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Sumário
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:Na presente acção ordinária a autora A pede a condenação do réu B a pagar-lhe a quantia de 20.000.000$00, a título de indemnização por danos morais decorrentes da violação, por parte do réu, do disposto no artigo 70 do Código Civil ao exibir numa página da Internet uma fotomontagem, utilizando uma fotografia com o rosto da autora e o corpo nu de uma outra mulher, afirmando tratar-se do verdadeiro corpo daquela.
O réu contestou, negando a autoria dos factos.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou o réu a pagar à autora a indemnização de 2.000.000$00.
Esta sentença foi confirmada pela Relação de Lisboa, que negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo réu e cujo objecto se circunscrevia à fixação da matéria de facto.
Pede agora o réu revista desse acórdão, formulando as seguintes conclusões:
1. A única matéria de facto apurada no presente processo passível de fundamentar a existência de um prejuízo é a que consta da resposta ao artigo 13º da base instrutória, segundo a qual, com a divulgação da imagem da autora, esta pode ver-se prejudicada profissionalmente, podendo ficar em perigo o seu actual posto de trabalho e futuras contratações.
2. Trata-se de uma resposta dada em termos meramente hipotéticos, o que se compreende, se tivermos em conta que a publicação das imagens ocorreu no decurso do ano de 1997 e que à data da resposta à matéria de facto (25/5/2000), a autora mantinha o seu posto de trabalho como directora da revista ...., sendo um facto notório que tal situação se mantém à actual data.
3. Os danos futuros aqui em causa apenas são indemnizáveis quando sejam previsíveis, e, não sendo determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
4. Por danos futuros previsíveis devem entender-se aqueles em que se pode prognosticar ou conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá a sua ocorrência, podendo distinguir-se de entre eles os certos e eventuais, consoante a respectiva produção se apresente como infalível ou meramente possível.
5. Nos danos previsíveis eventuais há ainda que distinguir as situações em que se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro imediato mais ou menos longínquo, integráveis na categoria de danos previsíveis, daquelas em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer num futuro mediato, em que mais não há do que um receio, integráveis na categoria de danos imprevisíveis.
6. No caso concreto, não se pode fazer qualquer prognóstico quanto à ocorrência do prejuízo consistente em a autora ficar prejudicada profissionalmente, apenas se admitindo a possibilidade de tal vir a acontecer, pelo que, não se tratando de um prejuízo futuro previsível, nunca este poderia ser objecto de ressarcimento.
7. Por outro lado, no caso em apreço os danos não são determináveis, uma vez que não foram alegados quaisquer factos que permitissem quantificar o prejuízo sofrido com a eventual ocorrência de alterações da situação profissional da autora, pelo que, no máximo, apenas poderia haver uma condenação no que se liquidasse em execução de sentença.
8. Apesar de o Tribunal «a quo» ter condenado o réu no pressuposto de que estaríamos perante danos morais, o que nos remeteria para critérios de equidade, a verdade é que a circunstância de alguém perder o seu emprego, ou ser prejudicado em contratações futuras, tem um reflexo meramente patrimonial, pelo que não tem cabimento alegar a existência de danos morais a propósito de uma situação desta natureza.
Ao decidir em desconformidade com as conclusões acima enunciadas, a sentença e acórdão recorridos violaram a lei substantiva, mais concretamente o artigo 564, nº 2 do Código Civil, pelo que devem ser revogados, absolvendo-se o réu do pedido.
A recorrida contra-alegou defendendo a confirmação do julgado.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Tendo em conta que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (artigos 684, nº 3 e 690, nº 1, ambos do Código de Processo Civil), vê-se que o réu pretende agora discutir, na última instância, o que nunca discutiu anteriormente, maxime no recurso de apelação.
Efectivamente, coloca o recorrente, agora e pela primeira vez, a questão de saber se a matéria de facto (relevantemente) provada quanto a danos - sendo certo que, na sua opinião, essa factualidade se limita a possíveis e futuros prejuízos na vida profissional da recorrida, conforme consta da resposta ao artigo 13º da base instrutória -- será suficiente para justificar a indemnização por danos morais em que foi condenado.
Estamos, assim, perante uma questão nova, não abordada pelo acórdão sob análise, pois que, exorbitando a matéria de conhecimento oficioso, o recorrente deveria tê-la suscitado na respectiva alegação de recurso.
O que não fez. Como se disse no relatório supra, o recorrente restringiu o objecto da apelação à decisão sobre a matéria de facto.
Ora, é consabido e constante entendimento jurisprudencial que, exceptuados os casos de conhecimento oficioso, o tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas.
Por definição e conforme decorre dos artigos 676, nº 1 e 690, nº 1 do Código de Processo Civil os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas (cfr. ac. do STJ, de 21/1/1993, CJSTJ, ano I, tomo I, página 72).
Não resistimos, apesar disso, a asseverar que não assiste qualquer razão ao recorrente.
Como é reconhecido por ele próprio, a matéria da resposta ao artigo 13º da base instrutória integraria danos patrimoniais.
Parcela indemnizatória que, no entanto, a recorrida não pediu.
A indemnização pedida circunscreve-se aos danos não patrimoniais (ou danos morais) sofridos pela recorrida com a actuação do recorrente.
As instâncias, como lhes competia, ativeram-se nessa limitação petitória.
Efectivamente, o recorrente foi condenado pelo vexame, humilhação e desgosto sofridos pela recorrida, gravemente ofendida no seu direito à imagem e à privacidade tutelado pelo artigo 70 do Código Civil, ofensa esta que se encontra suficientemente traduzida na demais (e suficiente) factualidade apurada, designadamente na que consta da alínea i) dos factos assentes, onde se lê que os factos praticados pelo recorrente «afectaram a tranquilidade da A., que se sentiu exposta, apesar do corpo nu não ser seu e incomodada pelos comentários que lhe foram feitos, sentindo-se profundamente afectada na sua honra e reputação».
DECISÃO
Pelo exposto nega-se a revista, com custas pelo recorrente.
Lisboa, 21 de Novembro de 2002
Ferreira Girão
Luís Fonseca
Eduardo Batista