CONTRATO DE MANDATO
MANDATÁRIO JUDICIAL
HONORÁRIOS
DESPESAS
Sumário

I - O mandante está obrigado a fornecer ao mandatário os meios necessários á execução do mandato, não sendo razoável exigir deste o adiantamento dos meios próprios para execução ou continuação da execução do mandato.
II - É lícito ao advogado exigir, a título de provisão, quantias por conta dos honorários.
III - É possível convencionar o fim a que se destina a provisão.
IV - Convencionado que a provisão é feita por conta dos honorários, só será imputada no pagamento destes, devidas a final.
V - Convencionado ser por conta das despesas (facto a provar pelo mandante), há que provar, para do mandatário exigir que despendesse a provisão no pagamento do preparo, que este se continha no valor daquela, o mesmo valendo para as outras despesas.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A, intentou, no Tribunal Judicial de Oeiras, acção ordinária contra B, peticionando a condenação do réu no pagamento da quantia de 15440000 escudos, a título de danos patrimoniais e de 2000000 escudos, a título de danos morais sofridos, bem como da quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença relativamente aos danos ainda não apurados.
Para tal alegou, em síntese, que em 28 de Março de 1990 mandatou o réu, na qualidade de advogado, para contestar uma acção de reivindicação que havia sido intentada contra ela; que trabalhava como emigrante em França e tinha-se deslocado a Portugal propositadamente para aquele efeito; quando em Abril de 1992 regressou a Portugal tomou então conhecimento da procedência daquela acção com todos os efeitos prejudiciais para si, designadamente o de ter sido despejada da sua habitação; com tal situação, devida à conduta do réu, a autora sofreu danos de natureza patrimonial e de natureza moral, pelos quais, pretende ser ressarcida.

Contestou o réu invocando, desde logo, as excepções de ilegitimidade da autora, da sua falta de interesse em agir e da prescrição do direito invocado. Impugnando, sustentou essencialmente que a perda do andar pela autora não teve qualquer conexão com a conduta do réu; que o réu advertiu a autora para a necessidade de obtenção junto da Junta de Freguesia de sua residência da certidão de insuficiência económica; que fez diversas diligências para localizar a autora, mas sempre sem êxito, sendo certo que ignorava que a autora estivesse no estrangeiro, dado tal nunca lhe ter sido mencionado por aquela, nem a própria vizinhança conhecer o seu paradeiro; que inexiste qualquer nexo de causalidade entre a improcedência da acção de reivindicação e qualquer eventual perda de direitos, relativos à casa, por parte da ré.

Deduziu ainda o réu o incidente de intervenção de "C - Companhia de Seguros, SA", posteriormente admitido, contestando esta por adesão à defesa do réu.
Exarado despacho saneador onde se decidiu pela legitimidade da autora e foi julgada improcedente a arguida excepção peremptória da prescrição do direito invocado, condensados e instruídos os autos, e após audiência de julgamento com decisão acerca da matéria de facto controvertida, foi proferida sentença na qual, julgada a acção improcedente, se absolveu o réu do pedido.
Inconformada, apelou a autora, sem êxito embora, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 22 de Novembro de 2001, negou provimento ao recurso confirmando a sentença recorrida.
Interpôs, então, a autora, recurso de revista, pugnando pela revogação do acórdão em crise e sua substituição por outro que julgue procedente a acção e condene o réu tal como se pediu.
Contra-alegaram os recorridos defendendo a manutenção do acórdão recorrido.
Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Sendo, em princípio, pelo teor das conclusões das alegações que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil), começam por enunciar-se as conclusões formuladas pela recorrente:
1. O então réu e ora recorrido Dr. B não cumpriu, integral e pontualmente, o contrato de mandato judicial, celebrado com a sua cliente e ora recorrente A, violando o disposto nos arts. 406º, nº 1, do CC e 83º, nº 1, al. d), do Estatuto da Ordem dos Advogados (DL nº 84/84, de 16/03).
2. Tal incumprimento implicou prejuízos graves para a autora e ora recorrente, sua cliente, pelos quais o réu recorrido é responsável nos precisos termos do art. 798º do CC.
3. O réu recorrido agiu com culpa pois um "bom pater familias", encarado no caso concreto como um "bom profissional", nunca deixaria cair, por questões processuais a que facilmente poderia ter obstado com um modesto dispêndio passível de ressarcimento, uma acção em que fosse mandatário.
4. A recorrente A, então ré no processo de reivindicação, provavelmente nunca viria a sofrer o prejuízo que sofreu não fora o incumprimento, por parte do réu, ora recorrido, do contrato de mandato judicial, o que determina o nexo de causalidade para efeitos de imputação de responsabilidade civil.
5. Pelos fundamentos expostos, o acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, violou, por erro de interpretação, as disposições legais já referidas em 1. e 2.
6. Acessoriamente se alega e conclui, também pelos fundamentos expostos, que a factualidade valorada na 1ª instância e confirmada pelo acórdão recorrido, está em oposição com a decisão (art. 668º, nº 1, al. b), do CPC).
Encontra-se assente em definitivo pelas instâncias a seguinte factualidade:
a) - em 28 de Março de 1990, o réu Dr. B, advogado, foi mandatado pela autora para contestar numa acção de reivindicação de propriedade intentada contra a mesma por D e mulher e que correu seus termos pela 1ª Secção, 2º Juízo, Proc. 205/89, deste tribunal (de Oeiras);
b) - a acção proposta relacionava-se com o 3º andar frente de um prédio urbano, sito na Av. ...., Lote 20, Oeiras, que a autora ocupava;
c) - o seu direito de posse estava legitimado por um contrato promessa de compra e venda datado de 27/01/82, celebrado pelo promitente vendedor e por um contrato de cedência de posição contratual do inicial promitente comprador;
d) - estes títulos foram considerados perfeitamente válidos por Acórdão de 24/09/96, do Tribunal da Relação de Lisboa (Proc. nº 1346701/95) onde se encontram identificados;
e) - a contestação foi entregue no Tribunal em 6 de Abril de 1990 integrando, no seu articulado, o requerimento de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de preparos e do prévio pagamento de custas;
f) - a contestação dessa acção deu entrada no Tribunal entregue pela própria autora tendo para o efeito também a mesma entregue para provisão a quantia de 35000 escudos;
g) - a autora foi despejada da sua habitação própria e o andar que lhe foi prometido vender, vendido a outrem;
h) - datada de 14/05/90 o réu enviou para a morada da Av. Dr. ...., em Oeiras, uma carta à autora, com o conteúdo de fls. 105 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzida;
i) - dá-se por reproduzido para os devidos efeitos o conteúdo da certidão e atestado juntos a fls. 106 e 107 dos autos;
j) - entre a "D" e a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores foi celebrado um contrato de seguro de grupo de responsabilidade civil, titulado pela apólice nº 91/029000-00, conforme condições gerais, especiais e particulares juntas;
k) - no ano de 1992 a autora foi informada "que a papelada estava toda no tribunal, tendo sido aconselhada a procurar outro advogado";
l) - a autora viveu numa casa na rua dos Malmequeres, em Carcavelos;
m) - ao sair do andar em Janeiro de 1993, a autora ficou privada de utilizar os seus pertences naquele local;
n) - a autora é portadora de um quadro clínico de depressão neurótica que lhe determina necessidade de tratamento em ambulatório;
o) - a autora foi alertada pelo réu e pela sua secretária da necessidade de entregar com a maior brevidade possível certificado de insuficiência económica para fins de apoio judiciário;
p) - e a autora garantiu que iria providenciar nesse sentido;
q) - a autora comprometeu-se ainda a obter os originais dos contratos de promessa de compra e venda, recibo de sinal e cessão de posição contratual, o que jamais concretizou;
r) - a autora nunca mais contactou o réu, quer por escrito, por telefone ou por qualquer outra forma;
s) - em Junho de 1990, a autora foi de novo advertida pela colaboradora do réu para apresentar certidão de insuficiência económica;
t) - o réu ignorava que a autora trabalhava no estrangeiro;
u) - a única morada que a autora comunicou ao réu foi aquela para onde este tentou contactá-la, sem êxito;
v) - foram enviadas várias cartas, feitos vários telefonemas, entregues em Juízo vários documentos, efectuadas inúmeras deslocações do réu a Oeiras, tudo com a finalidade de obter informações sobre o paradeiro da autora.
Invoca a recorrente, se bem que a título acessório, que o acórdão recorrido enferma da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do art. 668º do C.Proc.Civil. Fá-lo, aliás, de forma contraditória ao afirmar que a nulidade advém do facto de a factualidade valorada estar em oposição com a decisão.
É que a nulidade daquela alínea b) somente se verifica quando na decisão não foram especificados os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão, sendo indubitável que a decisão recorrida se mostra devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito (por remissão como expressamente permite o art. 713º, nº 6, do C.Proc.Civil).
A oposição entre os factos e a decisão - "a contradição real entre a fundamentação e a decisão, que acontece quando a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente" (1) - reflecte um vício lógico no raciocínio do julgador, isto é "a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto". (2)
Situação diferente - e que nos parece ser a apontada pela recorrente (note-se, aliás, que a confusão é mais frequente do que desejável) - é a de existir uma errada fundamentação na medida em que a apreciação dos factos apurados e a sua subsunção do direito, ou seja, a aplicação do regime jurídico não são os adequados. Só que neste caso não se verifica qualquer nulidade mas tão só erro de julgamento que poderá, naturalmente, conduzir à revogação da decisão impugnada. (3)

Em consequência, se de vício padece o acórdão impugnado será de erro de julgamento, objecto de análise no âmbito das questões de fundo que não de mera forma, razão por que falece a pretensão anulatória da recorrente uma vez que nenhuma nulidade inquina aquela decisão.
A única questão que importa apreciar no âmbito deste recurso - como resulta do teor das conclusões formuladas pelo recorrente - é a de determinar da verificação ou não da obrigação para o recorrido de indemnizar a recorrente por prejuízos por esta alegadamente sofridos em consequência de incumprimento (ou defeituoso cumprimento) por parte daquele do contrato de mandato entre ambos celebrado.
O contrato de mandato (4), tal como o define o art. 1157º do C.Civil, é aquele pelo qual uma das partes se obriga a prestar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.
Concretamente disciplinado pelos arts. 1157º a 1184º do C.Civil, o mandato impõe uma série de deveres contratuais, a prestar por um e outro dos contraentes, de que avultam as obrigações para o mandatário de "praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante, prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão, comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu, a prestar contas findo o mandato ou quando o mandante as exigir e a entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato" (art. 1164º do C.Civil).
Porém, no que concerne ao mandato judicial, surgem, no domínio dos deveres do mandante, algumas especificidades, impostas pelo Estatuto da Ordem dos Advogados (Dec.lei nº 84/84, de 16 de Março) e resultantes da necessidade de "uma adaptação das normas reguladoras do exercício da advocacia de modo a aproximá-las dos ordenamentos jurídicos dos países da Comunidade Europeia" (5), designadamente, e nos termos do art. 83º, als. c), d), g) e j) do mencionado diploma, as obrigações de "dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que este invoca, assim como prestar sempre que lhe for pedido, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, dar conta ao cliente de todos os dinheiros deste que tenha recebido, qualquer que seja a sua proveniência, e apresentar nota de honorários e despesas, quando solicitadas, e não abandonar o patrocínio do constituinte ou o acompanhamento das questões que lhe estão cometidas sem motivo justificado".
Resumindo, sobretudo atendendo à al. a) do nº 1 do art. 1167º, mas como resultado de todas as demais obrigações impostas ao mandatário, pode dizer-se que este, à semelhança do que dispõe o art. 1710º do C.Civil italiano, deve "exercer o mandato com a diligência de um bom pai de família"(6), conceito este que é, "consabidamente, um conceito relativo que deve considerar a diligência do homem médio, mas também o tipo de mandato e as circunstâncias em que é executado". (7)
Em contrapartida, obriga o art. 1167º o mandante "a fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, se outra coisa não foi convencionada, a pagar-lhe a retribuição que ao caso competir, e fazer-lhe provisão por conta dela, segundo os usos, a reembolsar o mandatário das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais desde que foram efectuadas e a indemnizá-lo do prejuízo sofrido em consequência do mandato, ainda que o mandante tenha procedido com culpa".
Baseou a recorrente a sua pretensão indemnizatória na responsabilidade advinda para o réu do incumprimento (ou cumprimento defeituoso) do contrato de mandato entre ambos celebrado, mediante o qual aquela o encarregou de contestar uma acção de reivindicação contra si instaurada por D e mulher, bem como de, nessa contestação, formular pedido de apoio judiciário.
Situando-se, sem dúvida, a obrigação de indemnização imputada ao réu pelo incumprimento do mandato no âmbito da responsabilidade civil contratual, será aplicável, in casu, a norma do art. 798º do C.Civil nos termos da qual "o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor".
Donde, e sem embargo da necessidade de verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, factos constitutivos do direito da autora (facto, ilicitude, imputação do facto ao lesante, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano (8), se presume a culpa do contraente inadimplente (art. 799º, nº 1, do C.Civil). (9)
Importa, no entanto, afirmar que perante a factualidade assente nos autos se mostra, não somente ilidida aquela presunção de culpa porque se demonstrou que o comportamento do réu não merece qualquer censura ético-jurídica, mas ainda, em parte, que a sua actuação foi perfeitamente justificada em face das circunstâncias do caso.
De facto, elaborada pelo réu a respectiva contestação, com inclusão do pedido de apoio judiciário, contestação que foi entregue no tribunal pela própria autora, apenas por vicissitudes processuais atinentes ao pedido de apoio judiciário e seu indeferimento - não foi junto ao processo documento comprovativo da insuficiência económica da requerente e, depois de indeferido aquele pedido, não foi pago o preparo devido, ainda que com multa - veio aquela contestação a ser considerada ineficaz por despacho que ordenou o seu desentranhamento dos autos.
E a verdade é que, da análise da matéria factual apurada, resulta que o réu alertou a autora para a necessidade de entrega da certidão de insuficiência económica para fins de apoio judiciário, que esta se havia comprometido a conseguir, jamais o tendo feito.

Sendo certo que, mau grado essa situação, acresce o facto de a única morada que a autora comunicou ao réu foi aquela em que este tentou contactá-la, por diversas vezes, sem êxito, realizando diversas diligências para obter informação sobre respectivo paradeiro, sem qualquer resultado.
Ora, perante tal circunstancialismo não seria exigível ao réu que tivesse adoptado qualquer outra forma de conduta: na verdade, ele praticou os actos compreendidos no mandato, ou seja, elaborou a peça processual que continha a defesa da autora na acção que lhe havia sido instaurada. E, quer pessoalmente, quer por intermédio da sua secretária, deu-lhe os esclarecimentos devidos no respeitante à documentação necessária para instruir o pedido de apoio judiciário.

Por seu turno, era exigível à mandante fornecer ao réu os meios necessários à execução do mandato (art. 1167º, al. a), do C.Civil) dando-lhe logicamente conhecimento de todos os locais onde poderia ser contactada para qualquer esclarecimento ou para qualquer outra diligência urgente e entregando-lhe todos os documentos (certidão de insuficiência económica e originais dos contratos promessa de compra e venda e de cessão da posição contratual) necessários para a boa execução do mandato.

Porém, decorreram cerca de dois anos sem que a autora tivesse colhido informações sobre o andamento do seu assunto, revelando desinteresse pelo litígio em questão.
É certo que a autora podia exigir do réu um certo comportamento, neste caso, a evolução normal do processo em questão, se a mesma tivesse contribuído de forma diligente para o mesmo efeito. Todavia, ao contrário, a autora adoptou um comportamento de pura omissão, de evidente falta de colaboração, nessa medida claramente reprovável.
Daí que, sem dúvida, conseguiu o réu demonstrar nos autos ter actuado com a devida diligência, não sendo, por isso, a sua conduta censurável do ponto de vista ético-jurídico ou mesmo profissional, tanto mais que, de acordo com o disposto no art. 1168º do C.Civil, podia abster-se da execução do mandato enquanto durasse a actuação de falta de cooperação da mandante.
Poder-se-ia tentar argumentar, é certo, com o facto de sobre réu, visto ter sido provisionado pela autora com 35000 escudos, impender a obrigação de, após o indeferimento do pedido de apoio judiciário, efectuar o pagamento do preparo devido de modo a evitar a ineficácia da contestação.
Todavia, o art. 65º, nº 3, do Dec-Lei nº 84/84, de 16 de Março (Estatuto da Ordem dos Advogados), estabelece, em correlação com o preceituado na al. a) do art. 1167º do C.Civil, que "é lícito ao advogado exigir, a título de provisão, quantias por conta dos honorários, o que, a não ser satisfeito, dá ao advogado direito a renunciar ao mandato".

Consignando, através deste preceito específico, a possibilidade de se convencionar o fim a que se destina a provisão eventualmente feita pelo cliente. Daí que, acordado, que a provisão fora feita pela autora por conta dos honorários, seria no pagamento dos honorários devidos a final que a quantia entregue iria ser imputada. Não estando, consequentemente, e em tal caso, o réu minimamente obrigado a dispor dessa quantia para pagamento de despesas que à mandante incumbia efectuar.
Em contrapartida, a ter-se como convencionado (e competia à autora prová-lo) que a provisão seria por conta das despesas a realizar, sempre seria necessário demonstrar, para exigir ao réu que despendesse tal provisão no pagamento do preparo, que o montante devido com tal preparo (e multa subsequente) se continha dentro do valor da provisão, assim como se daquela provisão restava ainda qualquer quantia por gastar, tanto quanto é certo que nos diversos trabalhos e diligências efectuadas (telefonemas, cartas e deslocações) já a quantia adiantada pela autora poderia estar esgotada.

Já que na verdade, "não seria razoável que fosse exigido ao mandatário o adiantamento de meios próprios para execução ou continuação de execução do mandato, quando é o mandante como verdadeiro interessado que os deve fornecer. O mandatário tem o direito de abster-se da execução e normalmente terá também toda a vantagem em fazê-lo: o mandante que não fornece os meios não está, em princípio, em condições de, uma vez executado o mandato, cumprir as obrigações referidas nas alíneas b), c) e d) do art. 1167º". (10)
Por último, e apenas como argumento complementar, sempre se diga, como aliás se refere na decisão em crise, que, e apesar de tudo, não se provou a existência de nexo de causalidade entre o comportamento do réu e os danos alegadamente sofridos pela autora (que na mesma decisão se diz não terem sido provados), pressuposto essencial da obrigação de indemnizar, a provar pela autora, nos termos do art. 342º, nº 1, do C.Civil porque facto constitutivo do direito invocado. (11)

Desta forma, e ainda assim, não existe motivo para que a recorrente veja proceder o recurso.

Pelo exposto, decide-se:
a) - julgar improcedente o recurso de revista interposto pela autora A;
b) - confirmar o acórdão recorrido;
c) - condenar a recorrente nas custas da revista.

Lisboa, 28 de Maio de 2002.

Araújo de Barros,
Oliveira Barros,
Diogo Fernandes.
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(1) Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, in "Manual de Processo Civil", 2ª edição, Coimbra, 1985, págs. 689 e 690.

(2) Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. V, Reimpressão, Coimbra, 1984, pág. 141.

(3) Cfr. Ac. STJ de 13/02/97, in CJSTJ Ano V, 1, pág. 104 (relator Nascimento Costa).

(4) Modalidade do contrato de prestação de serviço (arts. 1154º e 1155º do C.Civil).

(5) Preâmbulo do citado Dec.lei nº 84/84.
(6) Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. II, 3ª edição, Coimbra, 1986, pág. 714.

(7) Manuel Januário Costa Gomes, "Contrato de Mandato", in Direito das Obrigações sob a orientação de Menezes Cordeiro, 3º vol., Lisboa, 1991, pág. 345.

(8) Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 6ª edição, Coimbra, 1989, pág. 495.

(9) Acs. STJ de 24/11/87, in BMJ nº 371, pág. 444 (relator Alcides de Almeida); de 06/10/94, no Proc. 85880 da 2ª secção (relator Sá Couto); de 30/05/95, no Proc. 86830 da 1ª secção (relator Pais de Sousa); e de 06/04/2000, no Proc. 160/00 da 2ª secção (relator Duarte Soares).

(10) Manuel Januário Costa Gomes, ob. cit., pág. 366.

(11) Ac. STJ de 10/05/2001, no Proc. 829/01 da 7.ª secção (relator Óscar Catrola).