PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO
TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
DECISÃO PREMATURA
MATÉRIA DE FACTO
PETIÇÃO DEFICIENTE
Sumário

I - Por via do princípio "trabalho igual, salário igual" poderá ser dado o mesmo tratamento remuneratório a trabalhadores sindicalizados em associações sindicais não signatárias de determinado IRC (ou mesmo a trabalhadores não sindicalizados), desde que o trabalhador desses trabalhadores seja igual em qualidade, quantidade e natureza.
II - O fundamento de recurso que consiste na nulidade da decisão recorrida tem de ser indicado no requerimento de interposição do recurso, sob pena de extemporaneidade, não bastando sua arguição nas alegações.
III - Perante o articulado do autor onde se não encontre formalmente correcta a alegação das realidades subjacentes à tese que pretende fazer valer, o certo é que, não ocorrendo ausência total de alegação, mas deficiência de articulação do factualismo relevante, impunha-se a indagação da exacta caracterização dessas realidades, sendo que no âmbito da jurisdição laboral o juiz detém um poder-dever para colmatar as deficiências, pelo que, tendo em conta a pretensão da autora, havia que observar, eventualmente após uso daquele poder-dever, a elaboração de base instrutória considerando matéria controvertida articulada, permitindo à parte a possibilidade da respectiva demonstração no processo através da competente prova.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I -
1. "AA" e outras, todas identificadas no processo, propuseram acção declarativa de condenação com processo ordinário contra Caminhos de Ferro Portugueses, EP e Rede Ferroviária Nacional - Refer, EP, igualmente identificadas nos autos, formulando os seguintes pedidos:

a) ser declarado que todas as autoras têm direito à retribuição mensal constituída pelo salário mensal de 76.414$00, acrescido das seguintes quantias, bem como das anuais e sucessivas actualizações:
21.480$00 a título de trabalho em dia de descanso;
21.300$00 a título de trabalho nocturno;
23.430$00 a título de trabalho suplementar;
10.000$00 a título de concessões de viagem por transporte de mercadorias;
20.000$00 por impossibilidade de viajar gratuitamente em autocarros substitutivos da circulação ferroviária;
100.000$00 a título de concessões de viagens nacionais;
30.000$00 a título de concessões de viagens internacionais (nos países da UIC);
50.000$00, a título de casas de habitação;
25.650$00 de subsídio de refeição;
32.994$00 de prémio de produtividade diário;
80.652$00 de prémio de produtividade anual;
24.300$00 a título de deslocações.

b) Condenação solidária das rés a pagarem às autoras a quantia global de 101.915.058$00 (7.279.647$00 para cada autora) a título de retribuições vencidas, bem como 35% sobre o referido montante para efeitos de entrega à Segurança Social, bem como juros de mora à taxa de 5% desde a citação.
c) Condenação solidária das rés à manutenção das funções no cumprimento do dever de ocupação efectiva, dos benefícios sociais relativos a jardins de infância, colónias de férias, casas de habitação, concessões de viagens.
d) Condenação solidária das rés no pagamento de 40.000$00 a título de sanção pecuniária compulsória, a reverter para cada uma das autoras, por cada dia em que por acto ou omissão imputável, a qualquer título, a qualquer das rés, cada autora seja impedida de exercer os seus direitos ou usufruir de tais benefícios.
e) Condenação solidária das rés nas custas e procuradoria.

2. Após contestação as autoras vieram "aditar o pedido e a causa de pedir" concluindo pela condenação solidária das rés no pagamento, a cada uma, das quantias de:
a) 15.778$00 a título de diferenças salariais;
b) 100.000$00 a título de indemnização por danos morais.

3. No saneador, a Srª Juiz conheceu do mérito da causa tendo-se ainda pronunciado:
a) Pela admissibilidade da cumulação sucessiva de pedidos e causas de pedir, fixando o valor da causa em 128.136.259$00.
b) Pela ineptidão da petição inicial relativamente aos pedidos de condenação das rés na manutenção das funções no cumprimento do dever de ocupação efectiva e nos benefícios sociais relativos a jardins de infância e colónias de férias, absolvendo as rés d instância, em conformidade.
c) Pela legitimidade da ré CP e ilegitimidade da ré Refer, com a consequente absolvição da instância relativamente aos créditos reclamados e vencidos na pendência da relação laboral que as autoras mantiveram com a ré CP até 31.12.98, relativos a diferenças de deslocações, prémios de produtividade e subsídios de refeição, danos morais e diferenças de subsídios de férias e de 13º mês.
d) Por não conhecer da excepção de caso julgado invocada pela ré Refer.

3.1. Conhecendo de mérito no saneador foi a acção julgada parcialmente, procedente tendo para o efeito:
a) declarado que a retribuição das autoras tem a seguinte composição: 80.392$00 de retribuição base, diuturnidades, subsídio de turno, 1.050$00 de subsídio de refeição por dia efectivo de trabalho, 732$00 de prémio de produtividade diário por dia efectivo de trabalho e prémio de produtividade anual a calcular nos termos previstos na cláusula 47ª do AE da Refer.
b) condenado a Refer, com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 2000, a pagar no vencimento base da 14ª autora, 3.639$00, e no vencimento base de cada um das 1ª a 9ª inclusive, 11ª, 12ª, 14ª, 16ª e 17ª autoras, 3.978$00, acrescidos dos juros de mora à taxa de 5%.
c) absolvido as rés no mais que se encontrava pedido.

4. Inconformadas, autoras e rés recorreram da sentença.
5. A Relação negou provimento aos recursos e confirmou a sentença.
6. A ré Refer e as autoras recorreram de revista.

6.1. Revista da Refer
Nas conclusões, e em resumo, defende a recorrente:
- O princípio da filiação determina que as cláusulas normativas dos contratos colectivos de trabalho obrigam as entidades patronais que os subscrevem e as inscritas nas associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que se encontrem abrangidos pelas associações sindicais celebrantes, não se verificando concorrência ou concurso pessoal de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho quando, na mesma empresa, vigoram convenções colectivas diferentes celebradas por sindicatos diferentes para a mesma categoria de trabalhadores, porque cada uma das convenções só se aplica aos sindicalizados no sindicato celebrante.
- A orientação seguida pela empresa foi a de atender à liberdade do trabalhador, à sua livre escolha em filiar-se neste ou naquele sindicato e, em consequência, submeter-se à aplicação deste ou daquele regime livremente acordado, cada um deles - de diferente forma - globalmente mais favorável para si do que o regime da lei geral do trabalho.

- Foi em obediência aos princípios da filiação sindical e da liberdade de contratação colectiva que a empresa não aplicou (porque se não encontrava obrigada a tal) as alterações do AE para o ano de 2000 aos trabalhadores filiados em sindicato (no caso, o SIFA, que celebrou com a empresa outra convenção colectiva de trabalho que se mantém em vigor) que, livremente, optou por não subscrever o AE.
- O princípio da igualdade, na vertente de "trabalho igual, salário igual", encontra-se constitucionalmente garantido, tal como os princípios da liberdade sindical e da liberdade de contratação colectiva, sendo que a Constituição não o hierarquiza em relação a estes.
- O princípio da liberdade sindical constitui um princípio fundamental do associativismo dos trabalhadores e uma condição essencial para a defesa dos seus direitos, com expressão normativa a nível internacional nas Convenções nºs 87 e 98 da OIT, ratificadas por Portugal, na Carta Europeia (art. 5º) e na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores (art. 11º), a ele se referindo também outros textos internacionais (Declaração Universal dos Direitos do Homem, Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Carta Social Europeia, Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos), pelo que não assume menor importância ou força jurídica (quer no plano dos princípios quer nos seus efeitos práticos).
- De acordo com o disposto no art. 7º, do DL 519-C1/79, de 29.12, o aumento salarial estabelecido por uma convenção colectiva só será aplicável aos sindicalizados na associação sindical interveniente os quais, para a mesma quantidade e qualidade de trabalho, poderão ganhar mais do que outros trabalhadores.
- Muito embora as empresas costumem uniformizar os salários, isso não constitui uma obrigação jurídica decorrente dos princípios constitucionais, devendo o princípio da igualdade ser mediatizado pela própria autonomia contratual e liberdade de empresa atento ao facto de, igualmente, serem dois princípios constitucionais.

6.2 Revista das autoras

Conclusões:
A) O douto acórdão recorrido ao não distinguir o pedido de pagamento de trabalho suplementar prestado e não pago e a mera qualificação de determinada média de uma componente variável como retribuição e sustentar que não foi produzida prova do carácter de regularidade e periodicidade quando é certo que as AA não tiveram possibilidade de fazer prova da factualidade alegada julga em contradição com os fundamentos, sendo nulo (al.c) do nº 1 do art. 668º do CPC).
B) O douto acórdão recorrido ao não se pronunciar sobre questões em sentido técnico quando o devia ter feito é igualmente nulo (al. d) do nº 1 do art. 668 do CPC), porquanto: Impondo o nº 5 do art. 16º do DL 104/97, de 29/4 que a CP e a Refer teriam de acordar as contrapartidas a atribuir por uma à outra e vice-versa por forma a garantir a efectiva manutenção dos direitos decorrentes dos instrumentos de regulamentação colectiva, contratos individuais e uma vez que tal acordo não teve lugar nada mais resta aos trabalhadores do que recorrer aos tribunais exigindo o cumprimento integral do referido diploma legal.
C) O regulamento de Concessões de Viagem tal como o Regulamento de Casas de Habitação, fazendo parte integrante do AE merecem atento o exposto em A) a qualificação como questões. Assim o douto acórdão ao não se pronunciar sobre o teor e conteúdo de tal acervo de direito é nulo.
D) O douto acórdão recorrido ao não se pronunciar sobre a efectiva manutenção ou não do direito à qualificação como retribuição de uma série de médias das componentes variáveis da retribuição que foram pagas ao abrigo e por força do contrato individual de trabalho é igualmente nulo, por se entender que tal questão tem suporte legal.
E) As AA estão sujeitas, desde a data da sua admissão ao regime de prestação de trabalho em turnos rotativos e laboração contínua, tendo conhecimento das tarefas através da leitura da escala da estação e a partir de 1993 passaram a estar sujeitas a mais um incómodo consistente em saber se num dia prestam 6 horas de serviço ou 10 horas, no respeito de um cômputo mensal, mantendo-se os demais incómodos, em suma, não se pode falar de mudança de um regime para outro, mas tão só da manutenção do regime de prestação de trabalho para o qual foram admitidos agravado por mais um incómodo. Ao aplicar de forma diversa o douto acórdão viola o disposto nas cláusulas 40ª e 41ª do AE.
F) As AA alegaram ter acordado com a CP, aquando da sua admissão, que como contrapartida da prestação de trabalho, em componentes varáveis da retribuição, receberiam um acréscimo de cerca de 80% sobre o vencimento, precisaram que tal percepção fazia parte integrante do contrato de trabalho, condição sem a qual não teriam celebrado o contrato, que receberam quantias no valor de x, médias, todos os anos, com carácter de regularidade e periodicidade, desde a data da sua admissão as quais correspondem exactamente ao constante dos recibos emitidos pela sua entidade patronal, que sempre utilizaram as mesmas para fazer face às despesas do seu agregado familiar, tendo adquirido a legitima expectativa de poder continuar a contar com tal percepção enquanto subsistir o contrato de trabalho, ao não declarar a irredutibilidade de tais componentes o douto acórdão violou nomeadamente o disposto na al. c) do nº 1 do art. 21 da LCT.
G) Tendo as AA alegado factos consubstanciadores da percepção, com carácter de regularidade e periodicidade, de determinadas médias mensais das componentes variáveis da retribuição, de acordo, aliás, com os recibos emitidos pela entidade patronal impendia sobre os RR o ónus de alegar factos demonstrativos da ausência do carácter de regularidade e periodicidade bem como o ónus de fazer prova nesse sentido. Ora, nenhuma das RR se dignou a dar cumprimento ao referido ónus e as AA, tendo inclusive, em sede de horas extraordinárias dado cumprimento ao ónus de alegar a verdade é que não lhe foi possibilitado o cumprimento do ónus de fazer prova, não podendo ser prejudicadas por tal facto, termos em que o douto acórdão viola o disposto nos artigos 350º, nº1 e 344º, nº 2, ambos do CC e art. 82º, nº 3 e al. c) do nº1 do art. 21º, ambos do RJCIT.
H) Quer antes quer após a criação do S. de Escalas, as AA sempre receberam, tal como resulta dos recibos, uma quantia média mensal a título de trabalho suplementar. Seria impensável pressupor-se e sem que tal tivesse sido alegado por qualquer das RR que tal pagamento teve lugar por engano ou qualquer outro vício da vontade, atenta desde logo a dimensão de qualquer das RR, pelo que não poderia deixar de ser considerada como assente quer a prestação, quer a obrigatoriedade uma vez que as AA não peticionam o pagamento de trabalho prestado e não pago, mas tão só a qualificação como retribuição do que foi efectivamente pago. Aliás, nenhuma das RR se dignou a alegar que em 1997 e 1998 as AA tivessem sido objecto de qualquer alteração da prestação de trabalho a qual não pode ser presumida, ao julgar em contrário o douto acórdão viola o normativo indicado em H).
I) O Regulamento de Concessões de Viagem ainda que em versão algo diversa já existia à data da admissão das AA e uma vez que a CP e a Refer não deram cumprimento ao disposto no nº 5 do art. 16º do DL nº 104/97, de 29/4 aos mesmos nada mais resta do que recorrer aos tribunais para fazer valer a efectiva manutenção dos direitos adquiridos decorrentes do instrumento de regulamentação colectiva aplicável e do qual fazem parte integrante quer o Regulamento de Concessões de Viagem quer o Regulamento de casas de Habitação, cujo teor e conteúdo não merecerá divergências sendo certo que tendo as AA alegado valores, de forma explícita e não tendo possibilidade de dar cumprimento ao ónus de prova afigura-se que a sua pretensão terá sido irremediavelmente prejudicada não podendo de igual modo presumir-se que tais valores são ou não exagerados. Aliás, o carácter vinculístico dos benefícios em causa, resulta desde logo da sua consagração em IRCT e do facto de permanecer mesmo após a passagem À reforma.
J) O SIFA aderiu ao AE/SMAQ e tal como o SMAQ não representa só maquinistas de igual modo o SIFA representa todos os trabalhadores não sendo incompatível a exigibilidade de pagamento, no respeito integral pelo salário igual, para trabalho igual. Afigurando-se ainda que é manifesta a alegação de factualidade consubstanciadora da imputação às RR de um comportamento vexatório, discriminatório desde logo em matéria sensíveis como o subsídio de refeição, unanimemente reconhecido como igual para todos os trabalhadores da mesma empresa.

7. Quer as autoras quer a Refer não contra alegaram.
8. O MP emitiu parecer no sentido da improcedência de ambas as revistas.

II -
As instâncias consideraram provado o seguinte factualismo:
a) a autora AA (1ª) foi admitida ao serviço da CP, em 1 de Maio de 1978, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte ao Km 274,650 e como vencimento mensal 76.414$00;
b) a autora BB (2ª) foi admitida ao serviço da CP, em 16 de Novembro de 1983, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte ao Km 200,658 e como vencimento mensal 76.414$00;
c) a autora CC (3ª) foi admitida ao serviço da CP, em 29 de Janeiro de 1982, com a categoria de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte ao Km 2,869, Figueira da Foz e como vencimento mensal 74.187$00;
d) a autora DD (4ª) foi admitida ao serviço da CP, em 16 de Junho de 1983, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte ao Km 213,322 e como vencimento mensal 74.187$00;
e) a autora EE (5ª) foi admitida ao serviço da CP, em 23 de Maio de 1984, com a categoria de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte ao Km 4,452, Figueira da Foz e como vencimento mensal 76.414$00;
f) a autora FF (6ª) foi admitida ao serviço da CP, em 7 de Setembro de 1974, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte ao Km 6,897, Figueira da Foz e como vencimento mensal 74.187$00;
g) a autora GG (7ª) foi admitida ao serviço da CP, em 14 de Março de 1983, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte ao Km 212,993 e como vencimento mensal 76.414$00;
h) a autora HH (8ª) foi admitida ao serviço da CP, em 30 de Maio de 1986, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a Passagem de Nível da Linha do Norte ao Km 206,883 e como vencimento mensal 76.414$00;
i) a autora II (9ª) foi admitida ao serviço da CP, em 27 de Outubro de 1984, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte ao Km 203, 378 e como vencimento mensal de 76.414$00;
j) a autora JJ (10ª) foi admitida ao serviço da CP, em 16 de Maio de 1974, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível na Linha do Norte ao Km 183,680 e como vencimento mensal 74.187$00;
l) a autora LL (11ª) foi admitida ao serviço da CP, em 23 de Maio de 1982, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte ao Km 33,062, Figueira da Foz e como vencimento mensal 76.414$00;
m) a autora MM (12ª) foi admitida ao serviço da CP, em 11 de Fevereiro 1985, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível do Norte ao Km 32,601, Aveiro e como vencimento mensal 76.614$00;
n) a autora NN (13ª) foi admitida ao serviço da CP, em 28 de Janeiro 1971, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte ao Km 199,797 e como vencimento mensal 76.414$00;
o) a autora OO (14ª) foi admitida ao serviço da CP, em 29 de Setembro de 1974, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte ao Km 274, 650 e como vencimento mensal 76.753$00;
p) a autora PP (15ª) foi admitida ao serviço da CP, em 1 de Dezembro de 1963, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível; teve como último posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte ao Km 270,316 e como vencimento mensal 76.414$00; o seu contrato de trabalho cessou em 15.07.2000, por Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho celebrado em 29.06.2000 entre a Refer e a autora, no qual a autora declarou nada mais ter a receber ou a reclamar da sua entidade patronal, com excepção das retribuições e demais abonos vincendos por virtude da prestação de trabalho que efectuar até 15 de Julho de 2000; as quantias designadas como vincendas no Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho foram pagas pela Refer;
q) a autora QQ (16ª) foi admitida ao serviço da CP, em 27 de Setembro de 1986, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte, ao Km 212,532 e como vencimento mensal 79.581$00;
r) a autora RR (17ª) foi admitida ao serviço da CP, em 1 de Janeiro de 1976, com a categoria profissional de Guarda de Passagem de Nível, tem como actual posto de trabalho a passagem de nível da Linha do Norte ao Km 32,601, Aveiro e como vencimento mensal 76.414$00;
s) as autoras têm como funções assegurar a vigilância e a segurança da circulação de comboios, veículos e peões nas passagens de nível;
t) foram admitidas para prestar trabalho em regime de turnos e recebem mensalmente subsídio de turno;
u) ultimamente, as 1ª, 2ª, 4ª, 7ª, 8ª, 9ª, 12ª, 13ª, 14ª, 15ª, 16ª e 17ª autoras trabalham em turnos rotativos, das 00h00 às 08h00, das 08h00 às 16h00 e das 16h00 às 24h00, de 8 horas diárias e 40 horas semanais;
v) e as 3ªs, 5ª, 6ª, 10ª e 11ª autoras trabalham em turnos de 12 horas diárias e 60 horas semanais;
x) o Regulamento e Concessões Viagens da CP, de 01.07.77, junto a fls. 150 a 173, confere:

- aos trabalhadores: direito a viajar ilimitada e gratuitamente em qualquer comboio da CP, em todo o território nacional, no activo ou na reforma por velhice ou invalidez, bem como nos autocarros explorados pela CP nos casos em que estes existem em substituição de serviços ferroviários suprimidos;
- aos seus ascendentes e descendentes de 1º grau e respectivos cônjuges: direito a 4.000 Kms gratuitos e a 75% de desconto no que excedesse esses 4.000 Kms;
- aos trabalhadores e respectivo agregado familiar: a possibilidade de viajar durante quatro dias gratuitamente por um ou vários países da Europa em redes ferroviários pertencentes à UIC;
- e, ainda, direito ao transporte gratuito de 20 Kgs., de bagagem registada e de 3.000 Kgs. de bens por ano em fracções mínimas de 10 Kgs.;

z) as autoras são titulares de um cartão personalizado - "passe" -, emitido pela CP, com a sua identificação e número de matrícula e desde que transitaram para a Refer, estes cartões foram carimbados pela Refer no próprio documento e na senha autocolante que é anualmente renovada;
a') esse cartão permite-lhes viajar ilimitada e gratuitamente em qualquer comboio da CP e utilizar os autocarros explorados pela CP nos termos referidos na alínea x);
b') a CP dispunha de casas que atribuía aos seus trabalhadores nos termos constantes do Regulamento Interno de Casas Afectas ao Serviço Ferroviário;
c') a título de subsídio de refeição foram pagas às autoras as seguintes quantias, por dia efectivo de trabalho: até 31 de Julho de 1998, 900$00, entre 1 de Agosto de 1998 e 31 de Janeiro de 1999, 950$00 e, a partir de 1 de Fevereiro de 1999, 1.000$00;
d') e a título de prémio de produtividade diário foram-lhes pagas as seguintes quantias: entre 01.02.98 e 30.07.98, 475$00, entre 01.08.98 e 31.01.99, 675$00 e, a partir de Fevereiro de 1999, 710$00;
e') no ano de 1999 as autoras receberam prémio de produtividade anual, reportado ao trabalho prestado no ano de 1998;
f') o valor do subsídio de escala variou nas seguintes percentagens, reportadas ao vencimento base: 13%, de 29 de Maio de 1994 a 30 de Abril de 1995, 16,75%, de 30 de Abril de 1995 a 21 de Julho de 1996 e 17,75%, a partir de 21 de Julho de 1996;
g') as 6ª, 10ª, 15ª e 17ª autoras foram admitidas directamente para o quadro de pessoal efectivo da CP;
h') a 1ª autora celebrou acordo judicial para o efeito de contagem de diuturnidades desde a data em que iniciou funções na CP e está a receber as correspondente quantias;
i') as 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 11ª, 12ª, 13ª, 14ª e 16ª autoras celebraram acordos extrajudiciais com a CP para o efeito de contagem de diuturnidades desde as datas em que iniciaram funções e estão a receber as correspondente quantias;
j') em 22 de Fevereiro de 2000, todas as autoras estavam filiados no Sifa;
l') a 10ª autora filiou-se no Sinafe, Sindicato Nacional dos Ferroviários do Movimento a Afins em 1 de Novembro de 2000;
m') em data posterior à referida na alínea j') a 13ª autora esteve filiada no Sinafe e deixou de estar sindicalizada em Outubro de 2000;
n') o contrato de trabalho da 15ª autora cessou em 15.07.2000, por Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho celebrado em 29.06.2000 entre a Refer e a autora, no qual a autora declarou nada mais ter a receber ou a reclamar da sua entidade patronal, com excepção das retribuições e demais abonos vincendos por virtude da prestação de trabalho que efectuar até 15 de Julho de 2000; as quantias designadas como vincendas no Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho foram pagas pela Refer;
o') as tarefas que as autoras desempenham são iguais, em quantidade, natureza e qualidade, às desempenhadas por guardas de passagem de nível associadas em organizações sindicais que subscreveram o AE/Refer;
p') a Refer aplica as alterações do AE/Refer para 2000 à 10ª e 13ª autoras mas não o faz relativamente às demais autoras em virtude de elas serem filiadas no Sifa.
q') e desde Fevereiro de 2000 paga à 10ª e 13ª autoras de vencimento base 80.392$00, de subsídio de refeição 1.050$00/dia e de prémio de produtividade/exploração 732$00/dia.

III-
Revista da ré REFER
De acordo com as conclusões da revista que delimitam o presente recurso e tendo em atenção que ao Supremo, enquanto tribunal de revista, se impõe aplicar o direito aos factos, é com base no factualismo fixado pelas instâncias que cabe conhecer da situação a resolver no âmbito do recurso e que se reporta ao pedido das autoras quanto ao pagamento de diferenças de retribuição decorrentes da discriminação salarial infundada, com violação do princípio de "a trabalho igual, salário igual", pela não aplicação aos mesmos dos esquemas remuneratórios resultantes das alterações ao AE de 2000.
As instâncias deram igual solução a esta questão, dando acolhimento à pretensão dos autores.
Foi assim sustentando que a ineficácia subjectiva do instrumento de regulamentação colectiva não pode determinar um tratamento discriminatório a nível salarial, por este importar a violação do princípio constitucional de "a trabalho igual, salário igual".

A ré Refer insurge-se contra tal entendimento pugnando pela justificação da diferenciação salarial porquanto a mesma se encontra radicada num acto voluntário das autoras em respeito aos princípios da liberdade sindical e de contratação colectiva, igualmente com dignidade constitucional.
Defende pois a recorrente que, inexistindo na lei constitucional, qualquer hierarquização dos princípios em análise, designadamente a supremacia da igualdade salarial, não constitui obrigação jurídica da empregadora a uniformização dos salários, devendo o princípio da igualdade ser mediatizado pela própria autonomia contratual e liberdade de empresa, atento ao facto de se estar perante princípios com a mesma dignidade constitucional.
Debruçando-nos sobre o objecto do litígio, verifica-se que o conhecimento da alegada existência de discriminação salarial pressupõe, de acordo com o posicionamento assumido pela recorrente, uma breve análise sobre os princípios da contratação colectiva, da liberdade sindical, da filiação e da igualdade salarial e, bem assim, da interacção entre os mesmos.

O direito à contratação colectiva, decorrente da liberdade negocial colectiva, possui dignidade constitucional - art. 56º da CRP - e, na perspectiva dos trabalhadores, é exercido através das associações sindicais, permitindo àqueles, conjuntamente com as entidades patrimoniais (1), regularem colectivamente as respectivas relações de trabalho, concretizando-se, por isso, numa verdadeira autonomia da vontade formulada em termos colectivos. Esta autonomia não é de modo algum prejudicada pelo facto de, por via administrativa (através das portarias de extensão e de regulamentação), serem colmatadas insuficiências ou deficiências decorrentes da inexistência ou debilidade negocial dos parceiros sociais.
Uma vez que apenas às associações sindicais é permitido exercer o direito de contratação, evidencia-se neste domínio de crucial importância, o assento constitucional da liberdade sindical (artigo 55º da CRP), a qual impondo-se ao exercício de toda a actividade sindical, manifesta-se fundamentalmente em duas vertentes: uma relativa aos direitos do sindicato e, outra, aos direitos individuais dos trabalhadores.
A primeira reconduz-se essencialmente à liberdade de constituição e auto-organização; a segunda, reporta-se fundamentalmente à liberdade de inscrição - direito à inscrição sem dependência de discricionaridades o que, sob a sua fórmula negativa, se traduz na liberdade de não inscrição em sindicato ou da livre desfiliação (2).

Sendo direito do trabalhador inscrever-se em sindicato que, na área da sua actividade, represente a categoria respectiva (3), decorre da interacção dos direitos de contratação colectiva e da liberdade sindical o princípio da filiação, legalmente consagrado no art. 7º do DL 519-C1/79, de 29-12, nos termos do qual as convenções colectivas (bem como os Acordos de Empresa) apenas obrigam as pessoas que se encontrem filiadas nas entidades que as celebram.
Sabendo-se que a convenção colectiva contém em si duas facetas distintas, uma meramente obrigacional e que diz sobretudo respeito às relações entre as partes signatárias, em termos de aplicação, cumprimento e revisão de tal instrumento de regulamentação colectiva; outra, normativa, que como verdadeira fonte de direito, influiu nos direitos e deveres recíprocos das partes, já em termos de contrato individual de trabalho, importa necessariamente, atender a outro dos princípios fundamentais do direito do trabalho, isto é, o princípio da igualdade salarial.
Fazendo agora referência ao princípio constitucional que fundamenta a pretensão das autoras e que releva a nível das relações individuais de trabalho - "a trabalho igual, salário igual" - a alínea a) do nº 1 do art. 59º, da CRP, dispõe "Todos os trabalhadores (...) têm direito (...) à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna".

À simplicidade deste enunciado importa fazer algumas clarificações.
O princípio em referência concretiza, relativamente à retribuição, o princípio da igualdade enunciado em termos gerais no art. 13º, da CRP.
Por forma a excluir a discriminação ou os privilégios, a igualdade consignada constitucionalmente não significa, obviamente, uma igualdade absoluta em todas as circunstâncias, nem obsta ou proíbe tratamento diferenciado. Assim e com facilidade se compreende que se devem tratar igualmente todos aqueles que se encontrem em situações e por forma diferente os que estão em situações desiguais.
Verifica-se, por isso, que no âmbito de protecção do princípio da igualdade importa que a diferenciação seja materialmente fundada, sob o ponto de vista da segurança jurídica e não se baseie em qualquer motivo inadmissível em termos legais ou constitucionais.
Consequentemente, a diferenciação de tratamento estará legitimada sempre que se baseie numa distinção objectiva de situações e não se fundamente em nenhum dos motivos indicados no nº 2 do art.13º, da CRP (ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social), tenha um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo e se revele necessária, adequada e proporcionada à satisfação do objectivo que se pretende atingir (4).

Haverá por isso violação do princípio da igualdade em termos salariais se a diferenciação de retribuição não resultar de critérios objectivos, ou seja, se o trabalho prestado pelo trabalhador discriminado for igual ao dos restantes trabalhadores, não só quanto à natureza, mas também em termos de qualidade e quantidade (5).
Tem-se assim por assente que o princípio constitucional não proíbe que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes consoante seja prestado por pessoas mais ou menos habilitadas, com mais ou menos tempo de serviço, com mais ou menos experiência profissional. A proibição incide nas distinções que assentem em meras categorias subjectivas (6).
Conforme se concluiu no Acórdão deste Tribunal, de 22.09.93 (CJSTJ, ano 1º, tomo III, pág. 269), não ocorre, sem mais, violação do princípio de "a trabalho igual, salário igual" no facto de trabalhadores da mesma categoria e da mesma empresa receberem remunerações diferentes.

Para tal é necessário que se prove que a diferenciação é injustificada em virtude de o trabalho do trabalhador discriminado ser igual ao dos restantes trabalhadores no que se refere à quantidade (duração e intensidade), à natureza (tendo em conta a sua dificuldade, penosidade e perigosidade) e à qualidade (de acordo com as exigências, conhecimentos, prática e capacidade).
Concretizado o conteúdo do princípio da igualdade salarial vemos que o mesmo assenta num conceito de igualdade real com aplicação ao nível das relações estabelecidas, obedecendo a uma dinâmica valorativa cujo apuramento só pode ser aferido e concretizado casuisticamente, o que pressupõe, necessariamente, a mesma dimensão na realidade material fornecida pelo caso concreto.
Tendo em conta os critérios objectivos constitucionalmente relevantes na caracterização de cada um dos princípios em causa e, bem assim, as particularidades das relações laborais, a análise dos fundamentos da discriminação salarial por aplicação do princípio de "a trabalho igual, salário igual", terá de ser efectuada numa determinada realidade material do caso concreto, independentemente da filiação sindical do trabalhador.

Verifica-se pois que a solução a dar ao caso concreto, pressuposto, obviamente, a interacção dos referidos princípios, não se reconduz à posição simplista de atribuir uma prevalência ao princípio da igualdade salarial, mas de conferir relevância a cada um dos princípios em causa, de acordo com o respectivo conteúdo e âmbito de aplicação.
Por conseguinte, dado o alcance do princípio da igualdade salarial e sob a perspectiva da sua interacção com o princípio da filiação, poderá resultar a abstracção deste quanto ao âmbito pessoal da aplicação das cláusulas normativas das convenções colectivas (7).
Com efeito e por via do principio da igualdade salarial, poderá ser dado o mesmo tratamento remuneratório a trabalhadores sindicalizados em associações sindicais não signatárias de determinada convenção colectiva (ou mesmo trabalhadores não sindicalizados), desde que, insista-se, o trabalho desses trabalhadores seja desenvolvido em três condições de igualdade: natureza, quantidade e qualidade (8). Ou seja, sabendo-se que o princípio da igualdade em termos salariais opera ao nível das relações individuais de trabalho, ocorrerá a sua violação nas situações em que a diferenciação não resultar de critérios objectivos; por isso, sempre que o trabalho prestado pelo trabalhador discriminado, independentemente da categoria profissional que lhe é atribuída, for igual ao trabalho dos restantes trabalhadores, não só quanto à natureza, mas também qualidade e quantidade, poderá, por aplicação do princípio da igualdade, resultar, em termos práticos, tão só um afastamento pontual (apenas quanto ao salário) do princípio da filiação quanto ao âmbito pessoal da aplicação das cláusulas normativas das convenções colectivas.

De acordo com o exposto e tendo em conta o enquadramento fáctico fixado pelas instâncias e com relevância para a questão em análise, constata-se que, efectivamente, ocorre uma discriminação salarial relativamente às autoras (com excepção das 10ª e 13ª autoras) e que deriva tão só das mesmas serem associadas no SIFA, associação sindical que não outorgou as alterações ao AE REFER/99/2000, pois que, conforme consta da matéria dada como provada, as tarefas por si desempenhadas são iguais em quantidade, natureza e qualidade às desempenhadas por guardas de passagem de nível associadas em organizações sindicais que subscreveram o AE/REFER (alínea o') (9).
Face ao exposto, uma vez demonstrada a efectiva discriminação salarial, de acordo com as considerações acima efectuadas, a filiação sindical é, quanto a este aspecto inócua, impondo-se a paridade salarial independentemente da filiação sindical concreta dos trabalhadores em causa.
Nestes termos, a revista não merece provimento, sendo de confirmar o acórdão recorrido.

Revista das autoras
1. nulidades
Na sequência do posicionamento assumido na apelação, as recorrentes arguiram a nulidade da decisão recorrida por a mesma se encontrar em oposição com os fundamentos e por ter deixado de conhecer questões que lhe cumpria conhecer.
As recorrentes, porém, não arguiram as nulidades no requerimento de interposição de recurso conforme se impunha, mas tão só nas alegações da revista, impedindo assim o respectivo conhecimento das mesmas por extemporaneidade (10).

2. objecto o recurso
De acordo com as conclusões das recorrentes que delimitam o objecto do recurso verifica-se que a questão a apreciar se reconduz em determinar a natureza retributiva (ou não) de diversas componentes variáveis auferidas pelas autoras (11).
A Relação, no seguimento do decidido pela 1ª instância, negou às autoras a pretensão verem declarados como componentes da sua retribuição (com as legais consequências daí decorrentes) os montantes auferidos a título de trabalho nocturno, prestado em dia de descanso e trabalho suplementar.
Entendeu-se no acórdão sob censura (fazendo remissão para os fundamentos do saneador-sentença) que as autoras, não só não demonstraram no processo o carácter regular e periódico do recebimento das referidas quantias por forma a lhes criar a expectativa legítima ao seu auferimento, como não provaram que o direito a receber essas prestações como componentes da sua retribuição lhes adveio da celebração do respectivo contrato de trabalho.
Fundamentalmente as autoras insurgem-se contra o acórdão sob censura considerando que, embora tenham alegado factualidade suficiente relativamente ao direito que pretendiam fazer valer - percepção com carácter de regularidade e periodicidade das referidas componentes e, bem assim, o facto de tal percepção fazer parte integrante dos seus contratos de trabalho, condição sem a qual não o teriam celebrado - não lhes foi dada a oportunidade de cumprirem o ónus de fazer a respectiva prova.
Importa assim e desde logo apurar da suficiência da matéria de facto fixada pelas instâncias (12).

2.1 O Supremo Tribunal de Justiça quando funciona como tribunal de revista conhecerá apenas da matéria de direito, pois que lhe compete aplicar, em definitivo, o regime jurídico que entenda por adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido.
A aplicabilidade do respectivo regime jurídico pressupõe, desde logo, que os factos se encontrem discriminados de forma clara, inequívoca e completa, na fundamentação da decisão recorrida.
Por conseguinte, determinar se a matéria dada como assente pelas instâncias o foi em termos adequados e apurar se a mesma não contém erros ou não suscita dúvidas constitui função crucial, uma vez que só após se ter procedido às necessárias correcções do factualismo provado (que não cabe na competência do STJ quando funciona como tribunal de revista), é que é possível uma apreciação do mérito da causa.
Assim e no âmbito da competência deste tribunal, tendo em conta os factos apurados pelas instâncias, desde logo se nos depara a questão da suficiência e da correcção dessa matéria de facto com vista a possibilitar o conhecimento do objecto do recurso, independentemente de, quanto a ela, ter ou não havido impugnação por parte do recorrente.

2.2. Tendo presente a questão que se coloca nos autos, importa tecer as seguintes considerações:
O princípio geral sobre a retribuição encontra-se consignado no art. 82º, da LCT, dele resultando que a retribuição é a contrapartida do trabalho e compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente em dinheiro ou em espécie, sendo que, até prova em contrário, presume-se retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador;
Resulta expressamente do art. 86º, da LCT, a natureza não retributiva do trabalho extraordinário, salvo quando o mesma se deva entender como integrante da retribuição do trabalhador, ou seja, sempre que as quantias recebidas a tal título tenham carácter de regularidade ou habitualidade (que criem no trabalhador expectativas normais de ganho, destinadas a satisfazer necessidades permanentes e periódicas) (13);
Com efeito, havendo trabalho extraordinário regularmente prestado já não se aplica o art. 86º, da LCT, que pressupõe o carácter esporádico de tal prestação, pois que, por natureza e por força da lei, a mesma constitui um desenvolvimento transitório da relação contratual de trabalho;
Igualmente com natureza de prestação não remuneratória (carácter excepcional e transitório), apenas devida ao trabalhador como eventual acréscimo e enquanto efectiva prestação de serviço nocturno e em dia de descanso, se insere o denominado subsídio de trabalho nocturno e a remuneração de trabalho prestado em dia de descanso (por natureza incompatível com prestação regular e habitual) (14);

A atribuição do carácter vinculativo de certa prestação (como remuneração) exige, nos termos da lei, certa periodicidade ou regularidade no seu pagamento
Tem-se por regular toda a prestação não arbitrária que segue uma regra permanente, sendo por isso constante; o carácter periódico pressupõe que a mesma seja paga em períodos certos no tempo (ou aproximadamente certos) de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos respectivos contraentes (15);
A regra da irredutibilidade prevista no art. 21º, nº 1, al. c), da LCT, consiste no facto da retribuição não poder ser reduzida pela entidade patronal;
Se antes esta regra era entendida como apenas incidente sobre a retribuição de carácter restrito, possuindo o seu fundamento no facto do salário, como correspectivo da prestação de trabalho, consubstanciar, na maior parte das vezes, o único meio de subsistência do trabalhador, com a moderna elaboração das condições sócio-económicas e face à tendência da interpretação correctiva da Jurisprudência neste domínio, no sentido de proteger a confiança do trabalhador, o âmbito de aplicação deste princípio foi alargado a outros componentes e subsídios. Assim, actualmente, a não diminuição da retribuição tem por base a necessidade de proteger o montante global auferido regularmente pelo trabalhador.

De salientar que este princípio prende-se com outro - o da continuidade - segundo o qual a remuneração é devida independentemente das vissicitudes que possam atingir a efectiva prestação de trabalho. Consequentemente, todo o risco de flutuações na produção correrá por conta da entidade patronal.
É pois pacífica a Jurisprudência no sentido de entender que a garantia do trabalhador consignada na alínea c) do art. 21º da LCT, respeita à proibição de qualquer alteração das condições de trabalho que determinem uma efectiva diminuição da remuneração global (16);
É também Jurisprudência pacífica aquela segundo a qual a entidade patronal não é obrigada a manter indefinidamente a constituição de determinado tipo de retribuição, desde que não haja redução do montante desta, assentando o pressuposto de tal entendimento na "não essencialidade da estrutura do salário, pelo menos quando as verbas adicionais que o compõem estão sujeitas a contingentes" (17);
No que se refere às prestações que tenham a ver directamente com as condições de prestação de trabalho, e nessa medida por definição necessariamente de carácter transitório, a natureza retributiva das mesmas poderá encontrar-se fundamentada no reconhecimento enquanto direitos imediatamente decorrentes da celebração do contrato de trabalho.

2.3. Corroborando a posição assumida pela sentença, o acórdão recorrido considerou suficiente a matéria de facto dada como provada com vista ao proferimento de decisão (assente na regra do ónus da prova) relativamente à pretensão das autoras em ver reconhecida a natureza retributiva de diversas componentes por si auferidas.
Foi entendido pelas instâncias que as recorrentes omitiram factualismo que se mostrava indispensável à definição dos direitos que pretendiam fazer através da presente acção. Acresce que foi igualmente considerado pelas instâncias que os factos alegados na petição se mostravam irrelevantes para a afirmação dos respectivos direitos em causa e, nessa medida a acção podia ser decidida na fase do saneador.
A nosso ver este entendimento tem por subjacente uma visão demasiado formalista e rigorosa quanto à questão da matéria de facto relevante (18) e do respectivo ónus de alegação e encontra-se em total falta de sintonia com os valores e as finalidades que alicerçam a jurisdição laboral, onde, com particular acuidade, se procura alcançar a verdade material, aspecto que se encontra bem patente no poder conferido ao juiz em matéria de articulação defeituosa por deficiência de factos concretos com interesse para a decisão da causa (cfr. art. 29º, al. c), do CPT de 81) (19, poder-dever que se mantém até à audiência de julgamento (admissibilidade de formulação de quesitos novos ainda que sobre matéria não articulada - art. 66º, nº 1, do CPT de 81).
Nesta medida e de acordo com as considerações teóricas acima indicadas, relativamente à questão da natureza retributiva das prestações auferidas a título de trabalho suplementar, por trabalho nocturno e por trabalho prestado em dias de descanso colocada pelas autoras na presente acção, não obstante ter-se presente que as mesmas prestavam trabalho em regime de turnos, evidencia-se que a matéria articulada na petição, embora deficiente, mostra-se minimamente idónea para efeitos de ser objecto de quesitação (embora a situação pusesse a necessidade de intervenção do poder-dever do juiz de convidar a parte a corrigir e completar o seu articulado - art. 29º, al. c), do CPT de 81), conforme se passa a demonstrar.

No que se refere ao trabalho suplementar, embora não tenha sido indicado o horário efectivamente praticado por cada uma das autoras, verifica-se que se encontra alegado factualismo relevante e suficiente (20) para o efeito pretendido pelas mesmas caso pudesse ter sido passível de prova:
Artigos 60º, 61º, 62º e 63º da petição - "Todos os AA, com base no alegado nos art.s 1º a 15º, inclusive (...) prestam desde a data da sua admissão (art. 1º), Todos os meses, ininterruptamente, Em média, nomeadamente para substituição de colegas que se encontram de baixa, de férias, de assistência à família (...) Pelo menos 2 (duas) vezes por mês, 4 (quatro) horas/dia, por ordem expressa das RR, 8 horas de Trabalho Suplementar, O que se traduziu, nos anos de 1997 e 1998, no pagamento mensal da quantia de esc. 23.430$00" (21).
Por outro lado, quer quanto ao trabalho suplementar, quer quanto às componentes auferidas a título de trabalho nocturno e trabalho prestado em dias de descanso foi alegado não só o facto das autoras, desde a sua admissão e até 1998, auferirem tais quantitativos (para além dos artigos acima indicados, veja-se os artigos 41º a 46º e 51º a 57º), como a circunstância de tais direitos (prestação de trabalho suplementar, trabalho nocturno e prestado em dia de descanso) poderem configurar elementos constitutivos do contrato de trabalho, surgindo por isso com carácter irreversível, impedindo a entidade empregadora de alterar as condições da prestação, designadamente os respectivos horários.

Encontra-se assim alegada (ainda que de forma deficiente) matéria para caracterização de tais realidades enquanto direitos decorrentes da celebração do contrato de trabalho:
Artigo 4º da petição: "Por força do contrato de trabalho todas as AA, têm direito, todos os meses, a determinadas quantias (...), a título de trabalho suplementar, nocturno, em dia de descanso (...) com as quais podem fazer face às despesas do seu agregado familiar."
Artigo 5º da petição: "Ao optarem por prestar serviço para a C.P. foi determinante a promessa/expectativa de, por força do contrato de trabalho, do regime de laboração poderem vir a contar ao fim do mês com um acréscimo não inferior a 80% sobre o vencimento base."
Artigo 6º da petição: "Tal condição foi imprescindível para que celebrassem o contrato de trabalho."

Artigos 47º, 48º, 49º, 59º, 66º e 67º "Componente que tem vindo a ser retirada, contra a sua vontade, não lhes tendo sido ordenada a prestação de trabalho (...) tendo além do alegado por força do Contrato de Trabalho, adquirido a legítima expectativa de continuação do recebimento."
Perante o articulado pelas autoras e embora, sublinhe-se, não se encontrar formalmente correcta a alegação das realidades subjacentes à tese que pretendem fazer valer, o certo é que, não ocorrendo ausência total de alegação (mas tão só deficiência de articulação do factualismo relevante), impunha-se a indagação da exacta caracterização dessas realidades, sendo certo que no âmbito da jurisdição laboral o juiz detém poderes (poder-dever) para colmatar as deficiências apontadas.
Nestes termos, tendo em conta a pretensão das autoras com a propositura da acção (no que se refere à declaração da natureza retributiva das parcelas auferidas a título de trabalho suplementar, trabalho nocturno e trabalho prestado em dias de descanso), observa-se, no caso, a elaboração de base instrutória tendo em conta a matéria articulada na petição (22), permitindo assim à parte a possibilidade da respectiva demonstração no processo através da competente produção de prova.

IV - De acordo com o exposto, uma vez que se encontra articulada matéria controvertida cujo apuramento tem interesse e se mostra essencial para a decisão de direito, de acordo com o preceituado no nº 3 do art. 729º do CPC, decide-se ordenar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação a fim de ser ampliada a matéria de facto em conformidade com o anteriormente assinalado.

Custas a final por quem for devido, condenando-se a ré REFER nas custas relativamente à revista por si interposta.

Lisboa, 25 de Setembro de 2002
Azambuja Fonseca
Diniz Nunes
Mário Torres
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(1) Agregadas ou não em termos associativos.
(2) Daí decorre a proibição e a consequente nulidade de acto ou acordo que vise subordinar o emprego do trabalhador a filiar-se ou desfiliar-se num sindicato. De igual modo não poderá o trabalhador ser prejudicado em função da sua filiação (ou não filiação) sindical - cfr. art. 37º, do DL 215-B/75, de 30-04.
(3) Não podendo, porém, estar simultaneamente representado a título de profissão ou actividade, por sindicatos diferentes - art.s 16º do DL 215-B/75, de 30-04.
(4) Cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2ª edição, 1º volume, pág. 147 e seguintes.
(5) Neste sentido a Jurisprudência é unânime. Veja-se entre outros - Acórdãos do STJ de 23.11.94, CJSTJ, ano 2º, tomo III, pág.292, de 28.02.96, processo nº 4180, 4ª secção, de 08.01.97, processo nº 44/96, 4ª secção.
(6) Acórdão do Tribunal Constitucional de 09.03.89, BMJ 385, pág.188.
(7) Se esta constitui posição predominante da jurisprudência, há a assinalar o Acórdão do STJ (de 23-09-99, processo nº 83/99) onde se desenvolveu um raciocínio num sentido de todo não coincidente com este "Se por efeito do princípio da liberdade sindical, acolhido no art. 55º da Constituição, e atenta a competência atribuída às associações sindicais para o exercício do direito à contratação colectiva, constitucionalmente garantido nos termos da lei (art.56º, nº 3 da Constituição), numa mesma empresa podem coexistir trabalhadores de idêntica categoria profissional que, por filiados em sindicatos distintos, outorgantes de diferentes CTT, podem usufruir de esquemas remuneratórios diversos, significa isto que o princípio da liberdade sindical e os poderes através dela concretizados como que diluem ou enfraquecem uma igualdade remuneratória, por admissibilidade de sistemas retributivos que podem não ter idêntica expressão monetária.
(8) É neste sentido que a Jurisprudência deste Tribunal se tem pronunciado - cfr. Acórdãos de 27-11-96, processo nº 96/96, 4ª secção, de 11-12-96, processo nº 124/96, 4ª secção, de 09-04-97, processo nº 167/96, 4ª secção.
(9) Embora esteja em causa matéria que, em bom rigor técnico, não constitui factualidade em sentido próprio, antes um juízo (de valor) conclusivo a emitir em função de realidades que deveriam ter sido apuradas.
(10) Conforme constitui entendimento pacífico da jurisprudência deste tribunal, impõe-se que a arguição de nulidades da decisão seja feita no requerimento de interposição do recurso sob pena da sua extemporaneidade, não satisfazendo tal imposição legal a arguição efectuada nas alegações, ainda que (embora não seja a situação do caso concreto) as mesmas sigam o requerimento de interposição - aspecto que se encontra presentemente consagrado no art. 77, nº1, do CPT. Tal entendimento apoia-se no argumento de que, enquanto o requerimento de interposição de recurso é dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, as alegações são dirigidas ao tribunal que há-de apreciar o recurso, importando permitir ao juiz a decisão, as alegações são dirigidas ao tribunal que há-de apreciar o recurso, importando permitir ao juiz a quem é dirigido o requerimento da interposição do recurso a possibilidade de, querendo, conhecer da nulidade e, se for caso disso, suprimi-la.
(11) Tendo em atenção o teor das conclusões da revista parece-nos que apenas foi posta em causa a questão da natureza retributiva das componentes auferidas a título de trabalho suplementar, trabalho nocturno e trabalho prestado em dias de descanso uma vez que quanto às restantes componentes traduzidas nas alegadas retribuições em espécie, as recorrentes insurgiram-se contra o acórdão recorrido invocando a nulidade da decisão.
(12) Saliente-se que as recorrentes não impugnaram a matéria de facto dada como provada, consideram é que ficaram por apurar factos necessários à definição dos direitos que pretendiam ver reconhecidos através da presente acção.
(13) Entre outros cfr. Acórdão do STJ de 03.07.87, AD nº 312, pág. 1617.
(14) Na mesma situação se insere o subsídio de isenção de horário - cfr. Acórdãos do STJ de 17.01.90 e de 13.03.91, AD nºs 342,, pág. 863 e 355, pág.915, respectivamente.
(15) Cfr. Acórdão do STJ de 13.01.93, CJSTJ 1993, tomo 1º, pág.226.
(16) Entre outros cfr. Acórdão do STJ de 14.03.86, AD nº 295, pág. 928.
(17) Cfr. Acórdão do STJ de 15.07.87, AD nº 311, pág. 1509.
(18) Por outro lado, tal posicionamento encerra em si uma visível contradição no âmbito do processo pois que, conforme acima salientado, foi dada como provada matéria de cariz claramente conclusivo.
(19) Note-se que nos termos deste preceito e no âmbito do direito processual do trabalho, não está em causa uma mera faculdade do juiz mandar corrigir ou completar o articulado, mas um dever jurídico de proceder nesse sentido.
(20) Sem prejuízo de, conforme acima sublinhado, poder ser objecto de aperfeiçoamento.
(21) Na sentença foi dada relevância ao facto das autoras articularem (note-se, a título de exemplo, tendo em conta os dois últimos anos de percepção das referidas quantias) que nos anos de 1997 e 1998 haviam auferido a título de remuneração mensal por trabalho suplementar prestado a quantia de 23.430$00, tendo-se concluído (erroneamente, tendo em conta o que se encontrava alegado e a interpretação a retirar do mesmo) que a parte havia ilidido a presunção quanto ao carácter não retributivo de tal prestação em virtude da percepção por um período de dois anos não caracterizar a componente como regular e periódica (cfr. fls. 598v).
(22) Eventualmente após uso do poder-dever a que se reporta o art. 29º, alínea c), do CPT de 81.