I - É de qualificar como contrato de trabalho, e não como contrato de prestação de serviços, o "contrato de docência" celebrado entre a autora e um estabelecimento de ensino superior particular, para o ano lectivo de 1986/1987, sucessivamente renovado até ao ano lectivo de 1999/2000, pelo qual aquela se obrigou a exercer a actividade de docência das aulas práticas da disciplina de Estatística, acompanhando estritamente o programa desenvolvido pelo professor encarregado da regência dessa disciplina e actuando sempre sob a direcção e orientação directa deste, cumprindo o horário determinado pela ré, vinculando-se ao acatamento dos regulamentos internos e de instruções em vigor na ré, auferindo remuneração mensal e subsídios de férias e de Natal.
II - A autonomia científica e técnica no desenvolvimento da actividade docente no ensino superior não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho subordinado, relevando antes a heterodeterminação (pela ré) das condições externas de prestação dessa actividade, e, por outro lado, para a afirmação de uma situação de subordinação jurídica basta a constatação da possibilidade de a entidade patronal exercitar os poderes que essa situação lhe outorga, não sendo necessária a comprovação do efectivo exercício dos mesmos.
III - Resulta do artigo 35.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que os comportamentos culposos da entidade empregadora susceptíveis de constituírem justa causa de rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, entre os quais se insere a violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador, devem ser apreciados pelo tribunal nos termos do n. 5 do artigo 12., com as necessárias adaptações; isto é: tal como no despedimento só se deve dar por verificada a existência de justa causa se o comportamento culposo do trabalhador, pela sua gravidade e consequências, tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, assim também não basta que o comportamento da entidade patronal preencha objectivamente qualquer das hipóteses elencadas no artigo 35.º, sendo ainda necessário que esse comportamento culposo tenha tornado inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua actividade em benefício da entidade patronal.
IV - No caso de comportamentos reiterados ou que se prolonguem ou agravem no tempo, só a partir do momento em que a manutenção da relação laboral se tenha tornado inexigível ao trabalhador é que surge para ele o direito de rescindir o contrato, pelo que, consequentemente, também só a partir desse momento é que começa a contar o prazo de caducidade desse direito (artigo 329.º do Código Civil).
V - Tendo o acórdão recorrido decidido que constituíam fundamentos para a rescisão com justa causa a não atribuição à autora de carga horária no ano lectivo de 1998/1999 e o não pagamento de retribuições a partir de Novembro de 1998, mas considerando que essas causas cessaram em Março de 1999, quando a autora recusou um horário que então lhe foi proposto, verifica-se a caducidade do direito de rescisão com esses fundamentos só exercitado em 15 de Outubro de 1999.
VI - Porém, tendo a autora igualmente invocado como fundamento para a rescisão a não atribuição de carga horária no início do ano lectivo de 1999/2000, com violação do seu direito a ocupação efectiva, fundamento que não se pode considerar abrangido pela referida caducidade, impõe-se a determinação da ampliação da matéria de facto se não vem apurada a razão de ser dessa não atribuição, tendo a ré, na sua contestação, invocado factos, não quesitados, que, a provarem-se, retirariam natureza culposa a essa omissão.
1. Relatório
"A" intentou, em 30 de Novembro de 1999, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato de trabalho, com processo ordinário, contra B, pedindo: (i) que seja declarada legítima a rescisão com invocação de justa causa, por sua iniciativa, do contrato de trabalho que a ligava à ré; (ii) que a ré seja condenada a pagar-lhe as seguintes quantias, acrescidas de juros de mora legais vencidos e vincendos desde as respectivas datas de vencimento e até integral pagamento: (1) 4199428$10 de remunerações em dívida relativas aos meses de Novembro de 1998 a Outubro de 1999; (2) 381766$26 correspondentes ao subsídio de férias do ano de 1998; (3) 318138$55 de proporcionais do subsídio de férias do ano de 1999; (4) 318766$26 correspondentes ao subsídio de Natal do ano de 1998; e (5) 318138$55 de proporcionais do subsídio de Natal do ano de 1999; (iii) que a ré seja condenada a pagar-lhe 4962961$30 de indemnização de antiguidade, acrescida dos juros de mora vincendos desde a data da citação da ré e até integral pagamento; e (iv) que a ré seja condenada a pagar-lhe 3000000$00 por danos consubstanciados em sentimentos de desespero, perda e frustração, e desvalorização laboral com perda de capacidade produtiva, decorrentes da inactividade a que a ré a remeteu durante cerca de um ano.
Aduziu, para tanto, em suma, que: (i) foi admitida ao serviço da ré no início do ano lectivo de 1986/1987 para exercer a sua actividade profissional por conta e sob a autoridade e direcção da ré, detendo a categoria de assistente da cadeira de Estatística no Departamento de Gestão e Economia; (ii) no início de cada ano lectivo, a ré atribuía-lhe um determinado horário; (iii) a autora auferia uma remuneração mensal, calculada através da multiplicação do número de horas de trabalho prestado, correspondente ao número de aulas por ela dadas, por um valor determinado expresso em dinheiro; (iv) atendendo à carga horária distribuída nos anos lectivos de 1986/1987 a 1997/1998, a autora trabalhou um número médio de 16,9 horas por semana, o que perfaz a média de 67,6 horas por mês; (v) durante o ano de 1998, a autora recebia mensalmente 90359$00, trabalhando 16 horas por mês, de onde se extrai que o valor horário praticado pela ré nesse ano seria de 5647$43, pelo que, multiplicando esse valor horário pela média mensal de 67,6 horas, verifica-se ser de 381766$26 a sua remuneração média mensal; (vi) no ano lectivo de 1997/1998, a ré diminuiu consideravelmente a carga horária da autora, diminuindo-lhe consequentemente a retribuição; (vii) em Outubro de 1998, início do ano lectivo de 1998/1999, a ré não atribuiu à autora qualquer horário, deixando desde então de lhe pagar qualquer retribuição; (viii) a autora reclamou contra esta situação, tendo-lhe sido dito que a mesma era provisória, e que no segundo semestre desse ano lectivo seria chamada de novo a leccionar, com atribuição de horário; (ix) no segundo semestre, a ré propôs à autora atribuir-lhe um determinado horário, tendo a autora posto uma objecção a uma das horas atribuídas, porquanto em virtude de não lhe ter sido atribuída carga horária no semestre anterior tinha sido forçada a procurar uma ocupação que a preenchesse, tendo a ré ficado de responder à autora, mas nada mais disse; (x) a autora voltou a apresentar reclamações, junto da direcção da ré, tendo-lhe sido prometida a atribuição de carga horária no início do ano lectivo de 1999/2000, mas tal promessa não foi cumprida, pelo que, por carta datada de 15 de Outubro de 1999, a autora rescindiu o contrato de trabalho, invocando justa causa.
Citada, a ré contestou (fls. 28 a 55), por excepção e impugnação, e deduziu pedido reconvencional: por excepção, a ré arguiu a incompetência material do tribunal, por entender que entre as partes não vigorou um contrato de trabalho, mas sim contratos de docência, que não estabeleciam relação de subordinação jurídica própria dos contratos de trabalho, invocou a caducidade do eventual direito de rescisão do contrato com invocação de justa causa e alegou ter pago à autora o subsídio de férias do ano de 1998; por impugnação, negou a existência de justa causa para a rescisão, a remuneração invocada pela autora e o direito a qualquer indemnização, incluindo por danos morais; e, por reconvenção, para o caso de o tribunal entender que entre as partes vigorava um contrato de trabalho, formulou pedido de condenação da autora no pagamento da quantia de 180718$00, por falta de pré-aviso da cessação do contrato.
A autora respondeu às excepções e contestou a reconvenção (fls. 67 a 78), pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador (fls. 79), no qual se decidiu pela improcedência da excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria e se relegou para final a apreciação das excepções da caducidade e do pagamento, a que se seguiu a elaboração de especificação e de questionário (fls. 80 a 82), que foram alvo de reclamações pela ré (fls. 83 e 84) e pela autora (fls. 85 a 88), as quais não foram atendidas, com ressalva da rectificação de um erro material (despacho de fls. 103 e 104).
Frustrada tentativa de conciliação (fls. 116), realizou-se audiência de julgamento, após o que foram dadas aos quesitos as respostas constantes de fls. 123 a 125, que não suscitaram reclamações.
Por sentença de 15 de Setembro de 2000 (fls. 127 a 136), foi a acção julgada improcedente, por a autora não haver logrado provar a existência de um contrato de trabalho subordinado, e não se conheceu do pedido reconvencional, por este ter sido deduzido, a título subsidiário, apenas para a hipótese de se vir a considerar provada a existência daquele tipo de contrato.
Contra esta sentença, apelou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 14 de Março de 2001 (fls. 171 a 187), lhe concedeu parcial provimento: (i) declarando como de contrato de trabalho a relação jurídica estabelecida entre a autora e a ré; (ii) condenando esta a pagar à autora as seguintes quantias, acrescidas de juros de mora desde as datas dos respectivos vencimentos e até integral pagamento: (1) 451845$00 de remunerações dos meses de Novembro de 1998 a Março de 1999; (2) 90369$00 de subsídio de Natal de 1998; (3) 180738$00 de férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 1999; (4) 67777$00 de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal correspondentes ao ano da cessação do contrato (1999) - tudo no total de 790729$00; (iii) absolvendo a ré do demais pedido, tendo em conta a caducidade do direito da autora a rescindir o contrato com justa causa, caducidade operada a partir do final de Março de 1999; e (iv) julgando improcedente o pedido reconvencional, por entender só haver lugar a indemnização a favor da entidade patronal, por falta de aviso prévio, nos casos em que não exista justa causa para a rescisão por iniciativa do trabalhador e não também nos casos, como o presente, em que existia justa causa, que, porém, não foi invocada dentro do prazo legal.
Contra este acórdão interpuseram recursos de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, a autora (requerimento de fls. 190) e a ré (requerimento de fls. 191).
A ré apresentou as alegações de fls. 192 a 220, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
"I - Salvo o devido respeito, jamais poderá resultar da matéria de facto dada por provada que estamos perante a existência de um contrato de trabalho subordinado.
II - Sendo embora incontestável que a subordinação jurídica é hoje considerada o critério fundamental para a distinção destes dois tipos contratuais, isto não significa que seja fácil de apurar a existência de tal elemento caracterizador do contrato de trabalho.
III - Com efeito, tal critério consente, nos seus próprios termos, graduações subtis e que nem sempre levam a resultados esclarecedores. Na verdade, o trabalho autónomo é muitas vezes compatível com a orientação e fiscalização alheias, é muitas vezes inserido numa organização e organizado no espaço e temporalmente (como ocorre no caso do médico pago por avença) e é inidentificável como obrigação de resultado (acompanhamento de litígio por advogado avençado).
IV - Por isso, o apuramento da subordinação não pode ser encontrado através do método subsuntivo, devendo sê-lo através do método tipológico, que consisto na procura de indícios que permite uma aproximação ao modelo típico.
V - Assim, impõe-se, antes de mais, proceder à identificação do objecto principal do contrato - a docência universitária -, ou seja, determinar se se trata de uma obrigação de facere ou de uma obrigação de resultado.
VI - À primeira vista, a obrigação assumida pela autora, inerente à docência universitária stricto sensu, poderia aproximar-nos mais de uma obrigação de facere do que uma obrigação de resultado o docente obriga-se a ensinar e a avaliar os alunos, e não a que estes obtenham aproveitamento.
VII - Todavia, a obrigação de leccionar deve ser encarada como obrigação de resultado, não no sentido do resultado final (a aprovação dos alunos), mas antes no de resultado intermédio. O objecto do contrato é constituído pela prelecção de uma determinada disciplina num determinado número de aulas.
VIII - Ainda que assim se não entenda, é preciso ter em conta que, apesar de ter de dar aulas num estabelecimento universitário e num horário pré-fixado, o trabalho de docente não se esgota nessa parte visível, tendo subjacente uma outra constituída pelo estudo e preparação das aulas, correcção de trabalhos e, mais importante do que isso, a própria investigação (conforme dispõe o artigo 63.°, alínea d), do Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/79, de 13 de Novembro, conjugado com o artigo 25.°, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, que aprovou o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo), que de forma alguma está sujeita àqueles condicionalismos de tempo e lugar e cuja gestão cabe inteiramente ao próprio docente, sem controlo da Universidade.
IX - Ora, sendo essa também uma parte significativa, embora menos visível, da prestação devida pelo docente, nessa parte não pode, em bom rigor, considerar-se que o seu objecto seja um facere, que implique a disponibilidade, mas antes o resultado do trabalho intelectual, cuja conformação de modo, tempo e lugar fica na esfera da sua autonomia. Portanto, nessa medida, a prestação é, inequivocamente, de resultado.
X - Para além desta questão, no esboço das relações efectivamente estabelecidas entre a autora e a ré surgem alguns factores que, em termos gerais, são susceptíveis de indiciar subordinação jurídica, tais como (conforme já se referiu) a sujeição a um horário quanto à actividade docente propriamente dita, a determinação do lugar da prestação caber à ré, situando-se nas instalações da universidade, com instrumentos por esta fornecidos (isto, todavia, apenas relativamente à prestação lectiva stricto sensu, pois, como vimos, a actividade de docente universitário envolve necessariamente trabalho de investigação que não está sujeito a esses condicionalismos), a remuneração ser definida em função do tempo, sendo descontadas nela as faltas dadas, e incluir o pagamento de subsídios de férias e de Natal.
XI - Dados deste tipo, em princípio, são associados a relações de trabalho, podendo revelar subordinação jurídica, mas serão irrefutáveis? Afigura-se-nos peremptoriamente que não, pelo menos em relação a alguns destes aspectos.
XII - Com efeito, no que se refere à determinação do lugar da prestação, situando-se nas instalações da ré, tal não podia obviamente deixar de ser assim, posto que a autora era assistente numa Universidade e que as aulas devem ser ministradas nas instalações da Universidade, ou seja, no caso dos autos, a actividade docente universitária tout court só pode naturalmente ter lugar num estabelecimento universitário.
XIII - Também a própria sujeição ao horário, porque não pode deixar de existir, dada a natureza da prestação, não é suficiente para caracterizar a relação como de subordinação jurídica.
XIV - No que se refere à remuneração em função do tempo, esta assume, no caso da autora, uma particularidade que em regra não assume no contrato do trabalho: ela é medida precisamente pelo trabalho efectivamente prestado, ou seja, é aferida peio resultado proferido (as horas lectivas acordadas em cada ano lectivo e que podem variar, como variaram, no que à autora respeita, ao longo dos anos em que exerceu funções na Universidade Lusíada) e não pela mera disponibilidade abstracta, como por exemplo sucederá no caso dos professores com vínculo, que recebem o vencimento correspondente à categoria que detenham, independentemente da carga horária de leccionação de aulas, que em cada ano lectivo lhes possa ser distribuída e que pode variar.
XV - Na verdade, a preparação das aulas, avaliações, atendimento a alunos e correcção das provas, não são medidos pelos tempos de leccionação, já que, na realização dessas tarefas, o docente ajusta o tempo de acordo com as suas possibilidades, ou seja, faz uma gestão pessoal, autónoma e unilateral do seu tempo.
XVI - No que respeita aos meios de produção e da respectiva utilização é do conhecimento público que os docentes do ensino superior se valem de todo um equipamento, bibliografia e material, próprio e pessoal, não pertencente à instituição universitária.
XVII - A própria existência de subsídios de férias e de Natal não é indício suficiente de heterodeterminação. Na verdade, nada obsta a que num contrato de prestação de serviços as partes acordem que o pagamento seja feito em prestações mensais e inclua prestações adicionais por ocasião das férias e do Natal, como é de regra nas prestações de trabalho.
XVIII - Mais, tal como consta do contrato celebrado entre as partes, o facto de a autora ser docente da Universidade Lusíada pressupõe também que contribua para a própria gestão democrática universitária e, portanto, desempenhe funções nos colégios institucionais de onde saem os vários órgãos e, por vezes, seja chamada a exercer funções nesses mesmos órgãos, o que não pode, obviamente, constituir objecto de um contrato de trabalho.
XIX - Acresce que ficou provado nos autos que a autora, no exercício da sua actividade docente, procedia à preparação pedagógica e científica dos alunos na área da sua disciplina, como melhor entendia, de harmonia com o programa por ela própria elaborado na disciplina que ministrava, sendo da sua responsabilidade a avaliação e atribuição das classificações aos seus alunos.
XX - Sendo certo que, no contrato de docência (celebrado em 1 de Setembro de 1989), se refere que a autora deverá acompanhar estritamente o programa desenvolvido nas aulas teóricas e actuar sempre sob a direcção e orientação directa do respectivo regente. Todavia, nada se provou no caso dos autos quanto ao exercício concreto de tal direcção e orientação, tanto quanto à sua ocorrência efectiva como quanto à sua natureza, nomeadamente, se se limitava a uma mera coordenação ou orientação académica ou se também assumia natureza hierárquica.
XXI - Acresce ainda que, constando do mencionado contrato de docência que a autora tinha de exercer as suas funções em harmonia com os regulamentos e instruções em vigor na Universidade Lusíada, em face do que resultou provado quanto à sua autonomia na leccionação, tais regulamentos e instruções só podiam estar relacionados com a organização dos tempos lectivos, das regras de marcação de exames e da publicação de notas - no que também tudo se reconduz a uma conformação da actividade em função das exigências da unidade da Universidade e da sua própria gestão, enquanto entidade que se propõe o ensino - sendo certo que o ensino se radica numa referência unitária global e não num aglomerado de diferentes lições.
XXII - Ora, não ficou provado que a ré desse ordens concretas à autora, que lhe conformasse a sua actividade lectiva ou de avaliação dos alunos, que a obrigasse a dar estas e estas aulas, marcando-lhe faltas e exigindo-lhe a justificação das mesmas e exercendo sobre ela o poder disciplinar, impondo-lhe sanções.
XXIII - Na verdade, toda esta matéria, que seria o cerne da subordinação jurídica, não ficou apurada, e cabia à autora, que alega a existência de um contrato de trabalho, a sua prova. Pelo que, em face do exposto, terá de ser entendido que os factos apurados apenas permitem estabelecer um quadro de referência geral da actividade da autora, o que não podia mesmo ser doutra forma, consideradas as suas funções (de resto, os artigos 18.° e 25.° do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, prevêem expressamente a necessidade de imposição prévia das normas de funcionamento do estabelecimento de ensino, a definição do regime de matrículas, inscrições e avaliações de alunos) e que não se traduz numa verdadeira subordinação jurídica.
XXIV - Acresce que também a esta conclusão teremos de chegar se analisarmos o quadro legal em que se move o ensino superior particular e cooperativo que, embora não de uma forma inequívoca, como seria de desejar, nos aponta para um regime que não se integra nos cânones do direito de trabalho.
XXV - Com efeito, implicando a carreira universitária a obrigatoriedade de prestação de provas e de aquisição de determinados graus académicos em determinados limites temporais (por conjugação do n.º 1 do artigo 25.° do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo com o Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/79, de 13 de Novembro), isso não é compatível com a estabilidade própria do contrato de trabalho.
XXVI - Ora, tal como refere o douto acórdão recorrido, o Decreto-Lei n.º 271/89, de 19 de Agosto, que aprovou o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, estabelecia no seu artigo 40.º que: «O regime laboral aplicável aos docentes de estabelecimentos de ensino superior particular constará de diploma próprio».
XXVII - Acresce que o novo Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, que no seu artigo 3.° revoga o Decreto-Lei n.º 271/89 , vem expressamente referir, no n.° 1 do artigo 24.°, que: «1 - O regime de contratação do pessoal docente para ministrar ensino nos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo consta de diploma próprio».
XXVIII - Sendo certo que tais diplomas não foram publicados.
XXIX - Todavia, resulta dos referidos dispositivos legais que é expressamente reconhecida a especificidade do ensino superior, que impõe a sujeição da actividade docente a regras próprias, que necessariamente têm de consubstanciar um desvio ao regime jurídico laboral.
XXX - O n.° 1 do artigo 24.° do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo apenas confirma o óbvio, que existe uma lacuna legislativa quanto ao regime profissional dos docentes universitários privados, situação que aliás não era sequer contemporânea da LCT e que esta não podia prever (não existia ensino superior privado em Portugal à data da publicação da LCT).
XXXI - Tais disposições são um sinal inequívoco que o regime geral do contrato de trabalho é inadequado à actividade universitária e não se coaduna com a equiparação qualitativa do ensino superior particular ao ensino superior público, pois a estabilidade dos vínculos, sem a mesma exigência quanto à prestação de provas e progressão na carreira, não contribuirá certamente para favorecer a qualidade do ensino.
XXXII - Acresce ainda que o Decreto-Lei n.º 441-A/82, de 6 de Novembro, que estabelece disposições relativas às cooperativas de ensino, refere sempre e expressamente o pessoal docente de tais cooperativas como prestadores de serviços, nunca como trabalhadores, o que também revela que o legislador reconhece não ser o contrato de trabalho adequado a este tipo de actividade.
XXXIII - Por todo o exposto, forçoso será de concluir que não existe no caso dos autos um contrato de trabalho subordinado, mas sim um contrato de prestação de serviços, como de resto tem sido a posição maioritária desse Venerando Supremo Tribunal de Justiça.
XXXIV - Ao decidir como o fez, o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação não fez boa aplicação da lei e do direito e violou o disposto nos artigos 1.° da LCT e 1152.° e 1154.° do Código Civil.
XXXV - Caso por mera hipótese de raciocínio se admita, sem conceder, que estamos perante um contrato de trabalho subordinado, então jamais o pedido reconvencional deduzido pela ré ora recorrente poderia ter sido julgado improcedente, já que ficou demonstrada e provada a caducidade do direito da autora à rescisão com justa causa do contrato.
XXXVI - Com efeito, ficou provado nos autos que a carta de rescisão do contrato, remetida pela autora à ré, tem a data de 15 de Outubro de 1999, tendo sido recebida por esta última em 19 de Outubro de 1999. Na mencionada carta, alega a autora que, desde o início do ano lectivo de 1998/99, não lhe são atribuídas quaisquer funções.
XXXVII - Ficou ainda provado que, em Março de 1999, a autora recusou o horário que lhe tinha sido atribuído.
XXXVIII - Pelo que, a partir de Março de 1999, deixou de ser devida à autora qualquer retribuição, cessando, portanto, a partir daquela data, o fundamento para a autora rescindir o contrato com invocação de justa causa.
XXXIX - Sendo certo que o douto acórdão recorrido considera que o disposto nos artigos 38.° e 39.° do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, só é aplicável nos casos em que o trabalhador não invoque a justa causa para a rescisão, ou, invocando-a, esta não resulte provada.
XL - Todavia, o artigo 37.° do mencionado diploma legal vem expressamente referir que a rescisão do contrato pelo trabalhador com invocação de justa causa, quando esta venha a ser declarada inexistente, confere à entidade empregadora o direito à indemnização, calculada nos termos previstos no artigo 39.°.
XLI - Ora, no caso dos autos, não só não existia justa causa para o despedimento, porque ela cessou a partir do momento em que a autora recusou o horário que lhe foi atribuído, como, a admitir-se a existência de justa causa, verificou-se a caducidade do direito da autora.
XLII - Ocorre que não podemos deixar de considerar como equiparáveis as situações em que não existe justa causa de despedimento por parte do trabalhador e aquelas em que, apesar da sua existência, se verificou a caducidade do direito, o mesmo é dizer que tal direito se extinguiu e, portanto, não existe.
XLIII - Na verdade, se o legislador não distingue tais situações, não cabe ao intérprete distingui-las, pelo que terá sempre de se considerar que o artigo 37.° do mencionado diploma legal se aplica quer às situações em que venha a ser declarada inexistente, por não provada, a justa causa de rescisão por parte do trabalhador, quer às situações em que se verificou a caducidade do direito à invocação da justa causa de rescisão.
XLIV - Ao decidir como o fez, o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação violou o disposto no artigo 37.° do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro."
A autora apresentou numa única peça (fls. 261 a 268) as alegações respeitantes ao recurso por ela interposto e as contra-alegações relativas ao recurso da ré, formulando, a final, as seguintes conclusões:
"a) A decisão do Tribunal da Relação quanto à existência, no caso em apreço nos autos, de uma relação de trabalho subordinado, terá seguramente que manter-se, pois os fundamentos dessa decisão são, a nosso ver, irrespondíveis;
b) Também a decisão sobre a existência de justa causa para a rescisão do contrato não sofre contestação, embora os factos justificativos dessa justa causa tenham uma maior amplitude do que a ali definida;
c) Com efeito, a recusa de aceitação do horário proposto pela ré no 2.° semestre do ano lectivo de 1998/99 não fez caducar o direito à rescisão do contrato com justa causa, pois continuou em aberto a atribuição de carga horária para o início do ano lectivo de 1999/2000;
d) Com efeito, tanto a autora como a ré tomaram como bom que o contrato se mantinha, nenhuma delas o tendo rescindido (a ré sabia ter culpas na não aceitação do horário do 2.° semestre), pelo que o direito à ocupação efectiva mantinha-se no início do ano lectivo de 1999/2000;
e) É pois esse facto provado, de não atribuição de «carga horária» à autora no início do ano lectivo de 1999/2000 (alínea M) da especificação) devidamente invocado em dois parágrafos da carta de rescisão (segunda alínea M) da especificação), conjugado com o facto de se tratar de uma reincidência que desencadeia a tomada de decisão da autora de rescindir o contrato de trabalho por concluir que, definitivamente, havia a intenção, no seguimento de toda a actuação anterior da ré, de não mais lhe ser atribuído horário, deixando-a sem ocupação efectiva;
f) Ainda porém que se pudesse entender (e não pode) que caducara o direito de rescisão do contrato de trabalho com justa causa por parte da autora, sempre se manteria o seu direito à indemnização por danos não patrimoniais que peticionou, pois, como entendeu este Supremo Tribunal, em acórdão de 2 de Dezembro de 1988 (revista n.° 248/98 - 4.ª Secção), a caducidade do direito de rescisão não «apaga» o comportamento da ré e consequentemente não retira a possibilidade de a autora ser ressarcida dos danos morais verificados, conforme a resposta ao quesito 21.°;
g) Por último, a decisão do Tribunal da Relação de julgar improcedente o pedido reconvencional da ré terá que manter-se, pois a justa causa existe, independentemente de se considerar ou não ter caducado o direito de a invocar, não sendo por isso a situação equiparável à da inexistência de justa causa, tendo o legislador distinguido as duas situações (cfr. artigo 37.°, confrontado com os artigos 38.° e 39.° do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro)."
A ré contra-alegou o recurso da autora (fls. 272 a 283), concluindo:
"I - Ainda que se considere de trabalho a relação que existiu entre apelante e apelada, e que houve justa causa para despedimento por parte da aqui apelante, que não se concebe conforme se expõe nas alegações apresentadas nos presentes autos, a não ser por mera questão de patrocínio, sempre estaria caducado o direito da ora apelante a rescindir com justa causa, conforme doutamente decidiu o Digníssimo Tribunal da Relação de Lisboa.
II - De facto, ainda que esse direito de rescisão existisse, devia ter sido exercido nos termos do disposto no artigo 34.°, n.º 2, da LCCT, isto é, dentro dos 15 dias subsequentes ao conhecimento dos factos que justificam a rescisão e não em Outubro de 1999, como a apelante fez.
III - Por outro lado, mesmo que se considerasse estarmos perante um facto continuado, a verdade é que, em Fevereiro de 1999, foi atribuída à apelante carga horária e o correspondente horário.
IV - Porém, a apelante pura e simplesmente não os aceitou.
V - Esta não aceitação, contrariamente ao alegado pela apelante, não foi por qualquer culpa da apelada, mas única e exclusivamente por razões pessoais da apelante.
VI - Pelo contrário, ficou demonstrado nos presentes autos que a apelada demonstrou sentido de colaboração para satisfazer as pretensões da apelante.
VII - Não tendo sido possível a apelada satisfazer a pretensão da apelante de alterar a carga horária a seu contento, unicamente, por impossibilidade fáctica de satisfazer essa pretensão, conforme resulta dos pontos 21 a 27 da matéria provada.
VIII - Nesta medida, teria cessado em Março de 1999 o fundamento para a apelante rescindir o seu alegado contrato com justa causa, baseada na falta de atribuição efectiva de trabalho e respectiva remuneração.
IX - Pois foi a apelante que, sem qualquer fundamento legal, rejeitou o horário que lhe foi atribuído em Março de 1999.
X - Acresce que o fundamento apresentado pela apelante para a rescisão foi a não atribuição de funções «desde o início do ano lectivo de 1998/1999», e não, como pretende fazer crer agora em sede de alegações, a não atribuição de carga horária para o ano lectivo de 1999/2000.
XI - Mas ainda que o fundamento tivesse sido a não atribuição de carga horária no ano lectivo de 1999/2000, o que não foi e nem se admite a não ser por mera questão de raciocínio, a caducidade do pretenso direito da apelante teria ocorrido.
XII - Pois o facto de a apelante ter recusado, sem qualquer fundamento legal, o horário que lhe tinha sido atribuído fez cessar qualquer incumprimento que eventualmente existisse por parte da apelada, colocando-se ela própria apelante na posição de incumprimento.
XIII - Acresce que, conforme foi provado nos autos e a apelante admite, esta leccionava, simultaneamente, na Universidade da apelada, na Universidade da Madeira e na Universidade Moderna, isto é, em acumulação de funções, pelo que o seu contrato seria regido pelo Decreto-Lei n.º 553/80, de 22 de Novembro (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo), Decreto-Lei n.º 266/77, de 1 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 300/81, de 5 de Novembro, Despacho Ministerial n.º 92-ME-88, de 17 de Maio de 1988, publicado na II Série do Diário da República, de 16 de Junho de 1988, e Portaria n.º 652/99, de 14 de Agosto.
XIV - Nestes termos, ter-se-á de concluir, conforme doutamente concluiu o Tribunal da Relação de Lisboa, que não assiste qualquer razão à apelante, já que caducou o seu direito à rescisão com justa causa do contrato celebrado com a apelada.
XV - Relativamente à indemnização por danos morais, a que a apelante alega ter direito, pura e simplesmente não existe.
XVI - Na verdade, e como a apelante bem sabe, são jurisprudência e doutrina dominantes e unanimemente aceites que, no caso de eventual rescisão com justa causa, não são indemnizáveis danos morais mesmo quando existam.
XVII - Com efeito, tal indemnização não está prevista no n.º 3 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 de 2 de Fevereiro, o qual tem carácter taxativo.
XVIII - Mas, ainda que assim se não entenda, o pedido da apelante também não poderia proceder, pois não basta alegar a existência de danos morais, é necessário alegar e provar factos donde resultem a existência desses danos.
XIX - Ora, a apelante nem provou em que consistiam esses danos morais que, alegadamente, lhe teriam sido causados, como também não invocou ou demonstrou qual a razão de ser desses mesmos danos.
XX - Nesta conformidade, não reconheceu, nem poderia reconhecer, o douto Tribunal da Relação de Lisboa, qualquer direito da apelada a receber uma indemnização por danos morais.
XXI - Pelas mesmas razões resulta evidente que não podia proceder o pedido feito pela apelante."
Neste Supremo Tribunal de Justiça, a representante do Ministério Público emitiu o parecer de fls. 295 a 306, no sentido da negação da revista da ré e da parcial concessão da revista da autora, por entender não haver ocorrido a caducidade do seu direito de rescisão do contrato, parecer que, notificado às partes, suscitou a resposta da ré de fls. 308 a 317.
Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
2. Matéria de facto
As instâncias deram como apurados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1) Em 20 de Novembro de 1986, a autora e a ré subscreveram o escrito ("contrato de docência") e respectivo anexo, cuja fotocópia consta a fls. 12 e 13 dos autos (documentos n.ºs 1 e 2 da autora), cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea A) da especificação);
2) Em 1 de Setembro de 1989, a autora e a ré subscreveram o escrito ("contrato de docência") e respectivo anexo, cuja fotocópia consta a fls. 14 e 15 dos autos (documentos n.ºs 3 e 4 da autora), cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea B) da especificação);
3) A autora foi admitida ao serviço da ré no início do ano lectivo de 1986/1987, mediante a celebração do contrato referido em 1), a fim de exercer as funções de docente na Universidade Lusíada, da disciplina de Estatística, Departamento de Gestão e Economia (alínea C) da especificação);
4) A autora dava as aulas referidas em 3) no estabelecimento da ré, sito na Rua da Junqueira, n.º 194, em Lisboa (alínea D) da especificação);
5) No início de cada ano lectivo a ré atribuía à autora um determinado horário (alínea E) da especificação);
6) A autora auferia uma remuneração mensal, calculada através da multiplicação do número de horas de trabalho prestado, correspondente ao número de aulas por ela dadas, por um valor determinado expresso em dinheiro (alínea F) da especificação);
7) Nos anos lectivos de 1986/1987 a 1997/1998, a autora teve a seguinte carga horária: 1986/1987 - 25 horas por semana; 1987/1988 - 8 horas por semana; 1988/1989 - 16 horas por semana; 1989/1990 - 20 horas por semana; 1990/1991 - 28 horas por semana; 1991/1992 - 28 horas por semana; 1992/1993 - 28 horas por semana; 1993/1994 - 11 horas por semana; 1994/1995 - 11 horas por semana; 1995/1996 - 12 horas por semana; 1996/1997 - 12 horas por semana; 1997/1998 - 4 horas por semana (alínea G) da especificação);
8) A ré pagava à autora quantias a título de subsídios de férias e de Natal (alínea H) da especificação);
9) Durante o ano lectivo de 1997/1998, a autora auferiu a remuneração mensal de 90 369$00, correspondente a 16 horas por mês (alínea I) da especificação);
10) Em Outubro de 1998, início do ano lectivo de 1998/1999, a ré não atribuiu à autora qualquer horário (alínea J) da especificação);
11) A partir de Outubro de 1998, a autora não exerceu para a ré qualquer actividade de leccionação, e a ré deixou de pagar à autora qualquer remuneração a partir de 31 de Outubro de 1998 (alínea L) da especificação);
12) A ré não atribuiu à autora carga horária para o ano lectivo de 1999/2000 (alínea M) da especificação);
13) Por carta datada de 15 de Outubro de 1999, registada com aviso de recepção, que a ré recebeu em 19 de Outubro de 1999, e cuja fotocópia consta a fls. 19 e 20 dos autos (documento n.º 7 da autora), cujo teor aqui se dá por reproduzido, a autora declarou à ré "rescindir com justa causa o contrato de trabalho (...) celebrado no início do ano lectivo de 1986/87", pelos motivos aí constantes (alínea M) da especificação - por lapso, existem duas alíneas M));
14) No exercício da sua actividade de docente na Universidade Lusíada, a autora procedia à preparação pedagógica e científica dos alunos na área da sua disciplina, como melhor entendia, de harmonia com o programa por ela próprio elaborado na disciplina que ministrava, sendo da sua responsabilidade a avaliação e atribuição das classificações aos seus alunos (alínea N) da especificação);
15) A ré fixa o número de aulas semanal de cada disciplina de acordo com a carga horária dos curricula universitários fixada pelo Ministério da Educação (alínea O) da especificação);
16) A autora fazia em sua casa a investigação e preparação correspondentes à docência exercida nas instalações da ré (alínea P) da especificação);
17) Em Janeiro de 1999, a autora falou com o Prof. C, Director do Departamento de Economia, queixando-se-lhe de que não lhe tinha sido atribuído qualquer horário (resposta aos quesitos 1.º e 2.º);
18) Desde o ano lectivo 1997/1998 (inclusive) a autora dava aulas numa escola sita na ilha da Madeira; desde época anterior a 1997/1998 a autora dava aulas na Universidade Moderna (resposta ao quesito 4.º);
19) Em 2 de Março de 1999, em reunião com o Prof. D, Coordenador da Disciplina de Estatística na Licenciatura de Economia, e respectivos docentes, para a qual a autora fora convocada, e que tinha em vista distribuir a carga horária pelos diversos docentes no segundo semestre, foi atribuída à autora a leccionação de duas turmas diurnas do 2.º ano de Economia, num total de 6 horas semanais, da parte da tarde (resposta ao quesito 11.º);
20) À disciplina de Estatística correspondiam 3 horas de aulas semanais, seis turmas e um corpo docente de quatro professores (resposta ao quesito 12.º);
21) A autora dispôs-se a aceitar a leccionação das duas turmas referidas em 19), mas disse que só podia dar essas aulas às sextas-feiras à tarde e aos sábados, por estar a dar aulas na Madeira, pedindo para que o seu horário fosse alterado em conformidade (resposta ao quesito 13.º);
22) Os alunos do 2.º ano do Curso de Economia, tal como nos outros anos do curso e nos restantes departamentos, não tinham aulas ao sábado (resposta ao quesito 14.º);
23) O 2.º ano do curso de Economia tem seis disciplinas (resposta ao quesito 15.º);
24) A alteração do horário da disciplina de Estatística pretendida pela autora implicaria uma alteração global de todos os horários das diversas turmas do curso de Economia e, consequentemente, reflectir-se-ia nos horários de todos os docentes do curso de Economia e na distribuição das salas de aulas (resposta ao quesito 16.º);
25) O Ministério da Educação recomenda que não sejam ministradas 3 horas seguidas de aulas da mesma disciplina (resposta ao quesito 17.º);
26) O Prof. E, assessor do Presidente da Direcção da ré, e que também compareceu na reunião referida em 19), nessa altura disse à autora que seria muito difícil satisfazer a sua solicitação, mas que de todo o modo iria ver se se podia modificar o horário a seu contento (resposta ao quesito 18.º);
27) Na sequência do descrito em 26), o Prof. E falou com o Prof. F (Presidente da Direcção da ré) e com o Prof. Coordenador do curso de Economia, e chegaram à conclusão de que o horário não podia ser alterado; dias depois da reunião referida em 19), o Prof. E comunicou essa impossibilidade à autora, a qual reiterou a sua indisponibilidade para leccionar noutro horário que o por si referido na reunião (resposta ao quesito 19.º);
28) Durante cerca de duas semanas após o início do segundo semestre do ano lectivo de 1998/1999, os serviços administrativos da ré registaram as faltas da autora às aulas que lhe haviam sido atribuídas nos termos referidos em 19), faltas essas que não foram declaradas justificadas (resposta ao quesito 20.º);
29) A autora sentiu-se triste e desiludida com o descrito em 10) e 11) (resposta ao quesito 21.º).
3. Fundamentação
As questões colocadas nos dois recursos de revista serão conhecidas, por razões de lógica e mesmo de prejudicialidade, pela seguinte ordem: 1.º - natureza do contrato; 2.º - caducidade do direito de rescisão com justa causa; 3.º - direito da autora a indemnização por danos não patrimoniais; e 4.º - direito da ré a indemnização por falta de aviso prévio.
3.1. Quanto à questão, suscitada no recurso da ré, da natureza do contrato que vinculou a autora à ré, convém salientar que o primeiro critério de distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço consiste na natureza da prestação acordada: pelo contrato de trabalho uma pessoa obriga-se a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa; pelo contrato de prestação de serviço uma das partes obriga-se a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual (cfr. artigos 1152.º e 1154.º do Código Civil), regulando o legislador três modalidades típicas de contrato de prestação de serviço - o mandato (em que uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra - artigo 1157.º), o depósito (pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e a restitua quando for exigida - artigo 1185.º) e a empreitada (pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço - artigo 1207.º) -, mas sendo admissíveis contratos de prestação de serviço atípicos. É, assim, a natureza da prestação acordada o ponto de partida diferenciador entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço, embora depois o contrato de trabalho subordinado exija ainda a retribuição (subordinação económica) e a sujeição à autoridade e direcção da contra-parte (subordinação jurídica). E embora se possa argumentar que a valia daquele critério diferenciador é diminuta pois toda a actividade produz, em regra, um resultado e a obtenção de qualquer resultado pressupõe o desenvolvimento de alguma actividade, o certo é que em muitas situações se torna claro qual é o interesse do credor: nuns casos é que o devedor coloque à sua disposição o desenvolvimento de determinada actividade, enquanto noutros unicamente lhe interessa o resultado final da actividade desenvolvida, sendo-lhe indiferente o modo seguido pelo devedor para obter esse resultado.
Nesta perspectiva, a contratação para o exercício da docência aproxima-se, à partida, do primeiro modelo: o que o credor quer é que o devedor exercite a sua actividade docente, transmitindo, ao longo do tempo, ensinamentos aos alunos e avaliando o respectivo aproveitamento. O objecto do contrato é a prestação de uma actividade e não o proporcionar o resultado de um actividade cujo modo de execução seja indiferente para o credor.
Embora se admita também a celebração de contratos de prestação de serviços no âmbito docente, existem indicações claras no sentido da "preferência" do legislador pela celebração do contrato de trabalho. Relativamente ao ensino superior particular e cooperativo, o artigo 24.º do respectivo Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, após anunciar, no n.º 1, diploma próprio contendo o regime de contratação do pessoal docente para ministrar ensino nos estabelecimentos de ensino particular ou cooperativo (diploma já prometido pelo n.º 2 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 271/89, de 19 de Agosto, mas nunca publicado), dispõe no n.º 2 que esse diploma "estabelece o regime de contrato de trabalho dos docentes, bem como as condições em que se poderá recorrer ao contrato de prestação de serviços", o que indicia que se considera, à partida, como mais adequado o contrato de trabalho, embora com adaptações justificadas pelo tipo de actividade em causa (cfr., a este propósito, Pedro Romano Martinez, "O regime laboral dos docentes: alguns problemas", Educação e Direito, Revista da Associação Portuguesa de Direito da Educação, n.º 2, 2.º semestre de 1999, págs. 41 a 50), e só em condições especiais se deverá consentir o recurso ao contrato de prestação de serviço.
Do exposto resulta que, a nível legislativo, não há qualquer obstáculo, antes preferência, pela celebração de contratos de trabalho para o exercício da actividade docente. A autonomia pedagógica das instituições de ensino e a autonomia técnica dos docentes justificará a introdução de adaptações ao regime comum do contrato de trabalho, adaptações que terão de ser feitas pelo intérprete e aplicador da lei enquanto o legislador não publicar o diploma anunciado desde 1989, mas não rejeitam o estabelecimento, neste domínio, de relações de trabalho subordinado, como efectivamente ocorreu no caso dos autos.
O acórdão recorrido examinou extensamente a problemática da natureza do contrato celebrado entre autora e ré, concluindo, com argumentos ponderosos, pelo reconhecimento da natureza laboral dessa relação, em termos que inteiramente se acompanham e, por isso, a seguir se sumariam ou reproduzem.
O acórdão começa por salientar que do já referido artigo 24.º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, se infere que o legislador tem consciência de que os objectivos prosseguidos pelo sistema do ensino superior, incluindo o particular - que desenvolvidamente enuncia -, justificam a sujeição da contratação dos docentes a regras próprias, regras que "poderão consubstanciar desvios ao regime jurídico laboral, sem que este deixe, porém, de constituir o padrão norma-tivo tido como referência, ou, em alternativa, poderão justificar o recurso ao regime do contrato de prestação de serviços".
Após extensas referências doutrinais e jurisprudenciais à diferenciação entres as figuras de contrato de trabalho e de contrato de prestação de serviços e de enunciação dos critérios indiciários a utilizar em casos de dúvida, o acórdão recorrido debruçou-se sobre o caso dos autos, concluindo pela sua natureza laboral, com a seguinte fundamentação:
"Como se refere na douta sentença recorrida, há «que averiguar qual foi a vontade das partes e qual o modo como efectivamente se relacionaram, sabido como é que o nomen juris que eventualmente tenham adoptado não vincula o julgador».
Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, entendemos que ficou suficientemente provado que entre a autora e a ré foi estabelecida e vigorou uma relação jurídica de trabalho subordinado, já que a autora estava sujeita à direcção e orientação da ré, porquanto, como refere a sentença, provou-se, que no referido contrato de docência relativo ao ano lectivo de 1986/1987 e automaticamente renovado para o ano lectivo seguinte consta que «a primeira outorgante [a ora ré] confia ao segundo outorgante [a ora autora] a docência das aulas práticas da disciplina de Estatística, cuja regência está atribuída ao Ex.mo Senhor Professor Engenheiro G»;
Em l de Setembro de 1989, a autora e a ré subscreveram novo «contrato de docência» e respectivo anexo.
Naquele documento consta que «o primeiro outorgante [a ora ré] confia ao segundo outorgante [a ora autora] o exercício das funções de docente na Universidade Lusíada, com a categoria de assistente» (n.° 1.°), que à ora autora «competirá, essencialmente, ministrar aulas práticas, para o que deverá acompanhar estritamente o programa desenvolvido nas aulas teóricas e actuar sempre sob a direcção e orientação directa do respectivo regente» (n.° 2.°), que a ora autora «obriga-se a exercer as suas funções em harmonia com os Regulamentos e as Instruções em vigor na Universidade Lusíada, assegurando as horas de aula que constam do anexo junto» (n.° 3.°), que a ora autora obriga-se «a assegurar o regular funcionamento das provas de avaliação, quer escritas quer orais, em conformidade com os programas e horários superiormente aprovados e de acordo com as necessidades e exigências do serviço universitário» (n.° 4.°) e ainda que a ora autora se obriga «a desempenhar as demais tarefas docentes ou relacionadas com a docência que, de acordo com os regulamentos em vigor na Universidade Lusíada ou com os usos universitários, lhe sejam atribuídas por eleição ou designação das entidades competentes» (n.° 5.°).
Estes factos são suficientemente relevantes e significativos no sentido de que a autora estava sujeita às instruções e à direcção da ré, o que basta para se concluir pela existência de relação laboral subordinada.
Acresce ainda que se provaram alguns indícios, ou índices, significativos, no sentido da subordinação da autora à ré (factos n.°s. 4, 6 e 8), ou seja, respectivamente, (4) que a autora dava as aulas no estabelecimento da ré, sito na Rua da Junqueira, n.° 194, em Lisboa, (6) a autora auferia uma remuneração mensal e (8) a ré pagava à autora quantias a título de subsídios de férias e de Natal.
Existiu, assim, entre as partes, um contrato de trabalho subordinado."
Este é também o entendimento sustentado no parecer da representante do Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça, no qual, após manifestar adesão aos fundamentos do acórdão recorrido quanto a esta questão, acrescentou as seguintes considerações:
"Resulta do disposto no n.° 2 do artigo 5.° da LCT que a autonomia técnica do trabalhador não constitui, por si, obstáculo a que a sua actividade seja objecto de contrato de trabalho.
Com efeito, podem ser exercidas em regime de subordinação jurídica, elemento verdadeiramente característico do contrato de trabalho, actividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta da autonomia técnica e científica do trabalhador, como acontece com o exercício da actividade do médico, engenheiro, advogado ou professor. A dependência técnica e científica não é necessária à subordinação jurídica, podendo esta restringir-se a domínios de carácter administrativo e de organização. Nestas situações, o trabalhador somente fica sujeito à observância das directrizes do empregador em matéria de organização do trabalho - local, horário, normas de procedimento burocrático, regras disciplinares, etc. (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Fevereiro de 1994 e de 2 de Novembro de 1994, Acórdãos Doutrinais, n.° 391, pág. 900, e n.° 399, pág. 360, e Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 1.º volume, 8.ª edição, pág. 106).
No sentido de que a autonomia técnica e científica dos docentes, designadamente no ensino universitário, não obsta a que a relação jurídica entre o docente e o estabelecimento de ensino seja qualificado como contrato de trabalho, pronuncia-se Pedro Romano Martinez, «O Regime Laboral dos Docentes: Alguns Problemas», em Educação e Direito, ano I, n.° 2, 2.° semestre, pág. 41.
Assim, a argumentação da ré no sentido de que a autora, no exercício da sua actividade docente, procedia à preparação pedagógica e científica dos alunos na área da sua disciplina, como melhor entendia, de harmonia com o programa por ela elaborado na disciplina que ministrava, sendo da sua responsabilidade a avaliação e atribuição das classificações dos seus alunos, é uma argumentação que se dirige apenas à autonomia técnica, científica e pedagógica da autora, sendo certo que essa autonomia não impede, ao contrário do que pretende a ré, que as funções docentes atribuídas à autora fossem exercidas em regime de subordinação jurídica.
Finalmente, cabe também referir que a afirmação produzida pela ré na conclusão XXII da sua alegação de recurso de que não ficou provado que marcasse faltas à autora e lhe exigisse a justificação das mesmas, não corresponde à matéria de facto assente.
É que, contrariamente ao que afirma a ré, ficou provado que durante cerca de duas semanas após o início do segundo semestre do ano lectivo de 1998/1999, os serviços administrativos da ré registaram as faltas da autora às aulas que lhe haviam sido atribuídas, faltas essas que não foram declaradas justificadas (cfr. ponto n.° 28 da decisão de facto)."
É de manter a qualificação da relação entre autora e ré como de trabalho subordinado, pelas razões já expostas: desde logo, o objecto da prestação acordada é o desenvolvimento de uma actividade e não o fornecimento de um resultado; depois, a autonomia científica é irrelevante, interessando antes a heterodeterminação (pela ré) das condições de prestação dessa actividade, designadamente quanto a horários; em seguida, o carácter mensal da remuneração e, sobretudo, o pagamento de subsídios de férias e de Natal, apontam no sentido da natureza laboral da relação estabelecida; finalmente, resulta das cláusulas dos contratos celebrados a inserção da autora na estrutura organizativa da ré, com dever de obediência a regulamentos internos e a instruções em vigor na ré, sendo sabido que para a afirmação de uma situação de subordinação jurídica basta a constatação da possibilidade de a entidade patronal exercitar os poderes que essa situação lhe outorga, não sendo necessária a comprovação do efectivo exercício dos mesmos.
Improcede, assim, a primeira questão suscitada no recurso da ré.
3.2. Quanto ao direito de rescisão do contrato com justa causa e sua caducidade, dispõe o artigo 34.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante designado por LCCT), que, ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho (n.º 1), rescisão que deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a fundamentam, dentro dos 15 dias subsequentes ao conhecimento desses factos (n.º 2), sendo que apenas os factos indicados nessa comunicação escrita são atendíveis para justificar judicialmente a rescisão (n.º 3). Por sua vez, o n.º 1 do artigo 35.º do mesmo diploma legal indica, taxativamente, quais são os comportamentos culposos da entidade empregadora que constituem justa causa de rescisão do contrato, entre os quais se insere a violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador (alínea b)), e o subsequente n.º 4 dispõe que a justa causa deve ser apreciada pelo tribunal nos termos do n.º 5 do artigo 12.º, com as necessárias adaptações, isto é, o tribunal deve atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que, no caso, se mostrem relevantes. Em suma: tal como no despedimento só se deve dar por verificada a existência de justa causa se o comportamento culposo do trabalhador, pela sua gravidade e consequências, tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, assim também a rescisão por iniciativa do trabalhador há-de assentar em comportamento culposo da entidade patronal, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral. Não basta que o comportamento da entidade patronal preencha objectivamente qualquer das hipóteses elencadas no artigo 35.º da LCCT, sendo ainda necessário que esse comportamento culposo tenha tornado inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua actividade em benefício da entidade patronal. E, sendo assim, no caso de comportamentos reiterados ou que se prolonguem no tempo, também só a partir do momento em que a manutenção da relação laboral se tenha tornado inexigível ao trabalhador e em que, consequentemente, tenha surgido para ele o direito a rescindir o contrato, é que começará a contar o prazo de caducidade deste direito, de acordo, aliás, com a regra do artigo 329.º do Código Civil, segundo a qual "o prazo de caducidade (...) começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido".
No presente caso, a autora rescindiu o seu contrato de trabalho através da carta que enviou à ré, datada de 15 de Outubro de 1999 e recebida no subsequente dia 19, cuja fotocópia consta de fls. 19 e 20, a qual é do seguinte teor:
"Venho por este meio comunicar a VV. Ex.as que, nos termos do n.° 1 do artigo 34.º e n.° 1, alíneas a), b) e e), do artigo 35.°, ambos do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, rescindo com justa causa o contrato de trabalho convosco celebrado no início do ano lectivo de 1986/87 pelas seguintes razões:
Desde o início do ano lectivo de 1998/1999 que não me são atribuídas quaisquer funções, ainda que diversas daquelas que correspondem à categoria para que fui contratada, numa clara violação das minhas garantias legais e constitucionais. Esta recusa injustificada em me atribuir um horário, que se vem repetindo há já três semestres, impedindo-me assim de leccionar, tem vindo a provocar, para além de graves prejuízos morais, um sério dano na minha capacidade produtiva.
Com efeito, quando em Outubro de 1998 reclamei junto do Departamento de Economia e Gestão, foi-me dito pelo Dr. E que me seria distribuída uma «carga horária» logo no segundo semestre, o que não se verificou. Esta situação continuou a manter-se e do mesmo modo após nova reclamação foi-me prometido pelo Prof. F, presidente da Direcção, que a atribuição da prometida «carga horária» teria lugar no início deste ano lectivo 1999/2000. Não obstante e apesar de todas as promessas continua a não ser-me atribuída qualquer «carga horária».
Também, desde 31 de Outubro de 1998 não me têm sido pagas quaisquer retribuições, sem que para o facto me tenha sido dada qualquer justificação, em lesão dos meus interesses patrimoniais e em total incumprimento do contrato que convosco celebrei.
É deste modo insustentável a relação de trabalho que mantenho com VV. Ex.as.
A presente rescisão produzirá efeitos na data da recepção desta comunicação, data essa a partir da qual ficarei efectivamente desobrigada de quaisquer obrigações laborais.
Solicito ainda a VV. Ex.as o pagamento, com a brevidade possível, das importâncias remuneratórias que me são devidas, correspondentes às retribuições em atraso dos meses de Novembro de 1998 a Outubro de 1999, aos subsídios de férias e de Natal do ano de 1998 e seus proporcionais relativos a 1999, bem como da indemnização prevista para a rescisão com justa causa nos termos do citado diploma legal."
O acórdão recorrido, após reproduzir os n.ºs 17 a 28 da matéria de facto provada, ponderou o seguinte:
"Verifica-se que, na referida carta, a autora invocava dois fundamentos como justa causa de rescisão do contrato de trabalho - a não atribuição à autora de funções «carga horária» desde o início do ano lectivo de 1998/1999 e o não pagamento das retribuições desde 31 de Outubro de 1998.
No caso dos autos, como já se referiu, existiu justa causa para a rescisão do contrato, que, no entanto, desapareceu em Março de 1999, pelo facto de a autora, nesta altura sem fundamento legal, ter recusado o horário. Há que ter em conta que compete à entidade patronal o estabelecimento do horário de trabalho (artigos 49.° do RJCIT aprovado pelo Decreto-Lei n.° 49408, de 24 de Novembro de 1969, e 11.° do Decreto-Lei n.° 409/71, de 27 de Setembro) e que o horário proposto era estabelecido de acordo com o plano de estudos e com a cláusula 2.ª do «contrato de docência» (a fls. 12 dos autos), além de que a carga horária, atribuída à autora, foi variável e diversificada desde o ano lectivo de 1986/1987 a 1997/1998, como se pode constatar no n.° 7 dos factos provados.
Aliás, no último ano lectivo (de 1997/1998), a carga horária da autora era de 4 horas por semana, sendo certo que o horário recusado pela autora em Março de 1999 era de 6 horas por semana (facto n.° 19).
A partir da altura em que foi comunicado à autora que o horário, que lhe estava destinado, não podia ser alterado (o que era impossível, segundo referia a ré), ou seja, foi dito à autora que não podia ser satisfeita a sua pretensão no sentido de lhe adequar o horário, de modo a dar aulas no estabelecimento da ré apenas às sextas-feiras de tarde e sábados, tendo a autora recusado o horário que lhe era proposto pela ré, a partir desta recusa (o que aconteceu em data indeterminada de Março do ano de 1999), a autora deixou de ter fundamento para a rescisão do contrato com justa causa.
A ré até demonstrou sentido de colaboração para satisfazer a pretensão da autora, o que não foi possível, face às várias limitações, que resultam dos factos.
Até à data em que recusou a aceitação do horário, a autora tinha direito à retribuição que devia ser paga no final de cada mês - artigo 93.° do RJCIT - havendo, assim, justa causa de rescisão do contrato pela autora, nos termos do artigo 35.°, n.° 1, alínea a), do Regime Jurídico, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro - «falta culposa de pagamento pontual da retribuição na forma devida», presumindo-se a culpa da ré quanto ao não pagamento - artigo 799.° do Código Civil.
Porém, a partir da data da recusa em aceitar o horário, que lhe era proposto, também a autora deixou de ter direito à remuneração.
Até à recusa em aceitar o horário, a autora tinha direito a receber a remuneração mesmo sem prestar trabalho, tendo em conta que, se o não prestou, até àquela altura, foi por culpa da ré, que não lhe atribuiu horário de trabalho, desde final de Outubro de 1998.
Em suma, os fundamentos para a autora rescindir o contrato de trabalho verificaram-se desde final de Outubro de 1998 até Março de 1999."
Entrando de seguida na apreciação da questão da caducidade do direito de rescisão, ponderou-se no acórdão recorrido:
"A ré defende que, a existir o direito de rescisão do contrato com justa causa pela autora, verifica-se a caducidade desse direito:
Vejamos:
Dispõe o n.° 2 do artigo 34.° da LCCT que «a rescisão deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, dentro dos quinze dias subsequentes ao conhecimento desses
factos».
Está em causa, no presente caso, a determinação do dies a quo, do termo inicial do prazo.
A jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, actualmente faz uma interpretação articulada com a própria noção de justa causa, conforme refere Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, pág. 164): «A interpretação-aplicação desta regra tem de se fazer em articulação com a própria noção de justa causa. Assim, como afirma o Supremo Tribunal de Justiça, "nas hipóteses assentes em situações de efeitos duradouros, susceptíveis de agravamento com o decurso do tempo (no caso tratava-se de falta pontual de retribuição), deve-se entender que o prazo de quinze dias do artigo 34.° da LCCT se inicia, não no momento do conhecimento da pura materialidade dos factos, mas sim quando no contexto da relação laboral assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível, não sendo exigível ao trabalhador a manutenção daquela relação"».
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 1998 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, tomo II, pág. 300): «a rescisão representa para o trabalhador uma grande importância na sua vida já que implica a perda do emprego. Assim, e perante determinado comportamento da entidade patronal, o trabalhador tem de ponderar devidamente a possibilidade ou impossibilidade da manutenção da relação laboral (impossibilidade essa que, no fim de contas, constitui a justa causa de rescisão - cfr. n.° 4 do artigo 35.° da LCCT), pelo que se lhe não deve impor uma decisão precipitada. (...) O n.° 2 do artigo 34.° da LCCT, referindo-se aos requisitos da rescisão, entre eles o do falado prazo de 15 dias, pretende referir-se a factos que o trabalhador, após a devida ponderação de todas as circunstâncias que os envolvem, acabou por entender impossibilitarem eles a subsistência da relação laboral, constituindo-se os mesmos como justa causa de rescisão do contrato, tal como entenderia um indivíduo de inteligência e sensibilidade normais colocado na sua posição. É só nessa altura, em que o trabalhador teve conhecimento dos factos, não na sua materialidade pura, mas como justa causa de rescisão, que se deve ter como iniciado aquele prazo».
Esta é a interpretação, que sufragamos, que está de acordo com a realidade e a normalidade das coisas, que deve sobrepor-se a uma interpretação puramente literal e mecânica.
No caso dos autos, como já se referiu, existiu justa causa para a rescisão do contrato, que, no entanto, desapareceu em Março de 1999, pelo facto de a autora, nesta altura, sem fundamento legal, ter recusado o horário, tendo também cessado, a partir desta data, o dever de a ré lhe pagar a respectiva retribuição, porquanto «a retribuição é a contrapartida do trabalho» - artigos 1.° e 82.°, n.° l, do RJCIT - e a não prestação de trabalho, a partir de então, era por culpa da autora; assim, a partir de Março de 1999, deixou de ser devida a retribuição, cessando, portanto, a partir daquela altura, o fundamento para a autora rescindir o contrato, com invocação de justa causa.
Tendo em conta que a carta de rescisão do contrato tem a data de 15 de Outubro de 1999, tendo sido recebida pela ré em 19 de Outubro de 1999, há muito tempo que tinha decorrido o prazo de 15 dias subsequentes ao conhecimento dos factos, que podiam ser invocados como justa causa de rescisão do contrato, pelo que se verifica a excepção de caducidade do direito de rescisão do contrato com justa causa, nos termos do artigo 34.º, n.º 2, do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro."
Relativamente a estas questões, defendeu-se no citado parecer do Ministério Público o provimento do recurso da autora quanto à não caducidade do direito de rescisão do contrato. Nesse parecer recordou-se que a autora invocara como justa causa de rescisão do seu contrato de trabalho a falta de pagamento das retribuições desde 31 de Outubro de 1998 e a não atribuição de funções e de horário de leccionação desde o início do ano lectivo de 1998/1999 e no ano lectivo de 1999/2000, e, após se transcreverem os n.ºs 10 a 12, 17 a 19, 21, 22, 24, 26 e 27 da matéria de facto provada e a parte relevante da fundamentação do acórdão recorrido, consignou-se o seguinte:
"Contra esta argumentação do acórdão recorrido, insurge-se a autora, alegando que, não lhe tendo sido levantado pela ré qualquer processo disciplinar por faltas injustificadas, nem considerado que tivesse abandonado o lugar, pois não lhe fez qualquer comunicação, nos termos do artigo 40.°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro, há que concluir que o contrato de trabalho se manteve e, por isso, mesmo que a autora pudesse efectivamente ter perdido o direito à remuneração, a admitir-se que lhe era imputável a não aceitação do horário proposto, a verdade é que não perdera o direito à ocupação efectiva que a ré tinha que lhe assegurar, quanto mais não fosse, a partir do início do ano lectivo de 1999/2000, o que a ré não fez, tendo sido precisamente após a não atribuição de carga horária no inicio do ano lectivo de 1999/2000, atribuição essa que aguardou vários dias, e a ponderação de toda a situação anterior que levou a autora a concluir que não havia mais a possibilidade da subsistência da relação de trabalho.
Termina a autora por sustentar que não se verifica a caducidade do direito de rescindir o seu contrato de trabalho com justa causa, por ocorrer uma violação reiterada do seu direito à ocupação efectiva.
Equacionados os termos da questão, desde já se adianta que, a nosso ver, não se verifica a caducidade do referido direito.
O n.º 2 do artigo 34.° do RJCCT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, dispõe: «a rescisão deve ser feita por escrito, com menção sucinta dos factos que a justificar dentro dos quinze dias subsequentes ao conhecimento desses factos».
No caso concreto, verifica-se, como atrás se referiu, que a autora invocou como justa causa de rescisão do contrato de trabalho a falta de pagamento das retribuições desde 31 de Outubro de 1998 e a não atribuição de funções e de horário de leccionação desde o início do ano lectivo de 1998/1999 e no ano lectivo de 1999/2000.
Este Supremo Tribunal tem perfilhado o entendimento de que a falta de pagamento pontual da retribuição na forma devida consubstancia um ilícito continuado, renovando-se o seu conhecimento para efeitos da contagem do prazo de caducidade fixado no n.° 2 do citado artigo 34.°, enquanto a situação de incumprimento perdurar (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Outubro de 1996, publicado em Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano IV, tomo I, pág. 272, de 13 de Outubro de 1998, proferido no processo n.° 71/98, de 21 de Outubro de 1998, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 480, pág. 205, e de 8 de Março de 2001, proferido no processo n.° 3839/00).
Por outro lado, entendemos também que a falta de atribuição à autora de funções e de horário de leccionação nos anos lectivos de 1998/1999 e 1999/2000, integra violação continuada do dever de ocupação efectiva, donde resulta que igualmente se renova o seu conhecimento para efeitos do referido prazo de caducidade até que cesse essa situação.
Na óptica do douto acórdão recorrido, tal como entendemos a argumentação nele explicitada, a violação por parte da ré do dever de ocupação efectiva da autora cessou em Março de 1999, data em que a autora recusou o horário que lhe foi proposto pela ré para o 2.º semestre do ano lectivo de 1998/1999, tendo essa recusa da autora posto cobro também à situação de falta de pagamento culposo das retribuições que lhe eram devidas até 31 de Outubro de 1998 e daí que se tivesse concluído no douto acórdão recorrido que havia caducado o direito da autora à rescisão do seu contrato com fundamento nessas situações que invocou como justa causa de rescisão.
Ora, no que respeita à falta de pagamento das retribuições devidas à autora desde Outubro de 1998, que aquela invocou como justa causa de rescisão do seu contrato de trabalho, essa falta de pagamento manteve-se até à data da rescisão do contrato e daí que não se possa considerar que o direito de a autora rescindir o contrato com fundamento nessa falta de pagamento tenha caducado.
É que, a nosso ver, a recusa da autora não tem a virtualidade de «apagar» ou fazer desaparecer o comportamento culposo imputado à ré pela autora, traduzido na falta de pagamento das retribuições devidas à autora desde 31 de Outubro de 1998, comportamento esse que perdurava à data da rescisão do contrato.
Com efeito, ainda que se aceite o entendimento sufragado no douto acórdão recorrido no sentido de que a partir de Março de 1999, data em que a autora recusou o horário de leccionação proposto pela ré, aquela perdeu o direito à retribuição por não ter prestado trabalho por facto que lhe é imputável, a verdade é que até essa data, bem como até à data da rescisão do contrato operada por iniciativa da autora, se mantinham em dívida as retribuições a que esta tinha direito desde 1998, o que significa que a falta de pagamento dessas retribuições perdurava à data da rescisão do contrato.
Assim, consideramos que o direito que assistia à autora de rescindir o seu contrato de trabalho, com fundamento na falta de pagamento das retribuições devidas desde 1998, não caducou.
No que concerne à falta de atribuição de horário de leccionação desde o início do ano lectivo de 1998/1999 e no ano lectivo de 1999/2000, que a autora invocou também como justa causa de rescisão do seu contrato de trabalho, entendemos que a recusa da autora em aceitar o horário que a ré lhe propôs para o 2.° semestre do ano lectivo de 1998/1999, também não faz desaparecer a violação por parte da ré do dever à ocupação efectiva da autora, tanto mais que essa violação se manteve até à data da rescisão do contrato, dado que, no ano lectivo de 1999/2000, a ré mais uma vez deixou de atribuir quaisquer funções à autora.
Aliás, contra a recusa injustificada da autora em aceitar o horário que lhe foi proposto, a ré poderia ter reagido disciplinarmente. O que a ré não podia era, à sombra dessa recusa, continuar a manter a autora em completa inactividade, por a tal obstar o direito daquela a ser efectivamente ocupada enquanto se manteve a execução do contrato de trabalho.
Assim, consideramos que aquela recusa injustificada da autora é insusceptível de produzir efeitos na contagem do prazo de caducidade previsto no n.° 2 do artigo 34.° do RJCCT, podendo apenas relevar para efeitos de apreciação da justa causa invocada pela autora para a rescisão do contrato, questão que, todavia, está ultrapassada uma vez que a decisão do douto acórdão recorrido que julgou procedente a justa causa invocada pela autora não foi objecto de impugnação por parte da ré, tendo, por isso, transitado em julgado."
Na resposta a este parecer, a ré veio, além do mais, contestar a última asserção nele contida, afirmando que na primeira parte do conclusão XLI das suas alegações também impugnara a eventual existência de justa causa para a rescisão do contrato exercida pela autora. Porém, o que nessa conclusão se sustenta, em conformidade com o aduzido no teor das alegações (seu n.º 76), é que, no caso, não existia justa causa para o despedimento (isto é, para a rescisão por iniciativa da autora) porque ela (justa causa) cessou a partir do momento em que a autora recusou o horário que lhe foi atribuído, daqui derivando que, em rigor, como se assinala no parecer do Ministério Público, a ré não impugna o entendimento do acórdão recorrido de que determinados comportamentos seus eram susceptíveis de integrar justas causas para a rescisão, defendendo apenas que essas justas causas cessaram a partir do momento da recusa do horário por parte da autora.
Tentando clarificar a situação, importa assinalar o seguinte:
- a autora invocou como justa causa para a rescisão: (i) o não pagamento de retribuições desde 31 de Outubro de 1998; (ii) a não atribuição de funções desde o início do ano lectivo de 1998/1999; e (iii) a continuação da não atribuição de funções no início do ano lectivo de 1999/2000;
- o acórdão recorrido considerou que os factos (i) e (ii) constituíam justa causa para a rescisão, o que não foi impugnado pela ré; mas não valorizou autonomamente o facto (iii), o que foi impugnado no recurso da autora, que sustenta a maior amplitude dos factos justificativos da justa causa, estendendo-os ao início do ano lectivo de 1999/2000 (vide conclusão b) da respectiva alegação);
- o acórdão recorrido considerou que, apesar de não ter exercido funções no ano lectivo de 1998/1999, a autora tem direito a ser remunerada de Novembro de 1998 a Março de 1999 (tomando por base de cálculo a remuneração mensal do último ano em que foi paga - ano lectivo de 1997/1998 - no valor de 90369$00) por a sua inactividade nesse período ser imputável à ré, que não lhe distribuiu serviço, mas deixou de ter direito a remuneração a partir de Março de 1999, por desde então a inactividade lhe ser imputável (à autora), face à sua recusa injustificada em aceitar o horário que lhe foi proposto; estes entendimentos não foram impugnados pelas respectivas partes prejudicadas nos correspondentes recursos de revista;
- mas entendeu o acórdão recorrido que o exercício do direito de rescisão com base nos fundamentos (i) e (ii) caducou por estes fundamentos terem cessado em Março de 1999 e a carta de rescisão datar de 15 de Outubro seguinte, o que é impugnado pela autora, com apoio do Ministério Público, dado que, por um lado, a dívida das remunerações se mantém, e, por outro, havia que atender também à não atribuição de funções, com violação do direito de ocupação efectiva, no início do ano lectivo de 1999/2000.
Assim clarificada a questão agora em apreço, cumpre tomar posição.
Quanto ao fundamento da rescisão por não atribuição de carga horária no ano lectivo de 1998/1999, não merece censura o entendimento de que esse fundamento, sendo à partida procedente, deixou de ter relevância rescisória a partir do momento em que, propondo-se a ré atribuir serviço à autora, esta o recusou injustificadamente, em Março de 1999, alegando incompatibilidade de horário com actividade docente noutro estabelecimento, e, portanto, não podia ser considerado como tempestivamente invocado em Outubro seguinte.
Quanto ao fundamento da rescisão por falta de pagamento de retribuições desde 31 de Outubro de 1998, uma vez assente, como está, que o direito de a autora receber remuneração apesar de não desenvolver qualquer actividade também cessou em Março de 1999, não se pode considerar, salvo o devido respeito, que enquanto a ré não pagar essa remuneração, a autora está em tempo para, com esse fundamento, rescindir o contrato. Importa salientar que, no presente caso, não se trata de uma falta de pagamento que se reitera e avoluma todos os meses. O crédito da autora respeita a um período delimitado e já findo (de Novembro de 1998 a Março de 1999), não se tratando que um "facto continuado" que mantivesse actualidade até à rescisão. Não consta dos autos que a autora haja reclamado o seu pagamento (na sua carta de rescisão não é feita a mínima alusão a essas eventuais reclamações) e, decisivamente, esse não pagamento não foi considerado pela autora como impeditivo da manutenção da relação laboral, pois ela, como da mesma carta de rescisão resulta, no início do ano lectivo de 1999/2000 pretendia que lhe fosse distribuído serviço.
Resta, assim, o alegado fundamento da não atribuição de carga horária no ano lectivo de 1999/2000, que o acórdão recorrido não valorizou autonomamente, contra o que se insurge a autora no seu recurso de revista, e relativamente ao qual, como é patente, não é extensível o juízo de caducidade formulado a respeito dos dois fundamentos anteriores.
Acontece, porém, que, quanto a este fundamento, a matéria de facto apurada não fornece base suficiente para a decisão de direito. O único facto apurado foi o de que "a ré não atribuiu à autora carga horária para o ano lectivo de 1999/2000" (facto n.º 12), mas sem se referenciar a razão de ser dessa omissão, o que se mostra essencial, pois só se a mesma for imputável à ré, em termos de culpa, é que constituirá
"violação culposa de garantia legal do trabalhador" (no caso, violação do direito de ocupação efectiva), idónea a integrar a previsão do artigo 35.º, n.º 1, alínea b), da LCCT. Ora, a ré articulou factos - que não foram quesitados - e que se mostram relevantes para a dilucidação da questão, designadamente nos artigos 88.º a 96.º da contestação, do seguinte teor:
"88.° - Alega ainda a autora que também no ano lectivo de 1999/2000 não lhe foi atribuída carga horária. É exacto, mas foi ela quem tal quis.
89.º - Na verdade, não só ela, autora, abandonara o lugar no segundo semestre do ano lectivo anterior (de Março a Setembro) como não mais ela voltara a comunicar à ré o seu propósito de voltar a exercer a docência na Universidade Lusíada quer nos horários aprovados pelas autoridades institucionais quer nos ditos fins de semana por ela pretendidos.
90.º - Nestas condições, não era possível à ré atribuir-lhe carga horária para o ano lectivo de 1999/2000.
91.º - Mas mesmo que a autora tivesse avisado a ré do seu propósito de voltar a ensinar na Universidade Lusíada, na área da disciplina de Estatística do curso de Economia, e o fizesse em 15 de Outubro de 1999, data em que ela comunica à ré, e por carta, a rescisão do contrato de docência, mesmo então ainda não teria sido possível atribuir-lhe carga horária, haveria que aguardar pelo menos mais uma semana.
92.º - É que, quer devido aos complexos problemas decorrentes da reestruturação do curso de Economia, Portaria n.° 599/99, de 2 de Agosto, quer devido aos atrasos provenientes da realização dos exames da época especial dos trabalhadores-estudantes, nesta data, 15 de Outubro, ainda faltava inscreverem-se muitos alunos, pelo que ainda não tinha sido possível organizar as respectivas turmas.
93.º - Só por essas razões é que, em meados de Outubro de 1999, o serviço docente ainda não se encontrava totalmente distribuído.
94.º - De forma que em 15 de Outubro ainda não teria sido atribuída carga horária à autora, como sucedia a muitos outros docentes, mas sem prejuízo de a respectiva remuneração se vencer desde o dia 1 daquele mês - início do ano lectivo.
95.º - Não obstante a autora ter rescindido o contrato de docência em 15 de Outubro, a ré dispôs-se a voltar a confiar-lhe a docência, o que ela, autora, não aceitou.
96.º - Impugna-se, assim, expressamente, o alegado pela autora nos artigos 18.° e 19.° da sua, aliás, mui douta petição inicial."
A provarem-se estes factos articulados pela ré, deixará de lhe ser imputável, a título de culpa, a violação do dever de ocupação efectiva da autora, sendo certo que o comportamento da ré foi sempre inequívoco no sentido de que, apesar de não prestação de serviço efectivo pela autora no ano lectivo de 1998/1999, considerar subsistente o vínculo contratual que as ligava, nunca tendo atribuído relevância disciplinar à recusa da autora de aceitar o horário proposto em Março de 1999, como também nunca invocou qualquer hipotético abandono do trabalho por parte da mesma.
Impõe-se, assim, usar da faculdade prevista no artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ficando prejudicado o conhecimento das questões do direito a indemnização por danos não patrimoniais (suscitada no recurso da autora) e do direito a indemnização por falta de aviso prévio da rescisão (suscitada no recurso da ré).
4. Decisão
Em face do exposto, acordam em, no uso da faculdade prevista no artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, determinar a volta do processo ao tribunal recorrido, para efeitos de ampliação da decisão da matéria de facto, nos termos assinalados.
Custas pelo vencido a final.
Lisboa, 13 de Novembro de 2002.
Mário Torres,
Vítor Mesquita,
Emérico Soares.