FURTO
ABUSO DE CONFIANÇA
RESTITUIÇÃO
REPARAÇÃO DO PREJUÍZO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Sumário

1 - Se a restituição da coisa furtada ou ilegitimamente apropriada ou a reparação do prejuízo forem parciais - e suposto que se verifiquem os restantes pressupostos contidos no art. 206, nº 1, do Código Penal - a atenuação especial da pena cabe na discricionariedade do juiz, constituindo para este um poder-dever. O que significa que o juiz atenuará especialmente a pena se se provar que, apesar do carácter somente parcial da restituição - onde cabe não só o restituir apenas uma parte da coisa, como também, por analogia in bonam partem, o restituir a coisa inteira mas que perdeu algumas das suas qualidades ou as suas aptidões de uso - ou da reparação, estas ocorrem em circunstâncias tais que, considerada a imagem global do facto, diminuem de forma acentuada, nos termos do artº 73, nº 1, do C.P., a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

2 - Na redacção anterior a 1995, o citado artigo 206º explicitava que a restituição relevante ou a reparação tinham de ser feitas pelo agente. Não obstante a actual redacção omitir aquela explicitação, é indiscutível que - face aos fundamentos político-criminais do instituto, nomeadamente, a prevenção e necessidade da pena - a restituição ou reparação não podem deixar de ser da iniciativa do agente, por mais facticamente condicionada que tenha sido. Mas, tal não impede que a materialidade da entrega ou restituição sejam da autoria de terceiro, até porque, em muitos casos, como quando, v.g., está em prisão preventiva, o arguido estará praticamente impossibilitado de o fazer pessoalmente. Naquela iniciativa do agente residirá o fundamento para um olhar compreensivo da menor ilicitude ou necessidade da pena, ante o que se apresenta como um sinal de boa vontade do agente a revelar, ao menos, vontade de retomar o caminho da legalidade protegida.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. O Magistrado do MP requereu o julgamento, em processo comum e com a intervenção do tribunal colectivo de A, devidamente identificado, imputando-lhe a prática de factos susceptíveis de integrar, em autoria material e em concurso real:
- 1 crime de burla para a obtenção de serviços, p. e p. pelo artigo 220 n. 1 alínea b) do Código Penal (I);
- 7 crimes de furto, pp. e pp. pelo artigo 203°/1 do Código Penal, sendo um deles na forma continuada; (II, III, IV- continuado -, V, VI, XI, XIV);
- 1 crime de burla informática, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30 n. 2 e 221 n. 1 do Código Penal (II); - 2 crimes de furto, pp. e pp. pelas disposições conjugadas dos artigos 202° alínea c), 203 n. 1 e 204 n. 1 alínea f) e 4 do Código Penal (VII, X);
- 1 crime de furto, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos "--" 202° alínea c), 203 n. 1 e 204 n. 2 alínea e) e 4, do Código Penal (XII);
- 4 crimes de falsificação de documento, pp. e pp. pelo artigo 256 n. 1 alínea a) e 3 do Código Penal (VIII e X);
- 3 crimes de burla, pp. e pp. pelo artigo 217 n. 1 do Código Penal (VIII, X);
- 3 crimes de furto qualificado, pp. e pp. pelas disposições conjugadas dos artigos 202° alínea f) 11,203 n. 1 e 204 n. 2 alínea e) do Código Penal (VI, XI, XIII);
- 1 crime de furto qualificado, p. e p .pelas disposições conjugadas dos artigos 203 n. 1 e 204 n. 1 alínea f) do Código Penal (IX);
- 2 crimes de furto qualificado, na forma continuada, pp. e pp. pelas disposições conjugadas dos arts. 30 n. 2, 203 n. 1 e 204 n. 1 alínea f) do Código Penal (IV) e,
- 1 crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190 n. 3, com referência ao n.º 1, do Código Penal. (XIV) - B, deduziu pedido de indemnização cível pretendendo haver do arguido a 12000 pesetas e o valor do cheque de 5.000$00, mas a instância referente a tal pedido veio a ser julgada extinta por inutilidade superveniente.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, na procedência parcial da acusação, além do mais foi decidido:
1. absolver o arguido da prática dos factos integradores dos tipos legais de crime de falsificação, previstos e punidos pelo artigo 256°/1 a) e 3 C penal, referentes à Papelaria do Amieiro e relativamente ao cheque do B;
2. julgar procedente por provada, depois das operadas convolações e condenar, enquanto autor material, na forma consumada, em concurso real, o arguido, pela prática:
2. 1. de um crime de furto qualificado, na forma continuada, na Sé Catedral, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 203 n. 1 e 204 n. 1 e) C Penal, na pena de 10 meses de prisão;
2. 2. de um crime de furto simples, em que é ofendido C, p. e p. pelo artigo 203 n. 1 do C Penal, na pena de 8 meses de prisão;
2. 3. de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 202° alínea f) II, 203 n. 1 e 204 n. 2 e) C Penal, em que é ofendido D, na pena de 2 anos e 1 mês de prisão;
2. 4. de dois crimes de falsificação de cheque, previstos e punidos pelo artigo 256 n. 1 a) e 3 C Penal, na pena de 8 meses de prisão, por cada um deles;
2. 5. de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203 n. 1 e 204 n. 1 f) C Penal, em que é ofendido E, na pena de 16 meses de prisão;
2. 6. de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 202° alínea f) II, 203 n. 1 e 204 n. 2 e) C Penal, em que é ofendido F, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão;
2. 7. de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 202° alínea f) II, 203 n. 1 e 204 n. 2 e) C Penal, em que é ofendido G, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão;
2. 8. de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203°/1 C Penal, em que é ofendido H, na pena de 4 meses de prisão e,
2. 9. de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190°71 e 3 C Penal, na pena de 1 ano de prisão.
Operando o cúmulo jurídico destas penas, nos termos do art.º 77° do C Penal, condenar o arguido na pena única de 4 anos de prisão.

Inconformado, recorre o condenado a este Supremo Tribunal balizando com estas afirmações conclusivas o âmbito do seu inconformismo:

1°- Há errónea aplicação do direito;
A) O arguido procedeu ao pagamento de indemnizações á quase totalidade dos ofendidos, acto este demonstrativo de sincero arrependimento.
B) O pagamento das indemnizações efectuado pelo irmão do arguido traduz-se no fundo num pagamento feito pelo próprio arguido que, impossibilitado de ele próprio efectuar esses pagamentos, deferiu no irmão tal tarefa, sendo certo que mais tarde terá que proceder á devolução das quantias adiantadas por este.
C) Pelo que não se pode afirmar que as indemnizações efectuadas decorreram à margem ou contra a vontade do arguido.
D) A conduta do arguido reconduz-se à situação prevista no art. 206 do C.P. pelo que tal norma deveria ter sido accionada, sendo que a mesma é de aplicação obrigatória.
E) Pelo que a pena deveria ter sido especialmente atenuada nos termos do art. 206 do C.P. aplicando-se ao arguido uma pena de prisão igual ao limite mínimo legal ( art. 73 n.º 1 -b do C.P.).

Sem prescindir,
2° Medida da pena;
F) O arguido é primário,
G) Confessou os factos pelos quais vinha acusado, com relevo para a descoberta da verdade material,
H) Possuía à data dos factos 21 anos de idade,
I) Não possui antecedentes criminais,
J) Os valores furtados são de valor médio ou diminuto,
L) Não existe qualquer ligação entre os actos praticados e uma possível dependência do consumo de produtos estupefacientes, pelo que a ressocialização do jovem parece facilitada.
M) A submissão do arguido a pena efectiva de prisão podia fazer perigar todo o processo de reintegração social, pelo que a mesma pena deveria ser substituída por um pena suspensa na sua execução.
N) Por todas estas razões circunstanciais provadas havia fundamento para se ter fixado uma pena não superior a três anos suspensa na sua execução, de acordo com o preceituado nos art. 50, 70,71,72 e 73 todos do C. Penal.
O) A suspensão da execução da pena é um meio sócio-pedagógico activo, porquanto estimula o arguido para que seja ele mesmo a reintegrar-se na sociedade.
P) Assim, o arguido não pede a absolvição, atendendo á verdade provada, mas pede:
- A imposição de uma pena especialmente atenuada cujo limite máximo não ultrapasse os três anos de prisão;
- A suspensão da mesma pena atendendo aos factos alegados
3° A decisão recorrida violou e/ou aplicou erradamente o preceituado nos art. 206, 50,70,71,72 e 73 todos do C.P.
4° Pelo que, deve ser revogada, nos termos sobreditos.

Respondeu o MP junto do tribunal recorrido, defendendo o julgado.
Subidos os autos, manifestou-se o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto que, não abdicando, legitimamente, da sua ulterior tomada de posição em alegações orais, numa atitude de real colaboração, adiantou o sentido do seu posicionamento quanto à interpretação do artigo 206.º do Código Penal, que, em seu parecer, depois da Revisão de 1995, «não exige que a restituição ou reparação tenham de ser efectuadas pelo próprio agente».

A questão a decidir centra-se na espécie e medida da pena, que o recorrente entende dever ser especialmente atenuada, considerando no caso o valor a atribuir às indemnizações efectuadas pelo irmão e o disposto no artigo 206.º do Código Penal.
E, em qualquer caso, deve a mesma ser fixada em limite não superior a três anos de prisão, substituída por pena suspensa.

2. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.

Factos provados:
A) Em data situada em finais do ano de 2001, mas sempre antes de 27 de Novembro, no interior da Sé Catedral de Castelo Branco, o arguido, munido de uma chave de fendas, forçou as caixas de esmolas aí existente, logrando abri-las dessa forma.
Do interior das mesmas, retirou as moedas e notas aí existentes, que constituíam oferta à Paróquia por parte dos fiéis, e abandonou depois o local, levando o dinheiro consigo.
Durante, pelo menos, mais duas vezes, depois dos factos atrás descritos, o arguido dirigiu-se à Sé Catedral e, das caixas de esmolas aludidas, retirou e apropriou-se do dinheiro que lá se encontrava, forçando sempre a abertura daquelas com uma chave de fendas.
Apropriou-se o arguido, na sequência dessa conduta, da quantia de pelo menos 75000$00.
De cada vez que lá se deslocou para subtrair dinheiro apropriou-se sempre de quantia superior a € 79,81.
Apropriou-se ainda, de dentro da sacristia, de um molho de chaves.
B) No dia 7 de Novembro de 2001, cerca das 12. 30 horas, na Rua Conselheiro Albuquerque, em Castelo Branco, verificando que o veículo automóvel de matrícula MF, propriedade de C, se encontrava com as portas destrancadas, o arguido tomou a resolução de se apropriar de uma bolsa a tiracolo que se encontrava dentro do mesmo.
Para tanto, abriu uma das portas do veículo e retirou do seu interior a aludida bolsa, marca "Lacoste", a qual continha no seu interior livros de facturas, a carta de condução, um cartão de I.N.O.P., um caderno de apontamentos, uma calculadora, duas canetas e um x-ato, tudo pertencente àquele e com valor pecuniário de cerca de 90.000$00.
Na posse de tais bens, abandonou o local, levando-os consigo.
A carta de condução, a bolsa de tiracolo, ainda que escrita e a calculadora foram apreendidas ao arguido por elementos da Polícia de Segurança Pública desta cidade, no dia 12 do mesmo mês.
C) Na noite de 7 para 8 de Novembro de 2001, com as chaves, de que previamente se havia apropriado, em seu poder, dirigiu-se à porta do estabelecimento comercial denominado "..........", propriedade de D, situado na Rua Ruivo Godinho em Castelo Branco, tendo aberto a porta com uma das chaves subtraídas e introduziu-se por aí dentro do estabelecimento.
Uma vez no interior, abriu a caixa registadora, pressionando para o efeito uma tecla da mesma, e retirou do interior desta, moedas e notas do Banco de Portugal, no montante de cerca de €74,82, tendo-se ainda apropriado no interior do estabelecimento de diversos maços de tabaco, de valor não apurado.
Na posse de tais bens, abandonou o local, levando-os consigo. As chaves e oito maços de tabaco foram apreendidas ao arguido por elementos da Polícia de Segurança Pública desta cidade, no dia 12 do mesmo mês, e entregues ao ofendido.
D) No dia 16 de Novembro de 2001, o arguido preencheu o impresso de cheque n° 5820118139, de que previamente se apropriara, pertencente a I, colocando nele, no local reservado à assinatura, com o seu próprio punho, o nome "I", datou-o de 2001.11.16, e inscreveu nele, por extenso e em numerário, a quantia de 30.000$00, correspondendo hoje a €149,64.
O cheque assim preenchido entregou-o depois, nesse mesmo dia, cerca das 19.30 horas, no interior do café Convívio, em Castelo Branco, a J, para amortizar uma dívida que tinha para com este, no montante de cerca de 100.000$00, referente a empréstimos de dinheiro que este lhe fizera anteriormente.
- No momento em que entregou o cheque, o arguido solicitou ao J que lhe emprestasse 10.000$00, invocando que não tinha dinheiro com ele e que o cheque correspondia a um adiantamento efectuado pelo seu patrão, ao que ele acedeu, entregando-lhe a quantia pedida.
Apresentado o cheque a pagamento na agência do Banco Totta & Açores de Castelo Branco, foi a quantia nele indicada, descontada na conta do ofendido I e entregue a J.
Tal quantia foi depois restituída por este à aludida instituição bancária depois de ter sido contactado para o efeito por um funcionário bancário desta, por se ter apurado que o cheque fora subtraído e falsificada a assinatura do titular da conta.
E) No dia 19 de Novembro de 2001, no estabelecimento comercial denominado ".....", sito na Rua Sidónio Pais, em Castelo Branco, propriedade de L, o arguido adquiriu um par de botas pretas, uma camisola de gola alta preta e um par de calças cinzentas, tudo da marca "Levis", pelo preço de €220,22.
Para pagamento das referidas peças de vestuário, preencheu aí o impresso de cheque n° 2220118143 que subtraíra ao ofendido I, colocando nele, no local reservado à assinatura, com o seu próprio punho, o nome "I", datou-o de 2001.11.23, e inscreveu nele, por extenso e em numerário, a quantia de 44.150$00, correspondendo hoje a € 220,22, entregando-o depois a L.
Previamente, o arguido solicitara a este que aceitasse o cheque com data do dia 23, alegando que trabalhava na "Cablesa" e só recebia nesse dia.
Fez ainda crer ao mesmo que era a pessoa titular da conta a que pertencia o cheque.
Apresentado o cheque a pagamento numa instituição bancária desta cidade, foi o mesmo devolvido na Compensação do Banco de Portugal, no dia 28 de Novembro de 2001, com a menção aposta no seu verso de "cheque revogado por justa causa - roubo".
Apresentado a pagamento no Banco Totta & Açores desta cidade, o cheque n.º 2920118153, com o valor de €24,94, datado de 2001.11.21, do mesmo I, por M, foi o mesmo devolvido com a menção aposta no seu verso de "cheque roubado".
F) Em momento situado entre 21 de Dezembro de 2001 e 5 de Janeiro de 2002, altura em que residia num quarto da residência que recebe hóspedes, situada na Rua ..........., em Castelo Branco, o arguido - bem sabendo que E, aí também residente num dos quartos, se encontrava ausente, de férias, tomou a resolução de se introduzir dentro do quarto deste e se apropriar de algo que lá encontrasse e que lhe interessasse.
Para tanto, abriu a porta do quarto daquele, aí se introduzindo.
Uma vez aí, apropriou-se dos seguintes bens pertencentes ao E:
- um casaco em cabedal de cor castanha, marca "Vera Pelle", em estado de novo, no valor de €149,64;
- um par de chinelos, no valor de € 4,99;
- um cabo extensão eléctrico próprio para máquina de barbear, no valor de €9.98;
- um relógio de pulso de marca "Shark", no valor de €24.94;
- uma camisola de lã, de cor cinzenta, de marca "Jackerton", no valor de €14,96;
- uma camisola de cor amarela de marca "Melka", no valor de €19,95 e,
- diversas moedas no valor de cerca de 15.000$00.
Sabia o arguido que tais bens não lhe pertenciam e que não tinha autorização do ofendido para entrar no aludido quarto e que tal era contrário à sua vontade.
À excepção das moedas, todos os objectos foram recuperados pelo seu proprietário, graças à intervenção de agentes da P.S.P .
G) Cerca da 1 hora da madrugada do dia 21 de Janeiro de 2002, depois de previamente se haver apropriado de um casaco, com vários documentos e com as chaves do restaurante "..... 2", sito na Rua Ruivo Godinho, pertencente a F, introduziu-se dentro do mesmo, depois de ter aberto a porta com aquela chave.
Uma vez aí, apropriou-se de CD's de música de autores diversos, em número aproximado de 11, no valor de cerca de € 246, de €30 em moedas, bem como ainda consumiu uma taça de arroz doce e um doce da casa, no valor de €1,50.

O casaco, a carta de condução, o bilhete de identidade e 11 CD's foram apreendidos ao arguido por elementos da Polícia de Segurança Pública desta cidade e entregues ao ofendido.
H) No dia 4 de Fevereiro de 2002, cerca das 2 horas da madrugada, o arguido introduziu-se no interior do estabelecimento comercial denominado ".....", sito na Rua das Olarias, n° ..., em Castelo Branco, propriedade de G, tendo para o efeito aberto a porta do estabelecimento com uma chave que trazia consigo e que não pertencia à aludida porta.
Uma vez lá dentro, apropriou-se de 20 credifones, de 50 impulsos, no valor total de €60 e notas e moedas em escudos e em Euros, no montante de €140, que se encontravam dentro de uma lata de coca cola e de um saco de plástico transparente.
Desses bens foram apreendidos pela Policia de Segurança Pública, 8 credifones, 37, 79 e 11.060$00 em moedas.
I) Em data situada num dos primeiros dias do mês de Fevereiro de 2002, verificando que a residência sita no Lote ... da Quinta Pires Marques, em Castelo Branco, propriedade de H, se encontrava desabitada, o arguido decidiu introduzir-se dentro da mesma.
Para o efeito, com o auxílio da chave de fendas descrita e examinada a fls. 329, forçou a persiana de madeira de uma janela lateral do rés-do-chão, situada acerca de 1 metro do solo e depois de a abrir, introduziu-se por aí dentro da habitação.
Uma vez na habitação, na qual permaneceu pelo menos três dias, o arguido utilizou o mobiliário lá existente e serviu-se da água quente e fria, do gás, da electricidade, do aquecimento, da loiça, da televisão, dos lençóis e toalhas, bem como ainda consumiu conservas, bolos, chocolates, frutas secas, batatas, cebolas, vinho e água engarrafada, tudo bens pertencentes ao ofendido e que se encontravam na habitação.
O proprietário trabalha em França.

O arguido não tinha autorização do ofendido para entrar e permanecer na referida habitação e sabia que a sua conduta era contrária à vontade daquele.
Ao preencher os cheques mencionados, nos termos descritos, o arguido agiu com o propósito de alcançar para si um beneficio que lhe não era devido.
Causou, por sua vez, prejuízo patrimonial aos portadores de tais títulos ou aos titulares das respectivas contas bancárias, ficando o arguido, por sua vez, patrimonialmente beneficiado no quantitativo correspondente ao montante inscrito em cada um dos cheques.
Fez sempre crer que era portador legítimo dos cheques.
Apropriou-se do dinheiro e dos bens atrás mencionados, tudo fazendo seu e integrando no seu património, não obstante saber que esse dinheiro e bens lhe não pertenciam e que actuava sem o consentimento e contra a vontade dos respectivos donos.
Agiu em tudo de forma livre, voluntária e consciente. Sabia que todas as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
O arguido confessou os factos acima descritos, de forma livre e espontânea, com excepção dos factos referentes ao ofendido C, com algum relevo para a descoberta da verdade, sendo certo que não existem testemunhas presenciais dos furtos, se bem que a esmagadora maioria dos bens furtados, tenham sido, depois encontrados na sua posse, sem qualquer justificação que o ilibasse.
O arguido é órfão de mãe desde tenra idade, tendo sido criado pela madrinha de baptismo.
Durante cerca de 7 anos esteve no Lar de S. Fiel, o que ocorreu entre os 12 e os 19 anos de idade.
Foi acólito na Sé Catedral de Castelo Branco durante cerca de 6,7 anos.
Saiu do Lar, quando o mesmo foi encerrado, tendo ido viver durante algum tempo para casa de um irmão.
Ao fim de algum tempo, abandonou a casa do irmão. Teve várias colocações profissionais ocasionais.
Entretanto, vendeu, alguns bens que possuía, o que foi suficiente para indemnizar, um dos ofendidos, tendo o irmão, logrado indemnizar os restantes, contando exigir ao arguido que o reembolse das quantias que assim despendeu.
Apenas não indemnizou a Igreja, o C, o E, este apenas quanto ao dinheiro subtraído e o proprietário da casa onde fixou residência durante cerca de 3 dias.
O arguido não tem antecedentes criminais.

Factos não provados
Nada mais se provou e de entre os factos pertinentes e idóneos, da acusação pública, na parte ainda subsistente, resultaram improvados os seguintes:
que tenha furtado por cerca de 6 ocasiões na Sé Catedral e sempre ao Domingo;
que daqui se tenha apropriado de aproximadamente €997,60;
que tenha furtado na Igreja de S. Tiago, por cerca de 10 vezes e num lapso de tempo correspondente a 2 meses;
que daqui se tenha apropriado de cerca de €748;
que se tenha apropriado do cartão de contribuinte de C;
que se tenha apropriado de uma casinha de adorno, de uma lanterna de 2 cargas e que os maços de tabaco furtados, tudo, no ".....", tivessem o valor de €49,88;
que o arguido tenha preenchido, com o seu punho qualquer cheque entregue na Papelaria do Amieiro; que o quarto do E estivesse fechado à chave; que o arguido para ali entrar tenha utilizado a chave do seu próprio quarto;
que o arguido tenha preenchido com o seu punho o cheque do B;
que o tenha entregue depois num estabelecimento comercial, fazendo crer que era o seu legítimo portador, recebendo a quantia nele inscrita;

À matéria de facto não foram assacados vícios que a invalidem, mormente os referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nem o Supremo Tribunal nela os vislumbra, motivo por que se tem como definitiva.
E também a subsunção jurídica dos mesmos factos não vem questionada nem este Supremo Tribunal vê motivo para o fazer.
A questão central do recurso, como ficou já dito, gira à volta da questão da atenuação especial da pena, ex vi artigo 206.º do Código Penal.
Quanto a este concreto ponto discorreu o tribunal recorrido:
«Dado que alguns ofendidos receberam parte dos bens subtraídos e outros foram indemnizados antes do início da audiência, poder-se-ia agora colocar a questão da atenuação especial da pena, mecanismo previsto no art.º 206° C Penal, consagrando o no, 1 a verificação daquela circunstância modificativa atenuante, em termos obrigatórios, no caso da reparação ou restituição serem totais e consagrando o no, 2, no caso da restituição ou reparação parciais, a atenuação especial, em termos facultativos.
Cremos, no entanto, que não será caso disso.
A polémica desencadeada, com a revisão do Cód. Penal de 1982, onde a situação estava prevista no art.º. 301° e o seu novo enquadramento no referido art.º. 206°, pode ser patenteada, com as seguintes decisões do ST J:
ac. ST J de 10-12-1998, no processo n. 1133/98-3 Secção, em que foi relator o Sr. Conselheiro Oliveira Guimarães:
a restituição ou reparação de que fala o art.º 206, do CP, não podem ser identificadas, jurídico-conceitualmente, com a apreensão das coisas subtraídas ou ilegitimamente apropriadas, ou com a sua recuperação, exigindo antes, uma acção espontânea e voluntária do agente no sentido de restituir ou reparar, espontaneidade e voluntariedade essas que são de exigir a quem quer que eventualmente providencie por tal restituição ou reparação, já que o art. 206, na secura da redacção utilizada, parece admitir que possa ser efectivada por outrem, que não pelo próprio agente do crime;

ac. STJ de 15-01-1998, no processo n. 942/97-3 Secção, em que foi relator o Sr. Conselheiro Oliveira Guimarães:
a restituição ou reparação efectuadas por outrem (ou logradas através da actividade ou iniciativa de outrem) que não o agente), não podem valer por si sós, para levarem à atenuação especial, por muito que isso pareça derivar, numa perspectiva literal, do texto do actual n.o 1, do art. 206, do CP, em cotejo com o art. 301, n.o 1, do CP de 82.
A atenuação que este mencionado art. 206 impõe há-de resultar de factos que inequivocamente exprimam (ou onde claramente se expresse) um sentimento espontâneo, livre e não pressionado (ou determinado por incentivos ou condicionalismo exógenos) de restituição ou reparação, uma vez que apenas esse se pode compatibilizar com a diminuição por forma acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena;

ac. ST J de 20-01-1998, no processo n. 1091/97-3 Secção, em que foi relator o Sr. Conselheiro Mota e Costa:
a entrega a que se refere o citado art. 206 do CP é uma entrega voluntária, traduzindo esse acto num menor grau de culpa pelo reconhecimento do mal praticado,
ac. ST J de 06-05-1998, no processo n. 159/98-3 Secção, em que foi relator o Sr. Conselheiro Joaquim Dias:
no regime do CP/82, quando o objecto do furto fosse restituído pelo agente, sem dano ilegítimo de terceiro, antes de instaurado o procedimento criminal, os limites da pena eram reduzidos a metade (art. 301).
Aquela atenuante, além do fundamento utilitário, realçava sobretudo, através da reparação espontânea pelo agente, a mitigação da culpa e a diminuição das exigências de prevenção especial.
A supressão da expressão «pelo agente», no actual art. 206, do CP (redacção de 1995), só pode significar que aquela atenuante deixou de ter por fundamento necessário a diminuição da culpa do agente e das exigências de prevenção especial, sendo, portanto, razões de prevenção geral, atinentes à ilicitude 8 do facto, que agora a fundamentam.
Donde se conclui que, para o funcionamento da aludida atenuante é suficiente o facto objectivo da restituição ou reparação integral do dano, até ao início do julgamento em primeira instância.
A autoria da restituição ou da reparação - se provém do agente do crime ou de outrem - só releva num aspecto: no primeiro caso, a atenuante indicia uma diminuição da culpa (atenuante de carácter geral) e da ilicitude; no segundo caso, apenas diminuição da ilicitude do facto
Assim, com excepção desta última decisão, as primeiras, com cujos fundamentos, com a devida vénia concordamos e vimos seguindo, interpretam a norma contida no actual art. 206 do C Penal, no sentido de que o facto de não ter sido o arguido a reparar o mal do crime, como aconteceu no caso, tendo sido o irmão, nem a restituição, também parcial, ter resultado de qualquer acto voluntário do mesmo arguido, antes resultou da apreensão pelas autoridades policiais, não estão verificados os pressupostos que fazem desencadear a aplicação da norma contida no art. 206.
Nada impedindo, naturalmente, que o tratamento da situação em concreto, reparação através do irmão do arguido, operando, naturalme nte, uma diminuição da gravidade das consequências do facto danoso, releve para afixação da medida da pena, de que adiante se tratará, em quantum de menor dimensão, mas sem possibilidade de provocar a atenuação especial da pena, na falta, designadamente, da prova do arrependimento, consubstanciada no acto voluntário e espontâneo por parte do arguido, o que importa a falta de verificação de diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena ou que se venha a julgar pertinente a atenuação especial, prevista, nos termos gerais no art. 72 C Penal.»
Se a restituição da coisa ou a reparação do prejuízo forem parciais, - e suposto que se verifiquem os restantes pressupostos contidos no artigo 206, n. 1 - a atenuação especial da pena cabe na discricionariedade vinculada do juiz, constitui para este um poder-dever. O que significa que o juiz atenuará especialmente a pena se se provar que, apesar do carácter somente parcial da restituição - onde cabe não só o restituir apenas uma parte da coisa, como também, por analogia in bonam partem, o restituir a coisa inteira mas que perdeu algumas das qualidades ou as suas aptidões de uso - ou da reparação, estas ocorreram em circunstâncias tais que, considerada a imagem global do facto, diminuem de forma acentuada, nos termos do artigo 73 n. 1, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. (1)
O preceito, na sua redacção anterior a 1995, explicitava que a restituição relevante ou a reparação tinham de ser feitas pelo agente, explicitação que a redacção ora vigente omite.
Porém, face aos fundamentos político-criminais do instituto, nomeadamente, a prevenção e necessidade da pena, torna-se indiscutível que a restituição ou reparação não pode deixar de ser da iniciativa do agente, por mais facticamente condicionada que ela tenha sido. (2)

Mas tal não impede, obviamente, que a materialidade da entrega ou restituição sejam da autoria de terceiro, até porque, serão muitos os casos em que o arguido estará praticamente impossibilitado de o fazer pessoalmente, nomeadamente, em casos como o dos autos, em que foi sujeito à medida coactiva extrema. Naquela iniciativa do agente residirá o fundamento para um olhar compreensivo de menor ilicitude ou necessidade da pena, ante o que se apresenta como um sinal de boa vontade do agente a revelar ao menos vontade de retomar o caminho da legalidade protegida.
Aqui chegados é altura de descer ao caso concreto.
A «imagem global do facto», como se viu, decisiva, para determinar a decisão judicial, não pode prescindir de dois ou três traços fortes que o acervo factual recolhido no tribunal a quo põe ao nosso dispor: o arguido, com 22 anos acabados de fazer à data dos factos, é órfão de mãe desde tenra idade.
Criado por uma madrinha, acabou por viver grande parte da sua infância - dos 12 aos 19 anos - internado no Lar de S. Fiel - uma prótese substitutiva da família a que teve de se arrimar - e que, mesmo nessa forma precária, lhe foi amputada.
Sem mais amparo, foi para casa do irmão, que depois abandonou por motivos não apurados, procurou e teve várias ocupações profissionais, e, no meio de tudo isto, claudicou, acabando por cair na prática dos crimes supra referenciados.

Crimes, na sua essência, de natureza patrimonial, de pequenos montantes individuais e de valor global aproximado não muito significativo já que situado na ordem dos 2.500 Euros (cerca de 500 contos), com os bens apropriados destinados no seu maior volume a cobrir necessidades de consumo pessoal em vestuário e alimentação, nomeadamente, e na sua maioria recuperados pela polícia e entregues aos donos.
Confessou grande parte dos factos, com algum relevo - embora não decisivo - para a descoberta da verdade, não tem antecedentes criminais estando provado ainda que «entretanto, vendeu, alguns bens que possuía, o que foi suficiente para indemnizar, um dos ofendidos, tendo o irmão, logrado indemnizar os restantes, contando exigir ao arguido que o reembolse das quantias que assim despendeu. Apenas não indemnizou a Igreja, o C, o E, este apenas quanto ao dinheiro subtraído e o proprietário da casa onde fixou residência durante cerca de 3 dias.»

Pois bem.
Do que fica exposto, logo se vê que a sentença ao referir-se à reparação ou restituição - que em todo o caso, como se infere dos factos, aconteceu antes do início da audiência de julgamento - como não tendo resultado de acto voluntário do arguido, (págs. 549), não apenas está, neste ponto, em alguma contradição com os seus próprios termos, já que mais acima afirma expressamente o contrário ("tendo reparado, ele próprio, ou o irmão, a quem terá posteriormente que reembolsar o mal dos crimes" - págs. 547), como os factos se encarregariam de desmenti-la, pois é inegável estar provado que o arguido «vendeu alguns bens que possuía, o que foi suficiente para indemnizar um dos ofendidos».
Daqui resulta que, não só parte da reparação foi feita pelo arguido, como o foi necessariamente por sua iniciativa, ou por sua vontade, já que ninguém vende seja o que for se não manifestar vontade nesse sentido.
E tal conclusão é reforçada com a afirmação peremptória do tribunal a quo ao afirmar que o arguido terá posteriormente de reembolsar o irmão, decerto baseado na percepção exacta que teve do acordado entre os dois para aquele efeito, e que a imediação das provas lhe tornou acessível.
Assim sendo, temos como adquirido que, pelo menos, parte da restituição foi levada a cabo pelo arguido e ou pelo irmão com o seu acordo e comprometimento, e, também, que «a grande maioria dos bens foi encontrada na sua posse» e, subsequentemente - mediante intervenção policial - restituída aos seus donos.
Há apenas por indemnizar a Igreja (cerca de 200€), C (cerca de 450 €), E (cerca de 295 €) e o dono da casa onde, contra a vontade daquele ilicitamente se hospedou durante três dias.
Neste contexto, não será prémio exagerado a reclamada atenuação especial da pena, nos termos do n.º 2, do citado artigo 206.º, do Código Penal, demonstrados que são, como se viu, os respectivos pressupostos.
Até, porque, independentemente do exposto, sempre se mostraria também preenchido um dos requisitos gerais do instituto da atenuação especial qual seja a «demonstração de actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados», previsto no artigo 72., n.º 2, c), do Código Penal.
Assim sendo, surge-nos como limite legal mínimo da pena aplicável, por força do artigo 73, n. 1, em conjugação com as regras da punição do concurso - art. 77, n. 2, do mesmo diploma - a pena de dois anos e dois meses de prisão (a mais grave das penas parcelares em concurso), e como limite máximo (a pena de 9 anos e 9 meses de prisão, somatório das penas parcelares, reduzida de um terço), seis anos e seis meses.
As circunstâncias de facto apontadas, mormente a reparação até onde foi possível do dano, que implicou, mesmo, a venda dos bens do arguido, levam este Supremo Tribunal a não ter como exagerada a pretensão de ver tal limite situado nos três anos de prisão, se bem que o número de crimes, a forma de execução, enfim a ilicitude patenteada, algo acima do mínimo, e a correlativa culpa, imponham a fixação também situada para além dos apontados dois anos e dois meses (mínimo legal in casu).
Três anos de prisão é assim a pena única que se tem por ajustada ao caso e que ora fica imposta ao arguido.
Mas tendo em conta que o arrependimento, associado à ausência de antecedentes criminais e ao facto documentado de o arguido contar com a apoio benéfico do irmão para enveredar pelo caminho da socialização em liberdade, não será por demais ousado e despido de base fáctica o juízo prognóstico favorável quanto à suficiência da ameaça da pena para obviar à prática de futuros crimes por banda do recorrente.
Assim deliberam substituir-lhe a pena única de 3 anos de prisão por pena suspensa pelo período de três anos, com três condições:

1. Diligenciar por encontrar trabalho no mais curto prazo possível, dando prova documental nos autos dessas diligências e seus resultados.
2. Pagar aos ofendidos ainda não indemnizados, no prazo de um ano, as importâncias de que são credores, juntando aos autos, no mesmo prazo, prova documental desses pagamentos.
3. Submeter-se ao regime de prova durante o período de suspensão da pena, segundo plano a elaborar na 1.ª instância em conjugação com os serviços de reinserção social.
Nestes termos, o recurso procede.

3. Termos em que, no provimento do recurso, revogam em aparte o acórdão recorrido, condenando o recorrente na pena única conjunta de três anos correspondente ao cúmulo das penas parcelares aplicadas, pena única suspensa por igual período de três anos, e com as condições supra enunciadas.
No mais, nomeadamente quanto à concreta fixação de tais penas parcelares, confirmam a decisão recorrida.
Sem tributação.
Honorários de tabela à Ex.ma defensora oficiosa aqui nomeada.

Supremo Tribunal de Justiça, 07 de Novembro de 2002
Pereira Madeira,
Simas Santos,
Abranches Martins,
Oliveira Guimarães.
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(1) Cfr. Prof. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, págs. 121-2, §16.
(2) Cfr. autor e ob. cits., págs. 119, § 11.