I - Resultando do contrato celebrado que a retribuição do autor era constituída por uma parte fixa e outra parte variável, esta integrada por comissões cujo montante ficou condicionado à obtenção de objectivos pré-determinados, o não pagamento da parte variável, fundado no não preenchimento dessa condição não representa violação contratual.
II - Nas nulidades do processo disciplinar não cabe o facto de na nota de culpa se fazer alusão a depoimentos ainda não prestados à data da sua elaboração e da decisão punitiva não ressaltar que a entidade patronal haja procedido a ponderada análise da defesa do arguido.
III - Constituem justa causa de despedimento do trabalhador as suas condutas culposas (denegrindo a imagem da sua empregadora junto de outros trabalhadores, proferindo expressões injuriosas e ofensivas para com seus superiores hierárquicos, desobedecendo a ordens e manifestando junto de outras empresas pretensas disponibilidades de transferências de colegas seus), que, representando violação dos deveres de urbanidade, lealdade e obediência, tornam inexigível que a empregadora continue a mantê-lo ao seu serviço.
IV - A condenação em indemnização por danos não patrimoniais, sendo admissível no direito laboral, pressupõe, que o trabalhador comprove, designadamente, a ocorrência de danos dessa natureza que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e o nexo de causalidade entre esses danos e a violação dos deveres contratuais por parte da empregadora.
1. Relatório
"A" intentou, em 1 de Julho de 1999, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma ordinária, contra "B", pedindo a condenação da ré: (i) no pagamento da importância de 3624000$00 (3000000$00 de reparação de danos não patrimoniais, 580000$00 de comissões em dívida e 44000$00 correspondente ao valor da privação do uso de viatura no mês de Maio de 1999) e das importâncias vincendas até à data da sentença, a título de comissões, de direito a uso de viatura e de despesas feitas com transportes e financiamento bancário para aquisição de outra viatura; (ii) a respeitar o direito ao trabalho do autor através da efectiva atribuição das funções que correspondem à sua categoria profissional de vendedor externo; (iii) a abster-se de proceder a atitudes discriminatórias para com o autor, nomeadamente atribuindo-lhe os meios necessários ao desempenho da sua actividade profissional, em particular, viatura, computador adequado e telemóvel; e (iv) no pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, sobre as importâncias em dívida, calculados à taxa legal e devidos desde as datas em que deviam ter sido pagas e o efectivo pagamento.
Aduziu, para tanto, em suma, que entre autor e ré vigora, desde 1 de Setembro de 1998, um contrato de trabalho, mas, desde o dia 6 de Maio de 1999 a ré vem desenvolvendo para com ele uma atitude ilegal, abusiva, ilegítima e prepotente, traduzida: na comunicação de despedimento mais tarde desmentida e abandonada; na pressão para acordo de rescisão do contrato; no adiamento sucessivo de decisões e reuniões; na comunicação de não renovação de pretenso contrato a termo, depois também dado sem efeito; na marcação de férias de um dia para o outro, posteriormente também deixada cair porque as férias já anteriormente estavam marcadas por plano acordado e aprovado; na retirada de meios de trabalho, através da forçada entrega da viatura, do computador e do telemóvel; no impedimento de desempenho das funções inerentes à sua categoria profissional de vendedor externo e ordem para que passasse a desempenhar apenas funções de vendedor interno, mas sem indicação dos respectivos termos e condições; no impedimento de desempenho das funções de vendedor interno, não lhe fornecendo os meios necessários para o efeito; no não pagamento das comissões de Janeiro a Maio de 1999, ao contrário do que aconteceu com os demais colegas, ocultando-lhe os elementos relativos a essa matéria; na imposição da entrega da viatura, deixando-o sem carro; na manutenção do autor numa total inactividade, à margem da empresa, votado ao ostracismo, colocando-o na prateleira até que se desgaste psicologicamente, correspondendo tal comportamento a uma situação humilhante e vexatória, quer do ponto vista pessoal, quer do ponto de vista profissional, que lhe tem vindo a causar distúrbio na sua saúde e na sua imagem profissional, não podendo estes danos deixar de ser indemnizáveis.
Posteriormente, invocando a superveniência de despedimento, que lhe foi comunicado em 20 de Setembro de 1999, mas que reputa ilícito e abusivo, veio aditar novo pedido e causa de pedir (cfr. fls. 155 e seguintes), pedindo a condenação da ré a: (i) pagar-lhe a quantia de 4875260$00 (3750000$00 de reparação de danos não patrimoniais, 358500$00 de salários intercalares, 500000$00 de indemnização por litigância de má fé e 266760$00 de redução do seu subsídio de desemprego); (ii) pagar-lhe as importâncias referentes às retribuições mensais correspondentes ao período decorrente até à sentença, incluindo subsídios intercorrentes; (iii) reintegrá-lo ou, caso assim venha a optar, pagar-lhe indemnização por antiguidade; e (iv) pagar-lhe juros de mora, vencidos e vincendos, sobre as importâncias em dívida, calculados à taxa legal e devidos desde as datas em que deviam ter sido pagas e o efectivo pagamento.
Contestou a ré o pedido inicial (fls. 31 a 48) e o aditado (fls. 174 a 187), concluindo pela improcedência total da acção e formulando pedido reconvencional, visando a condenação do autor no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença, em montante não inferior a 10000000$00, acrescido de juros vencidos desde a liquidação, por danos (quebra na facturação) derivados de comportamentos do autor violadores dos seus deveres profissionais. A impugnação deduzida assentou, em suma, no facto de, em Fevereiro de 1999, ter sido necessário proceder a uma reestruturação da empresa, com extinção das funções de vendedor externo, tendo o autor inicialmente acedido a passar a exercer as suas funções internamente, mas depois reivindicou a restauração de prestações (uso de automóvel e computador portátil) que constituíam instrumentos de trabalho específicos dos vendedores externos e não componentes da retribuição. Os alegados "recuos" quanto a marcação de férias e cessação de contrato por caducidade do termo deveram-se a deficiente informação da ré, devido à saída de um Chefe de Divisão, mas, logo que detectados, esses erros foram corrigidos. O autor recusou propostas de ocupar a única vaga de vendedor externo, no Porto, e de cessação do contrato por mútuo acordo. Não lhe são devidas comissões por nunca ter atingido os objectivos trimestrais fixados. Nega ter submetido o autor a qualquer perseguição causalmente adequada a provocar-lhe os danos não patrimoniais reclamados. Na contestação apresentada na sequência da ampliação do pedido, sustenta a validade do processo disciplinar, a existência de justa causa para o despedimento e o carácter não abusivo desta sanção.
Foi proferido despacho saneador (fls. 302 a 305), que não admitiu o pedido reconvencional, e elencaram-se os factos assentes e a base instrutória (fls. 305 a 312), que não suscitaram reclamações.
Realizada audiência de julgamento, foram dadas à base instrutória as respostas constantes de fls. 456 a 462, que também não suscitaram reclamações, após o que, em 16 de Julho de 2001, foi proferida a sentença de fls. 466 a 485, que julgou a acção apenas parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia referente ao valor da utilização do veículo que lhe atribuíra, desde 8 de Junho de 1999 (data em que o autor entregou a viatura a pedido da ré) até cessação do contrato de trabalho (20 de Setembro de 1999), com montante a apurar em sede de execução de sentença, acrescida de juros de mora desde a data do respectivo vencimento até efectivo pagamento, no mais absolvendo a ré do pedido. Nessa sentença considerou-se, sucessivamente, em síntese, que: (i) o vínculo jurídico existente entre autor e ré é qualificável como um contrato de trabalho sem termo, atenta a nulidade do termo inicialmente nele aposto; (ii) não existiu justa causa para rescisão do contrato por iniciativa do autor; (iii) o valor do uso da viatura assume carácter retributivo, pelo que a ré devia pagar esse valor ao autor, relativamente ao período decorrido desde a sua privação até à cessação do contrato; (iv) não ocorreu nulidade do processo disciplinar conducente ao despedimento; (v) existiu justa causa para o despedimento do autor; (vi) não há lugar à condenação da ré no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais; e (vii) não há lugar à condenação da ré no pagamento das diferenças entre o subsídio de desemprego a receber pelo autor e aquele que receberia se a ré lhe tivesse pago a retribuição mensal devida e tivesse procedido aos correspondentes descontos.
Contra esta sentença apelou o autor para o Tribunal da Relação de Lisboa - suscitando as questões da nulidade da sentença, da alteração da sua categoria profissional, do direito a comissões, da ilicitude do despedimento por nulidade do processo disciplinar e por inexistência de justa causa, do direito a indemnização por danos não patrimoniais e do direito às diferenças do subsídio de desemprego -, mas, por acórdão de 6 de Fevereiro de 2002 (fls. 534 a 573), foi negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, embora com fundamentação não totalmente coincidente, designadamente quanto à questão da categoria profissional.
Ainda inconformado, interpôs o autor, para este Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de revista, terminando as respectivas alegações (fls. 580 a 598) com a formulação das seguintes conclusões:
"1.ª - Enquanto a douta sentença de primeira instância considerou legal e legítima a atitude da recorrida de proibir ao recorrente o desempenho das funções e actividade de vendedor externo e imposição de desempenho de apenas funções de vendedor interno, o também douto acórdão recorrido decide que essa atitude consubstancia verdadeira alteração da categoria profissional e traduz violação de cláusula contratual pela alteração das funções e da actividade do recorrente.
2.ª - Trata-se de matéria de fundamental transcendência para o trabalhador e para a própria relação laboral, sendo certo estar a falar-se da realização da pessoa humana numa das suas dimensões fundamentais - a realização pessoal através da realização profissional pelo exercício do direito ao trabalho.
3.ª - Está hoje inequivocamente consagrado, jurisprudencial e doutrinariamente, que o trabalhador tem na sua esfera o direito à ocupação efectiva, que tem por natural e necessário contraponto o dever de a entidade patronal o ocupar efectivamente.
4.ª - Perante as supra referidas duas decisões opostas - com a inerente substituição da sentença pelo acórdão - e tendo em conta a matéria provada, não pode o acórdão recorrido concluir da mesma forma que o fez a sentença de primeira instância que partiu de conclusão diferente e oposta.
5.ª - Isto porque muita da matéria provada nos autos foi considerada lícita e legal pela sentença mas agora não o pode ser, uma vez que o acórdão considera ilícito e ilegal o que a sentença considerara lícito e legal (dão-se aqui por reproduzidas as contradições assinaladas de fls. 2/verso a 3/verso).
6.ª - Os factos provados nos autos relevantes na matéria e a necessitar de interpretação e subsunção jurídica são muitos mais que estes a que se já reportava a sentença e a que também apenas atende o acórdão - ou seja, há muitos outros factos provados nos autos que também têm de ser analisados em sede de interpretação e aplicação da lei.
7.ª - Realmente, está provado nos autos (transcrição de págs. 9 a 22 do acórdão):
Até 23 ou 24 de Março de 1999 o autor desempenhou unicamente funções próprias da sua categoria profissional de vendedor externo (n.° 58 da matéria provada);
Nessa data (23 ou 24 de Março), a solicitação do autor, teve lugar uma reunião entre ele, um Administrador da ré, Sr. Dr. C, e o Director Comercial, Sr. D, então demissionário, com o objectivo de evitar dúvidas futuras decorrentes de uma comunicação quanto a funções que em 16 de Março recebera (n.°s 4, 5 e 6 da matéria provada);
É que em 16 de Março o Sr. D comunicara ao autor que este passaria a dar mais apoio interno à Colega D. E, por ordem do Sr. Dr. C (n.° 6 da matéria provada);
Nessa reunião ficou acordado que temporariamente (um a dois meses - que veio a durar até 7, 8 ou 9 de Abril) o autor sofreria uma alteração ao nível das suas funções profissionais, não estando em causa qualquer das condições contratuais (n.ºs 7 a 12 da matéria provada);
Entre essa data e 5 de Maio, por ordem do novo Director Comercial, o autor voltou a desempenhar normalmente as suas funções de vendedor externo (n.°s 14 a 17 da matéria provada);
Em cada um dos dias 6, 10 e 13 de Maio houve uma reunião entre o autor e o Dr. C, Director-Geral da ré (n.°s 59, 60 e 61 da matéria provada);
Na reunião de 13 de Maio, o Dr. C mandou o autor de férias para casa e mandou-o entregar a viatura e o telemóvel que lhe estavam atribuídos, vindo depois a enviar-lhe duas cartas - uma ordenando as férias (aliás, com base em pressuposto falso) e outra comunicando-lhe que o «contrato a termo» não seria renovado e cessaria em 31 de Agosto seguinte (n.°s 18 e 22 a 24 da matéria provada);
Quando em 8 de Junho o autor se apresentou nas instalações para reocupar o seu posto de trabalho e retomar o desempenho das suas funções (por doença esteve ausente entre 13 de Maio e 2 de Junho o autor - n.°s 19 e 20 da matéria provada), a ré disse-lhe que ele passará a desempenhar apenas funções de vendedor interno, não podendo visitar clientes nem realizar reuniões externas (n.° 30 da matéria provada);
O autor solicitou que essa ordem lhe fosse dada por escrito, bem como a respectiva fundamentação e demais elementos de tempo de duração, de modo de actuação, etc., tendo a ré recusado as requeridas formalização e concretização (n.°s 31 e 32 da matéria provada);
Em 16 de Junho a ré, na pessoa do Sr. Dr. C, voltou a dizer ao autor que deverá desempenhar exclusivamente funções de atendimento e de vendedor interno, e perante nova solicitação pelo autor de formalização e concretização a ré voltou a recusar (n.°s 35 e 36 da matéria provada);
Em 28 de Junho o autor entrou de férias, que decorreram até 18 de Julho (n.°s 41 e 44 da matéria provada);
Por carta de 29 de Junho a recorrida comunicou ao recorrente que o cheque da retribuição se encontrava para levantamento na sede, quando ele já se encontrava de férias e sendo certo que o procedimento da empresa é efectuar o pagamento por transferência bancária uns dias antes do final de cada mês (n.°s 41 a 48 e 96 da matéria provada, bem como documentos aí referidos);
Quando em 19 de Julho de 1999 o recorrente regressou de férias o posto de trabalho em que fora colocado antes de férias estava ocupado por outra Colega, tendo-lhe a recorrida ordenado que se sentasse na secretária da Colega E, que nesse dia entrara de férias (n.° 50 e 51 da matéria provada).
8.ª - Pela referida matéria provada, juridicamente valorada face à ilicitude e ilegalidade declarada pelo douto acórdão recorrido, está totalmente demonstrado o quadro factual que o recorrente invocou nos presentes autos e em que fundamentou a ilegalidade da situação e o pedido indemnizatório por danos morais.
9.ª - Está provada toda a abusiva actuação da recorrida, está provada e por acórdão declarada a ilegalidade e ilicitude do seu comportamento, está por acórdão declarada a violação dos direitos do recorrente.
10.ª - Está, por outro lado, provado nos autos que «a saúde do autor ficou abalada», «o autor tem-se sentido desgostoso, nervoso e abalado», «o autor tem estado intranquilo, tenso e irritado, com necessidade de medicamentação», «o autor sofre de síndroma depressivo e ansioso» (n.°s 72 a 75 da matéria provada).
11.ª - Todo o quadro fáctico provado demonstra o nexo de causalidade entre uma coisa e outra.
12.ª - Perante isso todo o pedido do recorrente não pode deixar de considerar-se procedente.
13.ª - Porém, se sobre o nexo causal há dúvidas, terá o processo de baixar para ser apreciada essa matéria de facto, mas agora com a ponderação de todos os factos provados à luz da respectiva ilegalidade e ilicitude pelo acórdão declaradas.
14.ª - Ao decidir como o fez, viola o douto acórdão recorrido os n.°s 2 e 3 do artigo 659.º do mesmo diploma, bem como o artigo 22.° do RJCIT, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 49408, de 24 de Novembro de 1969.
15.ª - Como foi convencionado e está provado, o recorrente tem direito a comissões (parte variável da retribuição) nos termos constantes do contrato de trabalho.
16.ª - Relativamente aos meses de Janeiro a Maio de 1999 a recorrida não lhas pagou e, como necessariamente resulta dos autos, também o recorrente não recebeu mais comissões até ao seu despedimento.
17.ª - Diz a douta decisão recorrida que a elas não tinha direito porque nunca atingiu os objectivos fixados pela empresa.
18.ª - Porém, foi a recorrida que, por força das alterações que impôs ao regime profissional do recorrente (passou da Divisão Grandes Contas para o NETEAM, que nesse período este sofreu várias mudanças, e a partir de 23/24 de Março de 1999 impediu-o mesmo de desempenhar as suas funções profissionais), o colocou em condições de não lhe ser possível cumprir os objectivos.
19.ª - Portanto, não pode o Tribunal imputar ao recorrente o não cumprimento da meta traçada quando sabe que a recorrida alterou as regras ab initio definidas.
20.ª - Não pode constituir fundamento jurídico válido para a decisão alcançada dizer-se que não está provado que se não houvesse a dita alteração (de categoria, de funções e actividade), o autor conseguiria atingir os objectivos, de que dependia o pagamento das comissões.
21.ª - Não só não é lícito nem legal assacar tal ónus ao recorrente, como se trataria de missão impossível.
22.ª - O que à decisão do caso importa é o quadro factual concreto e a responsabilidade nele de cada uma das partes, com as consequências disso advindas.
23.ª - Nesta parte violou a douta sentença recorrida o contrato de trabalho celebrado entre as partes e constante de fls. 15/16 e as regras do ónus da prova.
24.ª - A nota de culpa está datada e foi elaborada em 27 de Agosto de 1999, foi recebida pelo recorrente nessa mesma data (n.°s 52 e 53 da matéria de facto provada) e fundamenta-se no depoimento das pretensas testemunhas que ela própria identifica (n.° 56 da matéria de facto provada).
25.ª - Essas testemunhas, identificadas no n.° 57 da matéria de facto provada, prestaram os seus depoimentos em 30 de Agosto de 1999.
26.ª - Ora, sendo a própria recorrida que expressamente fundamenta a acusação nesses depoimentos, e se depois se vem a concluir que esses elementos fundamentadores não existiam, a consequência é a nulidade da acusação.
27.ª - Decidir de outra maneira (como fez a sentença) é, ou ignorar o documento (o que não é legítimo nem legal fazer), ou considerar provado algo que o não foi - assim violando os n.°s 2 e 3 do artigo 659.° do Código de Processo Civil.
28.ª - Não tem relevância jurídica o douto acórdão conjecturar que a nota de culpa «... terá sido efectuada com base em declarações ... que ... terão sido verbais e anteriores aos depoimentos que prestaram por escrito no processo disciplinar, alguns dias depois».
29.ª - Por um lado, porque há matéria factual provada nos autos (atrás transcrita) que não só dispensa o recurso a conjecturas como permite conclusão directa e, por outro, porque a recorrida alegou isso, que foi levado ao questionário (quesitos 75.º a 77.º) e não foi provado.
30.ª - A invocação da nulidade do processo disciplinar por falta de fundamentação da decisão do despedimento é de substância, de dignidade do processo disciplinar (estamos em sede de direito sancionatório, em que os princípios basilares do direito penal estão presentes), nada tendo a ver com simples omissão ou «desconsideração» por parte da recorrida.
31. - O direito de defesa do trabalhador é elemento essencial do processo disciplinar, tendo o trabalhador o dever de deduzir por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos (n.°s 1 e 4 do artigo 10.° da LCCT).
32.ª - Em consonância, e constituindo a mesma questão vista da parte da arguente, «na decisão devem ser ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador ...» (n.° 9 do artigo 10.° do mesmo preceito legal).
33.ª - Com efeito, só o cumprimento deste dever pela entidade patronal traduz, no processo disciplinar, a solenidade do exercício do direito/dever de defesa do trabalhador e só assim a decisão tem a dignidade que a lei exige.
34.ª - A recorrida limitou-se pura e simplesmente a transcrever a defesa apresentada pelo recorrente, sem que minimamente a tenha apreciado e ponderado.
35.ª - Por isso, a decisão do despedimento do recorrente não foi fundamentada nos termos em que o exige o n.° 10 do artigo 10.° da LCCT, nem o seu direito de defesa foi respeitado nos termos em que o exigem os n.°s 4, 5 e 9 da mesma norma, pelo que se verifica a nulidade referida nas alíneas a), b) e c) do n.° 3 do artigo 12.° do mesmo diploma legal.
36.ª - Ao decidir como decidiu, a douta sentença (sic) recorrida violou esses preceitos legais.
37.ª - Como está assente pelo acórdão recorrido, o comportamento da recorrida foi violador do contrato de trabalho através da alteração da categoria profissional do recorrente e, em consequência e como está provado nos autos, não se pautou pela exigência geral de boa fé na execução dos contratos sublinhada pelo próprio acórdão.
38.ª - Está provado nos autos que «a saúde do autor ficou abalada», «o autor tem-se sentido desgostoso, nervoso e abalado», «o autor tem estado intranquilo, tenso e irritado, com necessidade de medicamentação», «o autor sofre de síndroma depressivo e ansioso» (n.°s 72 a 75 da matéria provada) - situação que, nos termos já alegados, é imputável à recorrida.
39.ª - Foi nesse contexto que teve lugar o comportamento do recorrente, o que certamente é relevante e em elevado grau atenua a culpa do agente, comprovadamente a passar um difícil momento psicológico, instável e em termos de saúde.
40.ª - Sendo o despedimento do trabalhador a sanção disciplinar mais gravosa e de consequências pessoais e sociais relevantes, e porque a segurança no emprego é direito fundamental constitucionalmente garantido, pode considerar-se doutrina e jurisprudência firmadas que apenas o comportamento grave, culposo e de consequências danosas o pode validamente sustentar.
41.ª - Em si próprios, pela sua natureza e no âmbito em que decorrem, os factos provados nos autos não têm o carácter de gravidade legalmente exigível para a mais elevada sanção disciplinar.
42.ª - Sob os n.s 101 (sendo que, neste, a nota de culpa não indicava E, pelo que nessa parte não pode relevar para a sanção) e 109 da matéria provada referenciam-se meras conversas e comentários entre colegas de trabalho, para além do mais de carácter restrito e reservado.
43.ª - Quanto ao carácter culposo há que atentar terem tais comentários e conversas ocorrido a seguir a uma reunião em que tinham estado com o Director-Geral e na qual, mais uma vez, se abordara a questão da situação do recorrente na empresa e respectivas funções. Tal facto explica o nervosismo e a tensão próprios de tal situação, sendo nessas circunstâncias que tiveram lugar.
44.ª - Esse circunstancialismo retira às conversas e comentários a carga de culpa, mesmo que mera negligência, exigível ao suporte da sanção de despedimento.
45.ª - Os n.ºs 102, 103 e 104 da matéria provada referem-se a expressões usadas no próprio decurso do trabalho que, podendo embora qualificar-se de mais ou menos felizes, não podem impor um despedimento.
46.ª - Referem-se os n.° 105 e 106 da matéria provada ao facto de o recorrente ter saído da empresa no dia 5 de Agosto de 1999, após ter comunicado à Colega F (aliás sua superior hierárquica, como na contestação atesta a recorrida), pelas 17,00 horas quesitos 69.°, 86.°, 87.° e 88.°.
47.ª - Está, portanto, em causa apenas o período de uma hora (aliás, depois justificado - n.° 106 da matéria provada), sendo manifesto que tal facto não pode servir de fundamento a um despedimento.
48.ª - Também nos n.ºs 107 e 108 da matéria provada se trata de meras conversas e comentários entre colegas de trabalho, de carácter restrito e reservado. Conversas normais e banais, sem qualquer intuito especial, apenas traduzindo a ideia de que se trata de uma colega que o recorrente julga competente e que por isso não teria dificuldade, se o quisesse, em arranjar emprego noutra empresa.
49.ª - O que não pode, sendo mesmo abusivo, é daí pretender concluir que o recorrente aliciou a colega para ir trabalhar para a concorrência. Isso é impossível: o recorrente é totalmente estranho à C.H.S., não tendo portanto qualquer relação que lhe permitisse ou desse legitimidade para aliciar alguém a ir para lá trabalhar.
50.ª - Também não pode dizer-se, como faz a douta sentença (sic) sob recurso que o recorrente manifestou «... perante terceiros uma disponibilidade de trabalho por parte duma funcionária da ré».
51.ª - Tal afirmação não tem sustentação nos autos e ao fazê-lo violou os n.°s 2 e 3 do artigo 659.° do Código de Processo Civil.
52.ª - Trata-se, portanto, de situação disciplinarmente irrelevante que não pode sustentar acusação que seja causa de um despedimento.
53.ª - A matéria a que se referem os n.ºs 110, 111 e 112 da matéria provada foi na nota de culpa tratada pela própria recorrida sem propriamente constituir facto acusatório («de referir ainda que ...») - porque ela própria sabe que nenhum interesse tem: a indicação do Sr. I não foi para se dirigir imediatamente ao gabinete do Dr. C (o recorrente não a entendeu assim nem assim é invocada), e passado pouco tempo regressou normalmente às instalações.
54.ª - Não estão provadas nos autos - nem sequer aliás foram alegadas - quaisquer consequências decorrentes dos factos acusatórios. E não estão porque pura e simplesmente não existiram.
55.ª - Em suma, os factos acusatórios provados nos autos não consubstanciam justa causa para o despedimento do recorrente, quer cada um deles considerado em si mesmo e atenta a sua própria natureza, quer porque o circunstancialismo em que ocorreram lhes retira carácter culposo, quer ainda porque deles não resultaram quaisquer gravosas consequências.
56.ª - Decidindo pela verificação de justa causa de despedimento violou a douta sentença recorrida os artigos 9.° e 10.° da LCCT.
57.ª - Está nos autos provado que a saúde do recorrente ficou abalada, que se tem sentido desgostoso, nervoso e abalado, que tem estado intranquilo, tenso e irritado e com necessidade de medicamentação, que sofre de síndroma depressivo e ansioso, bem como, por outro lado, toda a actuação e os procedimentos da recorrida relativamente àquele, os quais foram pelo douto acórdão recorrido considerados ilegais e ilícitos.
58.ª - Por isso, deve a recorrida ser condenada por litigância de má fé e em danos não patrimoniais, e reconhecido o invocado abuso de direito, conforme pedido.
59.ª - O douto acórdão recorrido nega razão ao pedido referente às diferenças do subsídio de desemprego, por considerar não se ter provado essa divergência de valores.
60.ª - Uma vez que o recorrente defende ter direito às comissões desde Janeiro de 1999 (conforme já alegado), entende que também esta parte do pedido deve proceder, pelo menos quanto ao montante dessas comissões.
61.ª - Por isso, provada a retribuição legal do recorrente e verificado que os descontos incidiram sobre importância inferior, cabe ao Tribunal a condenação no pagamento dos prejuízos que por isso o recorrente sofreu.
62.ª - Na interpretação da douta decisão recorrida são inconstitucionais os artigos 22.° do RJCIT, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 49 408, de 24 de Novembro de 1969, e os artigos 9.° e 10.° da LCCT, por violadores em particular dos artigos 53.°, 58.°, 59.° e 268.°, n.º 3, da CRP."
A ré, ora recorrida, contra-alegou (fls. 612 a 618), concluindo:
"1. O presente recurso não é mais do que a impugnação da matéria de facto dada como provada por ambas as instâncias, procurando uma reapreciação de factos que não foram provados e alterar factos em função da interpretação de direito, devendo como tal improceder;
2. Por outro lado tendo os recursos por função obter a reforma das decisões dos Tribunais inferiores, o seu objecto é limitado pelas questões postas ao Tribunal de que se recorre e que este haja decidido (neste sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de Fevereiro de 1993, in www.djsi.pt documento n.° SJ199402240841932).
3. As questões que delimitam o objecto do recurso neste aspecto concreto, são questões não alegadas pelo recorrente na primeira instância, e consequentemente não objecto de apreciação pela referida sentença, não sendo pois susceptíveis de reponderação.
4. É que o pedido pelo recorrente nunca foi a impossibilidade de atingir os objectivos fixados pela requerida (sic) para receber comissões, mas foi sim o de ter atingido esses objectivos sem que lhe tenham sido pagas as comissões. Essa alteração só se dá em momento posterior, quando ficou provado que não foram atingidos, pelo requerente (sic), os objectivos que lhe determinavam as comissões.
5. Por outro lado, e sendo taxativas as causas de nulidade do processo disciplinar e estando consagradas no artigo 12.° da LCCT, verifica-se que o processo disciplinar é válido.
6. Quanto à alegada violação do direito de defesa do trabalhador no âmbito do processo disciplinar, há que distinguir entre o exercício do direito de defesa, que existiu, e a procedência dessa defesa face aos factos apurados. E os factos apurados no âmbito do processo disciplinar determinaram pela existência de justa causa para o despedimento do apelante (sic).
7. Em suma, houve processo disciplinar, houve defesa, houve valoração dos factos e houve fundamentação no despedimento do autor, tendo aliás ficado, na essência, provados em audiência de julgamento os factos constantes da nota de culpa, o que determinou que se considerada justificada a justa causa.
8. Já os comportamentos tidos pelo trabalhador, apurados no âmbito do processo disciplinar e dados como provados, são quase um caso de escola daquilo que é um comportamento que constitui justa causa de despedimento.
9. Porventura poder-se-á dizer que um trabalhador que, frente a outros trabalhadores, chama ao representante legal da entidade patronal e ao seu superior hierárquico de «filhos da puta» e «cabrões» (109) teve apenas um comportamento mais ou menos infeliz, ou mais ou menos inadequado? E que tal é disciplinarmente irrelevante, quando se está perante uma flagrante e grave violação do dever de respeito? Será susceptível de comprometer em definitivo a relação de trabalho?
10. E acaso foi esta a única infracção disciplinar cometida? Não haverá uma reiteração de comportamento que consubstanciam infracções disciplinares? Todas elas graves."
Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público emitiu o parecer de fls. 625 e 626, no sentido da negação da revista, que, notificado às partes, suscitou do recorrente a resposta de fls. 628.
Distribuídas aos Juízes Adjuntos, em substituição dos vistos, cópias do projecto de acórdão e das peças processuais relevantes, cumpre apreciar e decidir.
2. Matéria de facto
As instâncias deram como assentes os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1) Autor e ré acordaram, em 1 de Setembro de 1998, que o primeiro prestaria para a segunda as funções correspondentes à categoria profissional de vendedor externo, elaborando para o efeito o documento constante de fls. 15 a 16 dos autos, que se deu por reproduzido, intitulado "Contrato de Trabalho a Termo Certo", para vigorar desde aquele dia, pelo prazo de seis meses, renováveis por igual período, mediante a retribuição mensal de 180000$00, subsídio de alimentação de 18 500$00, acrescida de comissões de 100000$00, correspondentes a 100% do objectivo trimestral fixado pela empresa, paga proporcionalmente se o "atingimento" dos objectivos for igual ou superior a 80% do previamente fixado;
2) As funções do vendedor externo são as seguintes: contactar directa e pessoalmente o revendedor (clientes) de modo a conhecer os seus objectivos e pretensões; a sua estrutura funcional; o seu mercado e produtos preferenciais; os seus negócios potenciais; aqueles que lhe estão mais acessíveis em termos de ganhos; contribuir para a resolução de problemas de influência de informação, stocks, logística, preços, devolução de material;
3) A empresa ré é um distribuidor de material informático, sendo fornecedor de inúmeros revendedores existentes espalhados pelo país e à data da celebração do contrato referido em 1) era essencial para a distribuição o fornecimento desse material, a gestão de stocks, por forma a atingir o valor dos acordos com os fabricantes de hardware e software, bem como a prática de melhores preços e o cumprimento dos prazos de entrega; para o efeito os vendedores externos recolhiam os elementos necessários junto dos revendedores, eram por eles trazidos para a empresa ré e constituíam a par dos elementos recolhidos pelos gestores de produto junto dos fabricantes, a base da organização para o mercado da actividade da ré;
4) Em 23 ou 24 de Março de 1999 teve lugar uma reunião entre o autor, o Sr. Dr. C (membro da Administração da ré) e o Sr. D, Director Comercial a essa data demissionário;
5) Essa reunião teve lugar a solicitação do autor, teve por razão de ser uma comunicação que alguns dias antes lhe fora feita pelo aludido Sr. D e o facto de este estar então demissionário e teve por objectivo evitar dúvidas futuras daí decorrentes;
6) Efectivamente, no dia 16 de Março, o Sr. D comunicara ao autor que, por ordem do Dr. C, ele autor passaria a dar mais apoio interno à Colega D. E;
7) Nessa reunião foi indicado que o autor passaria a dar mais apoio à colega D. E no atendimento telefónico e serviço interno, pois o Grupo NETEAM - a que o autor pertence - estava em mudanças, derivada do seguinte: o colega Sr. G mudara de funções, o Sr. D demitira-se, o novo colega Sr. H era inexperiente;
8) Mais ficou consignado que, se e quando necessário, o autor poderia visitar os clientes, mas dando então preferência a horas de menor movimento - ao início da manhã, hora de almoço e final do dia;
9) Ficou ainda esclarecido que essa situação tinha carácter temporário e duraria por período de um mês, podendo ir ao máximo de dois meses;
10) Foi também expressamente dito que não estava em causa qualquer das condições contratuais do autor, referindo-se expressamente o uso da viatura da empresa que lhe estava atribuída;
11) Dentro do referido contexto o autor concordou com o que lhe foi ordenado;
12) Essa situação descrita nos artigos anteriores manteve-se até 7, 8 ou 9 de Abril de 1999;
13) No dia 26 de Março de 1999, o Sr. I, novo Director Comercial, reuniu com o pessoal do NETEAM - o autor, a colega D. E e o colega Sr. H - e informou-os que era ele que directamente assumia a Direcção do Departamento e que pretendia introduzir pequenas alterações, que remeteu para reunião a efectuar na semana seguinte;
14) Em 7, 8 ou 9 de Abril de 1999, o Sr. I, dizendo-lhe que sem demora voltasse a dar prioridade ao serviço externo, deu ordens ao autor para que desempenhasse normalmente as suas funções de vendedor externo;
15) O que efectivamente voltou a suceder;
16) Mais disse que ia dividir o atendimento interno de clientes entre os outros dois colegas e que o autor passaria a visitar todos os clientes do NETEAM;
17) Entre essa data e 5 de Maio de 1999, o autor efectuou, entre outras, as seguintes visitas a clientes do NETEAM: DIRAC, SOL-S, SOLSUN, DOT, IFTHENELSE, TETMEI/RUN, CIMARGESTE, EASYPHONE, todas elas com várias visitas;
18) Na reunião de 13 de Maio de 1999, o Sr. Dr. C disse ao autor que o mandava de férias durante um mês e mandou-o entregar a viatura e o telemóvel que lhe estavam atribuídos;
19) Após essa reunião, o autor sentiu-se mal de saúde, indo de imediato para casa e a uma consulta;
20) Em sequência, o autor esteve de baixa médica entre 13 de Maio e 2 de Junho de 1999;
21) Entretanto, datadas desse dia 13 de Maio, veio o autor a receber da ré duas cartas;
22) Uma comunicando-lhe que, devido à falta de acordo, lhe marcou o período legal de férias entre 13 de Maio e 15 de Junho de 1999;
23) Outra informando que não irão proceder à renovação do contrato e, por isso, este cessará no dia 31 de Agosto de 1999, bem como a dispensa de comparência na empresa até essa data, sem prejuízo de tudo o devido;
24) Nessa mesma carta também a ré voltava a insistir na entrega da viatura e do telemóvel;
25) Tinha sido acordado entre o autor e o Sr. D, em Março de 1999, que o autor gozava férias nos seguintes períodos: 31 de Março e 1 de Abril, 28 de Junho a 16 de Julho e de 30 de Agosto a 3 de Setembro, sempre em 1999;
26) Disso mesmo o autor informou a ré;
27) E então a ré já não mais o mandou de férias;
28) Ao autor foi, logo na data de admissão, atribuída viatura da empresa ré, no caso o veículo OPEL ASTRA de matrícula JM;
29) A ré exigiu ao autor a entrega da viatura que lhe tinha atribuído, tendo o autor entregado a mesma no dia 8 de Junho de 1999, quando o autor se apresentou nas instalações da ré para reocupar o seu posto de trabalho e retomar o desempenho das suas funções;
30) Foi então dito ao autor que ele passará a desempenhar apenas funções de vendedor interno, não podendo visitar clientes nem realizar reuniões externas;
31) O autor solicitou que tal ordem lhe seja dada por escrito, com a respectiva fundamentação e demais elementos de tempo de duração, de modo de actuação, etc.;
32) A ré negou-se a tal formalização e concretização;
33) Assim, apenas ao autor é possível atender o telefone que colocaram nessa mesma secretária e passar aos colegas, para darem a sequência ao conteúdo dessas chamadas;
34) O que o autor vem fazendo;
35) Em 16 de Junho de 1999, a ré, na pessoa do Sr. Dr. C, dirigiu-se ao autor dizendo-lhe que deverá desempenhar exclusivamente funções de atendimento e de vendedor interno;
36) Voltou o autor a insistir pela formalização por escrito dessas ordens e pela indicação concreta de tais funções e respectivos termos (nomeadamente de tempo de duração e o modo);
37) Perante nova recusa por parte da ré, o autor informou que, enquanto isso não for feito, recusará o desempenho de funções que não sejam de vendedor externo;
38) Em 17 de Junho de 1999, a ré, referindo ao autor que desde Fevereiro de 1999 todos os vendedores externos passaram a exercer as suas funções única e exclusivamente nas instalações da empresa, sugere-lhe a sua colocação no Porto, cobrindo a saída de um colaborador, no único lugar de vendedor externo da empresa;
39) Em resposta, informou o autor não lhe ser possível aceitar esse lugar, assim como afirmou não ser verdade que em Fevereiro lhe tenham feito a comunicação que dizem e ser falso que a nível comercial tenha tido lugar a reestruturação que referem;
40) No mesmo documento volta o autor a apelar ao cumprimento, por parte da ré, do contrato em vigor;
41) Apesar disso, a situação mantinha-se no dia 28 de Junho de 1999, data em que o autor, conforme mapa respectivo, entrou de férias - sendo certo ter estado de baixa médica entre 23 e 25 do mesmo mês;
42) Sucede, contudo que, referente a comissões, no último trimestre do ano de 1998, a ré apenas pagou ao autor a quantia de 220000$00;
43) Relativamente aos meses de Janeiro a Maio de 1999, a ré não pagou qualquer quantia a título de comissões;
44) O autor esteve de férias no período temporal entre 28 de Junho e 18 de Julho de 1999;
45) A ré informou o autor, por carta de 29 de Junho de 1999, que o cheque relativo ao vencimento de Junho de 1999 se encontrava disponível para levantamento no departamento de pessoal da "B";
46) O autor, em resposta, enviou à ré a carta de fls. 166;
47) A ré respondeu conforme carta de fls. 167;
48) Em 7 de Julho de 1999, a ré enviou ao autor a carta junta a fls. 168;
49) O autor apresentou-se ao serviço, em 19 de Julho de 1999, após o seu período de férias, tendo-lhe sido ordenado o desempenho da sua actividade em conformidade com o teor da carta de fls. 168;
50) Nesse mesmo dia encontrou o autor o posto de trabalho em que fora colocado antes de ir de férias ocupado por uma nova colega, de nome O;
51) E nesse mesmo dia ordenou-lhe a ré que se sentasse na secretária da colega E, que nesse dia entrara de férias;
52) Datada de 27 de Agosto de 1999, o autor recebeu, nessa mesma data, nota de culpa contendo factos acusatórios e comunicando a intenção do seu despedimento, e em 6 de Setembro um aditamento à mesma;
53) A nota de culpa foi elaborada em 27 de Agosto de 1999;
54) O autor respondeu à nota de culpa conforme doc. de fls. 218 a 238;
55) No dia 20 de Setembro de 1999, o autor recebeu a notificação da ré comunicando-lhe o seu despedimento com base no relatório final do processo disciplinar;
56) A nota de culpa fundamenta-se nos depoimentos das testemunhas que ela própria identifica;
57) As testemunhas J, E, L, M, N, O prestaram os seus depoimentos (conforme deles consta) em 30 de Agosto de 1999;
58) O autor desempenhou unicamente funções de vendedor externo até 23 ou 24 de Março de 1999;
59) No dia 6 de Maio de 1999, o autor teve uma reunião com o Director-Geral da ré, Dr. C;
60) O autor voltou e ter uma reunião com o Dr. C no dia 10 de Maio de 1999;
61) O autor voltou e ter uma reunião com o Dr. C no dia 13 de Maio de 1999;
62) A viatura foi-lhe atribuída para uso em serviço e para uso pessoal, quer aos fins de semana ou em quaisquer outras situações de ausência, em particular em férias e feriados;
63) Não lhe foi reentregue o computador portátil que desde o início lhe estava atribuído e que o autor tinha entregue em 13 de Maio, por solicitação da ré;
64) Na secretária referida no quesito 16.º [secretária onde o autor foi colocado em 8 de Junho de 1999 e referida no facto n.º 33] estava colocado um computador de mesa, PC normal, que tinha uma avaria;
65) O uso da viatura da empresa tem para o autor um valor mensal de montante não apurado;
66) A atribuição da viatura da empresa ao autor foi relevante para o mesmo contratar com a ré;
67) Na altura da contratação do autor, não possuía viatura própria e usava viatura da empresa onde trabalhava;
68) A ré sabia o que consta na resposta ao quesito 26.º [facto n.º 67];
69) Com a entrega da viatura à ré, o autor ficou sem veículo para usar no seu dia-a-dia;
70) O autor tem dois filhos menores, que regularmente transporta no veículo;
71) Por o autor não ter veículo próprio ou da empresa, tem de usar meios de transportes alternativos;
72) A saúde do autor ficou abalada;
73) O autor tem-se sentido desgostoso, nervoso e abalado;
74) O autor tem estado intranquilo, tenso e irritado, com necessidade de medicamentação;
75) O autor sofre de síndroma depressivo e ansioso;
76) Por outro lado, no meio ligado à sua actividade, o autor tem uma imagem criada de trabalho, rigor, dedicação e honestidade;
77) Em Fevereiro de 1999, a ré, procurando diminuir os seus custos de operacionalidade e aumentar a eficácia, levou a efeito uma reestruturação interna;
78) Com essa reestruturação extinguiu as funções de vendedor externo na sua estrutura;
79) As funções de contacto exterior com clientes passaram a ser feitas essencialmente pelo Director Comercial ou pelos Chefes de Divisão;
80) O autor, a partir de 8 de Junho de 1999, começou a exigir desempenhar as funções de vendedor externo;
81) O autor recusou ocupar a vaga de vendedor externo, no Porto;
82) A ré mandou o autor de férias por desconhecer que havia férias marcadas por acordo, em Março, com o Sr. D, entretanto saído da empresa;
83) Logo que disso teve conhecimento, manteve o plano de férias já acordado;
84) A cessação do contrato de trabalho do autor com fundamento no decurso do tempo do termo foi motivada pela suposição de que o contrato era a termo, mas constatada a nulidade do termo, a ré deu sem efeito a mesma declaração;
85) O veículo e o computador portátil eram atribuídos a todos os vendedores da ré com funções externas, porque se deslocavam em serviço para o exterior e precisavam de ter conhecimento do preçário e dos stocks de equipamentos;
86) O autor não comunicou à ré que o computador existente na secretária estava avariado;
87) Por altura de uma baixa médica do autor, a trabalhadora O, ao ocupar a secretária onde se encontrava o computador, deu conta da avaria, que comunicou à ré, tendo a mesma sido reparada;
88) O autor nunca atingiu os objectivos trimestrais fixados pela ré;
89) As comissões são fixados atendendo à margem de comercialização obtida pela ré;
90) Os objectivos referidos nos mapas eram fixados na empresa, sendo consequentemente divulgados pelos trabalhadores;
91) Durante os primeiros 4 meses de vigência do contrato de trabalho que ligou o autor à ré (Setembro a Dezembro) e em que o mesmo se encontrava na Divisão Grandes Contas, aconteceu que a mesma divisão não atingiu os objectivos inicialmente fixados;
92) O autor foi o único a receber a comissão, porque a ré lhe concedeu a chamada "protecção de objectivos" para ajudar e incentivar o autor a um melhor desempenho das suas funções;
93) Quanto às comissões relativas aos restantes meses (Janeiro a Agosto) não foram as mesmas alcançadas, nem se justificando mais a "protecção de objectivos" uma vez que o trabalhador já tinha percorrido o "tirocínio";
94) As comissões são pagas pela margem de comercialização e não pelo valor da facturação bruta;
95) O único mês onde os objectivos foram alcançados foi o de Julho;
96) O procedimento normal da ré é efectuar o pagamento da retribuição mensal dos seus trabalhadores por transferência bancária, uns dias antes do final de cada mês;
97) No dia 5 de Agosto, o autor saiu repentinamente da empresa dizendo à colega F que tinha de sair;
98) O autor procurou uma actividade laboral alternativa;
99) A ré datou a nota de culpa com o dia 27 de Agosto de 1999;
100) As declarações das testemunhas estão datadas de 30 de Agosto;
101) No dia 19 de Julho de 1999, o autor comentou o seguinte para os seus colegas de trabalho I, E e O "... vais ver que só cá vais estar 3 meses e que só vais receber o teu ordenado fixo porque esta casa nunca paga comissões..."; "... ninguém sabe como se calculam as comissões e vais ver que estarás dependente da boa vontade deles da administração..."; "... viste como é que foi na reunião, o C é um fingido, um cínico...";
102) No dia 20 de Julho de 1999, o autor, quando a sua colega O se encontrava ao telefone com clientes, propositadamente e para que estes ouvissem, disse várias vezes, dirigindo-se à mesma "... não percebes nada disto ...", "isto não é nada assim ...";
103) No próprio dia 21 de Julho, pelas 16,00 horas, a Senhora D. P referida empresa "Iberogal, L.da", telefonou para a empresa para saber o que se passava com a informação que tinha solicitado nesse mesmo dia pelas 15,00 horas;
104) Sendo tal chamada atendida pelo trabalhador este, com o telefone na mão, e em voz alta, dirigiu-se para a colega O dizendo-lhe: "... então ainda não fizeste nada?..."; "... não falaste com a Senhora D. P?"; "... a D. P não te pediu cotações?...";
105) Deu então conhecimento à empresa de que havia entrado em "baixa" médica no dia 6 de Agosto, que se prolongou até ao dia 25 de Agosto;
106) Porém, só no dia 26 de Agosto, o trabalhador justificou a falta do dia 5 de Agosto, tendo para tal informado que se havia deslocado ao médico nesse mesmo dia às 17,30 horas;
107) O autor, em conversa com a colega D. N, perguntou-lhe se a concorrência já tinha entrado em contacto com ela e, em concreto, a empresa C.H.S., uma vez que o autor tinha dito a essa empresa que ela era boa funcionária e que devia ir trabalhar para a mesma;
108) Disse-lhe ainda: "... olha em todos os locais onde vou digo que tu (Senhora D. N) és uma boa funcionária e que irás arranjar facilmente emprego na concorrência onde irás ganhar ainda mais ...";
109) Em conversa com o seu colega Senhor O, o autor teve a seguinte conversa: "... esta empresa, a «B, SA», é uma porcaria, é uma desorganização ..."; "... havia 3 pessoas que lhe tinham feito a folha dentro desta empresa e dois deles são o C e o I que constantemente o estão a lixar, que eram uns filhos da puta e uns cabrões e que vou pô-los em Tribunal e depois faço-lhes a folha ...";
110) De referir ainda que na sexta-feira, dia 27 de Agosto de 1999, pelas 17,00 horas, foi solicitado, através do seu Chefe, o Senhor I, pelo Director, Senhor C, a sua presença no seu gabinete;
111) O trabalhador autor ignorou esse pedido, tendo-se ausentado do seu local de trabalho e saído da empresa para o exterior, em concreto para a bomba da BP;
112) Havendo por isso necessidade que o referido Administrador esperasse o referido trabalhador à porta da empresa para que o mesmo não "fugisse", só tendo entrado na empresa por volta das 17,45 horas;
113) O autor, antes de entrar ao serviço da ré como trabalhador desta, vendia fotocopiadoras e não material informático.
3. Fundamentação
Das diversas questões suscitadas ao longo dos autos, já estão definitivamente resolvidas, para além da inadmissibilidade do pedido reconvencional, a questão da natureza da relação entre autor e ré como contrato de trabalho sem termo, atenta a nulidade do termo inicialmente aposto, e a questão da natureza retributiva do uso da viatura e a condenação da ré no pagamento do valor pecuniário correspondente a esse uso, quanto ao período decorrido desde a sua privação até à cessação do contrato.
Estão ainda em discussão, e constituem objecto do presente recurso, as seguintes questões: (i) consequências da alteração da categoria profissional de vendedor externo para vendedor interno; (ii) direito a comissões; (iii) nulidade do processo disciplinar; (iv) inexistência de justa causa para o despedimento; (v) direito a indemnização por danos não patrimoniais; e (vi) descontos para a segurança social.
3.1. Quanto à licitude da alteração da categoria profissional, as decisões das instâncias foram diversas: a sentença da 1.ª instância julgou-a lícita e o acórdão recorrido ilícita. Esta última decisão deve considerar-se assente, uma vez que não foi impugnada pela ré.
O que está em causa é, pois, somente a determinação das consequências desta reconhecida ilicitude. Uma vez que o autor não tomou a iniciativa de rescindir unilateralmente o contrato com fundamento nessa alteração, as consequências possíveis, face às posições assumidas pelas partes, são duas: condenação da ré a, no futuro, atribuir ao autor as funções correspondentes à sua categoria de vendedor externo, e relevância dessa baixa de categoria no pedido de indemnização por danos não patrimoniais. Mas são aspectos que não podem ser desde já considerados e decididos, uma vez que o primeiro dependerá da atitude que se venha a tomar quanto à licitude do despedimento do autor (infra, 3.3 e 3.4) e o segundo será mais adequadamente ponderado conjuntamente com os outros fundamentos em que assenta esse pedido indemnizatório (infra, 3.5).
No entanto, e antes de deixarmos suspensa esta questão, interessará deixar registadas as razões pelas quais o acórdão recorrido julgou ilícita a alteração de categoria. Ora, a este respeito, o acórdão recorrido, após desenvolvidas referências doutrinais e jurisprudências sobre a noção de categoria profissional, os seus diversos sentidos e os princípios pertinentes, consignou:
"No caso dos autos, o autor alegou que foi impedido do exercício das suas funções dentro da empresa ré, inerentes à sua categoria profissional de vendedor externo, ordenando-lhe a ré que desempenhasse as funções de vendedor interno e, mesmo assim, não lhe facultando os meios necessários.
Na sentença recorrida foi considerado que não houve mudança de categoria do autor, referindo-se o seguinte: «No caso dos autos não existe instrumento de regulamentação colectiva que trace o perfil funcional da categoria profissional de vendedor externo ou de vendedor interno, já que inexiste regulamentação para o sector de actividade em causa, ou seja, não podemos socorrer-nos dos conceitos que a categoria normativa nos poderia fornecer, para aquilatar se as funções de vendedor externo e as de vendedor interno são substancialmente diferentes, de modo a ocorrer uma situação de violação da protecção jurídica e constitucional da categoria, se um vendedor externo passar a desempenhar as funções de vendedor interno. O que ocorre nesta situação é uma matriz comum a ambas as funções que se traduz no desempenho duma actividade de vendedor, variando a forma de desempenho e local. Como é fácil de intuir e está expresso nos supra pontos 3 e 17 da matéria de facto, o vendedor externo exerceria o primordial das suas tarefas fora das instalações da ré, contactando directamente os clientes, enquanto o vendedor interno não visita clientes, nem realiza reuniões externas (vide supra ponto 30), contactando os clientes através de telefone ou outros meios de comunicação à distância, sempre de dentro da empresa (vide supra ponto 49). Portanto, o que variava era o modus faciendi e não as funções propriamente ditas, o que revela inexistir uma alteração da categoria estatuto. De facto, o autor nunca deixou de ser vendedor e também não alegou que o modo de exercício das funções de vendedor sofresse alteração substantiva que o impedisse do seu real e efectivo exercício, pelo facto de deixar de visitar directamente os clientes e passar a contactá-los de outra forma. O que é relevante é se o autor deixou de beneficiar do estatuto remuneratório e das demais regalias contratuais decorrentes do exercício da sua função, por força dessa alteração quanto ao modo de a mesma ser exercida.»
Quanto a esta questão, discordamos da sentença recorrida, não sendo necessário instrumento de regulamentação colectiva que trace o perfil funcional da categoria profissional de vendedor externo ou de vendedor interno, sendo suficiente, para a decisão da questão, a factualidade provada, designadamente, que contratualmente o autor tinha a categoria de vendedor externo.
Há que ter em conta o seguinte:
- o autor foi contratado para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de vendedor externo;
- na estrutura empresarial da ré existia também a categoria de vendedor interno;
- as funções e a forma de actividade das duas categorias referidas são diferentes - o externo desenvolve a actividade visitando os clientes; o interno contacta os clientes por telefone ou outros meios de comunicação à distância, sempre nas instalações da empresa;
- ao ser imposto ao autor o desempenho das funções de vendedor interno, a ré exigiu-lhe a entrega da viatura automóvel, que lhe tinha sido atribuída também (e principalmente) para o exercício das funções de vendedor externo.
Ora, tem diminuta relevância o facto de quer o vendedor externo quer o vendedor interno exercerem ambos as funções de vendedor, já que o modus faciendi é totalmente diferente.
Um vendedor externo, que goste de trabalhar no exterior, de forma dinâmica e estabelecendo relações directas com os clientes, pode não gostar e não aceitar o exercício das funções no interior das instalações da empresa, sem saídas para o exterior e sem o contacto directo e presencial com os clientes.
Tendo o autor sido contratado para as funções de vendedor externo e não de vendedor interno (existindo ambas as categorias na empresa), não podia a ré unilateralmente modificar a categoria do autor, contratada de vendedor externo, para vendedor interno.
Houve, assim, por parte da ré, violação de cláusula contratual, alterando as funções e a actividade do autor, que com ele contratara.
Veremos adiante se daí resultam as consequências defendidas pelo autora, nomeadamente a existência de danos não patrimoniais."
Feito este registo da motivação do juízo de ilicitude da alteração de categoria, deixa-se suspensa, pelas razões expostas, a determinação das respectivas consequências.
3.2. Quanto ao direito às comissões, foram concordantes as decisões das instâncias no sentido do seu não reconhecimento.
É entendimento que se subscreve pelas razões desenvolvidas nessas decisões, que o recorrente não logrou abalar.
Como se refere na sentença da 1.ª instância:
"Quanto ao não pagamento das comissões, verifica-se que a cláusula 3.ª do contrato de trabalho prevê que a remuneração do autor tem carácter misto, sendo composta por uma parte fixa de 180000$00 de remuneração mensal ilíquida e uma parte variável, paga a título de comissões, de 100000$00, correspondente a 100% do objectivo trimestral fixado pela empresa, paga proporcionalmente se o atingimento dos objectivos for igual ou superior a 80% do previamente fixado.
Portanto, face ao disposto nos artigos 82.°, 83.° e 84.° da LCT, as comissões constituíam a parte variável da retribuição do autor, devida desde que o mesmo atingisse os objectivos previamente fixados pela ré.
Provou-se que a ré apenas pagou ao autor a quantia de 220000$00 em relação ao último trimestre de 1998 e não lhe pagou qualquer comissão referente a Janeiro a Maio de 1999.
Competia ao autor provar que nos períodos mencionados atingiu os objectivos fixados pela ré que lhe concederiam o direito a receber comissões por valor mais elevado ou pela totalidade (artigo 342.°, n.º 1, do Código Civil).
O que se provou é que o autor nunca atingiu os objectivos fixados (supra ponto 88). Recebeu comissões nos primeiros quatro meses de vigência de contrato, porque a ré lhe concedeu uma «protecção de objectivos» (veja-se supra pontos 91 e 92) e não porque o Departamento onde o autor estava inserido tivesse obtido os objectivos fixados. Quanto aos meses de Janeiro a Maio de 1999, os mesmos não foram alcançados, não se justificando a «protecção de objectivos» anteriormente concedida por o trabalhador já ter ultrapassado a fase do «tirocínio» (veja-se supra ponto 93, onde consta que os objectivos traçados para os meses de Janeiro a Agosto, com excepção de Julho, não foram alcançados).
Invocou o autor que as normas internas referentes ao cálculo das comissões lhe estavam vedadas ou era dificultado o seu acesso de modo a não poder ocorrer um real e efectivo controlo se os objectivos tinham ou não sido atingidos.
O que se provou revela que não assiste razão ao autor já que os objectivos eram fixados na empresa e divulgados pela empresa aos trabalhadores (supra ponto 90) e a determinação das comissões era feita de acordo com a margem de comercialização da ré e não apenas com base nas facturação bruta (supra pontos 89 e 94).
Assim, temos de concluir que o autor não tem direito a receber as quantias reclamadas a título de comissões."
Tendo o autor alegado - alegação que reproduz no presente recurso de revista -que foi o facto de a ré ter alterado a sua situação, em Janeiro de 1999, nomeadamente por a partir de 23/24 de Março de 1999, a recorrida o ter impedido de desempenhar as suas funções profissionais, que lhe tornou impossível cumprir os objectivos, de cujo atingimento dependia o direito ao pagamento de comissões, o acórdão recorrido ripostou ter ficado provado que nem antes dessa situação ocorrer o recorrente atingira os objectivos, nem sequer nunca os atingiu (factos n.°s 91 e 88), pelo que não está provado (e ao autor competia o respectivo ónus), que, se não houvesse a dita alteração, o autor conseguiria atingir os objectivos de que dependia o pagamento de comissões.
É entendimento que se sufraga, pelo que improcedem as conclusões 15.ª a 23.ª da alegação do recorrente.
3.3. Quanto à nulidade do processo disciplinar, limita-se o recorrente, praticamente, a reproduzir o alegado no recurso de apelação, e que o acórdão recorrido proficientemente julgou, neste ponto, insuficiente, o que merece confirmação.
Relativamente ao primeiro fundamento invocado para sustentar a nulidade do processo disciplinar - basear-se a nota de culpa em factos relatados por testemunhas antes de estas terem prestado o seu depoimento, concluindo que faltou a nota de culpa, por esta ser inexistente -, importa recordar que, nos termos do n.° 2 do artigo 12.° do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante designado por LCCT), o processo disciplinar só é nulo se: a) faltar a comunicação referida no n.° 1 do artigo 10.°; b) não tiverem sido respeitados os direitos que ao trabalhador são reconhecidos nos n.°s 4 e 5 do mesmo artigo e no n.° 2 do artigo 15.°; c) a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos dos n.°s 8 a 10 do artigo 10.° ou do n.° 3 do artigo 15.°.
Ora, como se refere na sentença da 1.ª instância, "(...) temos de concluir que o facto de os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de inquérito estarem datados com data posterior à nota de culpa, não constitui vício conducente à invocada nulidade. Na verdade, nada impede que a ré possa ouvir as testemunhas verbalmente e só posteriormente venha a reduzir os depoimentos a escrito e os mesmos serem assinados com data posterior à nota de culpa. O que é relevante é que a nota de culpa descreva circunstanciadamente os factos imputados ao arguido trabalhador de modo que o mesmo possa apresentar a sua defesa e apresentar as suas provas. Se a entidade empregadora alicerça a nota de culpa em indícios frágeis ou em depoimentos apressados e pouco concludentes, decerto cairão por terra quando confrontados com as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador."
Este entendimento foi reiterado no acórdão recorrido, que, a propósito, consignou: "Na verdade, a entidade patronal, para elaborar a nota de culpa, serve-se do conhecimento directo dos factos ou dos relatos, que terceiros lhe façam. No caso em apreço, a nota de culpa existe e terá sido efectuada com base em declarações das testemunhas, que foram inquiridas no processo disciplinar (essas declarações terão sido verbais e anteriores aos depoimentos que prestaram por escrito no processo disciplinar, alguns dias depois). De qualquer modo, a entidade patronal não tinha sequer o ónus, ou dever, de dizer, na nota de culpa, se os factos imputados ao arguido eram do seu conhecimento directo ou através de terceiros."
Improcede, por estas razões, o primeiro fundamento invocado de nulidade do processo disciplinar.
Relativamente ao segundo fundamento - falta de análise e ponderação da defesa do trabalhador -, tal como as instâncias, também se entende que não se verifica esta nulidade, porquanto não está em causa a violação dos n.°s 4 e 5 do artigo 10.° da LCCT, já que não é alegado que o recorrente tenha sido privado dos direitos de consultar o processo e de responder à nota de culpa ou que não tenham sido efectuadas as diligências probatórias que requereu. É certo que o n.° 9 do citado artigo 10.° preceitua que "Na decisão devem ser ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador, bem como os pareceres que tenham sido juntos nos termos do n.° 7, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou dirimirem a responsabilidade". Porém, se, porventura, a entidade patronal não valorou os factos constantes da defesa do arguido, essa omissão ou "desconsideração" não tem a virtualidade de tornar nulo o processo disciplinar. Como se refere no acórdão recorrido, "sendo certo que a defesa do trabalhador deve ser ponderada na decisão, o que também é certo é que a lei não comina a nulidade do processo se a entidade patronal não lhe der relevo, bastando para a validade da decisão que os factos ali invocados constem da nota de culpa ou na defesa escrita do trabalhador."
Não ocorrem, assim, as alegadas nulidades do processo disciplinar, pelo que improcedem as conclusões 24.ª a 36.ª da alegação do recorrente.
3.4. Quanto à existência de justa causa para o despedimento, as decisões das instâncias já extensamente trataram dos requisitos legais desta figura e dos desenvolvimentos doutrinais e jurisprudenciais que tem suscitado, tornando dispensável a repetição, aqui e agora, dessas considerações. Apenas interessará sublinhar, dessas considerações, que o comportamento culposo do trabalhador apenas constitui justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, o que sucederá sempre que a ruptura da relação laboral seja irremediável na medida em que nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual aberta com aquele comportamento culposo. Aquela impossibilidade prática, por não se tratar de impossibilidade física ou legal, leva-nos para o campo da inexigibilidade, a determinar através do balanço, em conflito, dos interesses em presença: o da urgência da desvinculação e o da conservação do contrato de trabalho. Por isso se pode afirmar que existe justa causa de despedimento quando o estado de premência do despedimento seja julgado mais importante que os interesses opostos na permanência do contrato. Assim, somente se poderá concluir pela existência de justa causa, comparando-se a diferença dos interesses contrários das partes, quando, em concreto, e tendo em conta os factos praticados pelo trabalhador, seja inexigível ao empregador o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo laboral.
A inexigibilidade de permanência do contrato de trabalho envolve um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico - o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, que implica frequentes e intensos contactos entre os sujeitos. Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais, que ele importa, sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
Como este Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a decidir, verifica-se a impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador. Na verdade, a exigência geral de boa fé na execução dos contratos reveste, neste campo, de especial significado, por estar em causa o desenvolvimento de um vínculo caracterizado pela natureza duradoura e pessoal das relações dele emergentes (cfr. artigo 762.° do Código Civil). Assim justifica-se que se acentue o elemento fiduciário dessas relações, dado que o contrato de trabalho é celebrado com base numa recíproca confiança entre o empregador e o trabalhador, devendo as futuras relações obedecer aos ditames da boa fé e desenvolver-se no âmbito dessa relação de confiança. Sendo assim, é necessário que a conduta do trabalhador não seja susceptível de destruir ou abalar essa confiança, de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador.
Com base nestas considerações, a sentença da 1.ª instância entendeu que: "No caso em apreço, os factos provados, que essencialmente são os mencionados na nota de culpa e decisão de despedimento, foram provados pela ré, conforme se infere dos supra pontos 101 e seguintes da matéria de facto. A culpa do autor é manifesta e patente, considerando os comportamentos que teve em relação aos seus colegas de trabalho, quer denegrindo, junto dos mesmos, a imagem da ré, quer dos seus superiores hierárquicos, proferindo ofensas e injúrias aos mesmos, desobedecendo às suas ordens, ausentando-se injustificadamente do local de trabalho e manifestando junto de terceiros uma disponibilidade de trabalho por parte duma funcionária da ré, com manifesto desrespeito pelo dever de lealdade a que está obrigado por força do contrato de trabalho. Todos estes factos ocorreram num espaço de tempo relativamente curto, revelando grande intensidade e continuidade, os quais põem em causa a continuação da relação laboral que unia o autor à ré, por violação dos deveres consignados no disposto no artigo 20.°, n.º 1, alíneas a), b) e d), da LCT, dum modo culposo e grave, face à valoração que um homem médio, socorrendo-se de critérios objectivos e de razoabilidade, fará perante os factos. Encontrando-se preenchidos os supra requisitos enunciados no artigo 9.° da LCCT e ponderando todo o circunstancialismo descrito, considera-se a sanção de despedimento com justa causa, justificada, adequada e proporcional à conduta infraccional do autor (..)."
Este entendimento foi subscrito sem reservas pelo acórdão recorrido e merece ser confirmado, pois, na realidade, a conduta comprovadamente assumida pelo autor, pela deslealdade e falta de consideração em relação à entidade patronal que lhe subjaz, abalou de forma inexorável a relação de confiança indispensável à manutenção da relação laboral.
Improcedem, assim, as conclusões 37.ª a 56.ª da alegação do recorrente.
Retomando agora a primeira questão apreciada neste acórdão, que se deixara em suspenso, conclui-se que, apesar da ilicitude da alteração da categoria profissional de vendedor externo para vendedor interno, daí não resultam consequências quanto ao pedido de atribuição, no futuro, das funções correspondentes à categoria correcta, já que o recorrente veio a ser despedido com justa causa.
3.5. Relativamente ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, aceitando, de acordo com a jurisprudência que actualmente se pode considerar dominante, designadamente deste Supremo Tribunal de Justiça, a admissibilidade desse tipo de reparação no âmbito da responsabilidade contratual, é, no entanto, mister, como é óbvio, que o autor demonstre que sofreu tais danos, que esses danos sejam objectivamente graves e merecedores da tutela do direito e que sejam consequência adequada da violação dos deveres contratuais por parte da entidade patronal.
No caso dos autos, o autor alicerçou o pedido de indemnização por danos não patrimoniais fundamentalmente na acção persecutória e de má fé da ré, mantendo-o em total inactividade, à margem da empresa, votado ao total ostracismo, desgastando-o psicologicamente.
Porém, como se refere na sentença da 1.ª instância, confirmada pelo acórdão recorrido, a matéria de facto não revela esse quadro alegado, conforme decorre da leitura dos factos provados: a ré sempre atribuiu trabalho ao autor (poderia não ser aquele que o autor achava que deveria realizar) e os meios para o realizar de acordo com as tarefas atribuídas, pelo que não se encontra provada factualidade que conduza no sentido alegado pelo autor. Apenas está provado que a ré lhe retirou o veículo automóvel e que lhe alterou as funções de vendedor externo para vendedor interno, mas não está provado o nexo causal entre estes factos e o estado de desgosto, intranquilidade, nervos e afectação de saúde, que o autor veio a apresentar.
Na verdade - como bem sublinham as decisões das instâncias -, o autor alegava muitos outros factos (por exemplo, má fé, agressividade e perseguição pela ré), aliás de muito maior gravidade, causadores de tal estado; porém, não os logrou provar.
As instâncias consideraram que os únicos factos que resultaram provados não assumiam gravidade suficiente para causar as consequências negativas na saúde e no bem estar emocional, que de facto o autor veio a sofrer, dado que - repete-se - os factos mais graves, imputados pelo autor à ré, no desencadeamento de tais consequências, não se provaram, sendo certo que os factos provados normalmente não desencadeariam tais consequências, tendo em conta as circunstâncias que os rodearam (a retirada do automóvel ao autor decorria naturalmente do facto de ele ter passado a trabalhar como vendedor interno, e não externo, e, por outro lado, o autor não foi impedido de trabalhar).
Por falta do requisito do nexo de causalidade, não há lugar a indemnização por danos não patrimoniais, nem se evidencia, por parte da ré, qualquer conduta integradora de abuso de direito ou de litigância de má fé.
Improcedem, assim, as conclusões 1.ª a 14.ª, 57.ª e 58.ª da alegação do recorrente.
3.6. Por último, resta a questão dos descontos para a segurança social, que o acórdão recorrido desatendeu por não se ter provado que os descontos efectuados incidissem sobre quantia inferior à da remuneração mensal do autor.
O recorrente insiste na questão por entender que tinha direito a comissões e que também sobre estas deviam recair descontos. Porém, esse direito às comissões não lhe foi reconhecido (supra, n.º 3.2), pelo que cai pela base o fundamento dessa sua reclamação.
Improcedem, assim, as conclusões 60.ª e 61.ª da alegação do recorrente, e, consequentemente, também a conclusão 62.ª, meramente conglomeradora das anteriores.
4. Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 27 de Novembro de 2002.
Mário José de Araújo Torres,
Vítor Manuel Pinto Ferreira Mesquita,
Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares.