NULIDADE DE ACÓRDÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário

I - Tendo a ré invocado quatro fundamentos de defesa, três dos quais foram julgados improcedentes na sentença da 1.ª instância, que só com base no 4.º fundamento a absolveu dos pedidos, e se, na contra-alegação da apelação do autor, a ré, ao abrigo do disposto no artigo 684-A do Código de Processo Civil, prevenindo a hipótese (que se veio a concretizar) de vir a ser julgado improcedente o único fundamento pelo qual fora absolvida, sustentou a procedência de dois dos seus fundamentos de defesa julgados improcedentes pela sentença apelada, incorre em nulidade por omissão de pronúncia o acórdão da Relação que, conhecendo apenas das questões suscitadas pelo autor apelante, condena a ré apelada no pedido sem apreciar as questões por ela levantadas na contra-alegação.
II - A tal não obsta a circunstância de a então apelada não ter levado essas questões às conclusões da sua contra-alegação, aliás inexistentes; é que, se se entendesse ser exigível a formulação de conclusões nas contra-alegações (apesar de o n.º 1 do artigo 690.º do Código de Processo Civil formular expressamente essa exigência apenas quanto à alegação do recorrente), quer em todos os casos quer especificamente nos casos em que o recorrido haja feito uso da faculdade concedida pelo n. 1 do artigo 684-A do mesmo Código, a sua falta não permitia que se considerassem "abandonadas" as aludidas questões, desenvolvidamente tratadas no teor das contra-alegações, pelo menos sem que antes se formulasse convite à apelada, por aplicação extensiva ou analógica do disposto no n. 4 do artigo 690 do citado Código, para as apresentar.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório:

A, intentou, em 17 de Março de 1999, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra B, pedindo que: A) se declare: (i) a existência e vigência de um contrato de trabalho entre as partes, cujo início de vigência remonta a 1986; (ii) que a suspensão do contrato de trabalho, a violação do dever de ocupação efectiva, a ausência de retribuição e os demais fundamentos invocados conferem ao autor o direito de se despedir com justa causa; e (iii) que o despedimento do autor ocorreu em 4 de Novembro de 1998; e, consequentemente, B) seja a ré condenada no pagamento de: (iv) 226000 florins (20340000$00), pelo incumprimento do artigo 58, n. 1, do CCT para os jornalistas da imprensa diária (que confere o direito a perceber 1/30 da remuneração por cada dia completo de trabalho externo); (v) 56000 florins (5040000$00), pelo incumprimento do artigo 7, n. 2, do Decreto-Lei n. 421/83, de 2 de Dezembro (acréscimo de 100% da retribuição normal por prestação de trabalho suplementar em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar ou em dia feriado); (vi) 91000 florins (8190000$00), a título de indemnização por despedimento; (vii) 17500 florins (1575 000$00), a título de férias e subsídios de férias e de Natal relativos às proporções da actividade prestada em 1998; (viii) 310435$00, a título de despesas efectuadas no interesse e por conta da ré, pagas pelo autor; (ix) 5000000$00, a título de danos não patrimoniais; e (x) juros sobre todas as quantias peticionadas, calculados à taxa legal, desde a citação da ré.

Para tanto, aduziu, em síntese, que: (i) desde 1972 exerce a sua actividade profissional de jornalista para o jornal A Bola, de que a ré é proprietária, o que fez, inicialmente, como colaborador, no âmbito de uma mera prestação de serviços, que permitia ao autor aceitar e executar as solicitações da redacção de A Bola, como permitia rejeitar, sendo remunerado à peça, e acumulando, nessa altura, a actividade de jornalista desportivo com a profissão de agente de viagens; (ii) em Março de 1984, foi viver para a Holanda, e em 1986 ingressou nos quadros de A Bola, tendo as negociações com vista à celebração do contrato de trabalho sido entabuladas pelo jornalista C, em Paris, tendo-se mantido a laborar para A Bola até Setembro de 1987, altura em que suspendeu a sua actividade laboral, com a anuência da ré; (iii) em 1989, regressou à actividade de jornalista de A Bola, em regime de exclusividade, por imposição da ré, tendo, por obrigação contratual, deixado de colaborar com rádios, televisão e outros jornais, e, assim, deixado de auferir as respectivas remunerações; (iv) o autor detinha na ré a categoria de "correspondente internacional", exercendo a sua actividade em execução das ordens e sob a direcção da ré, emanando tais ordens da Redacção ou da Direcção do jornal e concretizadas na Agenda do jornal, mediante uma prestação fixa mensal, que, ultimamente, tinha o valor de 7000 florins mensais, e à qual acrescia o subsídio de férias e o subsídio de Natal; (v) ao autor competia "cobrir" jornalisticamente os maiores eventos desportivos, sendo-lhe cometida a cobertura jornalística de outros acontecimentos organizados pela UEFA e pela FIFA, onde, na prática, representava A Bola e, como jornalista de A Bola, estava em todos os eventos desportivos, tendo representado sempre este jornal nas reuniões da ESM (European Sports Magazine), sendo A Bola membro desta associação; (vi) foi por ideia do autor que a ré passou a organizar a "Gala Internacional de A Bola", tendo sido encarregado pela Direcção do jornal de promover, dirigir e organizar tal "Gala", sendo da sua responsabilidade o convite dos mais altos representantes do futebol europeu e mundial; (vii) em meados de 1996, tendo sido convidado pela Direcção do Sport Lisboa e Benfica para a assessorar, comunicou tal convite à ré, que aceitou a suspensão do contrato de trabalho, com garantia da retoma da actividade laboral logo que cessasse a suspensão, o que ocorreu em Outubro de 1997, data em que retomou a sua actividade; (viii) desde Outubro de 1997 até Junho de 1998, manteve a sua actividade laboral, tendo, nesse mês, sido incumbido de "cobrir" o Campeonato do Mundo de Futebol, que se disputou em França, tendo-lhe sido atribuída a missão de coordenar a "equipa" de jornalistas de A Bola que se instalou em Paris; (ix) no dia 13 de Junho de 1998, depois do jogo Holanda-Bélgica, furtaram o telemóvel do autor, que deu conhecimento imediato do sucedido à ré, uma vez que tal telemóvel era pertença da ré, tendo esta informado que não lhe seria entregue outro; (x) em 30 de Junho de 1998, inexplicavelmente, foi-lhe comunicada a suspensão da sua actividade, através de missiva dirigida a uma empresa que o autor fundara quando exerceu a sua actividade para o Sport Lisboa e Benfica, o que a ré fez de forma a criar a ilusão de que entre ela e o autor vigorava um contrato de prestação de serviços; (xi) o autor, através do seu mandatário judicial, procurou obter esclarecimentos, tendo, em retaliação, a ré endereçado à referida empresa uma missiva, datada de 27 de Julho de 1998, onde lhe comunicava a existência de divergências de interpretação e no enquadramento do acordo e dava por concluído um alegado contrato de prestação de serviços; (xi) conclui que, por tudo o exposto, entre autor e ré não vigorava um contrato de prestação de serviços, só que a ré, por virtude de o autor residir na Holanda, entendia que não lhe devia pagar algumas prestações complementares que atribuía aos jornalistas residentes em Portugal sempre que deslocados para o estrangeiro; (xii) a ré não lhe pagou a retribuição complementar a que alude o artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, nem as despesas que teve de efectuar com a cobertura do Mundial de Futebol, em França, no interesse da ré, totalizando estas 310435$00; (xiii) a ré, em 2 de Julho de 1998, pagou-lhe o seu vencimento, tendo-lhe pago anteriormente, em 30 de Abril de 1998, o seu vencimento e as férias, pelo que o autor se manteve na expectativa durante os meses de Agosto e Setembro, até que, face ao insucesso das diligências encetadas, dirigiu à ré, em 26 de Outubro de 1998, uma comunicação, de que junta cópia como documento n.º 36, à qual se seguiu, em 3 de Novembro de 1998, a comunicação rescisória junta como documento n.º 37, onde o autor invocou a justa causa para se despedir, que a ré recebeu, pelo menos, no dia 4 de Novembro de 1998; (xiv) ficou profundamente abalado, perturbado e angustiado com toda esta situação, por se ver, de repente, sem emprego e com encargos familiares para fazer face, o que lhe provocou um estado psíquico de desespero e uma crise familiar, decorrente da perda da imagem que usufruía perante a mulher e filhos.

A ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação, e reconveio (fls. 48 a 79). Por excepção, invocou a incompetência do Tribunal para decidir o pleito, por considerar que o contrato a que se reportam os autos é um típico contrato de prestação de serviços, do tipo avença, inexistindo os elementos caracterizadores de uma relação jurídica de trabalho. Por impugnação, sustentou que: (i) a relação de prestação de serviços que reconhece foi estabelecida entre a ré e a SPM - Sport Promotion and Marketing, e não com o autor, actuando este apenas como representante daquela sociedade, embora fosse o autor quem, indirectamente, realizava os serviços compreendidos no contrato de prestação de serviços celebrado entre a ré e a referida SPM; (ii) à cautela, independentemente do contrato que venha a ser reconhecido e do outro sujeito da relação jurídica para com a ré, tal contrato só teve início em Outubro de 1997, tendo cessado em 27 de Julho de 1998, com o envio pela ré da carta mencionada pelo autor, através da qual foi revogado pela ré o contrato de prestação de serviços estabelecido com a SPM, na sequência de ameaças e injúrias proferidas pelo autor, sócio e representante daquela sociedade, contra os gerentes da ré Eng.º D e Dra. E; (iii) estas ameaças e injúrias, dada a sua gravidade, constituem justa causa de despedimento, na hipótese de se considerar a existência de um contrato de trabalho, e, mesmo numa perspectiva laboral, não está agora em causa a eventual ilicitude formal do despedimento, por ausência de processo disciplinar, porque o autor não arguiu essa anulabilidade, antes optou por rescindir unilateralmente o contrato; (iv) ainda assim, à data do envio da carta pelo autor, já se verificara a caducidade do pretenso direito de rescisão unilateral do contrato, uma vez que os factos invocados pelo autor ocorreram há mais de 15 dias (artigo 34.º, n.º 2, do "Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo", aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro - doravante designado por LCCT), além de que foi o comportamento do autor, ao ameaçar de agressão e insultar gerentes da ré, quem deu causa à cessação do contrato, pelo que o mesmo se colocou numa situação de venire contra factum proprium; e (v) de qualquer forma, o autor não tem direito à totalidade das quantias reclamadas na petição, em virtude de: (1) o subsídio de deslocação não ter aplicação ao contrato de prestação de serviços e, mesmo no caso de se considerar a existência de um contrato de trabalho, a retribuição do autor e a natureza deslocalizada do contrato excluíam o pagamento daquele subsídio; (2) o autor não ter prestado qualquer trabalho suplementar, pelo qual devesse ser remunerado; (3) não há lugar à pretendida indemnização por antiguidade e, mesmo que houvesse, o seu valor teria de ser inferior ao reclamado pelo autor, dada a data do início do contrato; (4) não há lugar ao pagamento de férias, subsídio de férias e de Natal; e (5) não tem justificação a pretendida indemnização por danos não patrimoniais, pois, mesmo numa perspectiva laboral, ao optar pela indemnização por antiguidade, o autor já não pode vir pedir outra indemnização pelos mesmos factos, além de que a indemnização pretendida sempre seria manifestamente exagerada e sem qualquer fundamentação. Quanto às despesas efectuadas pelo autor e cujo pagamento aquele reclama, aceita que as despesas no montante de 283360$00 sejam levadas à compensação com a quantia de 1298910$00, que adiantou ao autor, formulando pedido reconvencional de condenação do ré na parte restante.

Em resposta à matéria da excepção e da reconvenção (fls. 93 a 103), veio o autor manter a posição assumida na petição quanto à configuração do contrato como sendo de trabalho e impugnou o valor do adiantamento mencionado pela ré. Arguiu a falsidade dos documentos n.ºs 1 a 8 juntos pela ré com a sua contestação, tendo a ré, em resposta (fls. 196 a 108), sustentado a improcedência deste incidente.

Foi proferido despacho saneador (fls. 115), que julgou improcedente a excepção da incompetência, e foram elaborados a especificação e o questionário (fls. 115 a 120), que sofreram reclamações da ré (fls. 122 a 125) e do autor (fls. 126 a 128), parcialmente atendidas por despacho de fls. 137 a 140.

Realizada audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual foram aditados 8 quesitos (fls. 212 e 214), foram dadas aos quesitos as respostas constantes de fls. 218 a 228, que não suscitaram reclamações (cfr. acta de fls. 229).

Por sentença de 25 de Abril de 2001 (fls. 231 a 254), a acção foi julgada totalmente improcedente e a ré absolvida do pedido, e a reconvenção foi julgada parcialmente procedente e o autor condenado a pagar à ré a quantia de 995910$00. A improcedência da acção assentou no seguinte encadeamento argumentativo: (i) o contrato celebrado entre as partes em 1986 é de qualificar como de trabalho, e não de prestação de serviço; (ii) o autor não logrou provar a existência do necessário acordo quanto à suspensão do mesmo em meados de 1996, quando foi exercer funções de assessor da Direcção do Sport Lisboa e Benfica, pelo que se tem de considerar que aquele primeiro contrato cessou naquela data; (iii) assim, quando, em Outubro de 1997, o autor voltou a exercer as suas actividades jornalísticas para A Bola, estabeleceu-se um novo contrato, que também deve ser qualificado como de trabalho, e não de prestação de serviço; (iv) as partes nesse segundo contrato foram a ré e o autor, e não a empresa SPM - Sport Promotion and Marketing; (v) assim, as cartas da ré, de 30 de Junho e de 27 de Julho de 1998, configuram um despedimento, que, por não precedido de processo disciplinar, é ilícito; (vi) no entanto, apesar de esse despedimento ter sido levado ao conhecimento do autor, este invocou como causa de pedir a rescisão do contrato com justa causa, baseando-se no pressuposto (errado) de que o contrato de trabalho se mantinha válido e eficaz, apenas tendo a ré violado os deveres de ocupação efectiva do trabalhador e de pagamento da retribuição, pelo que a acção tem de improceder, por não se verificarem os pressupostos para a rescisão invocados pelo autor: "se a ré já tinha despedido o autor, ainda que de forma ilícita, não podia este rescindir o contrato de trabalho que os unia, porquanto o mesmo, em 4 de Novembro de 1998, já não se mantinha válido".

Contra esta sentença interpôs o autor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, arguindo a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, por omissão de pronúncia e por violação do contraditório (n. 3 do artigo 3. do Código de Processo Civil) e sustentando que, mesmo que a comunicação de despedimento fosse operante (o que impugna), sempre a ré devia ser condenada a pagar ao autor as prestações a que este tinha direito face à reconhecida ilicitude do seu despedimento (cfr. requerimento de interposição de recurso de fls. 261 a 265 e alegações de fls. 266 a 285).

Por acórdão de 18 de Dezembro de 2001 (fls. 336 a 353), o Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente uma das arguições de nulidade da sentença por omissão de pronúncia (julgando improcedentes as restantes arguições desse vício, bem como da contradição entre os fundamentos e a decisão e de violação do princípio do contraditório) e, suprindo essa nulidade, concedeu parcial provimento à apelação, condenando a ré a pagar ao autor o valor das retribuições mensais, catorze vezes por ano, desde 30 dias antes da proposição da acção (17 de Fevereiro de 1999) até à da prolação da sentença em 1.ª instância (25 de Abril de 2001), o triplo do valor do salário mensal de então - 7000 florins - pelo ilícito despedimento, e os proporcionais de férias, respectivo subsídio e de Natal, com os respectivos juros, tudo a calcular pela secretaria em função da cotação de tal moeda; no mais (absolvição da ré do demais pedido e parcial procedência da reconvenção, com condenação do autor a pagar à ré a quantia de 995910$00) confirmando a sentença apelada (agora com a explicitação de que sobre esta quantia de 995 910$00 recaíam "juros à taxa legal desde a citação, tudo a compensar com o valor final supra").

A procedência da arguida nulidade por omissão de pronúncia foi assim fundamentada:

"O apelante colocou ao tribunal os pedidos enunciados, emergentes da rescisão unilateral, alegadamente com justa causa, em I-1 (a que o autor chama, impropriamente, «despedimento», na alínea d) do pedido de fls. 17); deles consta o da atribuição da compensação por despedimento (nunca o da reintegração), no valor de 91000 florins ou 8190000$00 - alínea g), assim como o do pagamento de 17500 florins (1575000$00), a título de férias, respectivo subsídio e de Natal, relativo às proporções de actividade prestada em 1998 - alínea h).

Em princípio, essa é a baliza da decisão, reportava-se a pedidos no pressuposto de relevância da declaração rescisória; mas, qualificada a conduta da apelada como de imposta cessação do contrato, impõe-se que, nos termos do disposto nos artigos 660, n. 2, e 664 do Código de Processo Civil e 13, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n. 64-A/89, e por se tratar de matérias indisponíveis, sejam interpretadas essas quantias como reportadas ao verdadeiro despedimento consumado.

Nessa medida, à sentença deve ser imputado o vício de omissão de conhecimento.

Pelo que, procedendo a arguição, nesta parte, deve a mesma ser alterada, tendo-a por parcialmente procedente, por provada, condenando-se a ré a pagar ao autor:

- o valor das retribuições mensais, catorze vezes por ano, desde 30 dias antes da propositura da acção (17 de Fevereiro de 1999) até à da prolação da sentença em 1.ª instância (25 de Abril de 2001),

- no triplo do valor do salário mensal de então - 7000 florins - pelo ilícito despedimento, e

- os proporcionais de férias, respectivo subsídio e de Natal, com os respectivos juros, tudo a calcular pela secretaria em função da cotação de tal moeda."

Contra este acórdão interpuseram, para este Supremo Tribunal de Justiça, recursos de revista a ré (requerimento de fls. 356 a 375, integrando arguição de nulidades do acórdão por omissão e por excesso de pronúncia, a que o autor respondeu a fls. 383 a 387) e, subordinadamente, o autor (requerimento de fls. 379).

A ré apresentou alegações relativas ao recurso independente por si interposto (fls. 390 a 433), no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"I. A ora recorrente suscitou na Parte II das suas alegações, na apelação, três «Questões de Fundo» claramente identificadas nas seguintes alíneas: Direito aplicável; Quem é parte no contrato; Natureza da relação contratual.

II. Tais questões de fundo requeriam uma tomada de posição pelo tribunal de recurso, não só porque são de conhecimento oficioso, como porque foram claramente suscitadas e são fundamentais para a decisão da causa.

III. O douto acórdão recorrido, ao não se pronunciar sobre estas questões que foram claramente suscitadas e eram fundamentais para a decisão da causa, está ferido de nulidade por força do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

IV. Como resulta inequivocamente da petição inicial e se reconhece no douto acórdão recorrido, a causa de pedir na presente acção é a rescisão unilateral pelo autor do contrato de trabalho com justa causa.

V. Como também resulta claramente da petição inicial, o autor não pede a condenação da ré no pagamento das importâncias a que se refere o artigo 13.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 64-A/89 de 27 de Fevereiro.

VI. Salvo acordo, que não ocorreu, a causa de pedir não pode ser alterada em sede de recurso, nem o pedido ampliado (artigo 273.º do Código de Processo Civil).

VII. Só nos casos em que a causa de pedir é o despedimento ilícito poderá haver lugar à condenação no pagamento por parte da entidade empregadora das importâncias a que se refere o artigo 13, n. 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n. 64-A/89.

VIII. O artigo 12, n. 2, do Decreto-Lei n. 64-A/89 é peremptório ao determinar que: «a ilicitude do despedimento só pode ser declarada pelo tribunal em acção intentada pelo trabalhador».

IX. No caso dos autos é claro que o autor não pede a declaração de ilicitude do despedimento, como, aliás, se reconhece no douto acórdão recorrido.

X. Para que a condenação ultra vel extra petitum possa ter lugar, para além da identidade da causa de pedir, é necessário que se esteja perante direitos indisponíveis.

XI. As importâncias a que se refere o artigo 13, n. 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n. 64-A/89 não são direitos indisponíveis, por o trabalhador ser livre de as reclamar ou não.

XII. Tem sido jurisprudência corrente que só existem direitos indisponíveis enquanto durar a relação laboral.

XIII. O artigo 69 do Código de Processo do Trabalho (actual artigo 74) só permite a condenação extra vel ultra petitum em caso de direitos indisponíveis que decorrem da causa de pedir.

XIV. O douto acórdão recorrido, ao condenar a ré no pagamento das referidas importâncias, pecou por excesso de pronúncia, o que provoca a sua nulidade por força do artigo 668, alínea e), do Código de Processo Civil.

XV. No caso sub judice estamos inequivocamente perante um contrato internacional: não só os sujeitos estão sediados em países diferentes, como a prestação é realizada em vários países.

XVI. Se o contrato for qualificado como contrato de prestação de serviço, como se sustenta, o direito aplicável é o do país onde tem a sua residência ou sede a parte que está obrigada a fornecer a «prestação característica do contrato» (artigo 4.º, n.º 2, da Convenção de Roma).

XVII. Se o tribunal qualificar o contrato como de trabalho, a lei aplicável é a «lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado temporariamente para outro país» (artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da Convenção de Roma).

XVIII. Seja qual for a qualificação do contrato, a lei aplicável é sempre a lei holandesa.

XIX. O douto acórdão recorrido, ao decidir pela aplicação do direito português, violou frontalmente qualquer um dos citados artigos (4.º, n.º 2, ou 6.º, n.º 2, alínea a)) da Convenção de Roma, cuja hierarquia é até superior ao da lei ordinária, por força do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição.

XX. A ré sustenta que a relação existente com início em Outubro de 1998 não é com o autor, mas com a sociedade SPM - Sports Promotion and Marketing.

XXI. Esta situação é idêntica à que se veio a repetir com a Jornalinveste - Comunicações, SA, proprietária do jornal O Jogo, para quem o autor passou a exercer a sua actividade profissional a partir de Agosto de 1998 e que é o próprio autor que declara que se trata de um contrato de prestação de serviços entre a SPM e a Jornalinveste.

XXII. São consideradas partes legítimas aquelas que forem sujeitos da relação jurídica controvertida, «tal como é configurada pelo autor».

XXIII. O douto acórdão recorrido, ao considerar o autor parte legítima e sujeito da relação material controvertida, violou o artigo 26.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

XXIV. O autor sempre desenvolveu a sua actividade autonomamente, sem dependência de quaisquer meios ou da estrutura empresarial da ré e, com o novo contrato, a partir de Outubro de 1997, integrado na referida sociedade holandesa de que era sócio, a SPM - Sport Promotion and Marketing, entidade com a qual a ré passou a estabelecer a relação contratual de prestação de serviços, situação idêntica à que se estabeleceu com a Jornalinvesie e que o autor caracteriza como de prestação de serviços.

XXV. Não havia qualquer subordinação jurídica do autor à ré, como decorre da matéria dada como provada e é manifesto que o autor não estava sujeito a ordens da ré, nem, muito menos, ao seu poder disciplinar.

XXVI. A relação existente reveste, portanto, a natureza de contrato de prestação de serviço (artigo 1154 do Código Civil) e nunca de contrato de trabalho.

XXVII. O douto acórdão recorrido, ao decidir configurando a relação contratual sub judice como contrato de trabalho e condenando a ré no pagamento de indemnizações que pressupõem aquele contrato, violou o artigo 1 do Decreto-Lei n. 49408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT) e o artigo 1154.º do Código Civil.

XXVIII. E, ao considerar o Tribunal de Trabalho competente para decidir este pleito, violou o artigo 85 da Lei n. 3/99, de 13 de Janeiro.

XXIX. A ré, por carta de 27 de Julho de 1998, já tinha feito cessar inequivocamente a relação contratual existente e o autor interpretou a carta nesse sentido.

XXX. Ou se entende que a relação contratual era com a referida sociedade SPM e o autor é parte ilegítima, como, aliás, se sustenta, ou se entende que a dita SPM era um mero "veículo" e a correspondência endereçada à SPM ter-se-ia como dirigida ao autor, que era seu sócio e representante, como parece ser a posição do autor.

XXXI. O autor não pode simultaneamente pretender que a SPM é «um artifício formal» que lhe teria sido imposto - o que não ficou provado -, sendo a relação contratual estabelecida consigo e, ao mesmo tempo, argumentar que as comunicações dirigidas àquela sociedade «à sua atenção» não lhe diziam respeito.

XXXII. Tendo o contrato cessado com o despedimento - ainda que ilícito - promovido pela ré, através da citada carta de 27 de Julho de 1998, não tem qualquer viabilidade a posterior rescisão do contrato, por iniciativa do autor, com o envio da carta de 3 de Novembro de 1998, invocando justa causa, conforme, muito bem, no pressuposto da existência de contrato de trabalho, decidiu a douta sentença da 1.ª instância.

XXXIII. O facto de o despedimento promovido pela ré ter sido ilícito, na perspectiva de um contrato de trabalho, em nada afecta a sua validade e eficácia, porquanto o artigo 12, n. 2, do Decreto-Lei n. 64-A/89 é peremptório ao determinar que «a ilicitude do despedimento só pode ser declarada pelo tribunal em acção intentada pelo trabalhador».

XXXIV. A declaração de ilicitude do despedimento promovido pela ré não foi, nem podia ter sido, decidida pelo tribunal, porque o autor não formulou tal pedido, nem essa era a causa de pedir.

XXXV. O douto acórdão recorrido, para além de ter violado os artigos 660 n. 2, e 661, n. 1, do Código de Processo Civil, violou, ainda, o artigo 13, n. 1, do Decreto-Lei n. 64-A/89.

XXXVI. Mesmo que a causa de pedir tivesse sido a anulação do despedimento, nem assim seria lícito ao tribunal substituir-se ao trabalhador, condenando a entidade patronal a pagar as importâncias referidas no artigo 13.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, sem que tal pedido tivesse sido formulado.

XXXVII. O artigo 69 (actual 74) do Código de Processo do Trabalho, com a amplitude e a interpretação que lhe foi dada pelo douto acórdão recorrido, viola manifestamente o artigo 13 da Constituição e o princípio fundamental nele contido de igualdade dos cidadãos perante a lei.

XXXVIII. O douto acórdão recorrido ao condenar a ré no pagamento do «valor das retribuições mensais, catorze vezes por ano, desde 30 dias antes da propositura da acção (17 de Dezembro de 1999) até à da prolação da sentença em 1.ª instância (25 de Abril de 2001)» e, simultaneamente, nos «proporcionais de férias, respectivo subsídio e de Natal, com os respectivos juros», está a fazer uma duplicação de condenação, uma vez que a segunda das referidas condenações já está contida nos «catorze meses» da primeira, violando, assim, o artigo 13, n. 1, alínea a), do Decreto- Lei n. 64-A/89 de 27 de Fevereiro.

Termos em que (...) deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e substituindo-se por outro que considere o tribunal de trabalho incompetente e o autor parte ilegítima, absolvendo-se a ré da instância, ou, quando assim se não entenda, absolvendo-se a ré totalmente do pedido, assim se fazendo a costumada Justiça!"

O autor apresentou alegações relativas ao recurso subordinado por si interposto (fls. 436 a 446), no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"A) O acórdão recorrido ao decidir, como decidiu, a questão relativa à interrupção da suspensão do contrato de trabalho, viola a lei substantiva por erro de interpretação. Com efeito, ficou provado que o recorrente voltou a exercer as suas (mesmas) actividades para a recorrida, mas não se concluiu, em momento algum, que as iniciou ex novo.

B) O acórdão recorrido, ao confirmar a sentença da 1.ª instância na parte que concluiu que o recorrente voltou a exercer a sua actividade por um lado, mas foi novamente contratado e que a sua antiguidade se conta a partir de Outubro de 1997, data do seu regresso, confunde o conceito de suspensão do contrato de trabalho com o conceito de cessação de contrato de trabalho.

C) O erro de interpretação do instituto jurídico aplicável à situação sub judice consubstancia o vício de violação de lei substantiva, previsto nos artigos 721 e 722 do Código de Processo Civil.

D) À cautela, e por mero dever de patrocínio, diga-se que se verifica uma clara contradição entre a matéria de facto assente e a cessação da relação laboral.

E) Com efeito, a matéria de facto, com dois factos perfeitamente antagónicos, não permite que se extraia a conclusão de que se verificou a interrupção do contrato de trabalho.

F) Verifica-se, pois, a contradição entre os fundamentos de facto e a decisão de direito e a consequente nulidade a que se refere o artigo 668, n. 1, alínea c), do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 1. do Código de Processo do Trabalho.

G) Quanto à questão dos complementos salariais, e apesar do pedido formulado pelo recorrente, o acórdão recorrido, apesar do que resulta da matéria de facto dada como assente nos quesitos 10. e 11. (o recorrente permanecia fora da Holanda ao serviço da recorrida e em média cerca de quatro meses por ano; e ainda que permanecia fora da sua residência, uma média de quinze fins-de-semana), limita-se a dizer que o recorrente não tem direito a receber os complementos salariais referidos na cláusula 58.ª do CCT e no artigo 7, n. 2, do Decreto-Lei n.º 421/83.

H) Quando a aplicação dessa cláusula resulta directamente de deslocações para fora do país onde (o jornalista) tem o seu local de trabalho e de permanência fora da residência, sendo, por consequência, aplicável ao recorrente e o artigo 7 do Decreto-Lei n. 421/83 da remuneração de trabalho suplementar.

I) O que consubstancia a violação de lei substantiva, por erro na não aplicação da norma que regula os complementos salariais peticionados pelo recorrente e da norma que prevê a remuneração de trabalho suplementar (artigos 721 e 722 do Código de Processo Civil e cláusula 58.ª do CCT e artigo 7 do Decreto-Lei n. 421/83).

J) À cautela, diga-se que se verifica a contradição entre os fundamentos de facto e a decisão de direito (não aplicação de ambas as normas), o que determina a nulidade a que se refere o artigo 668, n. 1, alínea c), do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho."

O autor apresentou contra-alegações relativas ao recurso independente da ré (fls. 457 a 486), concluindo:

"A) A aplicabilidade da Convenção de Roma é uma questão nova, não invocada nos articulados e, por esse facto, não discutida e decidida pela sentença de 1.ª instância e pelo acórdão recorrido, logo insusceptível de apreciação em sede de alegações de recurso de revista.

B) Não foi alegado pela recorrente qualquer conexão em relação a sujeitos, objecto e local da prestação da actividade laboral do recorrido com o ordenamento jurídico holandês.

C) Não foram identificadas as normas jurídicas holandesas que seriam aplicáveis em concreto, por forma a poderem ser confrontadas com o ordenamento jurídico português aplicável.

D) As normas do direito português relativas às formas de cessação do contrato de trabalho são normas imperativas absolutas (cfr. artigos 2 e 13 da Lei dos Despedimentos).

E) Essas normas seriam sempre aplicáveis à situação sub judice.

F) A Convenção de Roma iniciou a sua vigência em Portugal em momento posterior à celebração do contrato entre recorrido e recorrente, o que impossibilitava as partes de optarem por outro ordenamento jurídico que não o português.

G) Devendo, em face do exposto, improceder quer a questão suscitada pela recorrente quer a nulidade arguida.

H) A actividade jornalística prestada pelo recorrido à recorrente resultava de trabalhos inscritos em agenda da redacção que a chefia da redacção e a direcção do jornal A Bola lhe determinassem (respostas aos quesitos 1. e 1.-A).

I) Os trabalhos jornalísticos atribuídos ao recorrido eram-lhe comunicados, por telefone, através da secretaria da redacção ou pela chefia da redacção (resposta ao quesito 1. -B).

J) O recorrido era considerado pela chefia da redacção como um redactor do jornal A Bola colocado no estrangeiro, não existindo qualquer diferença entre si e os restantes redactores do jornal quanto aos deveres de obediência a directrizes impostas pela chefia da redacção.

K) A integração do recorrido na estrutura organizacional da recorrente (que lhe determinava os trabalhos jornalísticos que teria de efectuar, comunicados por telefone, através do secretariado da redacção ou pela própria chefia da redacção) era completa.

L) A recorrente, ao determinar os serviços jornalísticos que o recorrido deveria executar, na Holanda e noutros países, através da chefia da redacção e/ou direcção do jornal A Bola, programava a actividade do recorrido, controlando de forma directa e imediata todo o seu trabalho.

M) Os meios de produção facultados ao recorrido para execução do seu trabalho eram propriedade da recorrente, nomeadamente o computador e o telemóvel.

N) Era a recorrente quem requisitava e suportava as viagens aéreas do recorrido, sempre que este se deslocava para o local dos acontecimentos a noticiar, o que era feito através da sua agência de viagens ABA.

O) O recorrido recebia a quantia de 7000 florins, catorze vezes ao ano, sendo as 13.ª e 14.ª prestações pagas a título de subsídio de férias e subsídio de Natal.

P) Tais pagamentos eram efectuados por cheque emitido à ordem do recorrido e a este remetidos (resposta ao quesito 3.º).

Q) Ao recorrido eram atribuídas funções de representação da recorrente na ESM (resposta ao quesito 6.º), e funções de promoção, direcção e organização na "Gala Internacional de A Bola" (resposta ao quesito 6.º).

R) Ao recorrido eram atribuídas actividades jornalísticas em que se incluíam os mais importantes eventos desportivos (alínea G) da especificação), outros acontecimentos organizados pela UEFA e FIFA (alínea H) da especificação), entrevistas a jogadores de futebol e aos mais altos representantes do futebol europeu e mundial (respectivamente, alíneas L) e J) da especificação).

S) O recorrido encontrava-se sujeito às ordens e instruções da recorrente e ao seu poder disciplinar.

T) A matéria de facto dada como assente permite caracterizar o contrato estabelecido entre as partes como contrato de trabalho, sobressaindo os requisitos da subordinação jurídica e económica.

U) A relação entre a recorrente e a SPM era de mera intermediação desta na distribuição dos serviços ao recorrido.

V) Foi dado como provado que quando este retomou as suas actividades jornalísticas para A Bola fê-lo em termos idênticos aos existentes antes da sua ida para o Benfica.

W) Continuou a ser a direcção e a chefia da redacção do jornal que determinavam o seu trabalho, sendo os trabalhos jornalísticos a efectuar distribuídos pela SPM.

X) As comunicações entre recorrido e recorrente passaram a ser feitas, desde então, através da SPM.

Y) Conclui-se pois que a partir de Outubro de 1997 se iniciou uma nova relação contratual de trabalho entre autor e ré, em termos idênticos aos anteriormente existentes, com a diferença de que a SPM, sociedade de que o autor era (único) sócio e representante, passou a interferir nesta relação, como mera intermediária nos contactos entre as partes.

Z) Devendo, face ao supra descrito, improceder a nulidade arguida nos pontos 7 e 8, bem como a impugnação do acórdão quanto aos pontos 23 a 37 das alegações de recurso.

AA) O acórdão recorrido decidiu que se consumou um verdadeiro despedimento com a carta enviada pela recorrente no dia 27 de Julho de 1998, e que, por não ter sido precedido de processo disciplinar, tal despedimento foi considerado ilícito, nos termos do artigo 12, n. 1, alínea a), do Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

BB) O artigo 12, n. 2, do Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, prevê que «A ilicitude do despedimento só pode ser declarada pelo tribunal em acção intentada pelo trabalhador».

CC) O acórdão recorrido revogou a sentença da 1.ª instância quanto à arguida omissão de pronúncia e decidiu que a declaração de ilicitude do despedimento produzia os efeitos previstos no artigo 13 do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e condenou a recorrente no pagamento dos salários intercalares (artigo 13, n.º 1), indemnização devida pela invalidade do despedimento (artigo 13, n. 2) e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal.

DD) As disposições do Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, são inderrogáveis ex vi o seu artigo 2.º e as normas sobre cessação do contrato de trabalho são de interesse e ordem pública (maxime os artigos 10 a 14).

EE) A anulação do despedimento implica a subsistência do contrato de trabalho, pelo menos até à data da declaração judicial da invalidade do acto extintivo, razão pela qual a sentença que declara a invalidade do despedimento tem natureza constitutiva.

FF) Nos termos do disposto nos artigos 660, n. 2, e 664 do Código de Processo Civil, conjugados com o disposto no artigo 13 da Lei dos Despedimentos, o acórdão recorrido decidiu correctamente, considerando que se trata de matérias indisponíveis, e que as quantias descritas devem ser reportadas ao verdadeiro despedimento.

GG) Não se verifica qualquer duplicação de condenações, o que decorre da própria natureza jurídica da retribuição, direito a férias e subsídio de férias e respectivos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal."

A ré apresentou contra-alegações relativas ao recurso subordinado do autor (fls. 489 a 497), propugnando a sua improcedência.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Publico emitiu o parecer de fls. 505 a 523, no sentido da parcial procedência do recurso independente da ré (revogando-se a sua condenação a pagar ao autor os salários intercalares e a indemnização de antiguidade) e da total improcedência do recurso subordinado do autor, parecer que, notificado às partes, suscitou a resposta do autor de fls. 525 a 528.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto

As instâncias deram como apurados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

1) O autor é jornalista;

2) A ré é proprietária do jornal desportivo A Bola;

3) Desde 1972 que o autor passou a exercer a sua actividade de jornalista para A Bola, sendo, pelo menos até 1986, remunerado à peça e aceitando ou rejeitando as solicitações da redacção desse jornal, conforme lhe aprouvesse;

4) Em Março de 1984, o autor foi viver para a Holanda, continuando a exercer a sua actividade de jornalista para A Bola, como correspondente internacional, qualificativo que era aposto em todos os seus trabalhos publicados no referido jornal;

5) Pelo menos a partir de 1986, o autor intensificou o exercício da sua actividade jornalística para A Bola, passando a estar disponível para executar todos os trabalhos jornalísticos, na Holanda e noutros Países, como correspondente internacional - cobertura de eventos desportivos, entrevistas a jogadores, treinadores ou dirigentes, cobertura de sorteios, reuniões ou outros acontecimentos organizados pela UEFA ou pela FIFA, etc. -, inscritos em agenda da redacção ou não, que a chefia da redacção e a direcção do jornal A Bola lhe determinassem;

6) Os trabalhos jornalísticos de que o autor era encarregue eram-lhe comunicados, habitualmente, por telefone, através do secretariado da redacção ou pela própria chefia de redacção;

7) O autor era considerado pela chefia da redacção como um redactor do jornal A Bola colocado no estrangeiro;

8) Em Setembro de 1987, o autor, com a anuência da ré, suspendeu a sua actividade com esta, retomando-a em 1989;

9) Sempre que os trabalhos jornalísticos do autor eram realizados fora da Holanda, era publicada uma fotografia com o rosto do autor e com a designação de "Enviado Especial";

10) Ao autor, como a outros, competia cobrir jornalisticamente os mais importantes eventos desportivos (campeonatos do Mundo e da Europa de Futebol, jogos internacionais, finais de competições da UEFA, maratonas de Londres e Roterdão, etc.);

11) Era-lhe atribuída, também, a cobertura para A Bola de outros acontecimentos - reuniões, congressos, meetings, sorteios - organizados pela UEFA e pela FIFA;

12) O autor entrevistou, quer por sua iniciativa, quer por iniciativa da ré, jogadores e antigos jogadores de futebol;

13) E igualmente entrevistou para A Bola os mais altos representantes do futebol europeu e mundial - "..........";

14) Em meados de 1996, o autor foi convidado pelo Sport Lisboa e Benfica para assessorar a Direcção;

15) Entre meados de 1996 e Outubro de 1997, enquanto se manteve como assessor, nos termos do número anterior, o autor não prestou serviços jornalísticos à ré;

16) A partir de Outubro de 1997, altura em que deixou de assessorar a Direcção do Sport Lisboa e Benfica, o autor voltou a exercer as suas actividades jornalísticas para A Bola;

17) Desde então, os serviços distribuídos ao autor passaram a sê-lo por intermédio da empresa SPM - Sports Promotion and Marketing, que o autor fundara na Holanda e de que era sócio e representante;

18) O autor deixou na sede da ré uma série de folhas, com a sigla da SPM, assinadas por si e com o carimbo da sociedade;

19) Essas folhas foram posteriormente preenchidas como recibos e datadas por funcionário da ré, com os dizeres constantes de fls. 81 a 88, cujo teor se deu como reproduzido;

20) Em Junho de 1998, o autor foi incumbido pelo jornal A Bola de cobrir o Campeonato do Mundo de Futebol, que se disputou em França, o que fez conjuntamente com outros jornalistas, entre os quais se incluía F, correspondente em Paris do referido jornal desportivo;

21) Para o efeito, foi entregue ao autor um telemóvel, propriedade da ré, para que o autor o utilizasse na sua actividade;

22) No dia 13 de Junho de 1998, depois do jogo Holanda-Bélgica, o referido telemóvel foi furtado, facto de que o autor deu conhecimento à ré;

23) O autor obteve, então, a informação de que a ré não lhe entregaria outro telemóvel em substituição do que lhe fora furtado;

24) Em 30 de Junho de 1998, a ré endereçou à SPM a carta de que consta cópia a fls. 20, cujo teor se deu por reproduzido, consignando que se considerava "suspenso, durante o próximo mês de Julho, o acordo de prestação de serviços que temos vindo a manter com V. Ex.as";

25) O autor, através do seu mandatário judicial, tentou obter esclarecimentos para a situação;

26) Em resposta, a ré remeteu à SPM, em 27 de Julho de 1998, a carta de que consta cópia a fls. 21 (documento n.º 2), cujo teor se deu por reproduzido;

27) A partir da carta referida em 26), o autor não mais realizou trabalhos jornalísticos para A Bola;

28) Entre 4 de Junho e 3 de Julho de 1998, o autor gastou, por virtude da sua actividade de cobertura do Campeonato do Mundo de Futebol, pelo menos 2985 florins em táxis e 445 francos franceses na viagem Lyon-Paris;

29) Em 26 de Outubro de 1998, o autor enviou à gerência da ré a carta de que consta cópia a fls. 38 (documento n.º 36, junto com a petição), cujo teor se deu por integralmente reproduzido;

30) E em 4 de Novembro de 1998, o autor enviou à gerência da ré, via fax, a comunicação de que consta cópia a fls. 40 (documento n.º 37, junto com a petição), cujo teor se deu por reproduzido, comunicando-lhe que se despedia com justa causa;

31) Pela actividade jornalística do autor, a ré pagava a quantia de 7000 florins, catorze vezes por ano, sendo as 13.ª e 14.ª prestações pagas a título de subsídios de férias e de Natal;

32) Os pagamentos mensais eram efectuados por cheques à ordem do autor e a este remetidos;

33) O computador em que o autor trabalhava pertencia à ré;

34) Quando o autor saía da Holanda, ao serviço da ré, as viagens eram requisitadas por esta à sua própria Agência de Viagens (ABA), excepto no caso de se tratar de viagens curtas, para locais próximos, em que o autor comprava os bilhetes de viagem e apresentava depois as contas à ré;

35) O autor representou por diversas vezes A Bola na ESM (European Sports Magazine);

36) O autor foi encarregue pela Direcção de A Bola de promover, dirigir e organizar a "Gala Internacional de A Bola";

37) O autor permanecia fora da Holanda, ao serviço da ré e em média, cerca de quatro meses por ano;

38) E permanecia, em serviço da ré, fora da sua residência, uma média de quinze fins de semana por ano;

39) O autor, na sequência da comunicação referida em 26), viu-se sem trabalho;

40) O autor, mercê dessa situação, sentiu-se abalado e deprimido;

41) A partir de Outubro de 1997, quando o autor voltou a exercer as suas actividades jornalísticas para A Bola, fê-lo em termos idênticos aos existentes antes da sua ida para o Benfica;

42) O autor, em datas anteriores a 1994, prestou, pelo menos algumas vezes, serviços jornalísticos a outras empresas de comunicação social, designadamente a RTP;

43) Desde Outubro de 1997, a importância de 7000 florins catorze vezes por ano foi paga através de cheques à ordem do autor, sendo os recibos correspondentes, com a assinatura do autor e preenchidos pelo funcionário da ré, G, passados em nome da SPM;

44) A ré adiantou ao autor a quantia de 377910$00 e de 30000 francos franceses, para despesas com a cobertura do Campeonato do Mundo de Futebol;

45) A partir de Agosto de 1998, o autor passou a colaborar com o jornal O Jogo;

46) De Novembro de 1991 até Abril de 1992, o autor auferiu, ao serviço da ré, a quantia de 234600$00 mensais;

47) Passando a auferir, em Maio de 1992 e até Outubro de 1992, a quantia de 406728$00;

48) A ré nunca pagou ao autor qualquer prestação suplementar, a título de serviço externo, nas ocasiões em que este saía da Holanda, nem em função dos dias em que o autor permanecia fora da sua residência.

3. Fundamentação

Entre a variedade de questões suscitadas nos dois recursos de revista interpostos nestes autos, cumpre começar pela apreciação das nulidades imputadas ao acórdão recorrido.

A este respeito, importa registar que, enquanto a ré, ora recorrente independente, logo no requerimento de interposição do recurso (fls. 356 a 375) arguiu e desenvolvidamente fundamentou a nulidade por excesso de pronúncia e as três nulidades por omissão de pronúncia que imputou ao acórdão recorrido, arguição que reiterou nas subsequentes alegações (fls. 390 a 433), já o autor, ora recorrente subordinado, no requerimento de interposição do seu recurso (fls. 379), nenhuma referência fez à nulidade do acórdão, por pretensa contradição entre os fundamentos e a decisão, que só veio a suscitar nas subsequentes alegações (fls. 436 a 446). Daqui decorre, de acordo com jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça, o não conhecimento da nulidade arguida pelo autor apenas na alegação do recurso subordinado por ele interposto.

Quanto às nulidades arguidas pela ré, entende-se que improcede a relativa a pretenso excesso de pronúncia, mas procedem as relativas às apontadas omissões de pronúncia.

Relativamente à primeira (excesso de pronúncia por o acórdão recorrido ter condenado a ré a pagar ao autor "o valor das retribuições mensais, catorze vezes por ano, desde trinta dias antes da propositura da acção..." e uma "indemnização de antiguidade", com fundamento em ilicitude do despedimento quando a causa de pedir invocada pelo autor havia sido a rescisão do contrato de trabalho, por sua iniciativa, com justa causa), basta referir que o autor pedira ao Tribunal da Relação que fosse imposta à ré essa condenação, nas alegações que apresentou no recurso de apelação por ele interposto (cfr. respectivas conclusões I) e J)), razão pela qual não se poderá falar, a esse propósito, em excesso de pronúncia. Poderá é discutir-se se a questão colocada ao Tribunal da Relação pelo autor foi ou não bem decidida, em especial atentas as razões, invocadas pela ré, de ter sido utilizada uma causa de pedir não indicada na petição e de a condenação ter sido em pedidos não deduzidos nesse articulado inicial, mas esse não é um problema de excesso de pronúncia, mas de eventual erro de julgamento.

Mas já quanto às invocadas omissões de pronúncia, entende-se que assiste razão à recorrente independente. Com efeito, esta, tendo sido absolvida de todos os pedidos na sentença da 1.ª instância, embora tenha "perdido" algumas questões por si suscitadas - (i) natureza do contrato, que seria de prestação de serviços, e não de trabalho subordinado; e (ii) identidade da contraparte no contrato celebrado em Outubro de 1997, que seria a SPM - Sport Promotion and Marketing, e não o autor -, não tinha legitimidade para recorrer dessa sentença. Porém, face ao recurso de apelação interposto pelo autor, a ré podia - como efectivamente o fez -, uma vez que existia uma pluralidade de fundamentos da defesa (1. - incompetência material do tribunal do trabalho; 2. - inexistência de contrato de trabalho; 3.º - ilegitimidade do autor por não ser parte no contrato celebrado em Outubro de 1997; 4.º - inexistência de direito do autor a rescindir, com invocação de justa causa, um contrato anteriormente extinto por despedimento), e tendo ela ré, parte vencedora, decaído nos três primeiros fundamentos invocados na sua defesa, requerer, mesmo a título subsidiário, na respectiva contra-alegação, que o tribunal de recurso conhecesse desses fundamentos, prevenindo a necessidade da sua apreciação (isto é: prevenindo a hipótese, que se veio efectivamente a verificar, de o tribunal de recurso julgar improcedente o fundamento com base no qual a sentença da 1.ª instância a absolvera do pedido), faculdade que hoje é consentida no n.º 1 do artigo 684-A do Código de Processo Civil.

Assim, na sua contra-alegação do recurso de apelação (fls. 293 a 321), a ré desenvolvidamente suscitou perante a Relação as questões (que não meros argumentos), em que ficara vencida na 1.ª instância, relativas à natureza da relação contratual, insistindo em tratar-se de contrato de prestação de serviço, que não contrato de trabalho subordinado (cfr. fls. 302 a 311), e à identidade da contraparte no contrato celebrado em Outubro de 1997, insistindo em que essa contraparte era a SPM e não o autor (cfr. fls. 299 a 302), e suscitando, pela primeira vez, a questão do direito aplicável, sustentando que, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, da Convenção de Roma Relativa à Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, de 19 de Junho de 1980 (publicada no Diário da República, I Série-A, n. 28, de 3 de Fevereiro de 1994, que vincula Portugal desde 1 de Setembro de 1994, conforme Aviso n. 240/94, publicado no Diário da República, I Série-A, n. 217, de 19 de Setembro de 1994), esse direito deveria ser o holandês, por ser o do país da residência do prestador do serviço, e não o português. Esta última questão, embora "nova", podia e devia ser conhecida pelo Tribunal da Relação, já que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 664 do Código de Processo Civil), o que sucede mesmo relativamente ao direito estrangeiro (artigo 348 do Código Civil).

Ora, relativamente a essas três questões, o acórdão recorrido (que se ocupou exclusivamente das questões suscitadas pelo apelante) não emite qualquer pronúncia, nem sequer para dizer porque é que eventualmente entendia que delas não devia ou não podia conhecer e, por outro lado, a apreciação dessas questões não se pode considerar prejudicada pela solução dada a outras (cfr. artigo 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Nestes termos, procede a arguida nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (cfr. primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668, aplicável por força do artigo 716.º6º 1, o Código de Processo Civil).

Contra isto não se argumente que a então apelada não levou essas questões às conclusões da sua contra-alegação, aliás inexistentes. É que, se se entendesse ser exigível a formulação de conclusões nas contra-alegações (apesar de o n. 1 do artigo 690 do Código de Processo Civil formular expressamente essa exigência apenas quanto à alegação do recorrente), quer em todos os casos quer especificamente nos casos em que o recorrido haja feito uso da faculdade concedida pelo n.º 1 do artigo 684.º-A do mesmo Código, a sua falta não permitia que se considerassem "abandonadas" as aludidas questões, desenvolvidamente tratadas no teor das contra-alegações, pelo menos sem que antes se formulasse convite à apelada, por aplicação extensiva ou analógica do disposto no n.º 4 do artigo 690.º do citado Código, para as apresentar.

Impõe-se, assim, a anulação do acórdão da Relação e o reenvio do processo para conhecer das aludidas questões (cfr. artigos 85.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho de 1981 e 731.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a contrario), ficando, assim, prejudicada a apreciação do restante objecto dos recursos.

3. Decisão

Em face do exposto, acordam em, concedendo provimento ao recurso da ré, anular o acórdão recorrido, nos termos indicados, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas nesse recurso, bem como no recurso subordinado do autor. Custas pelo autor.

Lisboa, 16 de Outubro de 2002.

Mário José de Araújo Torres,

Vítor Manuel Pinto Ferreira Mesquita,

Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares.