CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
CONTRATO DE INSTALAÇÃO DE LOJISTA
Sumário


I - Para haver cessão de exploração, não é necessário que o estabelecimento comercial esteja a ser explorado, podendo tal negócio ter lugar mesmo que a exploração não se tenha ainda iniciado ou esteja interrompida.
II - O complexo comercial instalado nos fundos de um hotel, apenas frequentado pelos clientes deste e pelas demais pessoas cuja entrada no hotel seja permitida, apresenta analogia com um centro comercial em sentido vulgar, atendendo nomeadamente a que o próprio hotel funciona como loja âncora, da qual as outras são complementares, que atrai a clientela que posteriormente consumirá também os produtos e serviços nas lojas do complexo.
III - Esta analogia justifica a aplicação do regime jurídico adequado aos centros comerciais, pelo que os contratos relativos à exploração das lojas não são de pura e simples cessão de exploração de estabelecimento comercial, nem de arrendamento para o exercício do comércio ou indústria – não vigorando por isso a regra da sua renovação automática -, mas sim contratos de instalação de lojista em centro comercial ou espaço análogo.
I.V.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"Empresa-A, Lda", instaurou em 12/12/97 contra Empresa-B - Sociedade de Hotéis de Portugal, SA., acção com processo ordinário, pedindo a condenação desta a reconhecer que o contrato celebrado entre ambas, que identifica, não é de cessão de exploração de estabelecimento comercial, mas de arrendamento de imóvel para o exercício de comércio ou indústria, a nulidade das cláusulas 8ª, nºs 1 e 2, 12ª, 15ª, nº 3, 16ª, nº 1, na parte em que estabelece "salvo denúncia de qualquer das partes", 16ª, nº 2, 17ª e 18ª, e a nulidade da denúncia operada pela ré;
- para tanto invoca, em resumo, ter celebrado com esta um contrato pelo qual a ré lhe cedeu um espaço localizado nos baixos do Hotel ...., prédio urbano propriedade da ré, onde ela autora instalou um estabelecimento de cabeleireiro, e que tal contrato, apesar da designação que as partes lhe atribuíram (cessão de exploração), é de arrendamento para exercício de comércio e indústria, dado ter sido ela autora quem praticou todos os actos tendentes a tornar o espaço apto a funcionar; por isso não podia a ré denunciar tal contrato, como fez.
Em contestação, a ré impugnou, sustentando ser o contrato de cessão de exploração e não de arrendamento, pelo que pede a improcedência da acção.
Proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções nem nulidades secundárias, foram elaborados especificação e questionário, de que reclamou a autora, tendo a sua reclamação sido deferida em parte.
Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido dadas respostas aos quesitos, após o que foi proferida sentença que julgou a acção procedente e declarou ser o aludido contrato de arrendamento para exercício de comércio e indústria, e serem nulas as indicadas cláusulas e a denúncia do mesmo contrato feito pela ré.
Esta apelou, tendo a Relação proferido acórdão que concedeu provimento à apelação, revogou a sentença recorrida, julgou a acção improcedente (por lapso manifesto, que foi posteriormente rectificado, nele se dizia "procedente"), e absolveu a ré dos pedidos.

É deste acórdão que vem interposta a presente revista, agora pela autora, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:
1ª - O contrato dos autos não pode ser considerado atípico ou inominado de instalação de lojista em centro comercial;
2ª - Desde logo porque o estabelecimento comercial de cabeleireiro se encontra inserido não num centro comercial mas num hotel;
3ª - Não se encontrando preenchidos os requisitos que consubstanciam a atribuição ao local da designação de centro comercial;
4ª - Bem assim, ao contrato base apenas se agregam obrigações recíprocas não típicas;
5ª - O que não afasta a sua matriz base de contrato de arrendamento;
6º - Não se trata igualmente de contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial pois ao tempo do contrato não existia ainda estabelecimento comercial;
7ª - Apenas o passou a haver com a prática, pela autora, de actos tendentes à sua criação;
8ª - Estamos perante um contrato de arrendamento para comércio e indústria, ou não entender assim, o Tribunal da Relação de Lisboa violou as regras constantes dos art.s 51º do RAU e 280º do Cód. Civil;
9ª - Em consequência deverão ser declaradas nulas a denúncia do contrato, bem como as mencionadas cláusulas, revogando-se o acórdão recorrido e confirmando-se a sentença da 1ª instância.
Em contra alegações, a recorrida pugnou pela confirmação do mesmo acórdão, requerendo, para a hipótese de não se entender que ao contrato em causa deva ser aplicado o regime dos contratos atípicos para utilização de lojas em centros comerciais, a ampliação do recurso à questão da qualificação do contrato como de cessão de exploração, que lhe deverá então ser atribuída, de qualquer modo com a consequência da confirmação do decidido no acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os como tais declarados no acórdão recorrido, para o qual nessa parte se remete por imposição do disposto nos art.s 726º e 713º, nº 6, do Cód. Proc. Civil, uma vez que não houve impugnação da matéria de facto nem há fundamento para a sua alteração, sem prejuízo da sua transcrição na medida em que tal se revele necessário ou conveniente para apreciação das questões suscitadas.
A única questão suscitada nas conclusões das alegações da recorrente é a da qualificação jurídica do contrato celebrado entre ela e a recorrida, para daí serem retiradas as consequências que defende. Segundo ela, trata-se de um contrato de arrendamento para exercício de comércio ou indústria, assim o tendo entendido também a sentença da 1ª instância; segundo o acórdão recorrido trata-se de um contrato atípico de instalação de lojista em centro comercial; a recorrida, por sua vez, embora só a título subsidiário pretenda seja tratada essa questão, pende para a qualificação do contrato como de cessão de exploração de estabelecimento comercial.
Ora, uma vez que se mostra assente que a ré, por contrato celebrado entre ambas, cedeu à autora o gozo de um espaço para exercício da actividade de cabeleireiro, contra pagamento de uma quantia mensal determinada, poder-se-ia concluir desde logo, se nada mais houvesse sido estipulado entre elas e nenhum outro facto houvesse a ponderar, que estaríamos efectivamente perante um contrato de arrendamento para fins comerciais ou industriais, como pretende a recorrente (art.s 1022º e 1023º do Cód. Civil, 1º e 110º do RAU). Mas há vários outros factos a ter em conta.
Para começar, o próprio facto de terem denominado o contrato como "cessão de exploração". Não se trata aqui de um elemento decisivo, porque, como é sabido, essa denominação não vincula o intérprete, que não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, sendo livre quanto à qualificação jurídica dos factos (art. 664º do Cód. Proc. Civil): o que conta para efeito da qualificação do contrato é o próprio teor das declarações de vontade das partes, o que elas realmente quiseram e fizeram constar das suas declarações contratuais, só assim podendo ser entendido o princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405º do Cód. Civil ao dispor, este, que as partes têm, dentro dos limites da lei, a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos nesse diploma, ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver. Quer isto dizer que é da vontade das partes revelada e interpretada pela análise do teor das declarações contratuais que há-de resultar a qualificação do contrato e o seu regime jurídico, e não do nome que elas lhe atribuíram; é das suas declarações contratuais que, portanto, se há-de partir para se determinar se o contrato tem a qualificação que lhe atribuíram, e não da denominação que lhe deram para se concluir se determinadas cláusulas que nele integraram são ou não válidas.
No entanto, da circunstância de o contrato de arrendamento ser um contrato cujos requisitos essenciais já caíram no domínio público, sabendo praticamente toda a gente, com um mínimo de conhecimentos, do que se trata, quer por habitarem ou terem habitado em prédio arrendado, ou por terem familiares, amigos ou conhecidos que o habitam, quer, ainda mais, comerciantes que têm de recorrer a esse tipo de contratos para o exercício das suas respectivas actividades, já resulta como indício que, embora se possam ter enganado, as partes, não designando um contrato que celebram como arrendamento, com certa probabilidade não terão querido celebrar tal tipo de contrato.

Já os requisitos do contrato de cessão de exploração, por não ser de uso tão vulgar como o de arrendamento, não são, como é bem sabido e portanto notório, tão conhecidos pelo comum das pessoas; por isso, muito mais admissível será a hipótese de erro na utilização da designação "cessão de exploração", como nome de um contrato distinto de tal cessão, embora, pelos motivos acima indicados, não haja grande probabilidade de, ocorrendo tal erro, o contrato efectivamente celebrado ser de arrendamento, pois o normal é que, pretendendo celebrar um contrato de arrendamento, como arrendamento o designem.

Dos termos do art. 111º do RAU (à data do contrato em causa, 18/8/1988, vigorava o art. 1085º do Cód. Civil, com redacção praticamente igual), resulta que o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial (também conhecido como locação de estabelecimento comercial) se define como o contrato pelo qual se transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado. Implica este contrato, como o trespasse, - do qual difere essencialmente porque na cessão de exploração há uma transferência temporária da exploração enquanto no trespasse há uma transmissão definitiva da titularidade do estabelecimento -, a transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento e que, transmitido o gozo do prédio, nele se continue a exercer o mesmo ramo de comércio ou indústria.
Pressupõe tal cessão, face ao disposto ainda no nº 2 do art. 115º do RAU., aplicável por remissão feita pelo nº 2 daquele art. 111º, a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) transferência para outrem da exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, englobando a transmissão de instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integrem o estabelecimento;
b) feita juntamente com o gozo do prédio, continuando a exercer-se nele o mesmo ramo de comércio ou indústria, não podendo ser-lhe dado destino diferente;
c) temporária, e
d) onerosa.
E, face ao disposto no nº 1 daquele art. 111º (ou do entretanto revogado art. 1085º do Cód. Civil), tal contrato não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico: a lei reconhece que o valor dinâmico da exploração comercial prevalece sobre o valor estático do imóvel, excluindo-o do âmbito do contrato de locação e sujeitando-o ao princípio geral da liberdade contratual. Embora nominado, o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial é um negócio atípico, não lhe sendo aplicáveis as disposições legais específicas do contrato de arrendamento, designadamente a regra vinculística da renovação obrigatória.
Para suprir as omissões do respectivo regime haverá que recorrer às regras gerais sobre os contratos. Por outro lado, é doutrina largamente maioritária a de que, para haver cessão de exploração de estabelecimento, não é necessário que o estabelecimento esteja a ser explorado, podendo tal negócio ter lugar mesmo que a exploração não se tenha ainda iniciado ou esteja interrompida (Januário Gomes, "Cessão de Exploração de Estabelecimento", in Col. Jur. XVII, I, 53; Eridano de Abreu, "Rev. Ordem dos Advogados", 47, II, 755; Lobo Xavier, "Locação de Estabelecimento Comercial e Arrendamento", in Rev. Ordem dos Advogados, 47, III, 781; Ferrer Correia, "Contrato de Locação de Estabelecimento, Contrato de Arrendamento de Prédio para Fins Comerciais, Contrato Inominado", in Rev. Ordem dos Advogados, 47, III, 819; Antunes Varela, "Cessão da Exploração de Estabelecimento em Formação", in Rev. Ordem dos Advogados, 47, III, 843, e Rev. Leg. Jur., 123, 343).

Ora, do documento de que consta o contrato celebrado entre autora e ré consta expressamente que entre elas "é celebrado um contrato de cessão de exploração, relativo ao estabelecimento comercial instalado na loja nº 7, localizada nos baixos do Hotel, ...", acrescentando-se que "o local dado de exploração se destina ao exercício da actividade de cabeleireiro e estética e ao comércio de produtos inerentes a estas actividades", e indicando-se depois o equipamento que na loja se encontrava. Tudo conduzido mais uma vez ao entendimento de que não nos encontramos, com efeito, perante um contrato de arrendamento, mas perante um contrato de cessão de exploração de estabelecimento ou figura jurídica semelhante, caso contrário não se vê motivo para que se referisse expressamente que o contrato celebrado, novamente designado como de cessão de exploração, fosse relativo, não à loja, mas ao estabelecimento comercial nela instalado.
Quer dizer: das declarações contratuais das partes resulta que estas mais provavelmente quiseram um contrato com regime jurídico distinto do arrendamento, mais próximo do da cessão de exploração ou de figura idêntica.
No acórdão recorrido entendeu-se porém, que do conjunto dos factos provados resulta não ser admissível a qualificação do contrato em causa como contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial nem como contrato de arrendamento para o exercício de comércio e indústria, mas antes como contrato atípico ou inominado de instalação de lojista em centro comercial. E entende-se que bem, apesar de não nos encontrarmos perante um centro comercial verdadeiro e próprio.
Para que se possa falar em centro comercial impõe-se que exista uma organização unitária instalada em imóvel adequado, cujo proprietário se tenha disposto a, por si ou por intermédio de uma empresa organizadora ou exploradora, ceder espaços do mesmo em regime de comércio integrado. Isto é, o organizador ou explorador do centro toma o encargo de ceder o uso de espaços a comerciantes, mediante contrapartida periódica, para que neles instalem unidades comerciais e transaccionem os seus produtos, reservando para si o controlo da gestão dos interesses comuns do centro, como fornecimento de energia eléctrica, de água, de gás, de segurança, de limpeza e de embelezamento dos espaços comuns, de organização de campanhas promocionais e publicitárias, de acesso, por vezes, a mini-jardins de infância para guarda de crianças de forma a que os pais destas possam mais livremente dedicar-se às compras, a zonas de lazer e descanso, e a aparcamento, pago ou não, mas com ligação ao centro comercial, conforme esclarece entre outros Aragão Seia ("arrendamento Urbano", 6ª ed., pg. 628), que aí acrescenta que as lojas de diversos ramos são distribuídas segundo um plano de integração previamente concebido pelo organizador ou explorador do centro, obedecendo a um critério de complementaridade, com pólos de atracção especial, - as designadas lojas âncora -, cuja missão é atrair visitantes e consumidores, mas complementadas por outras destinadas a satisfazer o maior número possível de necessidade destes para que não necessitem de completar as suas compras noutro local. Igualmente ensina Antunes Varela (R.L.J. 129, 54-55) que, para que haja contrato de instalação de lojistas em centro comercial, é naturalmente necessário que exista a prévia constituição da nova unidade global que é o centro, e que os lojistas, ao explorarem a loja que lhes é entregue, pretendam integrar-se nessa organização unitária. É na ideia de complementaridade das várias lojas, no proveito recíproco que umas recebam das outras, e na uniformidade concertada da sua actuação, (com as suas promoções globais, com o embelezamento das suas instalações e a ampliação dos seus serviços comuns, e com o combate determinado às prestações de má qualidade dentro do seu recinto) que reside a verdadeira trave-mestra do centro comercial. E a instalação do comerciante em loja do centro comercial tem como escopo principal a integração do lojista no conjunto organizado de actividades comerciais a exercer no centro, por forma a, sujeitando-se ele próprio às limitações à sua actividade comercial impostas por regulamento, - quanto, por exemplo, ao modo de apresentação dos produtos e à época das promoções -, beneficiar do aumento e melhoria de clientela que a organização pode proporcionar.

É devido a este conjunto de direitos e deveres próprios da mencionada organização unitária e que para o lojista resultam da sua integração nessa unidade global que o contrato de instalação de lojista em centro comercial se afasta do contrato de cessão de exploração de estabelecimento, uma vez que tal cessão está, como se referiu, sujeita a um regime de liberdade contratual muito mais amplo, e do contrato vinculístico de arrendamento, até porque o centro, para sobreviver proveitosamente, tem de se poder libertar dos elementos que por hipótese venham a recusar submeter-se ao respectivo regulamento em prejuízo dos demais, o que conduz à conclusão de que o dito contrato de instalação é um contrato atípico, sujeito à disciplina geral dos contratos e não à consagrada pelo R.A.U., pelo que fica afastado o princípio da renovação automática do contrato.
Na situação dos autos não nos encontramos, como se disse, perante um verdadeiro centro comercial, mas perante um hotel. Este bem, porém, a categoria de cinco estrelas, nele se situando, fisicamente, a loja em que se encontra instalada o estabelecimento de cabeleireiro que era explorado pela autora, - denominado até "Cabeleireiro ..." -, a que se acedia através da porta e do átrio do próprio hotel; o edifício deste foi, desde logo, concebido e construído com espaços nos pisos inferiores destinados a diversas lojas, por ser prática na indústria hoteleira as entidades proprietárias dos hotéis cederam a exploração de lojas a certos comerciantes mediante a observância de certas regras de actividade; as lojas instaladas no hotel da ré, incluindo aquela em que se encontra instalado o estabelecimento da autora, só têm acesso à via pública através da porta do hotel, e só podem dirigir-se a essas lojas as pessoas que tenham entrado no hotel, que faculta diversos serviços, como o fornecimento de energia eléctrica, de água, serviços de segurança, iluminação de zonas de acesso, parqueamento de viaturas. Como se torna evidente, a instalação dos aludidos estabelecimentos, - incluindo o da autora -, nas lojas do hotel, tinha por finalidade essencial possibilitar ao hotel a melhor e mais completa possível prestação aos seus clientes dos serviços de que estes necessitassem, o que por sua vez trazia obviamente aos lojistas ali instalados maior segurança quanto à angariação de clientela e à qualidade desta.

Constata-se, pois, que, pelo contrato celebrado entre as partes, a autora ficou com o direito de se instalar na loja em causa e de explorar o estabelecimento de cabeleireiro para que tal loja já se encontrava preparada, com equipamento, mobiliário e existências já nela instalados e utilizados pela anterior exploradora, a quem a autora os comprou antes ainda da celebração daquele contrato para encetar, por sua vez, a continuação dessa exploração, integrando-se numa organização unitária constituída por um complexo comercial mais vasto, pertencente ao Hotel .... e instalado nos pisos inferiores deste, sendo a ré, enquanto proprietária do hotel, a organizadora do complexo e prestadora dos aludidos serviços.
Não se tratando de um centro comercial no sentido vulgar, de complexo comercial organizado de forma unitária livremente aberto ao público, mas de um complexo comercial instalado nos fundos de um hotel, apenas frequentado pelos clientes deste e por demais pessoas cuja entrada no hotel seja permitida, nem por isso deixa de haver uma analogia de situações que justifica a aplicação, na hipótese dos autos, de regime jurídico idêntico ao que se considera adequado para o centro comercial normal, atendendo nomeadamente à existência de um estabelecimento comercial que desempenha de forma manifesta a função de loja âncora, da qual as outras são complementares, e que é o próprio hotel, que atrai a clientela que posteriormente consumirá também produtos e serviços nas lojas do complexo. Ou seja, também na hipótese dos autos não vigora a regra da renovação automática do contrato.
Donde que o contrato em causa, embora não seja de pura e simples cessão de exploração de estabelecimento comercial, também não seja de arrendamento de imóvel para o exercício do comércio ou indústria, sendo antes de instalação de lojista em centro comercial ou espaço análogo, tendo ser interpretado e aplicado de harmonia com a vontade declarada das partes, face ao princípio da liberdade contratual consagrado nos artºs 398º e 405º do Cód. Civil.
Aliás, como vem sendo entendido no Supremo, este pode até exercer censura sobre se, na interpretação das cláusulas contratuais, foi observado o disposto nos art.s 236º, nº 1, e 238º, do Cód. Civil, o que sucede quando a interpretação feita pela Relação não está de harmonia com o texto do documento de que constem. Na hipótese dos autos, porém, há uma manifesta correspondência entre o texto do documento escrito e o contrato que a Relação diz ter sido o celebrado pelos contraentes. Por isso, qualificado o contrato como de instalação de lojista em centro comercial ou espaço análogo, não há fundamento para declaração de nulidade das cláusulas indicadas pela recorrente, nem da denúncia operada pela ré, o que impede se reconheça razão àquela.

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 14 de Maio de 2002
Silva Salazar
Pais de Sousa
Afonso de Melo
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Declaração de Voto

Sem que se verifiquem os requisitos estabelecidos na Portaria nº 424/85, de 25/07, na sequência do DL nº 417/83, de 25/11, designadamente quanto à dimensão mínima e continuidade espacial, período de funcionamento e unidade de gestão, não há centro comercial.
Não há que atender à existência de espaços análogos.
A meu ver, "in casu", trata-se de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial ou locação de estabelecimento.
Acontece, no entanto, que este contrato pode ser denunciado para o termo do prazo estimulado ou da respectiva renovação, não se lhe aplicando aqui o regime vinculístico do RAU.

Afonso de Melo.