I - "A - Construções e Aluguer de Máquinas, Lda", intentou acção com processo ordinário contra "B - Sociedade de construções, SA" e "C", pedindo que as rés sejam condenadas a pagar a quantia de 6527870 escudos e juros vencidos e vincendos.
Alega que as rés celebraram com a Câmara Municipal da Guarda, um contrato de empreitada para a execução da obra "Construção da Via de Cintura Externa da Guarda - VIC EG - 1ª Fase", tendo a autora realizado trabalhos em nome de D, que era tida como subempreiteira do consórcio constituído pelas rés. Os trabalhos executados, que não foram pagos, ascendem ao montante do pedido.
Contestando, as rés sustentam que não são partes legítimas, nunca tendo acordado ou dado instruções à autora. E a haver enriquecimento sem causa não foram as rés a obtê-lo, mas sim a firma D.
O processo prosseguiu termos, tendo em saneador sentença sido julgada procedente a excepção de ilegitimidade e as rés absolvidas da instância.
O Tribunal da Relação revogou a decisão na parte em que absolveu as rés da instância e julgando a acção improcedente, absolveu as rés do pedido.
Inconformada, recorre a autora para este Tribunal.
Formula as seguintes conclusões:
- As rés contrataram com a autora, ainda que através de interposta pessoa;
- As rés impingiram aos terceiros contratantes, dentre os quais o autor, aquele contrato através da D;
- Pessoa colectiva, esta, que não reunia os requisitos legais para exercer, contratar ou subcontratar actividades de empreiteiro de obras públicas e particulares. É que, para ser empreiteiro, tanto de obras públicas quanto de obras particulares, é preciso cumprir com os requisitos legais de exercício dessa actividade;
- Assim, e contrariamente ao entendimento do acordão recorrido, o "modus faciendi" não é questão que só ao empreiteiro diz respeito. Mas é questão que a todos os intervenientes na obra diz respeito e está regulada por lei, de carácter imperativo;
- Também, contrariamente ao afirmado no acordão, o dono da obra tem tudo a ver com tal "modus faciendi" do empreiteiro, não podendo ser a única coisa que lhe interessa, após o contrato de empreitada, é que a obra lhe seja entregue feita conforme o contrato;
- Apesar de ser verdade que no caso de subempreitada não se efectua qualquer relação contratual entre o subempreiteiro e o dono da obra, como afirma o acordão, não menos verdade é que o ora autor nada vem exigir da dona da obra, a Câmara Municipal da Guarda, mas sim às empreiteiras, a quem o "ius iperii" do Estado, citado, determina que o empreiteiro informe ao dono da obra quem contratou como subempreiteiro. E isso parece ser óbivo: o Estado é pessoa de bem. Como tal, não pode permitir que a coberto de um seu contrato sejam desrespeitadas normas de ordem pública destinadas a proteger interesses de terceiro. Por isso, está revestido de poderes para controlar a obra, do início ao fim, não lhe sendo indiferente, como sugere o acordão recorrido, os meios utilizados para se chegar ao fim, que será a boa conclusão da obra;
- Por outro lado, como com o contrato de subempreitada nem o empreiteiro se desonera das suas responsabilidades, nem o subempreiteiro assume qualquer responsabilidade perante o dono da obra, é que o empreiteiro (as rés) tem responsabilidades perante terceiros por suas acções e omissões;
- Não só na cessão da posição contratual o empreiteiro cessionário terá que ser titular de alvará. O subempreiteiro também precisa, pois, como já ficou dito, este assume a posição de empreiteiro, enquanto o empreiteiro originário assume a posição de dono da obra, e como tal, mesmo que para subempreitar não precisasse de alvará, o que só hipoteticamente se admite, mas para tomar o lugar do empreiteiro original sempre precisaria de tal, não havendo qualquer confusão do recorrente a esse respeito. Uma coisa é contratar empregados, outra é subempreitar. Repete-se que os subempreiteiros têm que estar habilitados a serem empreiteiros. Só assim podem assumir a posição de empreiteiro, no lugar do empreiteiro original;
- Razão já tem o acordão, quando afirma que administrativo é só o contrato entre o dono da obra e o empreiteiro, e que quaisquer outras relações a jusante do empreiteiro movimentam-se no âmbito do direito privado. Esquece, contudo, que as normas que regem o exercício da actividade de empreiteiro abrangem o seu exercício profissional por completo, tanto no âmbito administrativo quanto no âmbito civil, penal;
- Efectivamente, não é qualquer serviço contratado pelo empreiteiro, ou mesmo o material adquirido para a obra, que está sob a alçada do Dec-Lei nº 405/93. Mas há outra legislação que rege tais actividades e aquisições, e embora seja o citado DL, que rege a matéria referente à subcontratação ou subempreitadas, outra legislação há que rege o exercício da actividade de empreiteiro, que também foi invocada, nomeadamente o Dec-Lei nº 100/88, de 23 de Março;
- Mais uma vez regista o acordão, que a agravante labora em equívoco em relação à "obediência às orientações e instruções dadas no local, pelo pessoal das rés", pois mais vale prevenir que remediar e as rés estariam "fiscalizando preventivamente". Não foi o que se passou. Se a fiscalização é uma das inerências do contrato de empreitada, o que não se confunde com interferência nos trabalhos, e seguindo a mesma lógica de raciocínio, então a dona da obra deveria exigir das rés adjudicatárias, essas, por sua vez, da subempreiteira e, por sua vez, a subempreiteira ao ora recorrente. Mas não foi assim que aconteceu. Nem a Câmara Municipal deu ordens, instruções ou orientações ao ora recorrente e ao seu pessoal, nem a D o fez. Só quem orientava, instruía e ordenava, no terreno, eram os responsáveis das co-rés adjudicatárias;
- Assim, e por serem verdadeiros os factos articulados, a autora, ora recorrente, prestou trabalhos que foram incorporados à obra, pelos quais as co-rés receberam, não tendo pago ao autor e nem tendo sido pagos à D, na ocasião em que alegam, uma vez que os trabalhos eram medidos, depois, facturados e só passados 90 dias eram devidos, ou será que as co-rés tiveram alguma razão especial para "fazer contas" com aquela D em Dezembro de 1997;
- É certo que as rés como empreiteiro não celebraram, formalmente, qualquer contrato com a autora, o fazendo sob nebulosa pseudo-empreitada à D, que repete-se, não era nem nunca foi empreiteira, sendo, ainda, certo que não tem com a autora qualquer relação contratual, tal como o dono da obra não tem qualquer relação contratual com aquele pseudo-empreiteiro. Contudo, foi esquecido ou posto de lado o facto de, nem só de relações contratuais ser o quotidiano negocial. Por isso mesmo é que a legislação pátria prevê e regulamenta a responsabilidade extracontratual, com base na qual veio a autora demandar ao co-rés adjudicatárias;
- Ainda sugere, o acordão, que as pessoas que contratam com subempreiteiros sabem que o fazem em desigualdade de condições, em relação as do subempreiteiro havendo de tomar as adequadas medidas de protecção, eventualmente exigindo-lhe um termo de responsabilidade. O dia a dia não se rege por essas práticas, teoricamente muito correctas mas impossíveis de serem postas em prática, pois a necessidade obriga e a lei previne a responsabilidade extracontratual;
- Isto posto, e derradeiramente, caso assim como vem defendendo até aqui o autor não for entendido, sempre se deverá ter em conta que as rés receberam ou vão receber o valor referente ao pagamento da obra, em que está incorporado o trabalho da recorrente, sem que a ela recorrente ou à subempreiteira tenham pago, o que configura um enriquecimento sem causa das rés consorciadas, na mesma medida em que o autor recorrente ficou empobrecido.
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Consta dos autos que:
As rés celebraram entre si um contrato de consórcio externo para a execução da obra de "Construção da Via de Cintura Externa da Guarda - VICEG - 1ª Fase";
As rés celebraram com a Câmara Municipal da Guarda um contrato de empreitada para a execução da referida obra;
As rés acordaram com a "D" a realização de trabalhos por parte desta;
A autora acordou com "D" a prestação de serviços na obra;
A autora alega que não lhe foram pagos os trabalhos realizados e facturados.
III - A autora pede que as rés sejam condenadas a pagar-lhe trabalhos por si executados numa obra de que estas foram empreiteiras.
Fundamenta o pedido no facto de ter realizado tais trabalhos na convicção de que a empresa com quem contratou era subempreiteira das rés. Acresce, diz, que sempre existiria um enriquecimento das rés à custa do empobrecimento da autora, já que os trabalhos por si efectuados representaram uma mais valia trazida à obra, que se traduziu no aumento do crédito de que são titulares as rés.
No acordão em causa julgou-se a acção improcedente e absolveram-se as rés do pedido.
Daí o recurso.
A questão a resolver consiste em saber se as rés são responsáveis pelo pagamento dos trabalhos que a autora afirma ter realizado.
A autora invocou na petição inicial um contrato que terá feito com uma subempreiteira da obra de que era dona a Câmara Municipal e empreiteiras as rés.
Estão assim invocados um contrato de empreitada celebrado entre a Câmara e as rés (artigo 1207º do C. Civil) e um contrato de subempreitada acordado entre as rés e um terceiro (artigo 1213º do C. Civil).
A empreitada e a subempreitada apesar de visarem a realização do interesse do dono da obra, não se fundam num único negócio jurídico, sendo negócios distintos e individualizáveis. O subcontrato, que a nossa lei admite, embora apresente certas particularidades, está sujeito à disciplina geral dos contratos. Trata-se de um negócio jurídico bilateral pelo qual um dos sujeitos, parte em outro contrato "sem deste se desvincular e com base na posição jurídica que daí lhe advém, estipula com terceiro quer a utilização total ou parcial de vantagens de que é titular, quer a execução total ou parcial das prestações a que está adstrito" - Pedro Martinez - "O Subcontrato", pág. 188.
A autora alega na petição inicial que contratou com a subempreiteira "serviços atinentes à sua actividade, iniciando tal prestação com trabalhos executados com camião, retro-escavadora giratória, dumper e perfurador". Invoca pois a responsabilidade contratual, que deriva da violação de uma obrigação em sentido técnico, designadamente um contrato.
Pretende, contudo, que as rés respondem nos termos da responsabilidade extra-contratual, sustentando em sede de alegações que "vem exigir a responsabilidade extra-contratual por factos e omissões diversos por elas co-rés praticados". Esta responsabilidade é a que resulta da violação de um dever geral de abstenção contraposto a um direito absoluto (direito real, direito de personalidade).
As pessoas colectivas, como é o caso das sociedades rés, sendo centros autónomos de relações jurídicas, respondem a título de responsabilidade contratual e responsabilidade extra-contratual pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários e fazem-no nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários (artigo 165º do C. Civil).
Necessário é, para além da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil consagrados no artigo 483º do CC, que o orgão ou agente tenha procedido em tal veste ou qualidade, por causa das suas funções e não apenas por ocasião delas, integrando-se o acto no quadro geral da sua competência - Prof. Mota Pinto - "Teoria Geral do Direito Civil", 3ª ed., pág. 319/324.
Ora, nenhuma responsabilidade civil contratual pode ser imputada às rés por um contrato que a autora possa ter celebrado com um terceiro. As rés não são sujeitos passivos de qualquer relação jurídica de que a autora seja sujeito activo. As rés são estranhas a qualquer vinculo obrigacional face à autora.
Nem é sustentável a tese da autora no sentido de que "as rés contrataram com a autora ainda que através de interposta pessoa". Nenhum facto é alegado no sentido de mostrar que existiu qualquer representação (voluntária, estatutária ou legal) que vincule as rés. Nem sequer é invocada a representação sem poderes ou o abuso de representação (artigos 268º e 269º do CC). As rés são pois alheias a qualquer eventual contrato celebrado.
No campo da responsabilidade civil aquiliana também não é possível imputar qualquer obrigação às rés por acção ou por omissão. As simples omissões a que faz apelo a recorrente só dão lugar à obrigação de reparar os danos quando, independentemente de outros requisitos legais, haja, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido (artigo 486º do C. Civil).
Não resulta dos autos que impenda sobre as rés qualquer dever específico no que respeita a terceiros com quem a subempreiteira tenha celebrado contratos de prestação de serviços a que o empreteiro é alheio.
A autora alegou que actuou nos trabalhos realizados com observância de orientações e instruções dadas por colaboradores das rés e ainda que para ser empreiteiro de obras públicas ou particulares é preciso cumprir com os requisitos legais de exercício dessa actividade.
Como correctamente se referiu no acordão recorrido o contrato de subempreiteiro que as rés celebraram com a referida "D" insere-se no âmbito do direito privado, não havendo entre as partes desse contrato de subempreitada qualquer relação de "ius imperii", nem o subempreiteiro assumiu qualquer obrigação para com o dono da obra. O contrato que a autora possa ter celebrado com o subempreiteiro vincula, no que aqui interessa, somente as partes contraentes. Face a esse vínculo, em tudo estranho às rés e que estas podiam perfeitamente desconhecer, não existia para as mesmas a obrigação de evitar o dano que a autora invoca, nem desenvolver aquilo a que o Prof. Menezes Cordeiro - "Direito das Obrigações", 2º vol., pág. 347 - chama um esforço razoável.
Por outro lado, nenhum motivo de nulidade se vislumbra relativamente ao contrato que a autora diz ter celebrado com o subempreiteiro. Está-se no domínio da autonomia privada, que é um dos princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico civil.
Nem se pode recorrer à figura do enriquecimento sem causa. Não se mostram verificados os pressupostos desse instituto. Da factualidade constante dos autos não é possível concluir que as rés tenham enriquecido sem causa justificativa à custa da autora (artigo 473º do CC) e é a esta que compete provar os requisitos da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 342º nº 1 do C. Civil.
A subempreitada é um contrato autónomo, embora dependente do contrato de empreitada. É o que os autores designam por empreitada de segunda mão. Se algum enriquecimento existiu ele sempre seria da subempreiteira que não das rés.
A existir um nexo causal entre um enriquecimento e um empobrecimento, o mesmo deve ser estabelecido entre a autora e as rés - Em sentido próximo se decidiu no processo nº 92/02-1, com o mesmo relator e que respeita a factualidade semelhante.
Não merece assim censura o decidido.
Pelo exposto, nega-se a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 18 de Junho de 2002.
Pinto Monteiro,
Lopes Pinto,
Faria Antunes.