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INSOLVÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO
Sumário
I - Considerando o disposto no art. 233° nº 1, al. c) do CIRE, quando o processo de insolvência é encerrado por homologação do plano de insolvência, o título executivo a ser utilizado por qualquer credor – cujos créditos estejam relacionados e reconhecidos no âmbito da insolvência – para exercer os seus direitos contra a insolvente incumpridora passa a ser a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência”; II - As hipotecas legais e as penhoras que incidiam sobre bens apreendidos deixaram de ter na sua base os créditos e respectivos títulos que as suportavam, pelo que deve ser ordenado o seu cancelamento.
Texto Integral
Processo nº557/08.8TYVNG-F.P1 (apelação)
(1º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia)
Relator: António M. Mendes Coelho
1º Adjunto: Ana Paula Carvalho
2º Adjunto: Sampaio Gomes
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
Nos autos de insolvência de “B…, S.A.”, que sob o nº557708.8TYVNG correm termos no 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, e na sequência de requerimento formulado pela insolvente a fls. 648 e 649 daqueles autos no sentido de ser ordenado o cancelamento de todos os ónus e encargos que sobre os seus prédios impendem (na consideração, por esta referida, do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de insolvência por si apresentado), foi em 17/5/2010 proferido despacho pela sra. juiz do processo que indeferiu tal requerimento.
A insolvente veio interpor recurso de tal decisão, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir, e, considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões (art. 684º nº3 do CPC), há uma única questão a tratar, que é a de apurar se face ao trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de insolvência é de ordenar ou não o cancelamento de ónus e encargos que impendem sobre prédios da insolvente para garantia de créditos da Fazenda Pública e da Segurança Social sobre a mesma abrangidos por aquele plano.
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II – Fundamentação
São os seguintes os dados dos autos a ter conta para a apreciação da questão posta pelo recurso:
a) – o processo de insolvência da recorrente deu entrada em tribunal em 10/9/2008;
b) – foi homologado plano de insolvência apresentado pela insolvente, de onde, designadamente, constam as seguintes menções:
“4.1.1- Credores por Créditos Garantidos
Não há credores garantidos.
Os créditos do Instituto da Segurança Social que gozavam de garantia real já prescreveram. E não foram reconhecidos em sede de 129º do CIRE.
4.1.2 – Credores por Créditos Privilegiados
4.1.2.1 – Estado – Fazenda pública
E
4.1.2.2 – Estado – Instituto da Segurança Social
Os créditos privilegiados do ESTADO serão pagos em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, sendo as primeiras 30 de metade do valor das restantes, com perdão dos juros vencidos e vincendos.
O primeiro pagamento ocorrerá no último dia do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação da proposta de Plano de Insolvência.
(…)
4.1.3- Credores por Créditos Comuns
Plano de regularização: pagamento de 33,33%, em 160 prestações trimestrais, sucessivas, com perdão dos restantes 66,67% de capital e dos juros vencidos e vincendos.
O primeiro pagamento ocorrerá no último dia útil do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação da proposta de Plano de Insolvência.”
c) – A relação de créditos reconhecidos é a que consta de fls. 59 a 70 dos presentes autos de recurso, que aqui se dá por reproduzida;
d) – Por requerimento formulado a fls. 648 e 649 dos autos de insolvência, a insolvente requereu que, atento o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de insolvência, fosse ordenado o cancelamento de todos os ónus e encargos que impendem sobre os seus prédios, que ali descrimina e que são os seguintes:
I – prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o nº1529 da freguesia de Fafe, sobre o qual se encontram registadas:
- hipoteca legal a favor do Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Segurança Social de Braga, correspondente à apresentação nº36 de 2005/03/02;
- penhora a favor da Fazenda Pública correspondente à apresentação 20 de 2007/06/13;
- penhora a favor da Fazenda Pública correspondente à apresentação 21 de 2007/06/13;
- penhora a favor da Fazenda Pública correspondente à apresentação 11 de 2007/11/23;
II – prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o nº1530 da freguesia de Fafe, sobre o qual se encontram registadas:
- hipoteca legal a favor do Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Segurança Social de Braga, correspondente à apresentação nº36 de 2005/03/02;
- penhora a favor da Fazenda Pública correspondente à apresentação 13 de 2007/11/23;
III – prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o nº1531 da freguesia de Fafe, sobre o qual se encontram registadas:
- hipoteca legal a favor do Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Segurança Social de Braga, correspondente à apresentação nº36 de 2005/03/02;
- penhora a favor da Fazenda Pública correspondente à apresentação 14 de 2007/11/23;
IV – prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o nº2343 da freguesia de Fafe, sobre o qual se encontram registadas:
- hipoteca legal a favor do Centro Regional de Segurança Social do Norte, correspondente à apresentação nº 9 de 1994/04/26;
- hipoteca legal a favor do Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Segurança Social de Braga, correspondente à apresentação nº37 de 2005/03/02;
V – prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe com o nº 42.187, fls. 102-880, sobre o qual se encontram registadas:
- hipoteca voluntária a favor do C…, correspondente à apresentação nº 9 de 9 de Maio de 1980;
VI – prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº135 da freguesia de Santo Ildefonso, sobre o qual se encontram registadas:
- hipoteca legal a favor do Centro Regional de Segurança Social do Norte, correspondente à apresentação nº 8 de 1994/04/22;
- hipoteca legal a favor do Centro Distrital de Segurança Social de Braga, correspondente à apresentação nº 48 de 2005/01/25;
- penhora a favor da Fazenda Nacional correspondente à apresentação 57 de 2008/06/05;
VII – prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº136 da freguesia de …, sobre o qual se encontram registadas:
- hipoteca legal a favor do Centro Regional de Segurança Social do Norte, correspondente à apresentação nº 8 de 1994/04/22;
- hipoteca legal a favor do Centro Distrital de Segurança Social de Braga, correspondente à apresentação nº 48 de 2005/01/25;
VIII – prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº137 da freguesia de …, sobre o qual se encontram registadas:
- hipoteca legal a favor do Centro Regional de Segurança Social do Norte, correspondente à apresentação nº 8 de 1994/04/22;
- hipoteca legal a favor do Centro Distrital de Segurança Social de Braga, correspondente à apresentação nº 48 de 2005/01/25.
e) – Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho, proferido em 17/5/2010, “Indefere-se ao requerido uma vez que o plano de insolvência não contempla o requerido.”
Vamos então ao tratamento da questão enunciada.
Desde já cumpre precisar que, conforme decorre do recurso interposto, apenas está em causa apurar do cancelamento de hipotecas legais e penhoras relativas a créditos da Fazenda Pública e da Segurança Social.
Como tal, está excluído do âmbito do recurso – e, por isso, da decisão a proferir nesta sede – a decisão proferida sobre o requerimento formulado pela insolvente [referido sob a alínea d) da factualidade que anteriormente se elencou] na parte respeitante à hipoteca voluntária registada a favor do C… sobre o prédio indicado sob o ponto V da alínea d).
Deste modo, quanto a tal ponto a decisão recorrida transitou, não sendo aqui susceptível de alteração.
Apuremos então do requerido cancelamento daquelas hipotecas legais e penhoras.
Como resulta da factualidade referida sob a alínea e), todas aquelas hipotecas legais e penhoras respeitam a créditos do Estado e da Segurança Social.
Por outro lado, como resulta do plano de insolvência aprovado, os créditos do Estado e da Segurança Social que se reconheceram foram considerados como créditos comuns e como créditos privilegiados – como resulta dos números 18 e 27 da relação de créditos referida sob a alínea c) do elenco de factualidade acima seleccionada –, tendo havido perdão dos juros vencidos e vincendos dos créditos privilegiados e perdão de pagamento de 66,67% de capital e dos juros vencidos e vincendos dos créditos comuns e sido estipulados novos prazos e termos de pagamento de tais créditos [alínea b) do elenco de factualidade acima referida].
Por força da homologação de tal plano – onde consta o referido perdão e os novos prazos e termos de pagamento – ocorreu, como a recorrente defende, novação objectiva em relação a tais créditos (art. 857º do C.Civil).
Na verdade, a aprovação do plano impõe-se a todos os credores, não se criando qualquer regime de excepção para os créditos privilegiados ou garantidos ou cujos titulares sejam pessoas colectivas de direito público, designadamente o próprio Estado, salvo o que se encontra previsto no nº2 do art. 196º do CIRE, que ao presente caso não é pertinente [como se diz no Ac. do STJ de 4/6/2009, in www.dgsi.pt, “I – Não se verifica impedimento na homologação judicial do plano de insolvência, apresentado pelo administrador da insolvência e aprovado pela assembleia de credores da empresa insolvente, se no mesmo plano estiver prevista redução ou perdão de dívidas do insolvente ao Estado, de natureza fiscal (capital ou juros) e, muito menos, que a sentença homologatória de tal plano padeça dos vícios de violação do princípio de legalidade, de igualdade e de inconstitucionalidade por derrogação de normas imperativas por vontade das partes; II – Não ocorre, nesta situação, qualquer derrogação de normas legais imperativas (fiscais ou outras) por vontade dos credores ou partes (…), sendo que a derrogação é operada pela própria lei da insolvência que estabelece um regime especial e, nessa medida, afasta do seu âmbito de aplicação o regime normativo geral (lex specialis derrogat legi generali), fruto da opção político-legislativa que, tendo em conta a relevância do tecido empresarial na estrutura económica da sociedade e, do mesmo passo, a necessidade de obviar, na medida do possível, ao prejuízo da insatisfação dos créditos concedidos à insolvente, cujo ressarcimento se frustra frequentemente nestas situações, gizou um esquema legal que contribuísse para atenuar a tensão dialéctica, reconhecidamente existente, entre estas duas realidades contrapostas”; a jurisprudência é uniforme em tal entendimento, e, no mesmo sentido, vejam-se os seguintes acórdãos, todos disponíveis em www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 13/1/2009, Acs. do Tribunal da Relação do Porto de 9/2/2010, de 16/3/2010 e de 11/5/2010 e Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/10/2008 e de 6/7/2009].
Nesta consonância, e considerando o disposto no art. 233º nº1 c) do CIRE, é de reconhecer, como a recorrente defende, que quando o processo de insolvência é encerrado por homologação do plano de insolvência, o título executivo a ser utilizado por qualquer credor para exercer os seus direitos contra a insolvente incumpridora é, como se refere expressamente naquele preceito, “a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência”.
Deste modo, e por decorrência, porque quer os créditos da Segurança Social quer os créditos do Estado passaram a só poder basear-se noutro título para eventualmente virem a ser cobrados em sede executiva, as hipotecas legais e as penhoras supra referidas deixaram de ter na sua base os créditos, e respectivos títulos, que as suportavam, devendo por isso, como defende a recorrente, extinguir-se forçosamente quaisquer procedimentos executivos cujos créditos estejam relacionados e reconhecidos no âmbito da insolvência, incluindo como é óbvio as execuções fiscais.
Assim, há que reconhecer que, por falta de título que as sustente, há que cancelar as referidas hipotecas legais e penhoras.
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Sumariando o decidido (art. 713º nº7 do CPC):
I – Considerando o disposto no art. 233º nº1 c) do CIRE, quando o processo de insolvência é encerrado por homologação do plano de insolvência, o título executivo a ser utilizado por qualquer credor – cujos créditos estejam relacionados e reconhecidos no âmbito da insolvência – para exercer os seus direitos contra a insolvente incumpridora passa a ser, como ali se diz, “a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência”;
II – Como tal, porque quer os créditos da Segurança Social quer os créditos do Estado passam a só poder basear-se neste outro título para eventualmente virem a ser cobrados em sede executiva, as hipotecas legais e as penhoras que sobre eles incidiam deixaram de ter na sua base os créditos e respectivos títulos que as suportavam, devendo por isso extinguir-se quaisquer procedimentos executivos relativos a tais créditos.
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III – Decisão
Por tudo o exposto, julgando-se procedente o recurso, revoga-se o despacho recorrido e ordena-se a sua substituição por outro que, reconhecendo que deixaram de subsistir os créditos que as sustentavam, ordene o cancelamento das hipotecas legais e das penhoras supra referidas sob os números I, II, III, IV, VI, VII e VIII da alínea d).
Sem custas.
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Porto, 31/1/2011
António Manuel Mendes Coelho
Ana Paula Vasques de Carvalho
António Sampaio Gomes