FÉRIAS
Sumário

Assente que o trabalhador não gozou as férias, mas não se provando que a entidade patronal a elas obstou, tem o mesmo direito ao pagamento desse período, em singelo, se aquela não provar que lhe pagou.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


- AA, melhor identificado nos autos, intentou no Tribunal de Trabalho de Santarém, acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra ..., Sociedade Empresa-A, Lda, na qual pediu a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 6.307.294$00, relativa a trabalho suplementar prestado, a férias, trabalho prestado em dias de descanso compensatório e a indemnização calculada nos termos do art. 13º, nº 3, da LCCT, acrescida de juros à taxa legal.
- Para tanto, articulou os factos tidos por pertinentes à sua pretensão. -
- Contestou a Ré defendendo a improcedência da acção e, em reconvenção requereu a condenação do A. no pagamento da quantia de 4.206.600$00 e, parca hipóteses do reconhecimento do crédito do A. que se procedesse à competente compensação..
- Na resposta o A. pugnou, além do mais, pela improcedência do pedido reconvencional.
- Prosseguindo os autos seus regulares termos, após audiência de discussão e julgamento e dadas as respostas aos quesitos, foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de 309.040$00, relativa a férias não gozadas, acrescidas de juros de mora e ainda na quantia que se visa a liquidar em execução de sentença referente ao trabalho extraordinário e a trabalho prestado em dias de descanso compensatório, tendo sido julgado improcedente o pedido reconvencional.
- Com esta sentença não se conformou a Ré que dela recorreu para a Relação de Évora que, por acórdão de 29 de Maio de 2001, julgou a apelação procedente e consequentemente revogou a sentença recorrida na parte em que fora impugnada ( isto é, na parte em que condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de 309.040$00 com juros de mora a partir de 3/12/99 ), absolvendo a Ré dessa parte do pedido.
- Desta feita é o A. que traz a presente revista, em cuja douta alegação formula as seguintes conclusões:
- a) Atendendo a que ao provar que o recorrente, enquanto ao serviço da “ ..., Sociedade Empresa-A, Lda” e da “ ..., Sociedade Empresa-B, Lda” nunca gozou férias, sendo certo que a Ré não demonstrou que as tivesse pago, tem o trabalhador direito de receber a retribuição correspondente às férias vencidas e não gozados.
- b) Aceitando a posição que fez vencimento, seria aceitar uma penalização para o trabalhador, penalização essa que a lei não prevê, uma vez que, para além de se ver privado do gozo das férias a que tinha direito, o recorrente ver-se-ia igualmente privado da remuneração correspondente a esse pedido.
- c) O recorrente tem assim, direito, por força do próprio conceito de férias, a receber a retribuição correspondente aos períodos de férias que não gozou e não recebeu.
- Não houve contra-alegações da Recorrida.
- Neste Supremo, a Ex.ma Procuradora- Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser negada a revista.
- Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- O douto aresto impugnado considerou provados os seguintes factos, provinda da 1.ª Instância: -
- A - Da Especificação:
- 1. A Ré dedica-se à actividade Empresa-A, explorando, por sua conta e risco, uma herdade denominada “ Herdade dos ...”, sita em ..., Coruche, tendo instalada uma vacaria.
- 2. Em Janeiro de 1992, o A. foi admitido ao serviço da Sociedade “ Sociedade Empresa-B, Lda”, por contrato de Trabalho por tempo indeterminado .-
- 3. Em Junho de 1997 a Ré assumiu o contrato de trabalho que tinha sido celebrado entre o A. e a ... – Sociedade Empresa-B, Lda, passando o A. a exercer funções sob ordens, direcção e fiscalização da Ré prestando serviço na exploração Empresa-A.-
- 4. O A. auferia em 1992 e 1993 o salário mensal de 55.000$00, em 1994 o salário mensal de 60.000$00, em 1995 o salário mensal de 63.000$00, em 1996 e 1997 o salário mensal ( de 65.520$00 e em 1998 o salário mensal de 75.500$00.
- 5. O A. assinou o documento constante de 34 dos autos, em Junho de 1993 no qual se refere “ até 30/06/1997 estão as contas acertadas entre Empresa-B, e AA…”
- 6. O A. assinou o documento constando de fls. 35 dos autos, em 23/12/1998, no qual se refere” recebemos da firma Empresa-A, cento e setenta e cinco mil escudos referentes a folgas, feriados e férias, ficando as contas liquidadas”.
- 7. A letra manuscrita constando do documento de fls. 10 dos autos é de Junho de BB que processava a contabilidade da Ré.
- B – Respostas ao Questionário:
- 8. Há anos a esta parte o A. vem desempenhando funções inerentes à categoria de encarregado de exploração.
- 9. O A. há anos a esta parte, quer por conta da Sociedade Empresa-B, Lda, quer por conta da Ré desempenhou funções inerentes à categoria profissional de encarregado de exploração.-
- 10. O A., por ordem e no interesse da Ré e da sociedade Empresa-B, Lda, no desempenho das suas funções exercia a sua actividade de segunda-feira a sábado, habitualmente no horário das 7 às 20 horas, com uma hora de almoço, descansando em regra ao Domingo e, por vezes, à quinta-feira.
- 11. A relação laboral existente entre o A. e Ré cessou em 30/11/1998, após conversa entre aquele e o legal representante desta.-
- 12. O A. nunca recebeu da Ré bem como da Sociedade Empresa-B, qualquer quantia a Título de Trabalho extraordinário.
- 13. O A. por cada dia de Trabalho prestado ao domingo recebia 3.000$00 até Dezembro de 1994 e 4.000$00 desde Janeiro de 1995.
- 14. A Ré nunca concedeu ao A. qualquer dia de descanso compensatório pelos dias de descanso semanal em que este exerceu funções.
- 15. O A. enquanto ao serviço da Ré nunca gozou férias.
- 16. O A. enquanto ao serviço da Sociedade Empresa-B, nunca gozou férias.
- 17. O A. em vários dias durante o ano, cerca das 8,30 horas ia levar o seu filho à escola, bem como a sua enteada ao emprego, à vila de Coruche, factos esses que ocorreram nos anos de 1992 e 1998.
- 18. Em 26/11/1998 a Ré instaurou um processo disciplinar contra o A. visando o seu despedimento, por alegado comportamento violador dos deveres enquanto trabalhador.
- 19. A mulher que vive com o A. passou pelo escritório do gerente da Ré, onde lhe foram entregues, por esta, as declarações modelo 346 constantes dos autos.
- 20. No dia 9/12/1998 o A. dirigiu-se ao Centro de Emprego e requereu o subsídio de desemprego.
- Esta é a factualidade apurada que, não sendo objecto do presente recurso nem enformando de qualquer vício, se tem por definitivamente fixada.

- Na douta sentença da 1.ª Instância e sob a rubrica “Do alegado direito a indemnização por impedimento de gozo de férias e do direito ao gozo de férias”, escreveu-se:
- “ O A. veio reclamar o pagamento de indemnização por violação do direito a gozo de férias nos anos de 1993 a 1997 bem como o pagamento das férias referentes aos aludidos anos, donde se conclui, implicitamente, que não foram pagos quaisquer quantitativos referentes a férias, embora tal não venha expressamente alegado.
- No caso da entidade patronal obstar ao gozo de férias o trabalhador receberá a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta - art. 13º do Dec. Lei 874/76 de 28/12.
- Da matéria provada resultou assente, no que concerne à matéria em causa, que o autor enquanto ao serviço da sociedade Empresa-B, e da ré nunca gozou férias.
- A marcação de período de férias deve ser feito de mútuo acordo entre a entidade patronal e o trabalhador, cabendo, na falta de acordo, àquela a elaboração do mapa de férias, ou seja, a marcação das férias quando efectuada unilateralmente – art. 8º do citado diploma legal.
- Na sua contestação a Ré, no que concerne às férias veio dizer que o autor desde a sua admissão quer na admissão quer na sociedade Empresa-B, quer na Ré sempre gozou as suas férias, não indicando, no entanto, os períodos temporais em que esse gozo ocorreu. É ao trabalhador quem cabe alegar e provar o não gozo das férias, bem como o obstáculo a esse gozo por parte da entidade patronal, por ser facto constitutivo do direito invocado ( art. 342º n.º 1 do Cód. Civil) e, não invocando o autor nem provando que existiu qualquer obstáculo por parte da ré relativo ao gozo de férias a que tinha direito, não haverá que responsabilizá-la por esse não gozo de molde a caracterizar uma situação de violação do direito com direito a indemnização.
- No entanto, também, já na jurisprudência, se defendeu outra orientação, ao que sabemos sem continuidade, que nos parecia, no entanto, ser a mais correcta, se tivermos em conta o princípio da irrenunciabilidade do direito a férias bem como a obrigação da entidade patronal na sua marcação, mesmo na falta do acordo do trabalhador, bastando, para os seguidores da mesma, que a entidade patronal não zele para que o trabalhador goze efectivamente as férias para que se verifique a situação de obstar ao não gozo de férias, direito obstaculizado pela entidade patronal, quer não as estabelecendo ou solicitando a sua dispensa, quer não recusando a prestação do trabalho durante o período de férias.
- “ A Lei responsabiliza sempre o dador de trabalho pela privação de férias, presumindo certamente que mesmo o acordo do trabalhador quando exista, resulta de pressões determinadas pelo interesse do primeiro” ( Monteiro Fernandes in Noções Fundamentais de Direito do Trabalho, 2.º ed., vol, I, 241).
- No caso em apreço, verifica-se tão só que o autor quer ao serviço da sociedade Empresa-B, quer ao serviço da Ré nunca gozou férias, pelo que há míngua de outros factos alegados e provados, temos que reconhecer, seguindo orientação: jurisprudencial mais recente, e que pensamos ser unânime, que não assiste a este o direito a uma indemnização de acordo com o estipulado no aludido art. 13º do Dec. Lei 874/76.
- Para além da indemnização por violação do direito ao gozo de férias o autor peticiona, também o montante referente às férias não gozadas, vejamos então.
- A Ré invoca, no que concerne aos créditos por não gozo de férias, a inexistência de título relativamente a créditos que se venceram há mais de cinco anos e, também, por outro lado a existência de uma declaração de quitação relativa a créditos pendentes em 23/12/98.
- Estabeleceu o art. 38º n.º 2 da LCT que os créditos resultantes de indemnização por falta de férias, vencidos há mais de cinco anos, só podem ser aprovados por documento idóneo.
- O autor não apresentou qualquer documento que sustentasse a existência dos créditos com mais de cinco anos, contados até ao dia em que cessou o contrato de trabalho (30/11/98), pelo que muito embora a prescrição não tivesse operado quanto a eles, a Lei obsta à atribuição do montante dos mesmos, uma vez que não é lícito aos trabalhadores reivindicá-los sem ter como sustentáculo documento idóneo. Assim, e caso tivesse reconhecido ao autor o direito a indemnização pelo não gozo das férias, de tais créditos, os vencidos em 1/1/93, por falta de documento não seriam tidos em conta, conforme imposição legal.
- No entanto, não há que fazer nesta sede qualquer redução já que, conforme explicitado supra, não se reconhece o direito a créditos por violação do gozo de férias. Também, na parte da remuneração respeitante a férias não há que fazer qualquer dedução já que no aludido art. 38º nº 2 só se refere à indemnização por falta de férias e não à remuneração por férias que são realidades distintas.
- No que concerne ao documento assinado em 23/12/98, haverá a ter em conta que o mesmo se encontra epigrafado de “ Dezembro 1998” pelo que, no contexto em que o mesmo foi assinado, após lhe terem sido pagas as quantias referentes a folgas, feriados e proporcionais de férias referentes ao ano de 1998 não será adequado extravasar o seu conteúdo tendo em vista abranger todos os créditos referentes a folgas, feriados e férias no período em que durou a relação laboral por não ser essa, certamente, a vontade do declarante.
- Assim, tal documento não assume referência de quitação relativamente às quantias peticionadas nos autos.
- Do exposto, decorre que assiste ao autor, tão só o direito ao pagamento das férias peticionado, vencidas em 1/1/93, em 1/1/94, em 1/1/95, em 1/1/96 e em 1/1/97 - art. 6º do Dec. Lei 874/76- já que as não gozou e a Ré não demonstrou que as tivesse pago.
- Assim, assiste o direito ao autor a título de férias à quantia global de 309.040$00 (55.000$00 + 60.000$00 + 63.000$00 + 65.520$00 + 65.520$00)”.
- Foi contra esta decisão que a Ré, condenada no pagamento ao A. da quantia de 309.040$00, acrescida de juros de mora, se insurgiu alegando, fundamentalmente, que o não pagamento das férias por sua parte não foi expressamente alegado pelo A. e, por isso, o tribunal violara a 2ª parte do art. 664º, do Cód. Proc. Civil, na medida em que se serviu de factos não articulados pelas partes.
- O douto acórdão recorrido consideram que, embora em parte alguma o A. tivesse alegado que as férias lhe não foram pagas, não era menos certo que o A. reclamara o respectivo pagamento.
- Analisando as disposições legais aplicáveis, o aresto alinha as seguintes considerações:
- “ Os trabalhadores têm o direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil ( art. 2º, nº 1 do D.L. 874/96 de 28/12), o qual se adquira com a celebração do contrato e se vence, em regra, no dia 1 de Janeiro de cada ano civil ( art. 3º, nº 1); a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivesse em serviço efectivo e deve ser paga antes do início daquele período ( art. 6º, nº 1); além disso, têm ainda direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição ( art. 6º, nº 2).
- Temos, pois, que no respeitante a férias aquilo a que os trabalhadores têm direito é ao seu gozo efectivo e ainda à remuneração desse período de férias como se estivessem a trabalhar acrescida de um subsídio de férias de igual montante.
- No caso, comprovadamente, o Autor não gozou férias. Se as não gozou é porque no período a elas respeitante esteve a trabalhar.
Tendo trabalhado nesse período tinha normalmente direito à retribuição correspondente. Não reclamando o Autor na acção a retribuição correspondente ao trabalho furtado nesse período, tem de presumir-se que recebeu essa retribuição. Mas se recebeu essa retribuição parece que lhe não assiste o direito de, agora, vir reclamá-la.
- Na verdade, a remuneração do período de férias não representa a atribuição ao trabalhador de mais uma prestação patrimonial pelo simples facto do gozo de férias. O período de férias é apenas remunerado como se o trabalhador estivesse em serviço efectivo. É certo que aquando do gozo de férias o trabalhador tem ainda direito ao subsídio de férias, mas tal prestação não se confunde com aquela correspondente à remuneração do período de férias como se estivesse a trabalhar.
- Se em vez de gozar férias o trabalhador se mantiver ao serviço daí não resulta que relativamente a esse período tenha de receber três remunerações, a saber: o subsídio de férias, a retribuição pelo trabalho prestado nesse período e a retribuição por férias que não gozou. Ele terá apenas direito à retribuição pelo trabalho prestado nesse período e à prestação correspondente ao subsídio de férias. A falta do gozo de férias ( ou ter trabalhado no período que deveria ser de férias) não se resolve no pagamento de mais uma retribuição ao trabalhador, mas pela forma consignada no art. 13º do D.L. nº 874/76: uma indemnização ao trabalhador correspondente ao triplo da retribuição do período em falta, mas sem prejuízo do seu efectivo gozo no 1º Trimestre do ano civil subsequente.
- A falta de gozo de férias não se resolve com o pagamento ao trabalhador da retribuição correspondente a esse período que deveria ser de férias; assim tem de ser pois que o direito a férias é irrenunciável e o trabalhador não pode, validamente, renunciar ou transaccionar sobre ele, oponde-se a lei a que o próprio trabalhador o substitua por um benefício pecuniário imediato ( art. 2º, nº 4 do D.L. nº 874/76), salvo naquelas situações que a lei expressamente o admita, como acontece nas previstas no art. 4º, nº 2 e art. 10º, nº 2, do referido diploma, que não se configuram no caso dos autos.
- O Autor, que não gozou as férias em causa como resultou provado, pediu, além da indemnização em triplo a que alude o art. 13º do D.L. nº 874/76, a retribuição correspondente ao respectivo período.
- No que respeita à indemnização em triplo foi a pretensão do Autor julgada improcedente, decisão essa que tem de considerar-se transitada em julgado já que não foi impugnada.
- No respeitante à retribuição do próprio período que deveria ser de férias, às tais “ férias vencidas e não gozadas”, entendemos que não pode ser reconhecido ao Autor esse direito. Como já dissemos, se o Autor não gozou essas férias é porque trabalhou, tendo trabalhado, a entidade patronal ter-lhe-á pago ou não a retribuição correspondente a esse período; se pagou, o interesse do Autor está satisfeito; se não pagou deveria o Autor ter reclamado esse pagamento ( como tempo de trabalho prestado e não como período de férias não gozado), o que não fez, não podendo o tribunal pronunciar-se sobre um pedido que lhe não tenha sido formulado.
- É que a lei não reconhece aos trabalhadores o direito à retribuição por “ férias vencidas e não gozadas”, mas apenas o direito a indemnização por falta de gozo de férias, verificados os pressupostos estabelecidos no art. 13º do D.L. nº 874/76.
- Situação diferente seria a de o trabalhador ter gozado as férias mas a entidade patronal não lhe ter pago a retribuição correspondente a esse período. Nesse caso, sim, teria o direito de reclamar essa retribuição (mas não lhe assistiria o direito à indemnização a que alude o art. 13º do D.L. nº 874/76).

- Analisada, assim, a questão, que cremos ser a correcta, o que se verifica não é uma falta de alegação e prova do não pagamento, mas e falta de factos que conduzam à constituição do próprio crédito que o Autor se arrogava, questão esta que é, naturalmente, anterior àquela do pagamento. Só depois de reconhecido o direito se poderá analisar - se o mesmo foi ou não satisfeito. Mas concluindo-se que não está demonstrada a existência do direito, torna-se inútil analisar a questão do pagamento, pois que sem direito ( crédito) não existe obrigação cujo cumprimento seja exigível.
- Em resumo, a falta do gozo de férias vencidas apenas pode resolver-se pelo mecanismo estabelecido no art. 13º do D.L. nº 874/76. Pela falta de gozo de férias, o trabalhador, além de ter o natural direito à retribuição pelo trabalho que desenvolver nesse período que deveria ser de férias, apenas pode reclamar a indemnização a que alude o referido preceito e exigir a concessão de férias efectivas. O trabalhador só pode exigir o pagamento da retribuição correspondente ao período de férias (…) quando apesar de gozadas as férias não lhe tenha sido paga a retribuição correspondente a esse período. Ponderar de outro modo, isto é permitir o pagamento desse período de férias enquanto tal sem que o respectivo gozo se verifique, seria permitir a violação do disposto no n.º 4 do art. 2º do D.L. 874/76, solução que não pode legalmente conceder-se.
- Perante o que se expende, parece-nos óbvio que o Sr. Juiz não cometeu qualquer nulidade ou irregularidade ao não convidar ao factos a corrigir ou completar os seus articulados. A questão é mais de direito que da alegação ( ou falta de alegação) de factos. De qualquer forma, como se referiu, não era sobre o A. que recaía o ónus da alegação do não pagamento das férias, embora tal tenha de presumir-se em face do pedido que formula; sobre a Ré é que impendia, face ao pedido formulado e caso o pagamento se tivesse verificado, o ónus da alegação e prova do pagamento.
- Por outro lado, se a invocada nulidade ou irregularidade tivesse sido cometida ela teria ocorrido até ao termo da audiência de julgamento (art. 29º do CPT) e ela deveria ter sido arguida perante o próprio Tribunal em que tivesse sido cometida e nos termos do art. 205º do CPC, já que se trataria de uma nulidade ou irregularidade processual pertencente ao elenco das previstas no art. 201º do mesmo diploma. Porém, a recorrente não procedeu assim pelo que essa eventual nulidade tem de considerar-se sanada e, de qualquer forma, não poderia ser suscitada perante o tribunal superior pois que não se verifica a situação prevista no nº3 do art. 205º do CPC.
- Em conclusão, a apelação procede mas por razões jurídicas diferentes das invocadas, pela recorrente e de que este Tribunal não está impedido de conhecer por se tratar da indagação, interpretação a aplicação de regras de direito inerentes à apreciação da questão que constitui objecto do recurso ( art. 664º do CPC, também aplicável na fase de recurso - art. 713º, nº 3 e 749º do mesmo diploma)”
- E com esta fundamentação foi a Ré absolvido da condenação a pagar ao A. a quantia de 309.040$00 e juros de mora.
- Ora, perante esta decisão o A. continua a sustentar que, estando provado que nunca gozou férias tem direito ao pagamento das mesmas, aduzindo que “ se apenas lhe foi pago o correspondente ao trabalho prestado durante o período em que deveria ter gozado férias e não gozou, obviamente que lhe falta receber, pelo menos, a retribuição que lhe seria paga se tivesse gozado as férias”.
- E acrescenta “ está-se a conceder um verdadeiro prémio à entidade patronal, uma vez que beneficia do trabalho recebido durante as férias sem ter que o pagar, pois se o trabalhador descansasse, como era seu direito, sempre lhe teria que pagar na mesma”.
- Começar- se -á por dizer e aqui acompanha-se o douto acórdão sob recurso, quer embora o A. não tenha alegado expressamente que as férias lhe não foram pagas, aos mesmos devem ter-se por reclamados face ao alegado nas alíneas f) e j) do artigo 25º, da petição inicial, requerendo, pois, o seu pagamento.
- Já a 1.ª Instância havia considerado que o A. também peticionara o montante referente às férias não gozadas a que a Ré não demonstrava que as tivesse pago.
- No mais e salvo o devido respeito não se perfilha o entendimento acolhido no aresto impugnado.
- Dispõe o art.2º, nº 1, do Decreto- Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro, que “ os trabalhadores têm direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil” e a retribuição correspondente ao período de férias.

1. harmonia com o preceituado no art. 6º, nº 1, não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo.
- Determina o nº 3 do citado art. 2º que o direito a férias deve efectivar-se de modo a possibilitar a recuperação física e psíquica dos trabalhadores e a assegurar-lhes condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na vida familiar e da participação social e cultural.
- O direito a férias encontra-se fortemente protegido pela lei que no caso de incumprimento do correspondente dessa por falta da entidade patronal, a obriga a pagar ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao período de gozo de férias, que deverá obrigatoriamente ser gozado no 1.º trimestre do ano civil subsequente - art. 13º do mesmo diploma - e ainda ao pagamento de um multa – art.15º-.- A Lei pretende, inclusivamente, proteger o trabalhador contra si próprio, atribuindo natureza “indispensável” ao direito a férias.-
- Com efeito, estipula o nº 4, do art. 2º que “ O direito a férias é irrenunciável e o seu gozo efectivo não pode ser substituído, fora dos casos expressamente previstos na lei, por qualquer compensação económica ou outra, ainda que com o acordo do trabalhador”.
- Foi decidido na 1.ª instância que o A. não invocou nem provou que existiu qualquer obstáculo por parte da Ré ao gozo de férias a que tinha direito e por isso, não havia que responsabilizá-la por esse não gozo de molde a caracterizar uma situação de violação do direito, com a indemnização a que alude o art. 13º do Dec. - Lei nº 874/76, decisão esta que transitou em julgado.
- Embora não se tenha provado que a Ré haja obstado ao gozo de férias a que o A. tinha direito a verdade é que se demonstrou que essas férias não foram gozadas, e o direito ao período de férias remuneradas não se extinguiu pelo facto de aquele ter trabalhado para a Ré.
- Entendeu-se no douto acórdão e passe a repetição, que “ … o Autor não gozou férias. Se as não gozou é porque em período a elas respeitante esteve a trabalhar. Tendo trabalhado nesse período tinha normalmente direito à retribuição correspondente. Não reclamando o A. na acção a retribuição correspondente ao trabalho prestado num período, tem de presumir-se que recebeu essa retribuição. Mas se recebeu essa retribuição parece que não existe o direito de, agora, vir reclamá-la”.
- Não houve, porém, unanimidade nesta decisão, contudo o aresto com voto de vencido, segundo o qual, no caso vertente, o A., tal como decidido na 1.ª instância, tem direito às retribuições, em singelo, respeitantes ao período de férias não gozado.
- Para o Exmo Desembargador vencido, com a posição assumida no acórdão “ está-se a conceder um verdadeiro prémio à entidade patronal, pois beneficia do trabalho recebido durante as férias sem ter que o pagar, pois se o trabalhador descansasse, como era seu direito, sempre lhe teria que pagar na mesma”.
- Lê-se na declaração de voto: “ Na verdade, o que a entidade patronal lhe pagou foi apenas devido ao trabalho prestado. No entanto, se o trabalhador tem direito, por força do próprio conceito de férias, a receber o ordenado durante elas sem trabalhar, parece-nos evidente que lhe falta receber esta retribuição em singelo, pois tudo o que lhe foi pago diz respeito a trabalho prestado”.
- Além disso, decorrendo o direito a férias da simples existência do contrato ( art. 3º/1), o dever da entidade patronal pagar as férias não for satisfeito.
- Por outro lado, a própria Lei perante a impossibilidade do gozo efectivo das férias, conceder ao trabalhador o direito à respectiva retribuição em singelo, solução que foi adoptada nomeadamente nos artigos 10º/2 ( cessação do contrato antes do gozo das férias) e 11º/1 (suspensão do contrato por impedimento prolongado antes do seu gozo).
- Por isso, estabelecendo o próprio legislador o direito à retribuição singelo, quando não é possível ao trabalhador gozar as férias antes da cessação do contrato ou da sua suspensão por impedimento prolongado, por maioria de razão se tem de seguir este critério, quando a prova que inequivocamente o trabalhador não as gozou, independentemente das razões desta falta”.
- A obrigação que a entidade patronal tem de pagar as quantias referentes às férias resultará ainda da seguinte consideração: se o trabalhador prestou trabalho durante as férias foi necessariamente com o consentimento do empregador, que aceitou um trabalho, e na hipótese de aquele o ter prestado de livre vontade, ficaremos então perante um acordo, que face ao disposto no art. 2º nº 4, do diploma legal em análise, é nulo, por contrário à Lei, nos termos do art. 280º, nº 1, do Código Civil, não tendo o trabalhador o dever de restituir a remuneração recebida da entidade patronal, por esta, em contrapartida, não lhe poder devolver o trabalho por ela prestado.
- No sentido de que são devidas as retribuições das férias que o trabalhador não gozou, não se provando que a patronal a elas obstou, vide Ac. S.T.J. de 11/3/99, in Colectânea e Jurisprudência - A.S.T.J. - Ano VII - Tomo I - pág.300.
- Temos, assim, como correcto o entendimento de que, tendo-se provado que o trabalhador não gozou as suas férias, tem direito ao pagamento deste período, em singelo, se a entidade patronal não provar que lhe pagou.
- Nesta conformidade, acorda-se em conceder a revista e, consequentemente, revogar o douto acórdão recorrido, ficando a subsistir a douta sentença da 1.ª Instância.
- Custas pela Recorrida.

Lisboa, 29 de Maio de 2002
Dinis Nunes
Mário Torres
Vítor Mesquita