EXPROPRIAÇÃO
FACTOR CORRECTIVO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CESSÃO DA EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO
INTERRUPÇÃO DA EXPLORAÇÃO
Sumário

I - O factor correctivo a que alude o n.° 1º do art. 26.º do Código das Expropriações destina-se a reajustar o valor do terreno, calculado segundo os critérios estabelecidos nos números anteriores, em razão da “inexistência do risco e do esforço inerente actividade construtiva», de modo a fazê-lo corresponder o mais equilibradamente possível ao valor real e corrente do mercado.
II - A sua aplicação funda-se no pressuposto de que o expropriado, recebendo uma indemnização líquida dos custos que normalmente advêm dos riscos e do esforço inerentes à actividade de construção (como sejam os relativos às variações dos custos de materiais e mão-de-obra aos encargos financeiros e fiscais, aos Custos de organização e comercialização etc.), ficaria numa situação de presumida vantagem relativamente à Posição de não expropriado que tivesse de ali executar a mesma hipotética construção.

Texto Integral

Proc. n.º 3/07.4TBMAI.P1
Recurso de apelação
Distribuído em 19-10-2010
Relator: Guerra Banha
Adjuntos: Des. Anabela Dias da Silva
Des. Sílvia Maria Pires

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I RELATÓRIO
1. Na acção especial de expropriação por utilidade pública que correu termos no 3.º Juízo de competência Cível da comarca da Maia com o n.º 3/07.4TBMAI, em que é expropriante EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. (anteriormente E.P. ESTRADAS DE PORTUGAL, E.P.E.) e expropriados B………. e mulher C………., residentes na ………., ………., Matosinhos, está em causa a expropriação por utilidade pública, para efeitos de execução da SCUT do Grande Porto A41/IC24, lanço Freixieiro/Alfena (km 8+200 a km 14+252,276), de duas parcelas de terreno, com os n.ºs 156 e 156-A, destacadas do prédio rústico com a área de 6.100m2, sito no ………., freguesia de ………., concelho da Maia, inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 565 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º 00608/160589, assim discriminadas:
- n.º 156, com a área de 714m2, a confrontar do Norte com IC24 e caminho, do Sul com a parte sobrante do prédio, do Nascente com D………. e caminho, e do Poente com E……….;
- n.º 156-A, com a área de 81m2, a confrontar do Norte com o IC24 e caminho, do Sul com parte sobrante do prédio, do Nascente com o IC24, e do Poente com E………..
A declaração de utilidade pública com carácter de urgência da expropriação foi concedida por despacho do Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas n.º 2.164-B/2006, de 05-01-2005, publicado no Diário da República, II Série, n.º 20 (Suplemento), de 28-01-2005, para a parcela n.º 156 (cfr. fls. 14-16), e por despacho do Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações n.º 13.297-E/2006, de 02-06-2006, publicado no Diário da República, II Série, n.º 120 (Suplemento), de 23-06-2006, para a parcela n.º 156-A (cfr. fls. 29-30).
As vistorias ad perpetuam rei memoriam foram realizadas em 15-02-2005, na parcela n.º 156, e em 07-09-2006, na parcela n.º 156-A.
A expropriante foi investida na posse administrativa da parcela n.º 156 em 13-04-2005 e da parcela n.º 156-A em 12-10-2006.
Procedeu-se à respectiva arbitragem, de que resultou a fixação, por unanimidade, dos seguintes valores:
- para a parcela n.º 156, de 36.351,53€ (cfr. acórdão a fls. 95-99);
- para a parcela n.º 156-A, de 4.123,91€ (cfr. acórdão a fls. 57-61.

2. Da decisão arbitral recorreram para o Tribunal Judicial da comarca da Maia a expropriante e, subordinadamente, os expropriados.
A expropriante discordou do critério de avaliação das parcelas adoptado pelos árbitros quanto ao índice de construção e quanto às percentagens e factores de correcção previstos nos n.ºs 6 a 10 do art. 26.º do Código das Expropriações. Concluindo que o valor da parcela n.º 156 era 14.280,00€ e o da parcela n.º 156-A era de 1.296,00€.
Os expropriados alegaram que: i) o valor real e corrente no local, das parcelas vendidas para construção, supera os 500€/m2; ii) a soma das percentagens previstas nos n.ºs 6 e 7 do art. 26.º do Código das Expropriações perfaz 21%; iii) e o índice de construção, segundo o PDM, é de 1m2/m2. Concluindo que o valor real das duas parcelas deve ser fixado em 109.710,00€.
Na instância litigiosa, procedeu-se à avaliação das duas parcelas, cujos relatórios constam a fls. 224-234 (parcela n.º 156) e 235-238 (parcela n.º 156-A). Tendo os cinco peritos considerado, por unanimidade, os seguintes parâmetros aplicáveis às duas parcelas:
- classificação como "solo apto para construção";
- avaliação segundo os critérios previstos nos n.ºs 5 a 10 do art. 26.º do Código das Expropriações.
No que respeita à avaliação em concreto de cada uma das parcelas, quatro peritos (os 3 nomeados pelo tribunal e o nomeado pelos expropriados), consideraram no cálculo do valor das parcelas os seguintes parâmetros:
i) parcela n.º 156:
- índice de construção (segundo o PDM): 1m2/m2
- percentagem do n.º 6 do art. 26.º: 10%
- soma das percentagens do n.º 7 do art. 26.º: 6%
- dedução a título de reforço das infra-estruturas existentes, nos termos do n.º 9 do art. 26.º: 30%
- valor unitário do terreno: 71,60€/m2
- valor da parcela expropriada: 51.122,00€
ii) parcela n.º 156-A:
- índice de construção (segundo o PDM): 1m2/m2
- percentagem do n.º 6 do art. 26.º: 10%
- soma das percentagens do n.º 7 do art. 26.º: 6%
- dedução a título de reforço das infra-estruturas existentes, nos termos do n.º 9 do art. 26.º: 30%
- valor unitário do terreno: 73,10€/m2
- valor da parcela expropriada: 5.921,00€
O perito da expropriante discordou dessa avaliação quanto aos seguintes pontos:
- índice de construção: 0,60m2/m2
- percentagem do n.º 6 do art. 26.º: 8%
- percentagens do n.º 7 do art. 26.º: 0% (por inexistência de infra-estruturas junto à parcela);
- dedução a título de reforço das infra-estruturas, nos termos do n.º 9 do art. 26.º: 40%
- factor de correctivo previsto no n.º 10 do art. 26.º: 8%
- valor unitário do terreno: 20,70€/m2
- valor da parcela n.º 156: 14.780,00€
- valor da parcela n.º 156-A: 1.656,00€.
Por sentença de 23-04-2010, a fls. 266-272, foi decidido fixar em 51.122,00€ o valor da indemnização a pagar aos expropriados pela parcela n.º 156 e em 5.921,00€ o valor da indemnização pela parcela n.º 156-A, a actualizar nos termos do art. 24.º, n.º 1, do Código das Expropriações.

3. A expropriante apelou dessa decisão, tendo extraído das suas alegações as conclusões seguintes:
1.º - A sentença recorrida assentou, fundamentalmente, no relatório dos Srs. Peritos do Tribunal, aderindo a este, simplesmente, por ser a posição maioritária.
2.º - Sucede que, salvo melhor opinião, o referido relatório baseia-se em pressupostos errados face às realidades existentes, não observando disposições legais importantes.
3.º - Assim sendo, embora a parcela esteja em Zona Urbana/Urbanizável, de acordo com o PDM, para poder ser edificado teria que ter, no mínimo, um acesso rodoviário, isto é um acesso utilizável por qualquer tipo de viaturas o que, como se referiu, não acontecia.
4.º - Quanto ao índice de construção, existem condicionalismos que limitam a utilização do índice máximo, tal qual foi admitido na sentença ora recorrida, sendo que um dos condicionalismos é, manifestamente, o acesso.
5.º - De acordo com o Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação do concelho da Maia, no art. 32.º define o tipo de arruamentos e acessos a adoptar no concelho e a tipologia mínima de um arruamento novo será a AU01, com uma única faixa de rodagem e passeios, perfazendo uma largura de 7.70 metros, o que não seria possível de construir no espaço disponível este condicionalismo é também admitido pelos peritos maioritários nos esclarecimentos.
6.º - Por outro lado esta tipologia de acesso não seria admissível para um edifício de multifamiliar, com um índice de 1m2/m2 para esta ocupação já seria necessário um arruamento com duas faixas de rodagem e passeios o que, de acordo com o referido art. 32.º do Regulamento, exigiria uma largura da ordem dos 12.80 metros, o que se mostra completamente inviável.
7.º - Pelo exposto e atendendo ao espaço disponível para o acesso, a única construção possível seria uma habitação unifamiliar ou, quando muito, duas habitações geminadas.
8.º - Sucede que, os índices de utilização são também condicionados pelo art. 17.º do PDM (índices e alinhamentos) — ora os edifícios junto ao prédio, possuem somente R/C e andar, não existindo, numa envolvente dos 300 metros, índices de 1m2/m2.
9.º - Em termos de implantação de uma construção a levar a efeito no prédio, considerando o necessário afastamento ao prédio vizinho, que seria de 5 metros, a fachada principal do edifício ficaria afastada do talude da estrada cerca de 10 metros, sendo que o talude possui 5 metros de altura.
10.º - Quanto à área expropriada também já se encontrava na zona non aedificandi do anterior IC24.
11.º - Considerando, no entanto um valor expectável para o terreno, atendendo à sua localização e construções na envolvente, admite-se atribuir-lhe uma capacidade construtiva, correspondente a um edifício unifamiliar ou mesmo duas habitações geminadas, o que equivale a um índice de utilização nunca superior a 0,60m2/m2.
12.º - Quanto aos diferentes itens do art. 26 do CE, julgamos ser mais correcto, atendendo à qualidade ambiental, manifestada na área expropriada, considerar uma percentagem de 10%, a propósito do n.º 6 desta norma.
13.º - A percentagem a atribuir nos termos do art. 26.º, n.º 7, do CE deverá ser de 4,5%, sendo que não se atribui valor ao acesso, por não ser um acesso viário pavimentado, como determina o artigo em causa.
14.º - Quanto ao n.º 9 do art. 26º do CE, atendendo às despesas significativas inerentes à colocação das infra-estruturas no prédio, já que exige a construção de redes enterradas, de água, de saneamento, de águas pluviais e a construção de um arruamento pavimentado, com passeios, acrescidas as despesas inerentes a projectos, licenças, etc., estima-se, num critério prudente, uma percentagem nunca inferior a 40% do valor total do terreno para esse efeito.
15.º - Por fim, e no que concerne ao n.º 10 do art. 26º, a apelante entende que, face à localização do prédio junto ao IC, com os inconvenientes de ruído e poluição acrescido de um risco efectivo, um comprador avisado saberia reconhecer os inconvenientes do local e as dificuldades de um licenciamento -entende-se, portanto, dever adoptar um factor correctivo de, pelo menos, 5%.
16.º - Nesta conformidade, deverá o Tribunal ad quem promover uma correcção do valor indemnizatório atribuído na sentença ora apelada, fixando-o em quantia nunca superior a 22.260,00€ (vinte e dois mil, duzentos e sessenta euros), em conformidade com o recurso de decisão arbitral apresentado pela expropriante.
17.º - Com a decisão recorrida, o Tribunal a quo violou, entre outras, as normas previstas nos artigos 2.º, 23.º e 26.º do Código das Expropriações e nos artigos 13.º e 62.º da CRP.
Os expropriados contra-alegaram e concluíram pela improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.
Foram cumpridos os vistos legais.

II FUNDAMENTOS DE FACTO
4. Na sentença recorrida foi considerada provada a seguinte factualidade:
1) Por declaração de utilidade pública publicada no DR n.º 20 [Suplemento], II Série, de 28 de Janeiro de 2005, foi determinada a expropriação, [com carácter de urgência], da parcela 156 e no DR [II Série] n.º 120 [Suplemento] de 23 de Junho de 2006, a expropriação da parcela n.º 156-A, necessárias para a construção da SCUT do Grande Porto [A41/IC24], lanço Freixieiro/Alfena.
2) A parcela n.º 156 tem a área total de 714m2 e foi destacada de um prédio [rústico] sito no ………., freguesia de ………., concelho da Maia, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º 565 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º 00608/160589.
3) A dita parcela confronta de norte com IC24 e caminho, de sul com parte sobrante, de nascente com D………. e caminho e do poente com E………..
4) A parcela n.º 156-A tem a área de 81m2 e foi destacada do mesmo prédio rústico identificado em 2).
5) Esta parcela confronta de norte com IC24 e caminho, de sul com parte sobrante, de nascente com Parte sobrante e de poente com E………..
6) O prédio donde foram destacadas as duas parcelas expropriadas tinha configuração trapezoidal irregular e desenvolvia-se ao longo do caminho com o qual confronta a norte, paralelamente ao IC24, na extensão de 85m.
7) O terreno do prédio onde se inseriam as duas parcelas expropriadas é plano e à data da DUP encontrava-se inculto.
8) Dispunha apenas de uma vedação por rede de arame plastificado, com altura de 2,5m, apoiada em tubo metálico, encimada por 3 fiadas de arame farpado.
9) O acesso ao prédio é feito pela extrema nascente através de um portão em estrutura metálica e rede.
10) O referido prédio inseria-se em zona em desenvolvimento urbanístico, com construções de prédios de habitação colectiva, situando-se a cerca de 90 metros da Rua ………. e a cerca de 45 metros da Rua de S. Romão, onde existem prédios de dois pisos destinados a habitação unifamiliar.
11) A Rua ………. dispõe de todas as infra-estruturas urbanísticas e a Rua ………. apresenta pavimento em betuminoso e dispõe de redes de abastecimento de água, saneamento, distribuição de energia eléctrica e telefone.
12) O Plano Director Municipal da Maia classifica a área onde se inserem as parcelas expropriadas como "Espaço Urbano e Urbanizável – área predominantemente residencial de nível 2", a que corresponde o índice máximo de utilização de 1,0m2/m2.
Esta factualidade não foi impugnada pela apelante, pelo que se tem por definitivamente fixada, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 684.º, n.ºs 2, 3 e 4, 690.º-A, n.º 1, e 712.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil.
Não obstante, completou-se a redacção dos itens 1 e 2) com o acrescento das expressões mencionadas entre parênteses, nos termos que consta dos documentos constantes dos autos, designadamente as cópias dos respectivos Diários da República onde foram publicados os despachos que declararam a utilidade pública e o carácter urgente da expropriação, e as certidões matricial e registral quanto à natureza rústica do prédio. E também se corrigiu a redacção do item 4), substituindo a descrição do prédio donde foi destacada a parcela expropriada pela expressão "do mesmo prédio rústico identificado em 2)", para não repetir a sua descrição, que já constava do item 2).

III AS QUESTÕES DO RECURSO
5. Respeitando o presente recurso a acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008, a sua tramitação e julgamento ainda se rege pelo regime processual anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 11.º deste diploma legal, o novo regime aí estabelecido não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que ocorreu precisamente em 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º do mesmo decreto-lei).
De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o apelante extrai das suas alegações, desde que reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC). Pelo que, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC). Com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os "argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes", os quais, podendo ser muito respeitáveis, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como flui do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil (cfr., entre outros, JOSÉ ALBERTO DOS REIS, em Código de Processo Civil Anotado, vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, 1981, p. 143; ANTUNES VARELA, em Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 371/2008, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080371.html; e acórdãos do STJ de 10-07-2007, 10-04-2008 e 18-03-2010, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 07B2330, 08B877 e 10908-C/1997.L1.S1).
As conclusões formuladas pela recorrente reportam-se a divergências na aplicação dos critérios de avaliação das duas parcelas expropriadas, a que aludem os n.ºs 5 a 10 do art. 26.º do Código das Expropriações, quanto aos seguintes parâmetros:
1.º - índice máximo de construção possível nas parcelas expropriadas;
2.º - fixação em concreto da percentagem prevista no n.º 6 do art. 26.º;
3.º - aplicação em concreto das percentagens previstas no n.º 7 do art. 26.º;
4.º - dedução de 40% a título de reforço das infra-estruturas existentes, nos termos do n.º 9 do art. 26.º;
5.º - aplicação do factor correctivo previsto no n.º 10 do art. 26.º de, pelo menos, de 5%.
Tratam-se, no essencial, das mesmas divergências que o seu perito invocou em relação ao parecer dos restantes quatro peritos, já acima enunciadas, alegando a recorrente que o parecer maioritário dos peritos, que foi seguido na sentença recorrida, não cumpre adequadamente, quanto aos apontados parâmetros, as disposições legais aplicáveis. E por isso, pretende que se proceda a novo cálculo do valor das duas parcelas expropriadas em conformidade com o parecer do seu perito.
Não nos parece que as divergências que a recorrente aponta ao relatório pericial maioritário e que, reflexamente, opõe à sentença recorrida resultem de diferenças interpretativas da lei ou de algum erro na aplicação do direito ao caso concreto. Pelo contrário, toda a argumentação desenvolvida pelo seu perito na declaração que apresentou com o relatório pericial, como a agora desenvolvida pela recorrente, aponta no sentido de que se tratam, globalmente, de meras divergências de valoração técnica que se contêm, qualquer delas, dentro do respectivo critério legal aplicável a cada situação em concreto.
Ora, como tem sido realçado pela jurisprudência, na determinação do valor do solo apto para a construção, por referência à construção que nele seria possível executar, num aproveitamento económico normal e em condições normais de mercado, a que aludem os n.ºs 1 e 4 do art. 26.º do Código das Expropriações, "existe um domínio de discricionariedade técnica dos próprios peritos que torna irrefragáveis certas dimensões do juízo pericial por aqueles emitido e escapam à discussão dos juízes e dos advogados que representam as partes, para quem ficam reservados apenas juízos jurídico-normativos" (cfr. ac. desta Relação de 27-01-2009, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 0826497. Pronunciaram-se no mesmo sentido, entre outros, os acórdãos da Relação de Coimbra de 28-09-2004, em www.dgsi.pt/jtrc.nsf/ proc. n.º 1996/04, da Relação de Évora de 12-10-2006, em www.dgsi.pt/jtre.nsf/ proc. n.º 1134/06-3, e da Relação de Guimarães de 04-10-2007, em www.dgsi.pt/jtrg.nsf/ proc. n.º 1565/07-1). E como também referiu o acórdão desta Relação de 13-01-2009 (que o ora relator subscreveu como adjunto), proferido no recurso n.º 6397/08-2, também interposto pela ora recorrente, "não cabe ao juízes substituírem-se aos técnicos naquilo que é juízo pericial: se àqueles caberá delimitar os critérios legais a que os peritos se devem ater, apenas a estes estarão reservadas as valorações técnicas emergentes das suas leges artis".
De modo que, situando-se as apontadas divergências no domínio da valoração técnica feita pelos peritos, não nos parece suficiente que tais divergências possam constituir fundamento para alterar a decisão recorrida relativamente a qualquer dos parâmetros referidos pela recorrente.
Não obstante, vejamos cada um desses parâmetros em concreto.

6. O primeiro diz respeito ao índice máximo de construção possível nas parcelas expropriadas.
O tribunal recorrido, baseando-se no relatório pericial maioritário e no Regulamento do PDM do concelho da Maia, considerou que o índice máximo de construção permitida era de 1m2/m2. O que fez constar do item 12) dos factos provados, o qual não foi impugnado pela recorrente.
A recorrente, embora aceite que o índice de construção previsto no PDM do concelho da Maia para a área classificada de "espaço urbano e urbanizável – área predominantemente residencial de nível 2", onde se situam as duas parcelas expropriadas, é de 1m2/m2, como consta do item 12) dos factos provados, alega que existem condicionalismos impostos pelo mesmo PDM e pelo Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação do concelho da Maia, que obstariam a que no prédio expropriado pudesse ser utilizado aquele índice. Tais condicionalismos seriam os impostos pelo art. 32.º do Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação do concelho da Maia, relativo ao tipo de arruamento exigido para acesso à construção segundo a tipologia permitida no local (habitação unifamiliar ou, quando muito, duas habitações geminadas), e pelo art. 17.º do Regulamento do PDM quanto aos índices e alinhamentos dos edifícios já construídos junto do prédio expropriado, dizendo que "os edifícios junto ao prédio possuem somente R/C e andar, não existindo, numa envolvente dos 300 metros, índices de 1m2/m2". Para concluir que "atendendo à sua localização e construções na envolvente, admite-se atribuir-lhe uma capacidade construtiva, correspondente a um edifício unifamiliar ou mesmo duas habitações geminadas, o que equivale a um índice de utilização nunca superior a 0,60m2/m2".
A primeira observação a fazer é que dos factos provados não consta a existência de qualquer dos condicionalismos ora apontados pela recorrente. Mas ainda que se admita a existência desses condicionalismos, importa lembrar que os árbitros já tinham ponderado que, embora o índice máximo de utilização permitida no local pelo PDM fosse de 1m2/m2, "atendendo à localização, topografia e configuração da parcela" lhes parecia adequado o índice de 0,8m2/m2 (cfr. fls. 59 e 97). Superior, portanto, ao que propõe o perito da expropriante e ao que esta pretende. O que quer dizer que a influência dos mesmos condicionalismos no índice de construção que seria possível executar nas parcelas expropriadas não tinha a relevância que a recorrente alega e dependia de valoração eminentemente técnica, e não jurídica.
A segunda observação a fazer é que os quatro peritos que subscreveram o laudo maioritário, a que aderiu a decisão recorrida, também tiveram em conta os índices e as cérceas das construções existentes nos terrenos vizinhos, ponderando que "na vizinha Rua ………., as construções edificadas na base do PDM em vigor variam entre R/C + 8 e R/C + 6", para concluírem que "o prédio (dos expropriados) poderia viabilizar uma edificação, num aproveitamento economicamente normal, com um índice de construção de 1,0m2/m2 acima do solo" e que, de acordo com o previsto no art. 21.º do Regulamento do PDM, era ainda admissível "a construção de cave destinada a garagem, equivalente a 25% da área de construção acima do solo" (cfr. fls. 228).
Esta apreciação é conforme com as disposições do art. 17.º do Regulamento do PDM do concelho da Maia citadas pela recorrente, sobre índices e alinhamentos, as quais, nos segmentos que ao caso são aplicáveis, prescrevem do seguinte modo:
n.º 1, al. b) Nível 2: o índice máximo de utilização é de 1 e a cércea máxima admitida é de seis pisos ….
n.º 2 - Exceptuam-se do número anterior as construções a levar a efeito em:
b) Áreas de tecido urbano existente, quer se trate de colmatação, ampliação ou substituição de edifícios, em que serão respeitados os alinhamentos e cérceas dominantes do conjunto onde se inserem, não sendo invocável a existência de edifícios que excedam o alinhamento e a cércea dominante do conjunto.
Não constando concretizados nem os índices nem as cérceas das construções existentes na envolvente ao prédio dos expropriados, não é possível concluir que do preceito do n.º 2, al. b), do art. 17.º do Regulamento do PDM pudesse resultar alguma limitação no índice de construção possível no prédio expropriado.
A este respeito, faz-se notar que o perito da expropriante, embora invoque que há que tomar em conta os índices e as cérceas das construções existentes na envolvente, a nascente e a poente, não concretiza quais são esses índices e cérceas. Limita-se a dizer que são "variáveis". E também não justifica porque optou pelo índice de 0,6m2/m2, em vez de 0,8m2/m2 utilizado pelos árbitros, ou de 1m2/m2 utilizado pelos restantes peritos. Apenas conclui que "numa posição intermédia, entende-se que o índice adequado a considerar deverá ser de 0,60m2/m2 correspondente a 3 pisos acima do solo". Ora, tal formulação, designadamente através das expressões "entende-se" e "deverá ser", sugere que se está perante critérios de valoração técnica, e não jurídica. Assim confirmando a apreciação que fizemos supra. E em matéria de valoração técnica nenhuma razão objectiva existe para considerar que o critério deste perito é melhor e mais justo do que o assumido pelos restantes quatro peritos.
Finalmente, cabe dizer que não é perceptível em que é que o art. 32.º do Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação do concelho da Maia podia condicionar e limitar o índice de construção possível no prédio dos expropriados. Com efeito, de acordo com o texto do referido Regulamento do ano de 2004, publicado no D.R., II Série, n.º 73, apêndice n.º 39, de 26-03-2004, este artigo refere-se à "rede viária", e dispõe do seguinte modo:
«Artigo 32.º
Rede viária
1 — Os arruamentos a criar no âmbito de operações urbanísticas deverão harmonizar-se, quer funcionalmente, quer ao nível do desenho urbano, com o sistema geral consagrado na Carta Viária do Concelho da Maia.
2 — Como princípio geral, os arruamentos serão arborizados, no mínimo, numa das suas frentes, eleita por critério climático-geográfico, com as espécies botânicas a ele adequadas.
3 — Os impasses deverão ser evitados, admitindo-se a sua utilização devidamente justificada em situações de serviço local ou estacionamento de apoio a edificações.
4 — Os raios de curvatura na concordância entre arruamentos serão de dimensão igual à largura do arruamento de maior dimensão, sendo medido no intradorso da curvatura.
5 — A adopção de rotundas, como dispositivo organizador de tráfego, deverá sempre ser tecnicamente fundamentada e obedecer aos seguintes parâmetros mínimos de dimensionamento:
a) 30 metros de diâmetro interior para as vias de média intensidade de tráfego;
b) 50 metros de diâmetro interior para as vias de alta intensidade de tráfego;
c) 70 metros de diâmetro interior para as vias de ligação a redes viárias de escala superior.
6 — Nos novos arruamentos a executar não é admitida a adopção de dispositivos activos complementares, do tipo lomba, para controle de velocidade, sendo apenas considerada a possibilidade da sua utilização em arruamentos existentes, como recurso devidamente fundamentado.
7 — Os critérios orientadores de dimensionamento, bem como da interacção dos diversos componentes do arruamento, tais como vias, baias de estacionamento, passeios, entre outros, encontram-se representados no Anexo IV do presente regulamento.»
Não se detecta em alguma destas disposições regulamentares qualquer condicionamento ou limitação à construção que seria possível executar no prédio dos expropriados. E nem os árbitros nem os restantes quatro peritos também nenhum condicionamento registaram a respeito deste Regulamento.
Ainda no domínio do mesmo parâmetro, acrescenta ainda a recorrente que "a área expropriada também já se encontrava na zona non aedificandi do anterior IC24". Querendo assim sugerir que também essa condicionante limitava o índice de construção possível.
Em bom rigor, cremos que a própria expropriante considera ultrapassado e irrelevante para a avaliação das parcelas expropriadas o impedimento relativo à servidão non aedificandi. Porquanto, do que se trata aqui não é da implantação efectiva de um edifício, mas de encontrar o critério mais adequado para a sua avaliação justa. E neste âmbito, a expropriante aceita a classificação da parcela, para efeitos dessa avaliação, como «solo apto para construção».
Resolvida a classificação da parcela como «solo apto para construção», a existência da servidão non aedificandi deixa de relevar para a avaliação segundo os critérios previstos no art. 26.º do Código das Expropriações. A qual, deste modo, não poderá deixar de ter por referência a construção que no prédio seria possível realizar, num aproveitamento económico normal e em condições normais de mercado, como prescrevem os n.ºs 1 e 4 do art. 26.º do Código das Expropriações.
Tal entendimento é considerado pacífico na jurisprudência. E os muitos acórdãos citados pelos recorridos são disso exemplo expressivo. Limitamo-nos a acrescentar que nós próprios já tomámos idêntica posição sobre esta questão, em acórdão de 17-03-2009, proferido em recurso da mesma recorrente, no proc. n.º 14332/05.8TBMAI.P1 — que também correu termos na comarca da Maia (1.º Juízo Cível), relativo à expropriação da parcela n.º 50, também destinada à construção do mesmo lanço da SCUT DO GRANDE PORTO A41/IC24 — em que concluímos que "embora a parcela expropriada esteja onerada com servidão non aedificandi, tal ónus não impede que seja avaliada como «solo apto para construção», com vista à fixação de uma indemnização que corresponda ao valor real e corrente do bem em condições normais de mercado, se era essa a aptidão do prédio de que a dita parcela fazia parte integrante".
Ora, o laudo maioritário mostra que os peritos também tiveram esse facto em conta na sua avaliação. Dizendo que "sobre a parcela recaía uma «zona de servidão non aedificandi», pelo que não era passível de construção, no entanto, a sua área podia ser contabilizada para efeitos da determinação da capacidade edificativa do prédio, pelo que se considera, para efeitos da determinação da indemnização em sede de expropriação, de ter proporcionalmente o mesmo valor que o da fracção sobrante".
Inexiste, pois, fundamento jurídico para alterar o índice de construção que foi tomado em conta no cálculo do valor das parcelas expropriadas.

7. No tocante à percentagem a que alude o n.º 6 do art. 26.º do Código das Expropriações, diz a recorrente que julga "ser mais correcto, atendendo à qualidade ambiental, manifestada na área expropriada, considerar uma percentagem de 10%, a propósito do n.º 6 desta norma" [cfr. conclusão 12.ª).
Ora, a percentagem de 10% foi também a considerada no laudo maioritário dos peritos e aceite na sentença recorrida. Por isso, nenhuma divergência existe quanto a este parâmetro.
Quem divergiu daquela percentagem de 10% foi o perito da recorrente. Que propôs apenas 8%. Mas se a recorrente considera mais adequada a percentagem de 10%, então o seu entendimento é concordante com o da sentença recorrida.
Faz-se notar ainda que os árbitros também já tinham considerado a percentagem de 10% (fls. 59 e 97).
O que significa que esta percentagem é a que se revela, segundo a avaliação técnica dos três árbitros e de quatro peritos contra apenas um, como a mais ajustada às condições concretas das parcelas expropriadas no que respeita à sua localização, à qualidade ambiental e aos equipamentos existentes na zona, a que o n.º 6 do art. 26.º faz referência.

8. Quanto à aplicação em concreto das percentagens previstas no n.º 7 do art. 26.º do Código das Expropriações, quer os árbitros quer os quatro peritos que subscreveram o laudo maioritário valoraram a existência das seguintes infra-estruturas e aplicaram as seguintes percentagens, cuja soma perfaz 6%:
- acesso rodoviário pavimentado 1,5%;
- rede de abastecimento domiciliário de água 1%
- rede de saneamento 1,5%;
- rede de distribuição de energia eléctrica 1,0%;
- rede telefónica junto da parcela 1,0%.
A recorrente apenas discorda da atribuição de percentagem relativa ao "acesso rodoviário", porque, segundo diz, o acesso existente junto das parcelas expropriadas não é pavimentado, como exige a al. a) do n.º 7 do art. 26.º do Código das Expropriações (cfr. conclusão 13.ª).
Ora, acerca do acesso que liga a via pública mais próxima às parcelas expropriadas, dizem os peritos: "A(s) parcela(s) era(m) servida(s) por um caminho público (paralelo ao IC24) que interligava a Rua ………. e a Rua ……….. A Rua ………. está distante da(s) parcela(s) expropriada(s) cerca de 45 metros e está dotada das infra-estruturas abaixo descritas. Adoptou–se o princípio de que as infra-estruturas da Rua ………. seriam utilizadas pela parcela, desde que reforçadas" (cfr. fls. 228).
Também os árbitros já tinham considerado que "o prédio está inserido numa zona em franco desenvolvimento urbanístico" e que a Rua ………., situada a cerca de 90 metros da parcela, "dispõe de todas as infra-estruturas urbanísticas" e a Rua ………., situada a cerca de 45 metros da parcela, é em "pavimento betuminoso" (fls. 58-59 e 96).
Esta descrição foi incluída na factualidade provada, sob os itens 10) e 11), nos seguintes termos:
«10 – O referido prédio insere-se em zona em desenvolvimento urbanístico, com construções de prédios de habitação colectiva, situando-se a cerca de 90 metros da Rua ………. e a cerca de 45 metros da Rua ………., onde existem prédios de dois pisos destinados a habitação unifamiliar.
11 – A Rua ………. dispõe de todas as infra-estruturas urbanísticas e a Rua ………. apresenta pavimento em betuminoso e dispõe de redes de abastecimento de água, saneamento, distribuição de energia eléctrica e telefone.»
Foi, pois, tendo em conta a proximidade da Rua ………. (cerca de 45 metros), que é em "pavimento betuminoso" e de que beneficiava o acesso ao prédio expropriado, que os peritos atribuíram a percentagem legal. O que, em nossa opinião, se enquadra no âmbito da al. a) do n.º 7 do art. 26.º do Código das Expropriações. Tanto é assim que os peritos também consideraram a dedução de 30% a título de reforço das infra-estruturas existentes, a que alude o n.º 9 do mesmo artigo, incluindo o acesso rodoviário. Ora, esta dedução só tem aplicação ao reforço das "infra-estruturas existentes", como prescreve este preceito legal. E, por isso, a sua aplicação só faz sentido na hipótese de se aceitar o acesso rodoviário como infra-estrutura existente e a valorar no âmbito da al. a) do n.º 7 do art. 26.º.
Foi, aliás, esse o mesmo critério interpretativo adoptado em relação às demais infra-estruturas valorizadas, e a recorrente não divergiu dessas.
Entendemos, por isso, que é de manter a percentagem de 1,5% considerada pelo "acesso rodoviário pavimentado", no âmbito do disposto na al. a) do n.º 7 do art. 26.º do Código das Expropriações.

9. Uma outra divergência invocada pela recorrente refere-se à percentagem a deduzir a título de reforço das infra-estruturas existentes, a que alude o n.º 9 do art. 26.º do Código das Expropriações.
Alega a este respeito que "atendendo às despesas significativas inerentes à colocação das infra-estruturas no prédio, já que exige a construção de redes enterradas, de água, de saneamento, de águas pluviais e a construção de um arruamento pavimentado, com passeios, acrescidas as despesas inerentes a projectos, licenças, etc., estima-se, num critério prudente, uma percentagem nunca inferior a 40% do valor total do terreno para esse efeito" (cfr. conclusão 14.ª).
Esta posição da recorrente coincide com o parecer do seu perito, a fls. 233.
Por sua vez, os quatro peritos que subscreveram o laudo maioritário consideraram, a título de dedução relativa aos encargos a despender com o reforço das infra-estruturas existentes, a percentagem de 30%. E idêntica percentagem havia sido aplicada pelos árbitros (fls. 60 e 98).
Assim, a única divergência que a recorrente opõe ao que foi considerado pela maioria dos peritos e pelos árbitros está, apenas, na quantificação da percentagem a deduzir. Situando-se essa diferença entre os 30% aplicados pelos árbitros e a maioria dos peritos e confirmados pela sentença recorrida e os 40% propostos pelo perito da expropriante. Diferença que, mais uma vez, se reconduz a uma divergência de carácter técnico, e não jurídico.
O n.º 9 do art. 26.º do Código das Expropriações dispõe do seguinte modo: "Se o aproveitamento urbanístico que serviu de base à aplicação do critério fixado nos nºs 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas".
Como se constata, a norma não se refere a todos e quaisquer encargos a suportar com o reforço das infra-estruturas existentes, mas apenas quando constituir "uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes".
É que, como se esclarece no acórdão desta Relação de 22-10-2009 (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 163/04.6TBARC.P1), "a dedução prevista no citado art. 26.º, n.º 9, visa apenas o reforço das infra-estruturas já existentes, e não a criação de novas infra-estruturas relativamente a uma parcela que delas não usufruía, porquanto, como decorre do disposto no mesmo art. 26.º, n.º 7, o terreno é valorizado em função das infra-estruturas de que já beneficia e é nestas situações que se justifica a aplicação do disposto no n.º 9, considerando as despesas necessárias ao reforço dessas infra-estruturas". No mesmo sentido, o acórdão também desta Relação de 03-03-2010 (ibidem, proc. n.º 340/04.0TBARC.P1), conclui que "a dedução prevista no art. 26.º, n.º 9, do Cod. Exp./99 visa apenas o reforço das infra-estruturas já existentes … e só deve ocorrer se estas constituírem uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes".
Ora, a percentagem de 40% proposta pelo perito da recorrente e por esta defendida, abrange encargos que vão além do que está previsto no n.º 9 do art. 26.º do Código das Expropriações. E, de qualquer modo, nenhum fundamento concreto existe, à luz dos factos provados, que leve a supor que a percentagem de 30% é insuficiente para suportar os encargos com o reforço das infra-estruturas então existentes.
Regista-se, para além disso, a contradição e a incongruência da posição assumida pelo perito da expropriante, perante a apontada conexão entre os preceitos dos n.ºs 7 e 9 do art. 26.º do Código das Expropriações. Como se disse anteriormente, a dedução prevista no n.º 9 apenas se destina ao reforço das infra-estruturas existentes junto da parcela e valoradas nos termos do n.º 7. O que quer dizer que se tais infra-estruturas não existem, não podem ser objecto de valoração ao abrigo de qualquer das duas disposições legais citadas. Ora, o perito da expropriante considerou, por um lado, que nenhuma das infra-estruturas referidas no n.º 7 existia junto das parcelas e eliminou do seu cálculo a atribuição de qualquer das percentagens aí referidas, mas, contraditória e incoerentemente, considerou que existiam e deviam ser reforçadas para efeitos da dedução prevista no n.º 9. O que representaria uma dupla penalização inadmissível em desfavor dos expropriados.

10. Por último, a recorrente pretende que também seja deduzido no cálculo do valor do terreno, ao abrigo do disposto no n.º 10 do art. 26.º do Código das Expropriações, o factor correctivo de, pelo menos, 5% (cfr. conclusão 15.ª).
O seu perito tinha proposto o factor correctivo de 8% (fls. 234).
Nem os árbitros nem os demais peritos deduziram, a este título, qualquer percentagem.
O factor correctivo a que alude o n.º 10 do art. 26.º do Código das Expropriações destina-se a reajustar o valor do terreno, calculado segundo os critérios estabelecidos nos números anteriores, em razão da "inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva", de modo a fazê-lo corresponder o mais equilibradamente possível ao valor real e corrente do mercado.
A sua aplicação funda-se no pressuposto de que o expropriado, recebendo uma indemnização líquida dos custos que normalmente advêm dos riscos e do esforço inerentes à actividade de construção (como sejam os relativos às variações dos custos de materiais e mão-de-obra, aos encargos financeiros e fiscais, aos custos de organização e comercialização, etc.), ficaria numa situação de presumida vantagem relativamente à posição de não expropriado que tivesse de ali executar a mesma hipotética construção.
Ora, como prevê o preceito legal em causa, a aplicação deste factor não é automática. A sua aplicação e graduação têm que ser demonstradas e justificadas em concreto, segundo as circunstâncias de cada caso (cfr. entre muitos outros, os acs. desta Relação de 15-10-2007, 22-04-2008, 03-06-2008, 15-04-2008 e 07-05-2009, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ procs. n.º 0732452, 0821081, 0821914, 0726871 e 8797/04.2TBVNG, respectivamente).
Dos factos provados não resulta demonstrada a existência daquele tipo de risco e de esforço inerente à actividade construtiva nas parcelas expropriadas, no caso hipotético de ali ser implantada a edificação possível, que pudessem justificar a aplicação deste factor de correcção.

IV DECISÃO
Pelo exposto:
1) Julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.
2) Custas pela apelante (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

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Relação do Porto, 04-01-2011
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Sílvia Maria Pereira Pires