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CP
REFER
SUCESSÃO NA POSIÇÃO CONTRATUAL
Sumário
I - Por força do disposto no art. 16º, nºs 2, 4, e 5 do DL 104/97, diploma que criou a Rede Ferroviária Nacional - REFER, EP. A integração nesta dos trabalhadores que se encontravam afectos aos serviços e instalações para ela (REFER) transferidos operou-se com respeito por todos os direitos pelos trabalhadores anteriormente adquiridos enquanto ao serviço da CP, com atribuição à REFER da responsabilidade de todos esses direitos. II - Consequentemente, e na ausência de norma expressa em contrário, uma vez operada a integração, só perante a REFER tais direitos poderão ser exercidos.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I - Relatório
1. "AA", identificada nos autos propôs acção contra Caminhos de Ferro Portugueses, EP, igualmente identificada no processo pedindo a condenação desta no pagamento de diferenças salariais, multa a título de sanção pecuniária compulsória e quantia (vencida e vincenda) a título de tarifas de táxis.
2. Após citação e elaborado saneador com especificação e questionário, a ré, no início da audiência de julgamento, requereu a intervenção da Rede Ferroviária Nacional - REFER, EP, nos termos do art. 29º, do CPT.
3. A autora veio formular aditamento ao pedido e causa de pedir requerendo a condenação solidária da CP e REFER nos termos peticionados, bem como a condenação das mesmas a reconhecerem, a si e aos seus filhos menores, o direito vitalício a viajar gratuitamente nos comboios da CP ou em qualquer empresa que lhe venha a suceder na exploração ferroviária, em qualquer zona do país, ou em sua substituição a quantia mensal não inferior a 50.000$00, acrescida dos aumentos anuais da taxa de inflação publicada pelo INE.
4. Realizado julgamento foi proferida sentença condenando a REFER:
- a dotar o abrigo de PN sito ao Km 78,814 da Linha do Norte de água canalizada, electricidade, casa de banho, uma cadeira e uma mesa;
- na sanção pecuniária compulsória de 10.000$00 diários por cada dia em que obrigue a autora a prestar trabalho na referida PN sem as condições em que foi condenada;
- no pagamento das diferenças salariais relativas à integração da autora na Zona I, grau 89, entre o período de 11.04.95 e 31.12.97, quando o deveria ser na zona II, grau 90;
- a reconhecer o direito para si (com carácter vitalício) e para os seus filhos menores a viajarem gratuitamente nos comboios da CP e da REFER ou em qualquer empresa que lhe venha a suceder na exploração ferroviária, em qualquer zona do país.
5. Quer a REFER quer a CP apelaram da sentença, tendo sido proferido acórdão que concedeu provimento parcial aos recursos, alterando a decisão recorrida apenas no respeitante ao pedido relativo ao direito de viajar gratuitamente nos comboios, o qual foi circunscrito aos termos e condições estabelecidas no Acordo de Empresa e no Regulamento de Concessões de Viagens respectivo.
6. Inconformada a REFER veio interpor recurso de revista, com julgamento ampliado, ao abrigo do disposto no nº4 do art. 678º do CPC, considerando que o acórdão sob censura se encontra em contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o Acórdão de 14.11.00, proferido pela Relação de Évora no âmbito do processo nº 1619/00 e com o Acórdão de 05.03.00, proferido pela Relação do Porto, no processo nº 1292/00.
Nas suas alegações concluiu:
A) A questão fundamental de direito que se coloca nas três causas que deram origem aos acórdãos, é a de saber se nos termos das disposições do diploma legal que criou a rede ferroviária Nacional - REFER, E.P. - o D.L. nº 104/97, de 29 de Abril - esta empresa é, ou não, responsável pelos créditos laborais vencidos na pendência da relação dos trabalhadores com a C.P., que posteriormente foram integrados (ou, no caso sub judice, poderão vier a ser integrados) no quadro de pessoal da REFER.
B) Ao decidir que a nova empresa criada (a REFER, E.P.), assumiu todos os direitos e obrigações respeitantes aos trabalhadores que nela foram integrados, o douto acórdão recorrido não fez uma correcta interpretação do D.L. nº 104/97, de 29 de Abril.
C) Em oposição com a jurisprudência proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa encontra-se a do Tribunal do Porto (Processo 1.29/2000, 1ª secção), que entende não ser a REFER responsável por créditos vencidos antes da integração dos trabalhadores da C.P. no seu quadro de pessoal.
D) As disposições legais que especificamente regulam a sorte das relações jurídicas - contratuais ou não, de ordem laboral ou de outra natureza -, existentes entre a C.P. e outras entidades, são as contidas nos art.s 14º, 15º e 16º do D.L. 104/97, de 29 de Abril.
E) Nos termos do art. 14º, a REFER sucedeu universalmente na posição jurídica contratual ou não da C.P., com todos os efeitos decorrentes da figura da "sucessão universal" de posições jurídicas, mas com expressa exclusão das relações do foro laboral (cfr. nº 4 do art. 14º), que são exclusivamente reguladas pelos art.s 15º e 16º.
F) A redacção do nº 4 do art. 16º é totalmente diversa da redacção do art. 14º, não estando naquele expresso nem implícito que a sucessão de entidades patronais - prevista nos seus nºs 1 e 2 - deva ter os amplos efeitos que o art. 14º estabelece para relações jurídicas de outras natureza.
G) Resulta, pois, do espírito, da letra e da própria ordenação sistemática que não foi a vontade do legislador conferir igual tratamento às relações jurídicas entre a C.P. e os respectivos trabalhadores que viriam a transitar para o quadro de pessoal da REFER e a todas as restantes relações jurídicas, contratuais ou não, entre a C.P. e outras entidades.
H) Não é, pois, de entender que a REFER "herdou", ao abrigo do art. 16º, as dívidas da C.P. para com os respectivos trabalhadores, pois que esta norma se limita a acautelar os seus direitos e regalias, obrigando a REFER a mantê-los.
I) Ao decidir no sentido descrito, o douto acórdão ignorou os referidos elementos de interpretação de normas jurídicas, violando, designadamente, o nº 2, do art. 9º do Código Civil.
J) O nº 5 do art. 16º do D.L. nº 104/97 - em que o acórdão ora recorrido também sustenta a sua decisão -, evidencia que a interpretação feita nesse aresto não é acertada.
L) O douto acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação das normas jurídicas constantes do D.L. nº 104/97, de 29 de Abril, designadamente dos art.s 14º e 16º, tendo violado o disposto no nº 2 do art. 9º do Código Civil.
7. O Ex.mo Magistrado do Ministério Público, no seu douto parecer de fls. 420 e segs. pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.
II - Factos provados (com relevância para a decisão)
- A autora foi admitida ao serviço da ré em 1985;
- Com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível (PN);
- Em 1992 a autora foi objecto de despedimento por parte da ré;
- Mas interpôs acção no decurso da qual a ré (CP) foi condenada, por decisão transitada, a reintegrá-la e a pagar-lhe todas as retribuições vencidas e vincendas;
- Em 11 de Abril de 1995, a Autora foi convocada pela ré (CP) para se apresentar na Direcção de Recursos Humanos, em Lisboa;
- Quando em 1992 foi despedida, a autora encontrava-se no 3º escalão, auferindo 58.560$00;
- A partir de 1 de Janeiro de 1999 a REFER - Rede Ferroviária Portuguesa, EP, assumiu a posição jurídica da ré CP;
- E passou a ser a entidade empregadora da autora;
III - Enquadramento jurídico
O objecto do recurso consiste em determinar se a recorrente REFER deverá ser responsabilizada pelas quantias por que foi condenada nesta acção (inicialmente intentada pela autora contra Caminhos de Ferro Portugueses, EP) por ter sucedido na posição jurídica desta última enquanto entidade patronal daquela.
Debruçando-nos pois sobre o cerne do litígio.
Em causa está a decisão da Relação que julgou a REFER responsável pelas quantias por que foi condenada, designadamente as diferenças salariais, que constituem créditos vencidos na pendência da relação laboral estabelecida com a CP.
Cabe assim determinar o alcance da sucessão legal operada pelo DL 104/97, de 29 de Abril, designadamente no que se reporta a créditos dos trabalhadores da CP integrados na REFER e relativos a data anterior à integração.
Quanto a este aspecto e nos termos da lei verifica-se que:
O DL 104/97, de 29.04, diploma que criou a REFER (Rede Ferroviária Nacional - REFER, EP), atribuiu a esta entidade como objecto principal da mesma "a prestação do serviço público de gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional" - art. 2º, nº 2, embora igualmente lhe estejam cometidas outras atribuições que constam do art. 3º, mas que se reconduzem, na sua essência, à tarefa de gestão da infra-estrutura ferroviária;
O referido diploma veio dar consagração ao princípio estabelecido pela Lei 10/90, de 17.03, da separação entre a responsabilidade de construção, renovação e conservação da infra-estrutura ferroviária (atribuída ao Estado) e a exploração do transporte ferroviário, até aí cometidos a uma única entidade - Caminhos de Ferro Portugueses; CP - em regime de concessionária única (cfr. preâmbulo do DL 104/97, pontos 1 a 3);
A REFER assume a natureza de pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio (art. 2, nº1), tendo-lhe sido globalmente transferidos:
1) a universalidade dos bens, direitos e obrigações na titularidade ou responsabilidade dos extintos GNL, GNFP e do GECAF - nº 1 do art. 11º;
2) as infra-estruturas afectas à CP, sem alteração de regime - nº 2 do art. 11º;
3) os direitos e obrigações integrantes do património da CP afectos ás infra-estruturas integrantes do domínio público ferroviário, sem alteração de regime - nº 3 do art. 11º;
A REFER sucedeu na posição jurídica (contratual ou não) dos Gabinetes (sucessão de forma universal nos termos da lei) e da CP - art. 14º, nºs 1 a 3;
Quanto aos trabalhadores a lei distinguiu:
A) os que se encontravam em exercício de funções nos gabinetes extintos;
B) os que se encontravam afectos aos serviços e instalações transferidos e integrados na REFER;
Os primeiros mantêm-se na REFER com o mesmo desempenho, havendo que distinguir duas situações: 1ª- dos trabalhadores afectos à função pública, mas requisitados e em comissão de serviço;
2ª- dos trabalhadores da CP.
Quanto aos trabalhadores afectos à função pública, mantêm-se no desempenho de funções sem alteração do respectivo regime até ao exercício do direito de opção pelo ingresso nos quadros da empresa (três) meses a contar da homologação do estatuto do pessoal), com sujeição ao regime do contrato individual de trabalho, mas mantendo a antiguidade de serviço ao Estado (art. 15º);
Aos trabalhadores da CP cabe-lhes o "direito de transitar para a REFER" - art. 16º, nº 1;
Os trabalhadores da CP que se encontravam afectos aos serviços e instalações transferidos e integrados na REFER "são integrados na REFER, E.P." - art. 16º, nº 2;
Aos trabalhadores da CP (integrados ou com o direito de transitar nos quadros da REFER) são acautelados os respectivos direitos e regalias decorrentes da lei, instrumentos de regulamentação colectiva e contrato, designadamente a antiguidade ("contando-se o tempo de serviço prestado anteriormente") - art. 16º, nº 4;
A assunção de atribuições e competências por parte da REFER é feita de forma faseada - art. 10º, à qual obedecerá a integração dos respectivos trabalhadores - art. 16º, nº 3;
Por acordo a firmar entre a REFER e a CP serão estabelecidas as contrapartidas devidas por cada uma relativamente a obrigações a cumprir perante os respectivos trabalhadores ou regalias a manter ou a conceder aos mesmos, cujo exercício se efective total ou parcialmente perante a outra - art. 16º, nº 5;
Da análise do DL 104/79 resulta claro, a nosso ver, que a criação da REFER (tendo em vista dar consagração ao princípio estabelecido pela Lei 10/90, de 17.03, da separação entre a responsabilidade de construção, renovação e conservação da infra-estrutura ferroviária e a exploração do transporte ferroviário) determinou a extinção, não só dos Gabinetes ligados à infra-estrutura ferroviária (GNFL, GNFP e GECAF, como dos serviços da CP que se encontravam cometidos e relacionados com tal actividade, tendo-se operado, por via legal e, particularmente no caso desta última, uma sucessão de empresas, por cisão da primeira.
Transmitiu-se pois para a REFER, não só parte do património da CP (o relativo aos serviços cometidos e ligados à infra-estrutura ferroviária e que foram transferidos), mas a própria organização afectada ao exercício de tal finalidade (veja-se que a lei expressamente refere que "A "REFER, E.P., sucede (...) na posição jurídica da CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E.P." - art. 14º, nº 2)., incluindo-se os respectivos trabalhadores.
Assim sendo, consideramos estar em causa uma situação próxima da figura de transmissão parcial de estabelecimento, embora com a particularidade resultante do adquirente ser uma empresa criada por lei para tal efeito, com objectivos próprios, embora tendo por subjacente o património, as atribuições e posições jurídicas da CP.
Por conseguinte, uma vez que, de acordo com o diploma em referência, os trabalhadores da CP que se encontravam afectos aos serviços e instalações transferidos e integrados na REFER foram nela integrados, tendo-lhes sido acautelados os respectivos direitos e regalias decorrentes da lei, instrumentos de regulamentação colectiva e contrato, designadamente a antiguidade, face à similitude com o regime estabelecido no art. 37º da LCT, e uma vez que o diploma em assunto não consignou expressamente qualquer restrição às responsabilidades da adquirente dos trabalhadores (REFER) relativamente a direitos destes anteriores à integração operada, não nos parece legítimo efectuar uma interpretação restritiva nesse sentido.
Com efeito, uma vez que a transferência efectuada a nível de pessoal se operou com respeito por todos os direitos anteriormente adquiridos pelos trabalhadores enquanto ao serviço da CP, parece evidenciar-se do DL em referência que foi pretensão legal atribuir à REFER a responsabilidade por todos esses direitos.
Consequentemente e na ausência de norma expressa em contrário, uma vez operada a integração, só perante a REFER tais direitos poderão ser exercidos; daí o ter sido estabelecido o regime de compensação consignado no art. 16º, nº 5 do DL em referência, cuja eficácia se restringe apenas às relações entre a CP e a REFER, não afectando, por isso, os trabalhadores.
IV - Nestes termos, se acorda na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 10 de Abril de 2002
José Mesquita
Vítor Mesquita
Diniz Nunes