Sumário

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I - A, intentou acção com processo ordinário contra B, pedindo que a ré seja condenada a pagar a quantia de 30000000 escudos e juros.

Alegou que no interesse da ré desenvolveu actividades que levaram a um enriquecimento desta à custa do empobrecimento do autor e no montante do pedido.

Contestando, a ré excepcionou o caso julgado e a prescrição e, em sede de impugnação, sustentou que nada deve ao autor.

O processo prosseguiu termos, tendo em saneador-sentença sido julgada procedente a excepção da prescrição e absolvida a ré do pedido.

Recorreu o autor e subordinadamente a ré.

O Tribunal da Relação anulou a decisão.

Baixando os autos à primeira instância, foi novamente absolvida a ré por procedência da excepção da prescrição.

Novos recursos de autor e ré.

O Tribunal da Relação confirmou o decidido.

Inconformado recorre o autor para este Tribunal.

Formula as seguintes conclusões:
- Para que se interrompa a prescrição não é necessário que a citação tenha lugar no processo em que se procura exercer o direito, bastando que o acto do titular do direito, objecto da citação exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito;
- O autor, ora recorrente, pretendeu fazer valer o seu crédito, dando conhecimento disso à ré, logo na primeira acção;
- Tendo a ré sido citada em 13.12.94 na primeira acção (nº 482/94) que deu entrada no Tribunal em 07.12.94, deverá entender-se que o prazo da prescrição se interrompeu naquela data por esta citação;
- O prazo de prescrição de 3 anos previsto no artigo 482º do CC, não havia ainda decorrido em 13.12.94 e a interrupção ocorrida nessa data tem valor e efeito interruptivo, também para a acção ora em apreciação;
- De acordo com o disposto no artigo 327º nº 1 do CC, quando a interrupção da prescrição resultar de citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo;
- Tendo a sentença absolutória da ré na primeira acção sido proferida em 31 de Janeiro de 1997, mas apenas transitado em julgado em 3 de Março de 1998, é a partir desta última data que se inicia a contagem de novo prazo prescricional de 3 anos;
- De acordo com o artigo 474º do CC, o prejudicado não pode lançar mão da acção de enriquecimento quando tiver outro meio de ser indemnizado ou restituído;
- Só após o trânsito em julgado da anterior acção, é que o autor, ora recorrente, passou a poder exercer o seu direito de restituição, com base no enriquecimento;
- Tendo a presente acção dado entrada no Tribunal em 04.03.99 e a ré sido citada em 25.03.99, deverá concluir-se que a prescrição não ocorreu;
- Decidindo em contrário a decisão recorrida fez incorrecta interpretação do disposto nos artigos 323º e 327º nº 1, 473º, 474º e 482º do Código Civil.

Contra-alegando, a recorrida defende a manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.




II - Vem dado como provado:

No processo com o nº 482/94 que correu termos pelo extinto 1º Juízo do Tribunal de Círculo de Oeiras, o aqui autor demandou a aqui ré, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de 58000000 escudos, acrescida de juros de mora, e justificando a sua pretensão alegando que, no exercício da sua actividade profissional de economista e consultor financeiro, efectuou determinados serviços de assessoria para a ré, a pedido desta, e dos quais resultava, para a ré, a obrigação de lhe pagar os respectivos honorários, que computava na referida quantia de 58000000 escudos, correspondente à aplicação da percentagem de 10% sobre o montante que a ré conseguiu obter através da actividade do autor;

De acordo com a decisão final proferida nesse processo, a ré foi absolvida do pedido, ali se dando como provado apenas que: a) o autor exerce a actividade de economista e consultor financeiro; b) o autor efectuou deslocações e contactos e participou em reuniões no interesse da ré; c) a actividade desenvolvida pelo autor no interesse da ré teve influência na obtenção por esta de melhores condições para um financiamento no montante de 280000000 escudos;

Ficou ainda referido, na sentença proferida em tal processo, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que "o autor não logrou demonstrar a causa de pedir por ele invocada, ou seja, que celebrou com a ré um contrato nos termos do qual se obrigou a proporcionar a esta certo resultado do seu trabalho mediante retribuição";

Mais se disse ali que "Apurou-se apenas que a actividade do autor teve influência em benefícios colhidos pela ré, não se sabendo em que medida nem as respectivas circunstâncias de modo e de causalidade. Assim, na aparência, os factos apurados, complementados com a averiguação doutra matéria - impossível de fazer nesta acção dada a sua concreta configuração - poderão fundamentar uma outra pretensão, a de o autor ser ressarcido";

Pela presente acção o autor pretende demonstrar que, por força de uma actividade por si desenvolvida no interesse da ré (aquela cuja existência já ficou demonstrada na outra acção) ficou empobrecido na quantia de 30000000 escudos, correspondente a 5% da comparticipação que conseguiria obter para uma outra sua cliente, através do seu trabalho, o qual não levou a cabo por estar a desenvolver para a ré a actividade já referida.

A p.i. da presente acção deu entrada em 04.03.1999, tendo a ré sido citada em 24.03.1999;

Pela presente acção o autor pretende demonstrar que, por força de uma actividade por si desenvolvida no interesse da ré ficou empobrecido na quantia de 30000000 escudos, correspondente a 5% da comparticipação que conseguiria obter para uma outra sua cliente, através do seu trabalho, o qual não levou a cabo por estar a desenvolver para a ré a actividade já referida;

Tal actividade ocorreu entre Outubro de 1991 e Dezembro de 1992;

No processo com o nº 482/94 que correu termos pelo extinto 1º Juízo do Tribunal de Círculo de Oeiras, e cuja p.i. deu entrada em juízo em 19.01.95, o aqui autor demandou a aqui ré, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de 58000000 escudos, acrescida de juros de mora, e justificando a sua pretensão alegando que, no exercício da sua actividade profissional de economista e consultor financeira, efectuou determinados serviços de assessoria para a ré, a pedido desta, e dos quais resultava, para a ré, a obrigação de lhe pagar os respectivos honorários, que computava na referida quantia de 58000000 escudos, correspondente à aplicação da percentagem de 10% sobre o montante que a ré conseguiu obter através da actividade do autor;

Mediante notificação judicial avulsa da ré efectuada em 13.12.1994, na sequência de requerimento do autor de 09.12.94, deu este a conhecer à ré que contra ela havia sido proposta a acção referida, sem qualquer outra indicação, além da entrega da cópia da p.i. daquela acção.




III - Invocando o enriquecimento sem causa, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe actividades por si desenvolvidas em proveito desta.

As instâncias julgaram procedente a excepção da prescrição e absolveram a ré.

Daí o recurso do autor.

A única questão que é trazida à apreciação deste Tribunal é saber se ocorreu ou não a prescrição.

O instituto da prescrição extintiva é endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade.

Não lhe sendo obviamente estranhas razões de justiça, a prescrição arranca também da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo. Visando a prescrição desde logo satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos e, assim, proteger o interesse do sujeito passivo, esta protecção é dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo - Prof. Mota Pinto - "Teoria Geral do Direito Civil", 3ª ed., págs. 175/176.

Tratando-se, como é o caso, de obrigação de restituição por enriquecimento sem causa, o artigo 482º do C. Civil estabelece que o direito à restituição prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária, se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.

O prazo de três anos (que é o que aqui se discute) conta-se do momento em que o empobrecido tem conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, ou seja, conta-se o prazo desde que sabe que ocorreu um enriquecimento à sua custa e quem se encontra enriquecido.

Este regime representa um prazo de prescrição mais dilatado da restituição por enriquecimento sem causa em relação à obrigação de indemnização, já que na responsabilidade civil o prazo de três anos inicia-se sem que o lesado conheça a pessoa do responsável (artigo 498º nº 1 do CC) enquanto na restituição por enriquecimento exige-se esse conhecimento para início do prazo.

Como escreve o Prof. Menezes Leitão - "Direito das Obrigações" I, Almedina - 2000, pág. 428, será, portanto natural já ter decorrido a prescrição do direito com base na responsabilidade civil, mas tal ainda não ter acontecido com base no enriquecimento sem causa, referindo a lei expressamente que tal não prejudica o recurso à acção de enriquecimento.

É esta a razão de ser do artigo 498º nº 4 do C. Civil, não nos parecendo possível tirar a conclusão que o recorrente tira no sentido de que se a acção proposta com base noutra causa resultar improcedente por falta de prova tal não inutiliza o exercício da acção de restituição por enriquecimento sem causa, da mesma forma que a prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de restituição por enriquecimento sem causa.

No caso em análise a petição deu entrada em 04.03.99, tendo a ré sido citada em 24.03.99. A actividade em que o autor fundamenta o seu pedido ocorreu entre Outubro de 1991 e Dezembro de 1992. Decorreram assim cerca de sete anos, ultrapassando em muito o prazo fixado no artigo 482º do C. Civil.

Sustenta contudo o recorrente que:

o prazo da prescrição interrompeu-se na da data da citação da ré na primeira acção intentada;

resultando a interrupção da prescrição da citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo;

o prejudicado não pode lançar mão da acção de enriquecimento quando tiver outro meio de ser indemnizado ou restituído.

O cerne da questão consiste em saber se a primeira acção intentada pelo aqui recorrente contra a recorrida ou a notificação judicial avulsa a que recorreu tiveram a virtualidade de interromper o prazo da prescrição.

A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence (artigo 323º nº 1 do C. Civil).

Para que se interrompa a prescrição não é necessário que a citação ou notificação tenha lugar no processo em que se procura exercer o direito, bastando que o acto do titular do direito, objecto da citação ou notificação, exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito - Profs. Pires de Lima e Antunes Varela - "Código Civil Anotado" I, pág. 210.

Efectivamente, a aqui recorrida foi citada na acção que contra si intentou o recorrente, tendo ainda tido lugar uma notificação judicial avulsa. Quando ocorreram esses actos jurídicos, como sustenta o recorrente nas bem estruturadas alegações, não teria ainda decorrido o prazo da prescrição.

A ter existido interrupção esta inutilizaria para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo. E se a interrupção resultar da citação, notificação ou acto equiparado o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigos 326º nº 1 e 327º nº 1 do CC).

Pensamos, contudo, que assim não aconteceu.

Na acção inicialmente intentada o autor (aqui recorrente) pretendia obter a condenação da ré no pagamento de uma quantia devida por entre as partes ter sido celebrado um contrato de prestação de serviços, tese que não conseguiu provar.

Nesta acção o autor socorre-se do enriquecimento sem causa. São conhecidos os requisitos da figura: existência de um enriquecimento sem causa justificativa; enriquecimento obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição; não facultar a lei ao empobrecimento outro meio de ser indemnizado ou restituído.

Ora, nem a citação nem a notificação levadas a cabo exprimiram à ré, directa ou indirectamente, a intenção de o autor exercer o direito que aqui pretende fazer valer.

O fundamento da primeira acção, a causa de pedir, ou seja o facto concreto de onde emerge o pedido, não é aquele que o autor aqui invoca.

Uma coisa é a responsabilidade civil contratual, que advém da violação de uma obrigação em sentido técnico, maxime de um contrato, e outra é o recurso à figura do enriquecimento sem causa.

Estando-se nas duas acções perante diferentes institutos, a citação e a notificação não interromperam o prazo prescricional.

Nem se pode sustentar que atenta a natureza subsidiária do enriquecimento sem causa só é possível recorrer a este instituto após esgotar outras vias.

Não é possível o recurso à figura se já tiver decorrido o prazo de prescrição que a lei indica para o enriquecimento sem causa, como já decorre do que atrás se referiu a propósito do artigo 498º nº 4 do C. Civil.

É certo que o artigo 474º do C. Civil consagra a subsidiariedade do recurso ao enriquecimento sem causa, mas isso não impede que as partes articulem o recurso à figura com eventuais outras fontes de obrigações, até porque só em face das diversas categorias de enriquecimento sem causa é que é possível averiguar quais as pretensões que excluem e quais as que concorrem com a pretensão de enriquecimento - Prof. Menezes Leitão - "O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil", págs. 702 e 992; Ac. STJ de 23.03.1999, CJ I, pág. 172.

Concluindo-se que não existiu interrupção da prescrição, não merece censura o acórdão recorrido.

Pelo exposto, nega-se a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 25 de Junho de 2002

Pinto Monteiro,

Lemos Triunfante,

Reis Figueira.