MEDIDA DE SEGURANÇA
INTERNAMENTO DE IMPUTÁVEL
DURAÇÃO
Sumário

Mesmo que o limite mínimo da moldura penal, correspondente ao crime objectivamente atribuído ao inimputável perigoso, seja superior a 3 anos de prisão, não se justifica fixar o prazo de duração mínima da medida de internamento em medida superior a três anos.

Texto Integral

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I
1. Na comarca das Caldas da Rainha, o arguido - A , solteiro, empresário, nascido a 21/1/1972, filho de B e de C, natural de New Jersey, Estados Unidos da América e residente, antes de detido, na Rua ......, nº...., Palhais, Cadaval, foi pronunciado pela prática de factos típicos que objectivamente correspondem aos seguintes crimes:

a) Dois de homicídio qualificado, previstos e puníveis pelos artigos 131° e 132°, nº 1 e 2, com referência ao artigo 275°, nº 1 e 3, todos do Código Penal, e artigo 3°, nº 1, al. b) do Decreto-Lei n° 207-A/75, de 17/4;
b) - Um de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 275°, nos 1 e 3 do Código Penal, com referência ao artigo 3°;. Nº 1, d) do Decreto-Lei nº 207-A/75, de 17/4.
2. - Por o arguido sofrer de anomalia psíquica, e por dever ser considerado inimputável perigoso, em virtude de existir risco de que venha a cometer novos factos tipicamente ilícitos, foi requerida a aplicação de uma medida de internamento, nos termos do artigo 91°, nº1 e 2 do Código Penal.
II
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo do correspondente Círculo Judicial, por acórdão de 8 de Março de 2002, julgando procedente, por provada, a pronúncia:
a) Considerou ter o arguido A cometido factos típicos ilícitos, que correspondem a um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 275°, nº 3 do Código Penal, com referência ao artigo 3°, nº1, d) do Decreto-Lei n° 207-A/75, de 17/4, e dois crimes de homicídio qualificado, previstos e puníveis pelos artigos 131° e 132°, nºs 1 e 2, g), com referência ao artigo 275°, nºs 1 e 3, ambos do Código Penal, e artigo 3°, nº 1, b) do Decreto-Lei n° 207-N/75, de 17/4, e
II. b) Declarando ser o arguido inimputável perigoso, decretou nos termos dos artigos 20°, nº 1, 91º, e 92º, nº 2 do Código Penal, a medida de internamento em estabelecimento de segurança, fixando em quinze (15) anos e em vinte e cinco (25) anos, respectivamente, o limite mínimo e o limite máximo de duração de tal medida sem prejuízo da possibilidade de prorrogação deste limite máximo de acordo com a faculdade prevista no nº 3 do artigo 92° do Código Penal.
c) Nos termos do disposto no artigo 109°, nº1 e 2 do Código Penal, declaram-se perdidos a favor do Estado o revólver, a caçadeira, a navalha, o coldre, o bastão, os cartuchos e as munições apreendidos a fls. 165 e 169 -170.

III. Mais se determina que a medida de internamento deverá ser cumprida no anexo psiquiátrico de Santa Cruz do Bispo onde o arguido já se encontra internado preventivamente, ou em estabelecimento de natureza similar determinado pela D.G.S.P .

a. - Discordando do quantum do prazo mínimo de internamente fixado, o arguido interpôs recurso em que extraiu as seguintes conclusões:
1) o arguido é recuperável, como se reconhece no próprio douto acórdão recorrido.
2) Justifica-se pois o seu internamento mas só como instrumento e condição para o seu tratamento e para a sua cura.
3) Não devendo porém o limite mínimo desse internamento ir além dos 3 anos, fixados no artigo 91 e n° 2 do C. Penal.
4) Devendo o internamento cessar, mesmo nesse período, se entretanto, o arguido se mostrar curado e extinta a sua perigosidade.
5) O douto acórdão recorrido, violou, entre outros, salvo o devido respeito, o artigo 91 e n° 2 do C. Penal.

Deve, por isso, ser revogado o douto acórdão recorrido, na parte em que fixou em 15 anos o prazo mínimo do internamento, fixando tal prazo em 3 anos, nos termos do artigo 91 e n° 2 do C. Penal.
b. - Na sua douta resposta, o Exmº Procurador da República formulou as seguintes conclusões:
5.1. O artigo 91, n. 2, do Cód. Penal não estabelece um limite mínimo fixo da medida de segurança de internamento,
5.2. Nem há razões que levem a entendimento contrário,
5.3. Já que há situações, como a dos autos, em que se pode, «ab initio», afirmar que a perigosidade irá persistir, senão até ao limite máximo da referida medida, pelo menos, bem para além do prazo de 3 anos aí previsto,
5.4. Acresce que a medida em causa, para além do tratamento do inimputável, tem também em vista, igualmente a título primordial, a própria protecção da sociedade,
5.5. Protecção tanto mais importante quanto maior for a probabilidade de aquele, em consequência da doença de que é portador e da sua personalidade, vir a praticar mais , crimes de especial gravidade.
5.6. Daí que, padecendo o arguido de esquizofrenia paranóide, aliada a uma personalidade de tipo psicótico que aumenta a referida probabilidade e dificulta o seu tratamento, o prazo fixado pelo Tribunal Colectivo como mínimo da medida de internamento (quinze anos) se deva ter como proporcional à sua perigosidade (bem demonstrada, aliás, na provocação de duas mortes, uma das quais de pessoa desconhecida dele) e às exigências de segurança social.

c. - Também os assistentes apresentaram resposta, concluindo:
A) o arguido, com um ritual de terror e de execução, praticou factos ilícitos típicos, integradores de dois crimes de homicídio;
B) Sofre de esquizofrenia Paranóide - doença incurável, crónica e progressiva;
C) Não reconhece a doença nem admite o tratamento, e mesmo sujeito a ele, pode ser cometido de surtos que o levem a praticar factos idênticos;
D) A Medida de Segurança, como é unânime, tem na sua base uma certa função ético-retributiva;
E) A fixação da duração de uma qualquer Medida de Segurança tem sempre em vista a satisfação, em certa medida, de razões de prevenção geral;
F) Foram gravíssimos os factos cometidos pelo arguido, pois retirou a vida (o bem mais precioso) a dois indivíduos, um deles ainda muito jovem (21 anos de idade) sem qualquer motivo;
G) São elevadas as necessidades de prevenção geral, tendo em conta as possibilidades de simulação de inimputabilidade e o aumento de homicídios praticados por inimputáveis;
H) É grande o perigo de o arguido praticar factos idênticos, não só analisado em sentido concreto, mas também visto em sentido abstracto e genérico, tendo em conta a doença de que padece que tende a evoluir, o facto de não reconhecer , não admitindo o tratamento, e mesmo tratado poder cometer factos idênticos;
I) O artigo 91, n. 2 fixa como mínimo o prazo de 3 anos, deixando ao julgador a possibilidade de determinar um prazo diferente, sempre que as razões atrás apontadas o justifiquem;
J) Só assim se compreende a defesa da paz social e da ordem pública;
K) Existindo no artigo 91º, n.º 2 (in fine), do Código Penal, os mecanismos adequados para que, em certos casos, a Medida de Segurança de Internamento possa terminar, mesmo antes de decorrido tal prazo;
L) Pelos motivos supra enunciados, o acórdão recorrido não violou qualquer norma, incluindo o disposto no n.º 2 do artigo 91° do Código Penal;
M) Na esteira do que dissemos, vide Maia Gonçalves ("Código Penal Português Anotado e Comentado, Ed. 1999, pág. 342), Figueiredo Dias ("Direito Penal Português", 1993, págs. 450 e 451) e Acórdão S.T.J. de 23 de Janeiro de 1991 Recº. n° 41236, exarado do Procº. Comum Colectivo n° 72/90 da Comarca de Vale de Cambra, Circulo de Oliveira de Azeméis).
Neste Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, na vista que teve do processo, nada opôs ao conhecimento do recurso.

Colhidos os vistos, procedeu-se á audiência, com observância do formalismo legal.
Cumpre decidir.
O Tribunal Colectivo deu como provados os seguintes factos:
1. O arguido, no dia 26 de Janeiro de 2001, pelas 16 horas e 30 minutos, dirigiu-se ao estabelecimento comercial pertencente a "....., Informática, Lda", sito na Rua ....., n.º ..., C, em Caldas da Rainha, para ir buscar um bloco CPU que aí entregara com vista a obter alterações a um programa de facturação.
2. Aí sentou-se em frente ao sócio gerente da aludida sociedade, D.
3. Volvidos cerca de três minutos, E, trabalhador ao serviço de ...., Informática", entregou a D uma factura emitida por aquela firma, referente à aquisição, pelo arguido, de tinteiros, no valor de 11.200$00.
4. D entregou então, ao arguido aquela factura, perguntando-lhe se queria proceder ao seu pagamento.
5. O arguido entregou a D , a quantia de 15.000$00 e recebeu, de troco, 4.800$00.
6. Como o trabalho encomendado pelo arguido à "......, Informática", ainda não se achasse concluído, o arguido saiu do aludido estabelecimento, para obter elementos de identificação da firma que geria, necessários à conclusão daquele trabalho, aí voltando cerca das 17 horas e 30 minutos desse mesmo dia.
7. Pouco depois do arguido ter regressado, estando este sentado à frente da secretária do D, que ultimava o trabalho encomendado pelo arguido, o E entrou na dependência destinada ao atendimento de clientes, e onde aquele se encontrava.
8. De imediato, o arguido levanta-se e empunha o revólver de marca "Amadeo Rossi", modelo M677.357 MAG, calibre 9 mm, com 5,3cm de comprimento de cano, sem número de série, fabricado no Brasil,
9. E, encontrando-se de frente para o E , a cerca de metro e meio deste, dispara um tiro, cujo projéctil o atinge na região hipocôndrica esquerda (abaixo das costelas).
10. Este projéctil atinge o corpo de E e perfura uma parede de 15 cm de espessura, feita em placa-gesso.
11. Após ter sido atingido pelo referido disparo, E colocou as mãos na cabeça e agachou-se debaixo de uma secretária que aí se encontrava.
12. Quando D procurava acalmar o arguido, dizendo-lhe: "Então! O que estás a fazer? Queres assustar toda a gente?" e o empurrava para a rua, este retorquiu: "Deixa-me! É uma coisa que eu tenho que fazer!".
13. Apesar das tentativas feitas pelo D para o dissuadir de continuar a disparar, o arguido volta a disparar novo tiro na direcção de E que se mantinha debaixo da secretária.
14. Este projéctil entra na região parietal esquerda de E , saindo na região temporal direita, voltando a entrar e sair no braço direito, na sua região anterior.
15. Após ter agido do modo descrito, o arguido saiu do estabelecimento e fez-se transportar, ao volante do veículo automóvel marca "Seat", modelo "Ibiza", matrícula 58-47-NF até ao posto de abastecimento de combustível "Repsol", sito na Rua Infante D. Henrique, em Caldas da Rainha.
16. Aí abasteceu o veículo em que se transportava, tendo pago 2.005$00 pela gasolina adquirida.
17. De seguida, dirigiu-se a F , que se encontrava, de pé, junto ao balcão da loja do mencionado posto de abastecimento.
18. Quando se encontrava a cerca de 3 metros deste, empunhou o revólver acima mencionado e perguntou-lhe: "Sabes o que é isto?".

19. Ao que o F respondeu: "Sei! Deixa-me ver!".
20. Imediatamente, o arguido dispara um tiro que atinge o F na região mamária inferior, do lado direito e sai na outra parte do tronco.
21. O projéctil, depois de trespassar o corpo do F embate num móvel e fica alojado no chão.
22. Após ter sido efectuado este disparo, G, que se encontrava também no interior do estabelecimento, agarrou o arguido por um braço.
23. Este, diz-lhe então: "Não te metas nisto, que é uma profecia!".
24. G continuou a agarrar o arguido, procurando assim, impedi-lo de voltar a disparar.
25. O arguido apontou então o revólver que trazia a G, dizendo-lhe: "Olha que também levas! Isto é para ti!".
26. Depois de se ter conseguido libertar do G , o arguido, que se encontrava junto à saída do estabelecimento, voltou para dentro e disparou novo tiro, que atinge novamente F - que estava caído no chão - na região mamária esquerda, junto ao coração.
27. Após ter feito este último disparo, o arguido abandonou o local ao volante do automóvel acima referido.
28. A conduta acima descrita ocasionou rotura da aorta torácica com abundante hemotórax e fractura do lobo direito do fígado de F.
29. A referida rotura da aorta torácica e consequente hemotórax foram causa directa e necessária da morte de F.
30. Em consequência da descrita actuação, E sofreu fractura do úmero à direita, fractura da região perieto-temporal e hemorragia com destruição da massa encefálica e ainda fractura do 5º arco costal à direita.

31. A referida fractura do crânio e destruição da massa encefálica determinou, como consequência necessária e directa, a morte de E.
32. O arguido não tem licença de uso e porte de arma e o revólver acima descrito não se encontrava manifestado ou registado.
33. No dia 27 de Janeiro de 2001, o arguido transportava, no seu veículo automóvel matrícula 58-47-NF, uma arma de caça de canos sobrepostos e cortados junto ao fuste, com a coronha substituída por um punho anatómico, com alça de suporte, marca "Ithaca Gun Co"., modelo 500, com o CF 523397.
34. Esta arma encontrava-se em condições de poder disparar.
35. O arguido padece de esquizofrenia paranóide.
36. Essa doença tem natureza crónica.
37. A mesma determina que o arguido sofra de alucinações verbais, auditivas e visuais.
38. Em razão dessa doença o arguido considera-se um emissário de Deus, incumbido de eliminar, matando, os possuídos pelo Diabo.
39. Está convicto que só ele próprio identifica essas pessoas e pode eliminá-las.
40. O seu comportamento obedece a uma noção de "missão".
41. No momento da prática dos factos estava dominado por essas convicções.
42. É portador de uma personalidade de tipo psicótico, com traços narcísicos, com "défice na expressão do afecto e da emoção, traduzindo uma vivência inefectiva, hostilidade perante os outros, ansiedade face ao estímulo, manifestando uma posição defensiva e deficiência no controlo dos impulsos", cujo "comportamento manifesta frieza e distanciamento afectivo, imaturidade, desconfiança, tensão, instabilidade emocional e dificuldades em organizar o pensamento conceptual do qual resulta uma distanciação em relação à realidade quer interna quer externa, compatível com uma personalidade paranóide reagindo predominantemente por impulsos e emoções e de acordo com o princípio do prazer imediato".

43. A personalidade acima caracterizada agrava o prognóstico da doença que padece, pois não reconhece qualquer culpabilidade e atribui-se o direito de julgar.
44. No momento da prática dos factos, por força da doença mental de que padece e cujos sintomas não controla, encontrava-se incapaz de avaliar o sentido dos seus actos e de se determinar de acordo com essa avaliação.
45. Atenta a doença psíquica de que o arguido padece, a sintomatologia da mesma, nomeadamente, a convicção de que só ele próprio identifica as pessoas que deve matar e a ausência de juízo crítico e de sentimentos de culpa, e a personalidade acima descrita, designadamente, a existência de uma impulsividade marcada e dificuldade em gerir conflitos, existe um enorme risco de que o mesmo venha a praticar outros factos de idêntica natureza, nomeadamente a provocação da morte de pessoas.
46. A personalidade do arguido, acima caracterizada, aumenta a probabilidade da prática desses novos factos e dificulta o tratamento da doença psiquiátrica de que o mesmo padece.
47. Essa probabilidade surge independente do estado psicopatológico do arguido.
48. O arguido viveu nos Estados Unidos da América, para onde os seus pais emigraram, até à idade de 24 anos.
49. Até essa idade, vinha, uma vez por ano, ou de dois em dois anos, passar férias em Portugal, ficando habitualmente em casa da avó, enquanto esta foi viva, em Palhais.
50. Há cerca de seis anos decidiu vir sozinho para Portugal, dizendo que pretendia estar mais próximo das suas raízes.
51. Nos Estados Unidos frequentou uma Universidade de Gestão de Empresas, completando o respectivo curso, que tem a duração de dois anos.
52. Trabalhou aí numa empresa de despachantes.
53. Em Portugal tornou-se empresário, tendo, cerca de um ano depois de ter chegado a este País, formado um negócio de acessórios para automóveis.
54. Há algum tempo passou a ter dificuldades em adquirir a mercadoria que transaccionava, por algumas pessoas a quem forneceu artigos do seu comércio lhe deverem dinheiro.
55. O vendedor que trabalhava para o arguido, por incumbência deste, contactou diversas vezes o F, para obter deste o pagamento de diversas facturas de mercadoria fornecida pelo arguido, no valor de cerca de 50.000$00.
56- O F, aquando desses contactos, prometia enviar o pagamento pelo correio, mas, pelo menos em Dezembro de 2000, a dívida ainda se achava por saldar.
57- Ao arguido não é conhecida prática de qualquer outra infracção.
V
1- Conforme jurisprudência consensual deste Supremo Tribunal, é nas conclusões da motivação que se delimita, se fixa o objecto do recurso, o qual pode restringir-se a questões específicas, revestidas de alguma autonomia decisória (art.º 403° n.º 1 e n.º 2 al.as b), c) e e) do Cód. Proc. Penal), sem prejuízo da possibilidade de se conhecer oficiosamente de outras questões ( que, no caso, não ocorrem).
2.- Neste recurso, não se questiona a declaração de inimputabilidade e de perigosidade criminal do arguido, por padecer de esquizofrenia paranoide, de natureza crónica, aliada a uma personalidade de tipo psicótico ...
2.1. - Também não se questiona a subsunção objectiva dos factos praticados ao tipo de ilícito previsto no artº 132º do Cod. Penal (homicídio qualificado) nem a duração máxima previsionada para a medida de segurança de internamento decretada (25 anos).
2.2.- Estribando-se no estipulado no artº 92º n.º 2 do Cod. Penal, o recorrente, apenas discorda do limite mínimo estabelecido para a duração da mencionada medida de segurança (15 anos).
3.- Quanto aos primeiros temas, o douto acórdão recorrido, depois de uma minuciosa e brilhante explanação sobre a prova produzida
e especificamente sobre o parecer unânime do perito, da psicóloga clinica e dos consultores psiquiatras ouvidos, teve por viável concluir, com o grau de certeza que nesta área é exigível, que o arguido é portador de uma esquizofrenia paranoide.

3.1. - E produziu os seguintes desenvolvimentos:
"É igualmente ajustada a conclusão de que o mesmo praticou os factos no decurso de uma manifestação aguda da doença psiquiátrica de que padece, que o tornou incapaz de proceder à avaliação da ilicitude dos factos que praticou e de se determinar de acordo com essa avaliação. Para essa conclusão também contribuiu o parecer unânime do perito, da psicóloga clínica e dos consultores psiquiatras ouvidos.
A esquizofrenia é uma psicose caracterizada por uma transformação profunda e progressiva da personalidade que deixa de construir o seu mundo em conformidade com o real para se perder no caos imaginário.
De origem orgânica não inteiramente conhecida, a esquizofrenia põe em crise a relação do indivíduo com o mundo, criando reacções vivências anárquicas, e condicionando o modo de agir, desencadeando comportamentos inexplicáveis à luz da razão e da lógica.
O delírio, que caracteriza este tipo de doença mental, e que, de forma produtiva se manifesta logo no início da doença, é desencadeado pela necessidade de o doente preencher pelo imaginário a ruptura que ocorreu nos parâmetros delimitadores do real, levando a que a fantasia se confunda com a própria realidade, de forma a que a pessoa afectada se sinta incapaz de exercer auto-crítica.
Trata-se de uma afecção de carácter crónico, que, evoluindo habitualmente por períodos de agudização e agravamento da sintomatologia (denominados surtos), se caracteriza por alterações do pensamento, do afecto, da percepção e do comportamento, que evoluem habitualmente para uma deterioração da própria personalidade.
Este distúrbio evolui por surtos dominados por actividade produtiva de natureza delirante e/ou alucinatória, manifestações que, enquanto se mantém, tornam os doentes incapazes de avaliar situações do real e logo de se determinarem de forma adequada. Durante estas fases produtivas, os doentes agem obedecendo a uma "lógica" interna, autista, em ruptura com a realidade externa. Dominados pelas suas vivências internas, que afectam o funcionamento das suas capacidades de discernimento e volitivas, podem cometer actos bizarros e/ou violentos, que, posteriormente, os próprios não conseguem compreender ou reconhecer como seus.
" A esquizofrenia é caracterizada por uma mudança de personalidade, com pensamento descoordenado, aparecendo sentimentos e impulsos num ambiente de lúcida consciência, memória e orientação".
A perturbação do pensamento é um aspecto característico. A associação normal de ideias está alterada, e ocorrem cenas absurdas ou estranhas. (...) Desilusões, falsas convicções irredutíveis acontecem frequentemente. O seu conteúdo é variável e pode ser de perseguição, grandiosidade, hipocondríaco, niilista, etc. Podem ser descoordenadas ou sistematizadas, passageiras ou fixas. O doente pode pensar que os anúncios na rádio ou no jornal lhe dizem respeito (...) ou que o seu corpo é afectado por agentes externos.(...) Alucinações, perturbações de percepção, podem ocorrer em qualquer modalidade sensorial , mas a audição é de longe a mais vulgar sob a forma de «vozes» que se podem dirigir ao doente, discutir com ele ou publicitar os seus negócios particulares" - "Enciclopédia Concisa de Psiquiatria", pág. 127.

Os delírios, que constituem uma das manifestações da doença, são definidos como "sendo crenças falsas inabaláveis, que podem ocorrer espontaneamente ou surgir em resultado de uma alucinação" - "Update - Revista de Pós-Graduação em Clínica Geral", 15 de Fevereiro de 2001, pág. 13.
Dispõe o artigo 91º, nº1 do Código Penal: "quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie".
Enquanto a responsabilidade penal e a aplicação de penas tem como suporte a existência de culpa, que pressupõe a responsabilidade psíquica, isto é, a capacidade do agente infractor em avaliar a ilicitude do facto e adequar a sua conduta a essa avaliação, a aplicação de medida de segurança, determinada pelo facto de o agente ser, à data da prática do facto tipicamente ilícito, portador de doença psíquica que o incapacita de proceder a essa avaliação, assenta exclusivamente na existência do pressuposto da sua perigosidade.
Refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 1998 (BMJ 480-99): "O internamento de inimputável perigoso tem em vista, por um lado, livrar a comunidade da presença de um cidadão que a põe em perigo por não se comportar de acordo com os valores éticos, morais e sociais da mesma, mas, por outro, e o mais relevante, fazer cessar no internado o estado de perigosidade criminal que deu origem ao internamento, fazendo regressar ao convívio da comunidade um cidadão apto a respeitar os direitos dela".

Esclarece, por seu turno, o Acórdão R.E., 9/2/99 ( Colectânea de Jurisprudência 1999, I, 289): " A perigosidade é um atributo do agente, mas não pode ser considerada desligada da noção de perigo, aplicada quer ao facto criminoso, quer às situações exteriores ao delinquente e traduz-se numa criminalidade potencial. O delinquente é inimputável criminalmente perigoso sempre que, por virtude da anomalia psíquica de que sofra e do facto típico que tenha praticado, haja receio de que venha a cometer outros factos do mesma espécie" - cf. ainda Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, 31/10/95, BMJ 450, 145.
De forma ainda mais detalhada, expõe o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Janeiro de 1998 (Colectânea de Jurisprudência 1998, I, 165): " A medida de segurança não deve ser aplicada a inimputáveis perigosos em casos insignificantes, dado a sua relação com a gravidade do facto e a perigosidade social que deriva de possíveis actividade futuras do agente. A aplicação de medidas de segurança, tendo como fundamento a perigosidade social do agente, tem de obedecer:
- ao princípio da legalidade: situação paralela à legalidade das penas
- ao princípio da tipicidade: a prática de um facto formalmente ilícito, condição sem a qual não pode haver aplicação de medida de segurança;
- ao princípio da proporcionalidade.
A medida de segurança é post-delitual, pois só depois de haver sido cometido um facto típico formalmente relevante, é que o inimputável pode ser sujeito ao internamento. Apesar de estar excluída a culpa do agente, dada a sua inimputabilidade, há que considerar verificadas as circunstâncias susceptíveis de agravar a conduta do arguido, (...) por estar em causa nestes casos a prática de um facto ilícito típico, ou seja, o facto em si mesmo, na sua globalidade, integrado com toda a sua formal ilicitude, e deste modo ligado à ideia de uma culpabilidade formal, ideia conexionada, essencial e vivencialmente, com o tipo legal de crime que realmente é e se apresenta, até para se aferir melhor da perigosidade futura relativamente ao agente. Se o inimputável, sendo perigoso, é incurável deve haver uma ponderação de interesses que balançam entre a importância dos valores que o inimputável, em liberdade pode afrontar e violar, e a gravidade da sua definitiva segregação social. Assim, se for possível a cura ou a garantia da necessária segurança da sociedade por meio de medidas de segurança não detentivas, tudo inculca que isto se faça.".
No caso em análise, o arguido cometeu factos tipicamente ilícitos de extrema gravidade, tirando a vida a duas pessoas, no mesmo dia, com intervalo de poucos minutos, que se encontravam em locais distintos desta cidade.
Utilizou para o efeito um revólver com um calibre de 9 mm- arma potentíssima, e com uma enorme capacidade letal.
Quando foi detido, no dia seguinte à prática dos factos, para além do referido revólver, que se encontrava municiado e sobre o banco ao lado do condutor, trazia ainda consigo, por detrás do banco em que se sentava, mas com o punho colocado em posição de, sem esforço suplementar, lançar mão da mesma, uma arma de caça de canos sobrepostos e cortados junto ao fuste, arma de também elevada potencialidade letal.
Transportava ainda no veículo grande quantidade de munições, bem como auriculares e alvos, o que demonstra ter o arguido efectuado treino de disparo.
Actuou contra as vítimas com extrema violência, como, nomeadamente, o documentam as fotografias juntas aos autos.
Atingiu cada uma das vítimas primeiro com um tiro que as fez prostrar no chão, e estando já caídas e indefesas, atingiu, cada uma delas, com um segundo tiro, disparado a curta distância e para zonas vitais do corpo: para a cabeça, relativamente ao E , para o coração, o F. Dada a natureza da arma utilizada, o efeito surpresa que causou sobre as vítimas, e a distância a que delas se encontrava quando efectuou o primeiro disparo, tudo indica que deliberadamente não lhes quis provocar a morte com o primeiro tiro, antes pretendeu causar sofrimento às mesmas, levando-as a confrontarem-se com a eminência da morte e com a impotência em se defenderem, tendo todo este comportamento a aparência de um ritual de execução.
Agiu de forma fria, como uma máquina de matar, indiferente ao sofrimento que causava.
O estado patológico que afecta o arguido e que o condicionou na prática dos factos determina a ausência de um juízo crítico acerca da natureza ilícita dos actos que cometeu e uma ausência de sentimentos de culpa.

Essa situação surge bem patenteada na intercepção das conversas telefónicas efectuadas de e para o telemóvel do arguido, transcritas no apenso I, nomeadamente quando refere que fez o que tinha de ser feito, o que está escrito, quando afirma que não tem culpa do que está a acontecer, quando expressamente refere " eu não tenho culpa! Eu... no meu entender(...) não cometi crime nenhum", que não fez nada de mal, quando repetidamente afirma que está bem, está normal, quando, a pedido do seu primo H para que não faça mais nada, pergunta " não mato mais um ou dois?", que, à observação do primo, de que acha que o arguido errou, este pergunta: "Eu errei?", ou quando afirma "é pena é só matar dois" ...
Na sua crise delirante, o arguido sente-se o " salvador do mundo"; tem uma missão: corrigir o mal, através da eliminação de pessoas "possuídas pelo diabo", que só ele consegue identificar. Sente que foi enviado por Deus para eliminar os "maus"; ouve vozes, que o mandam matar, e executa essas "ordens" sem a formulação de qualquer juízo crítico.
Este quadro clínico permite em segurança concluir pela existência de risco da prática, pelo arguido, de factos de idêntica natureza, sempre que enfrente um novo surto da doença psicótica de que padece: voltará a matar sempre que ouvir vozes, sempre que receba um "sinal divino", escolhendo para vítima qualquer pessoa que identifique como estando possuída pelo diabo.
O risco resulta acrescido face aos traços psicopatas e ao carácter disfuncional da sua personalidade, onde se destacam a frieza, o vazio afectivo, a desconfiança, a instabilidade emocional, a impulsividade, a dificuldade em gerir conflitos. Qualquer indivíduo com uma personalidade assim caracterizada é agressivo, passa facilmente aos actos sem pensar, o que o torna potencialmente perigoso, independentemente de ser ou não esquizofrénico.
Uma tal personalidade aliada a um quadro clínico de esquizofrenia paranoide, com manifestações delirantes, alucinatórias, ausência de juízo crítico e de sentimentos de culpa, constitui uma verdadeira "mistura explosiva", para efeitos de risco de prática de novos actos de natureza extremamente violenta.
Sendo embora uma doença crónica, a esquizofrenia é tratável, os seus sintomas podem ser controlados com recurso constante a fármacos- do mesmo modo que a diabetes ou a hipertensão.
O tratamento é absolutamente indispensável para compensar a doença e evitar episódios agudos da mesma (que, não obstante o tratamento, não é de excluir a hipótese de ainda assim poderem surgir): é no decurso do surto, em que se desencadeia uma exacerbação dos seus sintomas, que as condutas tipicamente ilícitas tenderão a ser praticadas.
Como qualquer doente esquizofrénico, o arguido não aceita a existência da doença (para um doente deste tipo, são sempre os outros os doentes...), nem a necessidade de se submeter a tratamento.
Esse facto, a sua idade ainda jovem, e a circunstância de se encontrar numa fase intermédia da doença constituem ainda maiores factores de risco.
Com efeito, constituem factores de risco para comportamento violento: má adesão ao tratamento, sintomas positivos (alucinações, delírios, agitação), sexo masculino, abuso de drogas, desordens de personalidade subjacentes, história passada de comportamento violento, idade jovem (cf. UPDATE, cit., pág. 14).
O quadro psicótico do arguido, determinante da sua inimputabilidade por anomalia psíquica, a perigosidade que se acha associada à doença psiquiátrica de que padece e à sua própria personalidade disfuncional, o facto de carecer em absoluto de constante tratamento, de forma a prevenir o deflagrar de novos episódios agudos da doença, que, a ocorrerem o levarão à prática de novos actos de gravidade idêntica aos que já cometeu, o estádio da sua doença, o facto da existência da mesma e da necessidade de proceder ao seu tratamento não terem ainda sido assumidas pelo arguido, impõem que o mesmo seja sujeito a uma medida de internamento em regime fechado, em estabelecimento adequado para o efeito.
Dispõe o n. 2 do artigo 91 do Código Penal que "quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, o internamento tem a duração mínima de 3 anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social".
Por seu lado, o nº2 do artigo 92º do mesmo diploma estabelece: "o internamento não pode exceder o limite máximo correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável".
Como refere a pronúncia, o arguido cometeu factos passíveis de, objectivamente, integrarem ( para além dos factos integradores de um crime de detenção de arma proibida) as premissas normativas do artigo 131 e 132, n. 1 e 2, alínea g), por referência ao artigo 275, n. 1 e 3 do Código Penal e artigo 3º, nº1, b) do Decreto-Lei 207-A/75, de 17/4. Ao crime previsto nesta norma incriminadora corresponde uma pena abstracta de 12 a 25 anos de prisão. De acordo com o estabelecem os nºs 2 e 3 do artigo 41º do Código Penal, em caso algum a pena de prisão pode exceder o limite máximo de 25 anos.
Resta, assim, considerar, para os efeitos do artigo 92º, nº2 do Código Penal, se o limite da pena a atender é o previsto no artigo 131º ou se o plasmado no artigo 132º do mesmo diploma legal. A questão suscitada justifica-se face à ausência de culpa determinada pela inimputabilidade do arguido, que poderia colidir com os pressupostos de natureza geral exigidos pelo nº1 do artigo 132º "especial censurabilidade ou perversidade".
Figueiredo Dias ("Jornadas...", pág. 77), tal como Eduardo Correia, defende, no caso de imputabilidade diminuída, a possibilidade da pena não ser especialmente atenuada, podendo mesmo justificar a sua agravação: "isso sucederá (...)quando as qualidades pessoais do agente que fundamentam o facto se revelem, apesar da diminuição da imputabilidade, particularmente desvaliosas e censuráveis, v.g., em casos como os da brutalidade e da crueldade que acompanham muitos factos dos psicopatas insensíveis, os da inconstância dos lábeis ou os da pertinácia dos fanáticos".
A razão subjacente a este entendimento não é arredada pela existência de inimputabilidade, tanto mais que não há inteira correspondência entre a consciência psicológica, a consciência moral e a consciência jurídica.
Este mesmo entendimento foi acolhido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/10/94 (procº 47175) quando defende: "A circunstância de o inimputável agir, devido à anomalia psíquica, com exclusão da sua culpa, não impede que seja verificada essa culpa e a censurabilidade na sua conduta concreta, para efeito de o crime ser qualificado, nomeadamente como homicídio qualificado, para efeitos de lhe ser aplicada a medida de segurança de internamento prevista no artigo 91º do Código Penal".
Sustenta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/5/99 (Colectânea de Jurisprudência 1999, I, 169) que "a duração concreta da medida de segurança e a fixação dos seus limites colhe o seu fundamento na perigosidade do inimputável e sua persistência"

Retira-se, por outro lado, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/10/98: "Sendo o internamento um tratamento a que o internado vai ser submetido, aquele só deveria terminar quando a perigosidade criminal que lhe deu origem tivesse cessado. Porém, o legislador fixou, como regra, um prazo máximo de internamento, findo o qual o internado tem de ser posto em liberdade, tenha ou não cessado o estado de perigosidade.
Apesar de haver um concurso de crimes cometidos pelo inimputável, não pode o período máximo de internamento ser determinado de acordo com a punição do concurso, em primeiro lugar porque o Código Penal, no seu artigo 77º, só prevê o cúmulo de penas parcelares concretas de prisão ou de multa, e por outro lado, não é possível o recurso à analogia (artigo 1º, nº3 do Código Penal)".
Estabelece o nº1 do artigo 98 do Código Penal: "o tribunal que ordenar o internamento determina, em vez dele, a suspensão da sua execução se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida".
A medida de internamento visa não só proteger a sociedade do perigo de o arguido poder vir a praticar novos factos objectivamente criminosos, de natureza grave, mas procura também prosseguir fins terapêuticos em relação a ele próprio. No caso vertente, tais fins não lograrão obter satisfação através da suspensão permitida pela citada norma.
Com efeito, o arguido padece de uma doença mental medicamente classificada como crónica. Tal doença exige um adequado tratamento, com recurso regular a fármacos e acompanhamento psicológico, de forma a evitar descompensação e deflagrar de novos surtos, que podem conduzir à prática de actos censuráveis penalmente.
O arguido, como a maior parte dos esquizofrénicos, não admite a doença que o afecta, e recusa o tratamento. Tal circunstância só por si desaconselha a suspensão da execução do internamento.
Na fixação da duração do internamento há que ponderar a natureza e estádio da doença de que o arguido é portador, a natureza particularmente grave dos factos por ele cometidos e o alarme social que os mesmos desencadearam, e o grau de perigosidade do arguido, determinado nos termos já expostos."
VI
1. - Como se verifica da transcrição operada, o douto acórdão recorrido, ao estabelecer a duração máxima da medida de segurança decretada (25 anos), teve presente o estipulado no artº 92º n.º 2 do Cod. Penal ("O internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável") e fê-lo em perfeita consonância com a mais significativa jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
2. - No que concerne, porém, ao limite mínimo fixado (15 anos), o mencionado aresto é bastante parcimonioso, quase omisso, na sua justificação.
É natural, no entanto, que tenha equacionado a extrema gravidade dos factos praticados, o modo frio como o arguido actuou (uma autêntica máquina de matar, indiferente ao sofrimento que causou); o estado patológico que o afecta, o qual, apesar da necessidade absoluta de tratamento para compensar a doença e evitar episódios agudos da mesma, não exclui a hipótese de ainda assim poderem surgir ...
2.1. - É ainda possível que se tenha sufragado a regra dos três quintos preconizada por Maia Gonçalves na anotação ao artº 91º nº2 do Cod. Penal e constante das diversas edições (posteriores à revisão levada a efeito pelo Dec-Lei n.º 48/95, de 15 de Março) , do seu Código Penal Português, Anotado e Comentado (cf. Pág. 334 da 14ª edição) e, por sinal, transcrita na douta resposta do Ministério Público:
«O nº.2 contém dispositivo que traduz equilíbrio ou compromisso ditado pela premência de eticização da medida de segurança de internamento. Quando existe perigo, revelado pelo comportamento anterior do delinquente através da prática dos crimes contra as pessoas ou de perigo comum puníveis com pena superior a 5 anos de prisão, o internamento terá a duração mínima de 3 anos. Assim, o tempo de internamento não poder ser inferior a três quintos do mínimo (?) da pena abstracta aplicável; suposto que o delinquente é imputável. O preceito não se baseia contrariamente ao que já se tem sustentado, numa presunção juris et de jure de subsistência da perigosidade, mas em particulares razões de tranquilidade social; e tem ainda a faceta de servir de travão a possíveis tentativas de simulação de inimputabilidade, como meio de o delinquente se subtrair ao cumprimento da pena." (acrescentámos um ponto de interrogação a seguir a três quintos do mínimo ...).

3.- O n.º 2 do artº 91 do Cod. Penal determina:
" Quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, o internamento tem a duração mínima de 3 anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social."
3.1. - No âmbito dos crimes contra as pessoas (título I, capítulos I a VIII do Livro II - Parte especial), com limites mínimos de prisão superiores a três anos, podemos elencar os crimes de homicídio simples e de homicídio qualificado (artºs 131º e 132º); o de escravidão ( artº 159º) e o de rapto (artº 160º - n.º 2 al. b).
Diversos outros existem com limites mínimos de prisão iguais a três anos (verbi gratia, os previstos nos artºs. 138º n.º 3 al. b); 145º n.º 1 al. b); 146º nº1; 158º n.º 3; 168º n.º 2 al. a); 164º n.º 1 e 172º n.º 2, todos do Cód. Penal).
Muitos outros crimes contra as pessoas têm limites mínimos de prisão inferiores a três anos.
3.2. - No capítulo dos crimes de perigo comum (artº. 272º e segs.) têm limites mínimos iguais ou superiores a três anos de prisão os previstos no artº 272º n.º 1 e no artº 273º al. h) e artº 273º al. h), respectivamente, ainda se tipifiquem outros puníveis com penas de prisão superiores a cinco anos.
4. Perante esta realidade previsiva e outros normativos concernentes à execução da medida de segurança de internamento de inimputável perigoso ( e designadamente as estipulações constantes do artº 92 n.º 1 e do artº 93º nºs 1 e 3, do Cod. Penal e dos artºs. 501º e segs. Do Cod. Proc. Penal), será defensável sustentar, como sustenta o recorrente, que, nos termos do n.º 2 do artº 91º do Cod. Penal, o limite mínimo desse internamento não deve ir além dos 3 (três) anos?
4.1.- Antes de mais observa-se que os preceitos mencionados se reportam a duração mínima e prazo mínimo do internamento quando os factos praticados pelo inimputável corresponderem aos crimes referidos, desde que puníveis com penas de prisão superiores a cinco (5) anos, mesmo que o limite mínimo da moldura penal respectiva seja inferior a três (3) anos, salvo se a libertação (atente-se , por favor, neste termo libertação) se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
4.2. - Dada a proximidade conceitual das expressões usadas, mostra-se irrebatível o decidido no douto acórdão deste STJ, de 25 de Março de 1999 (In CJ, Acs. STJ, VII-II-169, várias vezes citado no Código Penal Anotado, de Leal-Henriques e Simas Santos, 3ª edição, pág. 1052 e segs.) onde se conclui que "A duração concreta da medida de segurança e a fixação dos seus limites colhe o seu fundamento na perigosidade do inimputável e sua persistência".

"Assim sendo, deve ser utilizado o critério de fixação da duração da medida de segurança entre os limites máximo e mínimo fixados por lei para o crime correspondente aos factos cometidos."
4.2.1. - A decisão recorrida debruçou-se sobre uma acusação por crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º n.º 2 al. e) do Cód. Penal e, após julgamento, tendo-se o arguido por inimputável perigoso, aplicou-lhe a medida de segurança de internamento, com a duração máxima de três (3) anos .
4.2.2. - O acórdão deste Supremo Tribunal, intervindo em recurso, teve por acertada a posição " em que se procede à fixação dos limites mínimos e máximo da medida da segurança, o que colhe apoio no disposto nos artigos 91º n.º 2 e 92 n.º 2 do C.Penal - do primeiro se extrai que para o caso concreto e em face dos factos seja fixado um limite mínimo de 1 ano e do segundo que o limite máximo se situe em 8 anos, dado que o facto típico é o ligado aos artigos 203º n.º 1, 204º n.º 2 alínea e) e 202º alínea e), todos do Cod. Penal."

5. - Mas como proceder quando ao facto típico levado a cabo pelo inimputável corresponde pena de prisão com limite mínimo superior a três anos (in casu, 12 anos)?
5.1. - A decisão que decretar o internamento especifica o tipo de instituição em que este deve ser cumprido e determina, se for caso disso, a duração máxima e mínima do internamento (art. 501 n. 1 do CPP);
Esta decisão está sujeita a reapreciação permanente e periódica, sendo passível de adequada mutação, desde que cesse ou se altere o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem ( artºs 92º, 93º n.º 1 e 2 e 94 n.º 1, todos do Cod. Penal).
Com efeito nos termos do artº 92º n.º 1 do CP, o internamento findará quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem; e o tribunal apreciará obrigatoriamente se existe ou não causa justificativa da cessação do internamento decorridos 2 anos sobre o mesmo ou sobre a decisão que o tenha mantido - artº 93º n.º 2 do mesmo diploma (cf. C.P.P.Anotado, de Leal - Henriques e Simas Santos, II vol., pág. 1177).
5.2. - A esta possibilidade legal de cessação, a todo o tempo, do internamento, há apenas que aditar a ressalva imposta no n.º 3 do citado artº 93º do Cod. Penal: "Fica ressalvado, em qualquer caso, o prazo mínimo de internamento fixado no n.º 2 do artº 91º."
5.3. - Perante esta realidade normativa e, por sinal, imperativa, não se justifica, salvo o devido respeito, fixar um prazo de duração mínima da medida de internamento superior a três (anos), mesmo quando, como é o caso dos autos, o tipo de crime objectivamente atribuído ao inimputável perigoso tenha, na moldura penal aplicável, um limite mínimo de prisão superior a 3 anos (in casu: 12 anos).
Na verdade, a fixação de uma duração do internamento superior a 3 anos nunca seria vinculativa para o Tribunal de Execução das Penas (seria pura e simplesmente emblemática ...), como resulta do disposto no artº 502º n.º 2 do C.P.P.: O Ministério Publico, quando promove a execução da medida de segurança, deve indicar expressamente as datas calculadas para o efeito do disposto no artº 93º do Cód. Penal:
- 2 anos sobre o início do internamento ou sobre a decisão que o tiver mantido (n.º 2);
- 3 anos, como prazo mínimo de internamento ( n.º 3), tratando-se de facto correspondente a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum, puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (n.º 2 do artº 91º do Código Penal); cf. citado Cod. Proc. Penal Anotado, pág. 1176.
5.3 - No sentido preconizado, os acórdãos deste STJ, de 22(10/1998, in proc. n.º 652/98; de 12/04/2000, In proc. n.º 72/2000 - 3ª (Sumários STJ, N.º 40, 49); ...
VII
Em face do exposto, os juizes deste Supremo Tribunal de justiça, concedendo provimento ao recurso, decidem fixar em três (3) anos o limite mínimo de duração da medida de segurança de internamento aplicada ao recorrente.
Não é devida tributação.

Lisboa, 10 de Outubro de 2002
Dinis Alves,
Carmona da Mota,
Pereira Madeira,
Simas Santos.