PRISÃO SUBSTITUIDA POR MULTA
REVOGAÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO
PAGAMENTO DA MULTA
Sumário

Em nome da coerência interna do sistema, não é possível o cumprimento da pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão a todo o tempo, isto é, mesmo depois de declarado o retorno à primitiva pena de prisão.

Texto Integral

Recurso nº914/07.7PTPRT-A.P1.

*
Acordam em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I
1. Nos autos de processo comum nº 914/07.7PTPRT do 1º Juízo, 2ª secção dos Juízos Criminais do Porto, foi o arguido
B……….
Por sentença de 27 de Maio de 2008, já transitada em julgado, condenado na pena de 4 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, ou seja 120 dias de multa, à taxa diária de €4,00, num total de €480,00.
2. Por despacho judicial de 16.09.2009, foi determinado o cumprimento da pena de 4 meses de prisão, pelo arguido, ao abrigo do artigo 44º, nº 2, do CP, pelo facto de o mesmo não ter pago a multa voluntariamente, não ter justificado o não pagamento e não ser possível o pagamento coercivo.
3. Emitidos os mandados de captura, veio o arguido a ser detido para o cumprimento da pena.
Nesse mesmo dia foi requerido o pagamento da multa, o que veio a ser deferido e, consequentemente, paga que foi aquela, foi o arguido libertado tendo ainda sendo descontado na multa, o dia em que aquele foi e esteve detido.
4. Não se conformando com o teor deste despacho, dele recorre o Ministério Público, que formula as seguintes conclusões[1]:
4.1. Nos presentes autos o arguido foi condenado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p., pelas disposições conjugadas dos arts. 292º., nº. 1 e 69º., nº. 1, ambos do Cód. Penal, na pena de 4 meses de prisão substituída, nos termos do disposto no art. 44º., nº. 1, do Cód. Penal/95, por igual tempo de dias de multa, ou seja, 120 dias de multa, à taxa diária de 4€ e na pena de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 6 meses.
4.2. O arguido não procedeu ao pagamento da pena de multa pela qual a pena de prisão havia sido substituída.
4.3. O arguido notificado para vir esclarecer os motivos pelos quais não procedeu àquele pagamento nada veio dizer.
4.4. Revelou-se inviável a execução patrimonial.
4.5. Por despacho judicial devidamente transitado, foi determinado o cumprimento da pena de prisão originária.
4.6. O arguido foi detido e iniciou o cumprimento da pena de prisão em 22.01.2010.
4.7. No entanto, veio a ser libertado nesse mesmo dia 22.01.2010, após o pagamento da pena de multa pela qual a pena de prisão havia sido substituída.
4.8. O douto despacho recorrido que ordenou a libertação do arguido carece de fundamento legal e viola o disposto no art. 44º., do Cód. Penal.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogado douto despacho recorrido e, consequentemente, determinar-se que o arguido cumpra a pena de 4 meses de prisão em que foi condenado nestes autos, assim se fazendo JUSTIÇA!

4. O arguido não respondeu.
5. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto não tomou posição, limitando-se a colocar “visto”.
6. Foram os autos a vistos e realizou-se a conferência.
II
Tendo por base as conclusões do recorrente, a única questão a apreciar traduz-se em saber se após o despacho judicial, transitado em julgado, em que foi determinado o cumprimento da pena de prisão originária, o arguido ainda podia obstar àquele, pagando a respectiva multa ou, de outro modo, será o art. 49.º n.º 2 do CP também aplicável no caso de pena de multa de substituição?
III
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
O arguido foi condenado nestes autos na pena de 4 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, ou seja 120 dias de multa, à taxa diária de €4,00, num total de €480,00.

Declarada exequível a pena de prisão fixada e detido hoje o arguido para seu cumprimento, veio um familiar do mesmo requerer a emissão de guias para pagamento da pena de multa, encontrando-se neste momento depositado à ordem dos presentes autos o montante de €476 euros.
O M.P. teve vista nos autos e pronunciou-se pelo indeferimento do requerido.
Decidindo.
Ponderando que ao arguido foi aplicada uma pena curta de prisão a qual foi substituída por multa e, não obstante, a controvérsia instalada se o arguido a todo o tempo pode ou não obstar ao cumprimento da respectiva pena de prisão, pagando a multa, somos a entender, no seguimento do Ac. TRP de 04.03.09, in www.dgsi.pt/jtrp, relatado pelo Exmº Srº. Juiz Desembargador Melo Lima e proferido em situação idêntica ou similar à dos presentes autos, cujo entendimento se mostra mais favorável ao arguido e atenta a jurisprudência das cautelas, autorizar o pagamento do remanescente da pena de multa, no montante de €476,00, descontado já o dia de prisão hoje sofrido pelo arguido, correspondente a um dia de multa.
Comprovado que se mostra tal pagamento, determino a imediata passagem de mandados de libertação do arguido.
D.N.
Porto, d.s.
IV
Apreciando:
1. Começando pelo que em regra apenas só no final da apreciação seria normal e legítimo concluir, adiantamos já que, em nosso entender, assiste razão ao recorrente Ministério Público.
Aceita-se que o julgador em 1ª instância se tivesse apoiado na “jurisprudência das cautelas” e, fazendo-lhe “jus”, tenha autorizado o pagamento do remanescente da pena de multa, libertando o arguido.
Citando em defesa dessa sua posição/opção, jurisprudência deste Tribunal da Relação do Porto, o ac. de 04.03.09, publicado in www.dgsi.pt/jtrp, relatado pelo Exmº Juiz Desembargador Melo Lima.
Remando embora praticamente contra toda a jurisprudência conhecida, quer deste Tribunal, quer das Relações de Lisboa e Coimbra.
Mas onde são afirmadas “razões que se resumem na ideia de coerência interna do sistema”.
E explicita:
“Quando o Juiz condena em pena de prisão que substitui por multa fá-lo tanto no cumprimento do imperativo legal de que “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra não privativa da liberdade aplicável”, quanto na comprovação, no caso concreto, de que não se verifica a “necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”.
No pensamento do legislador a ideia há muito aceite pela comunidade jurídica internacional de que, na maioria dos casos, a pena curta de prisão causa mais dano do que benefício, em vez de prevenir favorece a prática de novos delitos. Pois que, a ser concretizada: no que será insuficiente para lograr conseguir uma execução ressocializadora do condenado, sobrará, por via do contacto com agentes de crimes graves, para o introduzir definitivamente no caminho do crime.
Esta ideia de subtracção às penas de prisão continua a ser defendida cada vez mais acentuadamente pelo legislador quando nomeadamente fala no interesse da “descarcerização”
Como entender, então, que estando o legislador ciente da total inconveniência da pena curta de prisão mantenha ainda esta quando o condenado ponha finalmente termo ao incumprimento?
Deixam, então, de valer a consideração da prisão como extrema ratio quanto o argumento do risco sério de dessocializar fortemente o condenado ao pô-lo em contacto com o ambiente deletério da prisão?
Com o devido respeito entende-se que uma resposta afirmativa além da ilogicidade intrínseca que traria para o sistema representaria uma violação dos princípios com fundamento constitucional da adequação, da necessidade, da razoabilidade.
As posições que opinam no sentido diverso ao exposto arrimam-se as mais das vezes nos ensinamentos de Figueiredo Dias extraídos de um artigo publicado a propósito da solução constante do artigo 44º/2 do projecto de 1991 de Revisão do Código Penal, revisão que viria a ocorrer com a publicação do DL 48/95 de 15 de Março.
Subscreve-se por inteiro a justeza da argumentação aí expendida, nomeadamente:
«… a regulamentação contida no artigo 43º 3 conduz a resultados inadmissíveis, Se o condenado não pagar a multa e não houver lugar a execução, nem a substituição por dias de trabalho, ele vai então cumprir prisão igual a 2/3 dos dias de multa em que foi condenado (art. 46º/3)! Quer dizer: o tribunal fixou a pena de prisão, v.g em 4 meses, substituiu-a por 120 dias de multa e, como “prémio” do incumprimento culposo da pena de substituição, o condenado acaba por cumprir apenas 3 meses de prisão! Uma tal solução já nada tem a ver com a consideração da prisão como extrema ratio, mas constitui um erro legislativo que acaba por pôr em causa a efectividade político-criminal da própria pena de substituição»
«Pode então perguntar-se em que consistiria, de iure condendo, a solução mais correcta para este problema. É perfeitamente aceitável, v.g. que a multa de substituição possa ser paga em prestações ou com outras facilidades; ou que, uma vez não paga sem culpa, se apliquem medidas de diversão da prisão – valendo aqui a analogia com a multa principal. Mas já se torna inaceitável que, uma vez não paga culposamente a multa de substituição, se não faça executar imediatamente a pena de prisão fixada na sentença. Por aparentemente contraditória que se antolhe a afirmação seguinte, é sem dúvida esta a solução mais favorável à luta contra a prisão, por ser a que oferece a consistência e a seriedade que se tornam indispensáveis à efectividade de todo o sistema das penas de substituição»
Com o devido respeito se se interpreta mal, a questão não teve a ver com um inexorável (sem retorno) cumprimento da pena primitiva de prisão mas com o inadequado sistema de pena sucedânea que, então, vigorava e acabava por premiar o inadimplente relapso.
Questão diferente é, saber, se tal como na situação de prisão em alternativa à multa é possível o cumprimento desta a todo o tempo, nomeadamente se, mesmo depois de declarado o retorno à primitiva pena de prisão é igualmente possível o pagamento da multa.
Ora, aqui, é pelas razões expostas da coerência do sistema que não se pode deixar de responder afirmativamente”.

2. Anotamos expressamente o respeito que nos merece esta posição, admitindo até a bondade da mesma numa correlação entre “cumprimento de penas curtas de prisão versus (des)ressocialização do condenado” mas é precisamente em nome da coerência interna do sistema que nós entendemos não ser já possível o pagamento da multa após a prolação do despacho em que se decide o cumprimento, pelo arguido, da pena de prisão inicialmente aplicada, desde que tenha transitado em julgado tal despacho.
Entendemos que deve ser assim, porque estamos exactamente perante duas situações ou duas penas de natureza diferente[2], em que o legislador, com a revisão do CP, em 1995, optou por aplicar regimes jurídicos também diferentes.

2.1. O regime inicial do Código Penal traduzia-se numa equiparação entre as duas situações, ou seja, quer quando a multa resultasse da substituição de uma pena de prisão quer quando resultasse da aplicação directa como pena principal, se não fosse paga, teria lugar a execução patrimonial e caso esta também não fosse possível nem houvesse substituição por dias de trabalho, seria cumprida uma pena de prisão – qualificada de pena alternativa -, que seria a correspondente a dois terços da pena de multa. Era o regime dos artigos 43º, 46º e 47º, do então Código Penal.
No fundo, era esta total equiparação, que motivou a crítica do Prof. Figueiredo Dias, já supra transcrita (parcialmente) a propósito dos fundamentos do ac. de 04.03.09, desta Relação do Porto[3].
2.2. Com a revisão de 1995, o legislador separou o tratamento jurídico das duas penas nas situações de incumprimento, mantendo um tronco comum quanto à sua similitude mas diferenciando o que deve ser efectivamente considerado diferente.
E assim o legislador, no artigo 44º do Código Penal - situação de substituição da pena de prisão por multa -, consagrou o cumprimento da pena de prisão inicial – no caso de a multa não ser paga, -, sem que esta seja reduzida a dois terços, como acontecia até então.
Por sua vez, enquanto que o regime anterior, ou seja, o artigo 43º, remetia para a aplicação ao não pagamento da multa resultante da substituição de pena de prisão, para os regimes dos artigos 46º e 47º, sem qualquer limitação, o artigo 44º passou a mandar aplicar apenas o disposto no nº 3 do artigo 49º - o equivalente grosso modo, ao anterior nº 4, do artigo 47º - referente às situações de não pagamento da multa não imputáveis ao condenado.
Este regime mantém-se actualmente no artigo 43º, do CP, com a redacção dada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro.
2.3. No que concretamente respeita à possibilidade de a multa ainda poder ser paga já depois de ordenado o cumprimento da pena de prisão inicial, situação objecto do recurso, a resposta passa necessariamente, como já se aflorou, pela apreciação da diferente natureza das penas em questão e o tratamento jurídico que o legislador definiu para cada uma delas.
Como afirma o Prof. Figueiredo Dias in RLJ Ano 125º, fls. 163 a 165, “ a pena de multa de substituição, aqui em consideração, não é a pena de multa principal regulada nos artigos 46º e 47º. Não o é, de um ponto de vista político-criminal, dadas a particular intencionalidade e a específica teleologia que lhe preside: se bem que uma e outra se nutram do mesmo terreno político-criminal - o da reacção geral contra as penas privativas da liberdade no seu conjunto - a multa de substituição é pensada como meio de obstar, até ao limite, à aplicação das penas curtas de prisão e constitui, assim, específico instrumento de domínio da pequena criminalidade, de sorte que esta diversidade é já por si bastante para conferir autonomia à pena de multa de substituição. Mas se as duas penas são diversas do ponto de vista político-criminal, são-no também (e em consequência) do ponto de vista dogmático: a pena de multa é uma pena principal mas a pena de multa agora em exame é uma pena de substituição no seu mais lídimo sentido. Diferença esta donde resultam (ou onde radicam) como de resto se esperaria, consequências político-jurídicas do maior relevo, maxime em termos de medida de cumprimento da pena”.

Diferenças apontadas igualmente no ac. da Relação de Lisboa de 6.10.2009, proferido no processo nº 7634/o4.2TDLSB-A.L1-5, consultável na base de dados do ITIJ, nestes termos:
“Mas não se pode esquecer que a pena principal a que o arguido foi condenado é, efectivamente, uma pena de prisão.
Uma pena de prisão substituída por multa e uma pena de multa convertida em prisão subsidiária, são penas de diferente natureza.
A primeira é privativa de liberdade, a segunda não.
Tal diferença de natureza acarreta muitas diferenças no seu regime de execução”.
2.4. Mas vejamos, no concreto, os dois diferentes regimes para cada uma das ditas penas, quer na parte comum, quer na parte divergente[4]:
Em ambas as situações:
- A multa só é exigível depois do trânsito em julgado da sentença – art. 489º, nº 1, do CPP.
- O prazo de pagamento é de 15 dias – nº 2 do mesmo preceito.
Neste prazo de pagamento, pode o condenado:
- Requerer o pagamento da multa em prestações – artigo 47º, nº 3, do CP e 489º, nº 3, do CPP.
- Requerer a substituição da multa por dias de trabalho – artigos 48º, do CP e 490º, do CPP.
Se a multa não for paga voluntariamente, ainda que em prestações e se não tiver sido substituída/cumprida por dias de trabalho, segue-se a execução patrimonial correspondente ao pagamento coercivo – artigo 491º, do CPP[5].
E pode ainda o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável requerendo, assim que se suspenda, por esta via e fundamento, a execução da prisão principal - art. 49º nº 3 do Código Penal, aplicável por força do artigo 43º, nº 2, in fine, do mesmo diploma.
2.5. A partir daqui, ou seja, a partir do não pagamento da multa[6], as situações divergem, passam a ter regimes diferentes.
Quanto à pena de multa aplicada como pena principal, o regime continua o mesmo até então, ou seja, o condenado cumpre a pena de prisão subsidiária, correspondente a dois terços da dita pena de multa – artigo 49º, nº 1, do CP.
No entanto, pode o condenado, a todo o tempo, evitar a execução desta pena de prisão subsidiária, pagando no todo ou em parte, a multa aplicada – nº 2, do mesmo artigo 49º.
Quanto à pena de multa aplicada como substitutiva da pena de prisão, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença[7] – artigo 43º, nº 2, do CP.
Mas não pode, contrariamente ao que acontecia, pagar aquela multa a todo o tempo e fazer cessar a execução da pena de prisão. O mesmo é dizer que lhe não é aplicável o regime do artigo 49º, nº 2, do CP.
Na verdade, a remissão do artigo 43º, nº 2, do CP é bem expressa e restrita ao disposto no artigo 49º, nº 3, daquele diploma.
Com certeza que, se o legislador também pretendesse a aplicação do disposto no nº 2, tê-lo-ia dito expressamente.
Não o fez porque com a dita alteração, pretendeu efectivamente distinguir os dois regimes porque de penas de natureza diferente se trata.
Os motivos que justificam que se possa evitar a todo o tempo a execução de uma pena de prisão subsidiária, inexistem na execução da pena de prisão originária, quando esta foi substituída por multa.
Na pena de multa principal, o cumprimento de pena de prisão subsidiária é o último reduto ou a última possibilidade para que o condenado cumpra uma pena. E ao cumpri-la, está a cumprir uma pena de natureza bem diferente da aplicada inicialmente na sentença, sendo mais gravosa.
As razões que justificam e fundamentam a substituição de uma pena curta de prisão por uma pena de multa, com maior acuidade se fazem sentir quando se chega ao extremo de impor ao condenado uma pena de prisão quando este tinha sido condenado apenas numa pena de multa.
Se quando se aplicou a pena de multa se pretendeu evitar qualquer pena de prisão, essas razões mantêm-se. Daí a faculdade dada ao condenado de fazer cessar a todo o tempo, a pena de prisão, que é apenas subsidiária, pagando a respectiva multa, que no fundo é a pena principal.
Ora, na situação dos autos, passa-se exactamente o contrário. Foi aplicada como pena principal uma pena de prisão. Mas dado tratar-se de uma pena curta de prisão, será sempre de evitar a execução desta, a não ser que razões ponderosas, de necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, o exijam[8].
Daí a opção legislativa da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano – art. 43º, nº 1, do CP -, por pena de multa.
Mas, claro, esta opção e esta substituição da pena de prisão, tem que ter um limite.
Este limite foi definido no próprio texto do artigo 43º, nº 2, ao dizer que o condenado cumpre a pena de prisão inicialmente aplicada se não pagar a multa.
Apesar da primeira opção legislativa ser o não cumprimento da pena de prisão pelo condenado, não é, no entanto, de todo afastada: esta possibilidade ressurge em caso de não pagamento da multa.
E compreende-se que assim seja: a aposta, a oportunidade dada ao condenado de se reinserir, de se comportar conforme o direito, de justificar que efectivamente seria um erro cumprir uma pena de prisão, não passa de uma miragem do julgador, de pura fantasia, uma frustração. Quando é certo que o condenado tem ao seu alcance várias possibilidades para obstar à execução da pena de prisão aplicada, já supra discriminadas.
E a irracionalidade e inoportunidade do cumprimento de uma pena de prisão subsidiária a uma pena principal de multa não paga, não se colocam neste caso, em que a pena principal aplicada é mesmo a de prisão.
Por outro lado, se em vez de uma substituição da pena de prisão por uma pena de multa tivesse sido suspensa a execução da própria pena de prisão e se por qualquer motivo esta viesse a ser revogada, é impensável afirmar que, porventura no início do cumprimento ou a meio deste, vir pretender que a execução se suspenda porque entretanto o condenado cumpriu a eventual condição para a suspensão e cujo eventual não cumprimento determinou a revogação da suspensão!

São estes, no essencial, os fundamentos que nos levam a não admitir a aplicação do disposto no artigo 49º, nº 2, do CP ao presente caso.
O que significa que não deveria ter sido admitido o pagamento da multa no tempo e nos termos em que o foi, suspendendo a execução da pena de prisão que entretanto se iniciara na sequência do despacho supra transcrito, já transitado em julgado.
Com já se anotou, o condenado tinha ao seu alcance vários meios para obstar à execução da pena de prisão, incluindo o recurso do despacho que a ordenou. Usou o expediente que, em nosso entender, não é legalmente admissível, na fase em que o faz.
Como se decidiu em ac. do TRLx de 15.3.2007, proferido no processo nº 1564/07-5, consultável em www.dgsi.pt/jtrl, “a partir do momento em que o tribunal…ordena a execução da prisão directamente imposta, a multa de substituição desaparece, pura e simplesmente. Deixa aquela multa de existir. Não há em simultâneo duas penas - prisão e multa - que o arguido possa cumprir, em alternativa, segundo a sua livre opção”.
V
Decisão
Por todo o exposto, decide-se:
Conceder provimento ao recurso do Ministério Público e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido proferido em 21.1.2010, supra transcrito, em que autorizou o pagamento do remanescente da pena de multa e determina-se a sua substituição por outro que ordene o cumprimento da pena originária de quatro meses de prisão, pelo tempo ainda por cumprir.

Sem custas.

Porto, 26.1.2011
Luís Augusto Teixeira
Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição
___________________
[1] A intercalação do tipo de letra das conclusões, justifica-se pelo teor do suporte informático remetido a este Tribunal pela 1ª instância.
[2] Num caso, a pena de multa é substitutiva de uma pena de prisão, no outro a pena de multa é aplicada como pena principal.
[3] Podendo ver-se mais desenvolvimentos desta posição e estudo da questão em Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, fls. 368 e seguintes e RLJ Ano 125º, fls. 163 a 165 e 201 a 206.
[4] Resultante da conjugação do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, 47º, 48º e 49, do CP e 489º a 491º, do CPP.
[5] Neste aspecto, não vamos tão longe como decidido no ac. da Relação de Lisboa de 6.10.2009, supra citado, em que afirma não ser possível o recurso ao pagamento coercivo da pena de multa substitutiva da pena de prisão, passando-se logo, na falta de pagamento voluntario, ao cumprimento da pena de prisão aplicada.
Diz-se no acórdão:
“Relativamente à pena de prisão substituída por multa não está previsto o pagamento coercivo da pena de multa substitutiva – art.º 43 n.º1 do Código Penal; na situação de pena de multa a obtenção deste pagamento coercivo está previsto – art.º 49º n.º1 do Código Penal”.
Entendemos que não pode fazer-se uma interpretação tão restritiva do disposto no artigo 43º, nº 2, do CP.
O preceito apenas diz “se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença”.
Ora, a multa pode ser paga voluntariamente no prazo legal de 15 dias, pode ser paga em prestações, nos termos e no prazo do artigo nºs 3 e 4 do CP, pode ser substituída por dias de trabalho, nos termos do artigo 48º, do CP e 490º, nº 1, do CPP e pode ser paga coercivamente, se forem conhecidos bens ao condenado, através da execução para o efeito.
São quatro formas diferentes mas todas legais e admissíveis de pagamento da multa.
Logo, não pode, de modo algum, restringir-se ao pagamento voluntário, a referência do artigo 43º, nº 2, do CP.
[6] Ou da sua substituição por dias de trabalho e ainda quando não foi alegado o disposto no artigo 49º, nº 3, do CP.
[7] Foi esta uma das alterações operadas com a revisão de 1995, ao CP e que se mantém, conforme já anotado.
[8] Que correspondem às situações do designado efeito sharp-short-shock – única forma de convencer o agente da gravidade do crime praticado e mesmo de estabilizar as expectativas comunitárias na manutenção da validade da norma infringida – V Figueiredo Dias, RLJ, Ano 125º, fls. 164.