invalidade do procedimento disciplinar.
– Inexistência de justa causa.
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1. Nota Prévia.
Tendo em consideração que a relação laboral cessou em 17/08/2009, ou seja, já depois da publicação da Lei nº 7/09, de 12.02 (que aprovou a revisão do Código do Trabalho), tem aqui aplicação o regime definido no Código do Trabalho, aprovado por esta lei – de que serão doravante todos os artigos citados sempre que outra origem não for mencionada – art. 7º, nº 1.
2. Analisemos a questão da invalidade do procedimento disciplinar.
Alega a autora/recorrente que a decisão de despedimento não possui os elementos identificados no artigo 357º, nº 4, pois, segundo diz, na decisão não são ponderadas as circunstâncias do caso concreto, não é feito qualquer enquadramento entre o despedimento e a culpabilidade da trabalhadora, nem sequer são indicados os concretos factos que, findo o processo disciplinar, se consideram provados.
Pelo que, continua a autora a dizer, o procedimento disciplinar em apreciação nos presentes autos é inválido, por força do disposto no art. 382° nº 1 e nº 2, alínea d), o que determina a ilicitude do despedimento da Recorrente.
Nada melhor para apreciarmos a questão do que reproduzirmos a letra da lei.
Artigo 357.º
Decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador
1 — (…)
2 — (…)
3 — (…)
4 — Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
5 — A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito.
6 — (…)
7 — (…)
8 — (…)
Artigo 351.º
Noção de justa causa de despedimento
1 — (…)
2 — (…)
3 — Na apreciação da justa causa, deve atender -se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes para o desempenho das funções no sector bancário apenas em sede de alegações foi suscitada.
Artigo 382.º
Ilicitude de despedimento por facto imputável ao trabalhador
1 — O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos nºs 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respectivo procedimento for inválido.
2 — O procedimento é inválido se:
a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º
A autora entende que esta decisão não reúne os pressupostos a que alude o artigo 357º, nº 4, sendo, por esse motivo, inválido o procedimento disciplinar.
A decisão recorrida não acolheu o entendimento da autora e considerou o procedimento disciplinar válido. E, fê-lo, utilizando os seguintes argumentos:
“Ora, compulsando a decisão de despedimento junta aos autos a fls. 25 p.p. (facto 6º da resenha factual provada), constata-se que pela Ré “foi decidido …a sanção de despedimento, …sendo que …são considerados verdade os factos que foram base da abertura do processo disciplinar…”.
Assim, verifica-se que existe uma fundamentação escrita que, sem embargo da sua reduzida extensão, considerou a adequação da decisão aos factos provados. É certo que, na decisão, não foram consideradas quaisquer “circunstâncias do caso”, mas pode muito bem acontecer que no caso não existam circunstâncias a considerar ou que o empregador não queira ou não saiba considerá-las. Na verdade, o n.º 4.º do art. 357.º apresenta esse requisito como uma eventualidade ou exemplificação, não exigindo a consideração de qualquer concreta circunstância.
Por isso que a jurisprudência vem uniformemente entendendo que só a omissão absoluta da fundamentação implica a invalidade da decisão disciplinar. “Como pacificamente tem sido entendido quanto a qualquer decisão judicial (Ac. do STJ de 8.4.75), só a falta absoluta de motivação, e não a fundamentação deficiente ou incompleta, é que pode afectar a respectiva decisão. Por analogia, assim será também para as decisões de natureza disciplinar – Ac. RP, de 7.1.85, BTE nº5-6/88, 2ª série, pág. 892”.
Nem se compreenderia que o legislador fosse mais exigente para julgadores profissionais do que para os empregadores, leigos na matéria, os quais ficariam sempre na eminência de serem responsabilizados pela sua insuficiente capacidade de argúcia analítica.
Numa segunda vertente, dir-se-á, como a Autora, que a decisão não se mostra sequer fundamentada em termos de facto, porquanto dela não constam elencados os facto que serviram de base ao despedimento.
Também neste aspecto discordamos da alegação da Autora. Com efeito, seria de um formalismo exagerado e irracional que o legislador quisesse obrigar o empregador a repetir a descrição dos factos, tarefa que, em certos casos e na ausência de meios informáticos, poderia ser muito penosa, como é o caso dos autos, atenta a extensão da nota de culpa. Essencial é que o trabalhador conheça perfeitamente os factos para que possa impugnar judicialmente a sua veracidade ou compreensão.
Por isso, concordamos inteiramente com a orientação doutrinal e jurisprudencial que entende ser de admitir a referência aos factos por remissão para outro documentos comprovadamente do conhecimento do trabalhador arguido.
Assim, “conhecendo o trabalhador os termos da nota de culpa…, há que concluir que a decisão de despedimento se encontra devidamente fundamentada quando refere que o trabalhador cometeu, nas circunstâncias de modo, tempo e lugar indicadas, os actos que são referidos na nota de culpa…” – Ac. STJ de 28.10.98, BMJ 480º-337.
Ou “o processo disciplinar não enferma de nulidade se a decisão final não descriminar os factos imputados ao trabalhador, mas efectuar remissão para a factualidade constante da nota de culpa, com a menção de que se provaram todos os factos constantes da mesma…”, -Ac. RE de 30.3.04, proc. 205/04-2, dgsi net.
E porque é esta a situação configurada nos autos, entendemos que o processo disciplinar não enferma de qualquer das referidas invalidades.”
2.1. Analisemos a situação trazida a esta Relação.
A decisão de despedimento deve ser fundamentada e constar de documento escrito, conforme resulta do nº 5 do artigo 357º.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho[4], “nesta fundamentação devem ser ponderadas as circunstâncias pertinentes para o caso, deve ser avaliado o grau de culpa do trabalhador para concluir sobre a adequação da sanção do despedimento ao caso (ou seja, deve ser aplicado o princípio geral da proporcionalidade entre a infracção e a sanção disciplinar, enunciado no artigo 330º, nº 1) e devem ser tidos em conta os pareceres a que houver lugar”.
E, continua, “O aspecto mais importante da fundamentação da decisão de despedimento é o da circunscrição deste fundamento aos factos alegados na nota de culpa e na resposta do trabalhador”.
A indicação dos fundamentos constitui um da decisão do processo, a qual “ tem que ser, como resultaria, aliás, dos princípios gerais, apoiada no enunciado dos factos e circunstâncias que consubstanciam a infracção e fornecem a medida da sua gravidade objectiva e subjectiva (quer dizer, neste último aspecto, do grau de culpabilidade do infractor).[5]”
Diga-se que na essência estamos de acordo com a decisão recorrida.
É verdade que a decisão que decretou o despedimento da autora não é um modelo a seguir, não primando pela perfeição. Contudo, devemos ter em atenção que, por norma, a entidade patronal não possui conhecimentos suficientes para elaborar uma decisão modelar. Desde que a decisão disciplinar se encontre minimamente fundamentada, mesmo que deficiente, devemos considerá-la válida. É, por isso, que concordamos com a decisão recorrida quando afirma que “só a falta absoluta de motivação, e não a fundamentação deficiente ou incompleta, é que pode afectar a respectiva decisão.”. Aliás nem faria sentido que assim não fosse. Na verdade, se a nível de decisão judicial apenas se considera nula por falta de fundamentação quando esta falta for absoluta, não faz sentido, que numa decisão de um processo disciplinar, proferida por uma entidade sem conhecimentos jurídicos, se exigisse a fundamentação absoluta.
Devemos ter em atenção que a obrigatoriedade de proferir uma decisão fundamentada tem em vista delimitar de forma concreta e específica os factos comunicados na nota de culpa portadores da mensagem inequívoca de proceder ao despedimento.
O importante, é que o trabalhador fique ciente e sem quaisquer dúvidas, acerca dos factos que lhe são imputados e que fundamentam o despedimento[6].
No caso dos autos, não se encontram descriminados os factos que fundamentam o despedimento. Contudo, a mesma faz uma remissão para os factos constantes na nota de culpa, pois afirma que “foi decidido …a sanção de despedimento, …sendo que …são considerados verdade os factos que foram base da abertura do processo disciplinar…”.
E, tal remissão é lícita.
Com tal remissão o trabalhador fica absolutamente ciente dos factos que lhe são imputados. Por força da remissão, os factos constantes da nota de culpa passam a fazer parte da decisão.
A nota de culpa delimita o âmbito fáctico de apreciação do comportamento do trabalhador e da adequação da respectiva sanção, não podendo a decisão da entidade patronal e o controle judicial da sanção disciplinar cominada fundar-se em quaisquer outros factos imputáveis ao trabalhador que não constem da mesma.
A remissão efectuada pela decisão final, para os factos constantes na nota de culpa em nada impede a ponderação das circunstâncias do caso e a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador.
Tal prática, em situações em que não haja qualquer margem para dúvidas, não afecta em nada os direitos de defesa do trabalhador.
A autora/recorrente, quando recebeu a nota de culpa, teve completo conhecimento dos factos de que foi acusada, da intenção de a entidade patronal proceder ao seu despedimento, de quais os deveres violados, qual a sua integração jurídica, quais os prejuízos e consequência advenientes dessa violação, da perda de confiança e da insustentabilidade da relação laboral.
Quando recebeu a decisão final na qual constava que “são então considerados verdade incontestável os factos que foram base da abertura do processo disciplinar instaurado no dia quinze de Junho de dois mil e nove, que a seguir passo a descrever:
-Angariação concorrencial de clientes da empresa C………., Lda.,
- Mau uso de material de manicura que estava à sua guarda para aplicação a clientes.
- Mau uso de material de cabeleireiro propriedade do salão para aplicação a clientes” a recorrente, face à clareza da comunicação, ficou ciente dos factos que se provaram, sem qualquer margem para suposições, bem como aos motivos pelos quais era decidido o despedimento [Angariação concorrencial de clientes da empresa C………, Lda., - Mau uso de material de manicura que estava à sua guarda para aplicação a clientes, - Mau uso de material de cabeleireiro propriedade do salão para aplicação a clientes].
Por outro lado, também sufragamos a decisão recorrida quando refere que “É certo que, na decisão, não foram consideradas quaisquer “circunstâncias do caso”, mas pode muito bem acontecer que no caso não existam circunstâncias a considerar ou que o empregador não queira ou não saiba considerá-las.”
E, no que se refere à culpabilidade do trabalhador a mesma está implícita na decisão do despedimento ao dizer que o autor “não exerceu o direito consagrado no nº 1 do art. 355º do Código do Trabalho, são então considerados verdade incontestável os factos que foram base da abertura do processo disciplinar instaurado”. Como se sabe em matéria de responsabilidade contratual – como é o caso –, funciona a presunção de culpa, pelo que é ao devedor que compete provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua – artigo 799º, nº 1[7].
Por outro lado, como refere Pedro Romano Martinez[8], qualquer incumprimento de trabalho, por parte do trabalhador ou do empregador, presume-se culposo. E mais adiante afirma”Cabe ainda acrescentar que da recepção explícita do texto do art. 798º do CC – parcialmente transcrito no art. 363º do CT – resulta a aplicação dos arts. 798º e ss. do CC, designadamente a regra da presunção de culpa(art. 799º, nº 1, do CC)”.
Ora, o autor, ao não apresentar contestação, conforme se diz na decisão do despedimento, não elidiu tal presunção de culpa[9].
Assim, temos de concluir que a decisão final do processo disciplinar se encontra suficientemente fundamentada, não sendo de declarar nulo o processo disciplinar.
Improcedem assim, nesta parte, as conclusões do recorrente.
3. Resolvida a questão antecede, cumpre indagar agora de saber se houve ou não justa causa para o despedimento.
De acordo com o disposto no artigo 351º, nº 1, do C. T. constitui justa causa de despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
A existência de justa causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
1º - um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador – é o elemento subjectivo da justa causa;
2º - a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral – é o elemento objectivo da justa causa;
3º - a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador outro, configurado na existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.[10]
No que concerne ao primeiro dos elementos – o subjectivo – convém esclarecer, conforme refere Maria do Rosário Palma Ramalho,[11] “A exigência de ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art. 351º, nº 1, mas constituiu um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento[12], uma vez que, se a actuação for lícita, ele não incorre em infracção que possa justificar o despedimento.”
O acto ilícito e culposo há-de corresponder a uma violação grave, por parte do trabalhador, dos seus deveres contratuais (seja dos deveres principais, secundários ou acessórios), por acção ou omissão, não sendo necessário que essa violação ocorra no local de trabalho[13], podendo essa violação revestir qualquer uma das três modalidades de incumprimento das obrigações: o não cumprimento definitivo, a simples mora e o cumprimento defeituoso.
A culpa do trabalhador (a título de dolo ou negligência) há-de ser apreciada segundo um critério objectivo, isto é, pela diligência que um bom pai de família teria adoptado, em face das circunstâncias do caso (art.º 487.º, n.º 2, do C.C.), e não segundo os critérios subjectivos do empregador[14]. Neste contexto, também devem ser relevadas e valoradas as circunstâncias atenuantes e as causas de exclusão da culpa que possam ter existido[15], nomeadamente, o estado de necessidade desculpante, o erro, a falta de consciência da ilicitude do facto, a anomalia psíquica ou obediência desculpante[16].
Para que se verifique a justa causa, não é suficiente um qualquer incumprimento dos deveres contratuais, por parte do trabalhador. É necessário, ainda, que se trate de um comportamento que, pela sua gravidade[17] e consequências, leve a concluir que a subsistência da relação de trabalho se tornou imediata e praticamente impossível.
No entanto, a impossibilidade em questão não é uma impossibilidade de ordem material, correspondendo, antes, a uma situação de inexigibilidade reportada a um padrão essencialmente psicológico, qual seja o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, implicando mais ou menos frequentes e intensos contactos entre os sujeitos[18], e que, na apreciação dessa inexigibilidade, há que atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes (art.º 351.º, n.º 3, do CT), tudo à luz dos critérios de um bonus paterfamilias, ou seja, de um empregador normal, e não à luz da sensibilidade do real empregador.
O conceito de justa causa é assim um conceito indeterminado, pois não facultando uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo, aponta para modelos de decisão a elaborar em concreto e, constituindo a mais grave das sanções disciplinares, visa o sancionamento da conduta do trabalhador que, pela sua gravidade objectiva e pela imputação subjectiva, torna impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe[19].
A inexigibilidade há-de, pois, ser aferida através de um juízo de probabilidade, de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho, sendo de concluir pela existência de justa causa quando, sopesando os interesses em presença, se verifique que a continuidade da vinculação representaria, objectivamente, uma insuportável e injusta imposição ao empregador, isto é, quando, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seriam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador[20].
Assim enquadrado o conceito geral de justa causa, importa apurar se a mesma se verificou no caso concreto.
Conforme resulta do processo disciplinar a recorrida procedeu ao despedimento da recorrente com o fundamento de ter procedido a “Angariação concorrencial de clientes da empresa C………., Lda., Mau uso de material de manicura que estava à sua guarda para aplicação a clientes, – Mau uso de material de cabeleireiro propriedade do salão para aplicação a clientes”.
Contudo, o que interessa para o caso é saber quais os factos imputados pela entidade patronal à trabalhadora que o Tribunal considerou como provados. E o que foi dado como provado, para o que aqui interessa, foram os seguintes factos:
“A Autora foi admitida ao serviço da Ré em 1 de Julho de 2004, data a partir da qual passou a trabalhar para a mesma sob as suas ordens, direcção e fiscalização e mediante retribuição, com a categoria profissional de “manicure”.
No dia 22 – 05 – 2009, a Autora atendeu no local de trabalho um telefonema de D………., cliente da Ré, para marcação de prestação de serviços de manicura, tendo a Autora respondido que não havia disponibilidade de agenda, mas que ela Autora poderia recebe-la fora do seu horário de trabalho no seu próprio domicilio para aquele efeito.”
A decisão recorrida sobre esta questão refere o seguinte:
“Ora, podemos desde já afirmar afoitamente que a conduta da Autora é muito grave e dolosa, porque resulta de uma opção de vontade sua, de forma a tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Com efeito, o acto da Autora viola o princípio da lealdade e coloca em sério perigo a situação económica da empregadora, dado que se não provou que a concorrência desleal se tenha concretizado.
Neste sentido tem sido também a generalidade da jurisprudência. Veja-se o Ac. STJ, 22.1.92, AD 373º-108: “I - O conceito legal decorrente do art. 20º, nº 1, al. b) da LCT (actualmente ínsito no art. 128º, nº1, al. f) do CT), de que o trabalhador deve guardar lealdade à entidade patronal, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ela, não implica necessariamente a concorrência efectiva com resultados já verificados de prejuízos para o empregador, como claramente resulta do uso que o legislador fez do adverbio nomeadamente, bastando a verificação de uma simples situação de perigo. II - De acordo com esse dever de lealdade, do qual a interdição de concorrência constitui uma manifestação típica, o trabalhador deve abster-se de qualquer acção contraria aos interesses da entidade patronal, não lhe sendo licita qualquer actividade susceptível de constituir um atentado à segurança da posição de empregador…”.
Ou ainda o Ac. STJ, de 5.3.92, BMJ 415º-395: “A simples previsibilidade da ocorrência de tal prejuízo basta para justificar o despedimento, não sendo necessária a existência de um dano efectivo, por se tratar de uma infracção de perigo”.
E também o Ac. STJ de 16.10.96: “Viola esse dever o mecânico de oficina que, por vezes, procedia, em sua casa, à reparação de veículos. A violação desse dever não exige a efectividade de prejuízos”. Ou ac. STJ de 20.3.96: “…a simples materialidade desse comportamento, aliado a um moderado grau de culpa, pode levar razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança”.
Pelo exposto, somos de considerar que a decisão da Ré em despedir a Autora se mostra acertada, por existência de justa causa para tal, devendo, pois improceder os pedidos dependente de tal questão.”
Já a recorrente tem outro entendimento. Alega ela que não foi feita qualquer prova da prática efectiva por parte da Recorrente de qualquer actividade concorrencial à Recorrida, nem sequer a sua intenção de a vir a desenvolver, uma vez que o único facto apurado, não permite fazer tal extrapolação e, sendo assim, não tendo ficado demonstrado que a Recorrente tenha efectivamente recebido a referida cliente em sua casa, a que título é que a iria receber, se como amiga ou como cliente, nem se a intenção da Recorrente era fazer um favor a uma amiga ou cobrar pelo serviço prestado, não se pode considerar que a Recorrente tenha violado qualquer dever de lealdade, não podendo sequer considerar-se uma infracção disciplinar, muito menos uma infracção com a gravidade exigida para um despedimento.
Vejamos:
O artigo 128º do CT, sob a epígrafe, “Deveres do trabalhador”, preceitua que, sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes á sua organização, métodos de produção ou negócios [alínea f)].
No elenco das sanções disciplinares (art. 328º) o despedimento é a mais gravosa, pelo que tal sanção só deve ser aplicada quando outras medidas ou sanções de menor gravidade forem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção das situações similares e para os interesses fundamentais da empresa, pois que, tendo a relação de trabalho vocação de perenidade, apenas se justificará, no respeito pelo princípio da proporcionalidade, o recurso à sanção expulsiva ou rescisória do contrato de trabalho, que o despedimento representa, quando se revelarem inadequadas para o caso medidas conservatórias ou correctivas[21].
O princípio da proporcionalidade da sanção disciplinar está consagrado no artigo 330.º/1 do Código do Trabalho, aí se estatuindo que «a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor …».
O dever acima descrito – que podemos apelidar de dever de lealdade – é um dever acessório[22].
Subjacente a este dever, bem como aos restantes deveres, está o princípio orientador geral da boa fé, previsto no artigo 126º, nº 1.
Baptista Machado[23] salienta que "o núcleo mais importante de violações de contrato capazes de fornecer justa causa à resolução é constituído por violações do princípio da leal colaboração imposto pelo ditame da boa fé. Em termos gerais diz-se que se trata de uma quebra da "fides" ou da base de confiança do contrato (...) Esta é afectada quando se infringe o dever de leal colaboração, cujo respeito é necessário ao correcto implemento dos fins prático-económicos a que se subordina o contrato".
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho[24]” o dever de lealdade é, a par do dever de obediência, o mais importante dos deveres acessórios do trabalhador.”
E, quer por força do já aludido princípio da boa-fé, quer por estarmos perante um contrato intuitus personae, tal princípio institui uma relação de confiança entre as partes[25].
E, diz a referida autora, “Ao dever de lealdade do trabalhador no contrato de trabalho deve ser reconhecida uma dimensão restrita e uma dimensão ampla.
Na dimensão restrita, contemplada no art. 128º, nº 1 f) do CT, o dever de lealdade concretiza-se essencialmente no dever de não concorrência e no dever de sigilo.”
E quanto ao dever de não concorrência escreve à frente a mesma autora o seguinte: “O dever de não concorrência veda ao trabalhador a negociação, por conta própria ou alheia, nas áreas em que possa concorrer com a actividade desenvolvida para o seu empregador. Nesta concretização, o dever de lealdade impõe restrições à liberdade que assiste ao trabalhador de exercer outra actividade profissional fora do tempo de trabalho passado na empresa (ou seja, ao principio constitucional da liberdade de trabalho), pelo que só haverá incumprimento deste dever quando se observe uma efectiva concorrência entre as duas actividades em questão, ou porque se inserem na mesma área e desde que a actividade suplementar seja susceptível de vir a prejudicar o negócio do empregador, ou porque aquela actividade desvia ou pode desviar clientes ao empregador.”
Também Monteiro Fernandes[26] refere que “aquilo que a lei veda ao trabalhador é que ele negoceie por conta própria ou alheia em concorrência com a entidade empregadora.” Refere ainda este autor que a abstenção de concorrência “ corresponde a um comando votado à defesa do interesse económica e empresarial do empregador.”
Trata-se, assim de salvaguardar a posição ocupada pelo empresário no mercado concorrência, evitando que o trabalhador com o seu comportamento desvie a sua clientela actual ou potencial para outro empresário, ou, até para o próprio.
E para se preencher a violação do dever de não concorrência não é necessário que se tenha efectivamente verificado um desvio de clientela, basta a possibilidade factual desse desvio, a sua potencialidade, nem é necessário a existência de um dano, mas tão só a potencialidade da sua ocorrência, consubstanciando-se, assim, a concorrência numa infracção de perigo, bastando que seja previsível a ocorrência de um prejuízo, de poder resultar uma transferência de clientela[27][28]
Nesse sentido se posicionou o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 09/04/2008[29], ao defender que “A violação do dever de lealdade, através da criação de uma situação de concorrência pelo trabalhador, não exige ou implica a efectividade de prejuízos para o empregador em causa, nem o efectivo desvio de clientela, sendo suficiente que esse desvio seja potencial, isto é, não é imperioso que se verifique a prática efectiva de negócios, bastando que o comportamento do trabalhador seja meramente preparatório ou de molde a criar a expectativa de uma actividade concorrencial.”
No mesmo sentido o Acórdão do STJ de 16/10/1996, que cita Monteiro Fernandes, in Temas laborais, pág.65/66, e que, por grande interesse aqui deixamos plasmado:
"Não é, com efeito, imperioso que se verifique a prática efectiva de "negócios", no sentido corrente e empírico do termo; basta que o comportamento do trabalhador seja meramente preparatório ou de molde a criar a expectativa de uma actividade concorrencial. Com efeito, o que está em causa na proibição de concorrência é, claramente, tudo aquilo que possa conduzir ao desvio de clientela do empregador. E sabe-se que a posição da empresa no mercado, o seu "aviamento", em suma, constitui um valor cuja tutela se não centra na materialidade de certos actos ou comportamentos. A criação de um perigo específico de perda de clientela mesmo sem a realização efectiva de negócios é suficiente para o preenchimento da ampla noção de concorrência que é necessariamente suposta pelo conteúdo do dever de lealdade". E acrescenta: "Para além disso, sublinha-se também a suficiência de um "prejuízo apenas potencial e não efectivo", configurando-se justamente uma quebra de lealdade no caso de constituição, pelo trabalhador, de uma sociedade com o escopo de prosseguir a mesma actividade desenvolvida pelo empregador, mesmo se ainda não tiver ocorrido a a execução de actos concorrenciais"
No caso em apreço, não temos dúvidas em afirmar que a autora violou o dever que lhe é imputado. Na verdade, ficou provado que no dia 22/05/2009, a Autora atendeu no local de trabalho um telefonema de D………, cliente da Ré, para marcação de prestação de serviços de manicura, tendo a Autora respondido que não havia disponibilidade de agenda, mas que ela Autora poderia recebe-la fora do seu horário de trabalho no seu próprio domicilio para aquele efeito. Estamos perante um acto de pura concorrência desviante da clientela da entidade patronal, uma vez que a autora se disponibilizou fazer a manicure em sua casa a uma cliente da recorrida que telefonou para o estabelecimento para fazer uma marcação de manicure. E não se venha, como vem a autora, com o argumento de que não foi feita qualquer prova da prática efectiva por sua parte de actividade concorrencial, nem sequer a sua intenção de a vir a desenvolver, uma vez que o único facto apurado, não permite fazer tal extrapolação e, sendo assim, não tendo ficado demonstrado que a Recorrente tenha efectivamente recebido a referida cliente em sua casa, a que título é que a iria receber, se como amiga ou como cliente, nem se a intenção da Recorrente era fazer um favor a uma amiga ou cobrar pelo serviço prestado. Em primeiro lugar, como já se deixou referido, não é necessário que se verifique a prática efectiva da actividade concorrencial, basta que haja um comportamento por parte do trabalhador meramente preparatório ou de molde a criar a expectativa de uma actividade concorrencial. É que a recorrente ao não fazer a marcação da cliente e ao dizer que a podia atender no seu domicilio para o efeito pretendido fez com que a entidade patronal criou para a entidade patronal um perigo concreto de perda de clientela mesmo sem a realização efectiva daquela actividade. Em termos práticos desviou, ou pelo menos, tentou desviar uma cliente da entidade patronal, o que acarreta desde logo um comportamento desleal para com esta, contrário à finalidade da actividade a que se obrigou. E, também ao contrário, do que a recorrente diz não é pelo facto de se não ter apurado qual a sua intenção, ou seja, se era fazer um favor a uma amiga ou cobrar pelo serviço prestado, que deixa de existir violação do dever de lealdade, na dimensão de não concorrência, uma vez que o que está aqui em jogo é a potencialidade de a actividade concorrencial desviar clientela da entidade patronal. E não é pelo facto de se fazer um favor a uma amiga – que diga-se a existir continuaria a ser censurável, porque foi feito no local de trabalho, aproveitando um telefonema que essa pretensa amiga fez para marcar uma manicure – que deixa de haver desvio de clientela ou, intenção de desviar. Na verdade, a intenção da cliente era que a recorrida lhe prestasse um serviço de manicure – e foi por esse motivo que ela telefonou para o seu estabelecimento. E o que a recorrente fez foi simplesmente desviar, ou pelo menos, tentar desviar essa cliente de fazer no estabelecimento da ré o serviço pretendido, fazendo-o em sua casa, fora do horário de trabalho. Estamos, assim, perante um acto de potencial concorrência com a actividade desenvolvida pela Ré. E essa potencialidade existe, uma vez que o que a recorrente pretendia fazer ou quis fazer, fora do tempo e local de trabalho, era precisamente a execução de actos correspondentes à sua categoria profissional de “manicure”.
Podemos, assim dizer que a actuação da recorrente constitui infracção disciplinar grave, que elimina a indispensável confiança que deve existir entre a empregadora e a empregada, razão pela qual, deixando de haver confiança, se torna impossível a subsistência das relações de trabalho.
E não é infirmada pela inexistência (ou melhor, pela não demonstração) de prejuízos causados pela autora à ré, uma vez que a diminuição ou a extinção da confiança não depende da verificação de prejuízos, pois a lealdade do trabalhador representa um valor absoluto, não susceptível de graduação.
Deste modo, tendo a autora violado o dever de lealdade que tinha para com a ré, torna-se impossível a manutenção do vínculo contratual, não sendo exigível à ré que mantenha ao seu serviço uma trabalhadora que executou condutas destruidoras da necessária confiança que deve sempre existir nas relações empregadora-empregada.
Improcedem, portanto, também as conclusões das alegações da recorrente no que respeita a esta questão da inexistência de justa causa do despedimento.
4. Face ao referido improcedem as conclusões da apelação, mantendo-se na integra a sentença recorrida.
5. As custas serão a cargo da recorrente (artigo 446º, nº 1 do CPC).
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III – Decisão
Termos em que se acorda em negar provimento à apelação, assim confirmando a douta sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
Porto, 15-12.2010
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
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[1] Reproduziu-se o teor da nota de culpa, uma vez que estando as partes de acordo quanto ao envio da mesma e ao seu teor (o que não significa que tais factos se tenham como aceites ou provados), tem interesse para apreciar a questão da invalidade ou não do procedimento disciplinar.
[2] Reproduziu-se o teor da carta, uma vez que o mesmo tem interesse para apreciar a questão da invalidade ou não do procedimento disciplinar e, por outro lado, o que se deve dar como provado são factos e não documentos.
[3] Na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[4] In Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição, pág. 934.
[5] António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 15ª edição, pág. 625.
[6] Acórdão da Relação de Évora de 30/03/2004, processo 205/04-2, www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Acórdão do STJ de 07/10/2003, processo 02S3784, www.dgsi.pt.
[8] In Incumprimento do Contrato de Trabalho, pág. 8/9, in revista do CEJ, 1º semestre 2005, número 2.
[9] Não nos podemos esquecer que estamos na fase do procedimento disciplinar e não na fase de acção judicial, onde terão de ser provados os factos mencionadas na nota de culpa ou na decisão, tendo em vista sempre a matéria factual inserta naquela.
[10] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição, pág. 899/900 e a jurisprudência aí mencionada na nota 239.
[11] In obr. Citada, pág. 900/901.
[12] No mesmo sentido o acórdão do STJ de 25/02/2009, processo 08S2461, www.dgsi.pt; Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Abril 2002, p. 851-852 e António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1994, pág. 820/821. Sobre o assunto ver ainda Nuno Abranches Pinto, Instituto Disciplinar Laboral, pág.71/75.
[13] Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito do Trabalho, 2ª edição, pág. 481.
[14] António Menezes Cordeiro, obr. citada, pág. 821/822, Maria do Rosário Palma Ramalho, obr. citada, pág. 901.
[15] Maria do Rosário Palma Ramalho, obr. citada, pág. 901.
[16] Cfr. Nuno Abranches Pinto, Instituto Disciplinar Laboral, pág.76.
[17] Como diz Maria do Rosário Palma Ramalho, obr. citada, pág. 902, a gravidade pode ser reportada ao comportamento em si mesmo ou às consequências que dele decorram para o vínculo laboral.
[18] Cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 15.ª edição, p. 592/598.
[19] Cfr. António Menezes Cordeiro, ob. Cit. pág. 819.
[20] Cfr. Monteiro Fernandes, obr. cit. pág. 595.
[21] Cfr. Acórdão do STJ de 17/06/2009, processo 08S3698, www.dgsi.pt.
[22] Acessório porque o dever principal consiste na execução do trabalho de acordo com as determinações da entidade patronal.
[23] in R.L.J. 118º, 330 ss.
[24] Obra cit. pág. 420.
[25] Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, obr. cit. pág. 293.
[26] Obr. cit. págs. 249/250.
[27] Ver Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho Anotado, pág. 333.
[28] Ac. do STJ de 5/03/1992 BMJ -395
[29] Proferido no âmbito do processo 07S3388, consultável in www.dgsi.pt.
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SUMÁRIO
A obrigatoriedade de proferir uma decisão fundamentada tem em vista delimitar de forma concreta e específica os factos comunicados na nota de culpa portadores da mensagem inequívoca de proceder ao despedimento.
O importante, é que o trabalhador fique ciente e sem quaisquer dúvidas, acerca dos factos que lhe são imputados e que fundamentam o despedimento.
No caso em que se encontrem descriminados os factos que fundamentam o despedimento, é lícita, não sendo, assim inválido o procedimento disciplinar, a remissão que a decisão do despedimento para os factos constantes na nota de culpa.
Com tal remissão o trabalhador fica absolutamente ciente dos factos que lhe são imputados. Por força da remissão, os factos constantes da nota de culpa passam a fazer parte da decisão.
A remissão efectuada pela decisão final, para os factos constantes na nota de culpa em nada impede a ponderação das circunstâncias do caso e a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador.
Tal prática, em situações em que não haja qualquer margem para dúvidas, não afecta em nada os direitos de defesa do trabalhador.
Para se preencher a violação do dever de não concorrência não é necessário que se tenha efectivamente verificado um desvio de clientela, basta a possibilidade factual desse desvio, a sua potencialidade, nem é necessário a existência de um dano, mas tão só a potencialidade da sua ocorrência, consubstanciando-se, assim, a concorrência numa infracção de perigo, bastando que seja previsível a ocorrência de um prejuízo, de poder resultar uma transferência de clientela.
Constitui justa causa de despedimento a trabalhadora, por violação do dever de não concorrência, que atendeu no local de trabalho um telefonema uma cliente da Ré, para marcação de prestação de serviços de manicura, tendo a Autora respondido que não havia disponibilidade de agenda, mas que ela Autora poderia recebe-la fora do seu horário de trabalho no seu próprio domicilio para aquele efeito.