Sumário

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça - :

I - Relatório - :
1.º A e mulher - B, com os sinais dos autos, recorreram para este Supremo Tribunal, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-Out-01, (fls 184/7) que negou provimento ao recurso para ele interposto da decisão proferida pela 3ª vara civil da Comarca de Lisboa, a qual havia julgado procedente, por provada, a acção declarativa de condenação instaurada pelo Auto - "C - Companhia de Seguros, S.A." - contra os ora recorrentes e outros, tendo produzido alegações e formulado as seguintes conclusões:
a) Os recorrentes assumiram a qualidade fiadores em 22 de Janeiro de 1990, relativamente às dívidas existentes até essa data, (Alínea e) da especificação);
b) O crédito ora reclamado pela A. data de 1991, pelo que se encontra excluído da obrigação assumida pelos recorrentes;
c) Condenando-se, pois, os recorrentes, violou-se o disposto nos art. 627 n. 1 e 2 e 628 n. 1 do C. Civil;
d) Deve, pois, ser dada provimento ao recurso julgando-se a acção improcedente por não provada com a consequente absolvição dos recorrentes assim se fazendo justiça.
2.º A parte contrária contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir -:
II - Os factos -:
Vêm provados os seguintes factos:
a) Entre a A. e a Ré D, foi celebrado, em 6/02/90, um contrato de seguro de caução titulado pela apólice n.º 8641, através do qual esta última visava garantir o cumprimento das suas obrigações perante "E - Tractores (Portugal), Lda" [al. A) da especificarão];
b) Com efeito, a E fornecia à 1.ª R. máquinas, designadamente tractores, peças relativas às mesmas e sobressalentes de acordo com condições de venda previamente aceites pela 1.ª R. [al. B)];
c) Em 2/08/91, a E participou à seguradora "C" a ocorrência de um sinistro, isto é, o não pagamento pela 1.ª R. da quantia de 7958428 escudos, resultante do fornecimento de máquinas (tractores novos) e peças [al. C)];
d) A A. instou a R. sociedade para que lhe liquidasse a quantia referida em c [al. D)];
e) OS segundos e terceiros RR. subscreveram o documento fotocopiado a fls. 13, intitulado «FIANÇA», dado aqui por reproduzido para os efeitos legais, em que se comprometeram, como fiadores e principais pagadores, a liquidar à A. «todas as quantias que se encontrem em dívida» relativas ao seguro de caução de que tratam os autos [al. E)];
f) A A. liquidou à "E - Tractores (Portugal), Lda", a quantia de 7958428 escudos. após ter recebido a comunicação desta, relatada em c [resp. qt.º 1.º ].
III - O Direito -:
Como é sabido, são as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso.
Como tal, no caso, há apenas que apreciar uma única questão, a saber -:
- Apurar se os fiadores / recorrentes, afiançaram apenas o passivo da «D» para com a autora, relativamente ás dívidas existentes até ao dia 22 de Janeiro de 1990.
Como ressalta dos autos, os recorrentes defendem que apenas assumiram a qualidade de fiadores relativamente ás dívidas existentes até ao dia 22-01-90.
Que dizer?
Que lhes falece razão.
Com efeito, nos termos do art. 627 n.º 1 do C. Civil, o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.
O terceiro, fiador, assegura, assim, com seu património a satisfação do direito do credor (veja-se, entre outros, os Profs. Pires Lima e A. Varela - in Cód. C. Anotado, Vol. I, 4ª ed. Pág. 643/4).
Certo que a fiança pode ser dada apenas por certo tempo (vide - R. T., ano 90, pág. 30).
Porém, essa limitação temporal não emerge claramente do documento fotocopiado de fls. 13.
Na verdade, nele os subscritores, - "declaram que se constituem fiadores e principais pagadores de todas as obrigações decorrentes do contrato de seguro de caução realizado entre "C - Companhia de Seguros SA", "D", por todas as quantias que se encontrem em dívida".
Ora, sendo essa declaração datada de 20-01-90 e tendo o contrato de seguro de caução sido celebrado apenas em 6-2-90, tudo leva a crer que eles se constituíram como fiadores e principais pagadores de todas as dívidas que venham a resultar da celebração do dito contrato, de contrário, ficaria tal declaração de vontade sem sentido prático.
Assim sendo, a decisão do caso em apreço depende da solução a dar ao problema do ónus da prova.
Prescreve, com efeito, o n.º 1 do art. 342 do C. Civil que -:
«Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado».
Prescreve, por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo que -:
«A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita».
Preceitua por outro lado, o art.º n.º 516 do C. P. Civil que -:
"A dúvida sobre a realidade dum facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita".
Cabe, assim, ao autor a prova dos factos constitutivos do seu direito. Cabe ao réu, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, ou, noutra formulação, corresponde ao autor a prova dos factos constitutivos da acção e ao réu a prova dos factos constitutivos da excepção (vide, entre outros, o Prof. M. de Andrade, in Noções El. De Proc. Civil, 1956, pág. 184 e segs e Pires Lima e A. Varela, in Cód. Civil Anotado, Vol. 1, 4.ª ed., pág. 305/6).
O mesmo critério, de normalidade, deve manter o intérprete, em seguida, no tocante às próprias circunstâncias que servem de causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito invocado.
O significado essencial do ónus de prova, traduz-se não tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto, mas sim antes, em sofrer as consequências da falta de prova (vide os profs. M. de Andrade e Pires de Lima e A. Varela, nas obras e locais citados e J. Castro Mendes, in Direitos Humanos. Proc. Civil, Vol. II, - 1987, - pág. 669 e segs.
Aplicando ao caso em apreço os normativos e os princípios atrás referidos, temos que incumbia aos réus demonstrar o alegado.
Porém, como ressalta dos autos, nomeadamente das respostas negativas dadas aos quesitos 1.º e 2.º, os réus não conseguiram fazer essa demonstração e, não o tendo feito, "sibi imputat".
Improcedem, assim, desta forma e modo, as conclusões das alegações dos recorrentes.
IV - Decisão -:
- Face ao exposto, nega-se a revista e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 4 de Julho de 2002.
Diogo Fernandes,
Miranda Gusmão,
Sousa Inês.