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Sumário
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Na "A da Liga Portuguesa de Futebol Profissional" foi proposta uma acção declarativa pela qual B pediu contra o C a sua condenação a pagar-lhe 8.100.000$00 correspondentes a retribuições em atraso no âmbito de um contrato individual de trabalho desportivo, mais 552.160$00 de juros de mora já vencidos e os vincendos até efectivo pagamento à taxa legal.
Houve contestação do aí demandado, na qual, além do mais, se reconveio pedindo a condenação do jogador a pagar ao clube uma indemnização de 8.100.000$00.
A A proferiu decisão pela qual julgou inexistente a justa causa de rescisão invocada pelo jogador, improcedente a pretensão indemnizatória nela fundada, procedente a acção na parte em que tem como causa de pedir a falta de retribuição do mês de Setembro de 1999 e os primeiros 18 dias de Outubro seguinte, no total de 1.440.000$00, acrescida de juros à taxa legal de 7% desde a data em que deveriam ter sido pagos e procedente a reconvenção no montante de 6.660.000$00.
O referido B propôs depois contra o mesmo C, pela 6ª Vara Cível do Tribunal Judicial do Porto, uma acção declarativa onde pediu a anulação da decisão proferida pela A e que se condene ainda o réu a pagar-lhe 8.652.160$00, correspondentes a capital e juros de mora vencidos, tudo acrescido dos juros de mora que à taxa legal e até integral pagamento se vencerem sobre 8.100.000$00.
Subsidiariamente pediu que se mantenha essa mesma decisão arbitral apenas na parte em que lhe foi favorável - a condenação do C a pagar-lhe 1.440.000$00 e juros -, declarando-se nula na parte restante.
Na sequência da contestação do réu - o qual, além do mais, excepcionou a incompetência do tribunal em razão da matéria e, também, do território, indicando como competente o Tribunal do Trabalho de Vila Real -, foi proferido despacho saneador que declarou a incompetência do tribunal em razão da matéria e disse ser competente o Tribunal do Trabalho de Vila Real.
Em agravo do autor a Relação do Porto proferiu acórdão que lhe negou provimento.
Inconformado, o autor interpôs ainda este agravo em 2ª instância no qual pede a revogação do que vem decidido, formulando, ao alegar, conclusões com o seguinte teor:
1. A questão primordial é a de saber se as Varas Cíveis da cidade do Porto serão (ou não) competentes para a apreciação concreta do assunto trazido a juízo.
2. No caso sub judice estamos essencialmente perante uma efectiva acção de anulação de uma decisão de um tribunal arbitral (da A Paritária da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, sediada naquela cidade do Porto).
3. Aplicando os vários critérios de competência previstos na lei, e do ponto interno, no que concerne à matéria, será competente o tribunal comum - tribunal civil - uma vez que não existe nenhuma indicação concreta deste tipo de acção (de anulação) a uma jurisdição especial (cfr. art. 66º do CPC), ou a um tribunal de competência especializada (cfr. art. 67º do mesmo diploma).
4. A competência territorial para conhecer da acção de anulação deverá caber ao tribunal em cuja secretaria se encontra a sentença arbitral.
5. É possível ao tribunal judicial pronunciar-se sobre a relação litigada quando a parte assim lho solicite.
6. Pretendendo a parte que o tribunal judicial dirima o litígio, deverá deduzir dois pedidos na acção: um primeiro de anulação, e um segundo conforme à respectiva pretensão substantiva.
7. Perante as posições adoptadas, deveria o tribunal a quo se ter pronunciado de forma diversa àquela que decidiu, julgando-se então competente (a referida Vara Cível do Porto) para apreciação do caso sub judice, e em consequência pronunciar-se sobre a questão fundamental e principal colocada (a da anulação da decisão arbitral) e, subsidiariamente, da questão da condenação do clube réu.
8. Apesar do litígio submetido à A emergir do contrato de trabalho, tal facto não terá a virtualidade de atribuir competência aos tribunais do trabalho para o conhecimento da acção de anulação.
9. O pedido de anulação da sentença arbitral não emerge directamente da relação laboral, embora esta lhe seja subjacente.
10. Os tribunais de trabalho só têm competência para conhecer das questões que a lei taxativamente lhes atribui.
11. Os tribunais de trabalho não são competentes para conhecer do pedido de anulação da sentença proferida pela A constituída no âmbito do CCT celebrado entre o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, com fundamento na incompetência da A para dirimir o litígio laboral surgido entre o jogador e o clube.
12. Não existindo afectação da acção de anulação nem a jurisdição especial, nem a tribunal de competência especializada, o tribunal competente em razão da matéria será o tribunal de competência genérica.
13. Assim a douta sentença recorrida violou, entre outros, os arts. 66º, 67º e 668º, nº 1, al. d) do CPC e ainda o nº 1 do art. 27º da Lei nº 31/86, de 29/8.
Respondeu o agravado no sentido da improcedência do recurso.
Defendeu, em síntese, que o tribunal judicial a que se refere o art. 27º da Lei nº 31/86, de 29/8 - à qual pertencerão as normas que de seguida referirmos sem outra menção identificadora -, é aquele que seria competente para a acção que foi submetida à arbitragem, que o pedido subsidiário formulado pelo autor nunca poderia ser apreciado em tribunal cível por caber na competência própria do Tribunal do Trabalho, que pelos critérios legais de competência em razão do território a acção cabe ao Tribunal do Trabalho de Vila Real e que, a entender-se que a acção não deve ser submetida à apreciação do Tribunal do Trabalho, então caberá ao Tribunal Judicial de Chaves.
Neste STJ o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer também no sentido da parcial procedência do recurso e de que deverá decidir-se no sentido da competência do Tribunal Judicial de Chaves.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os factos a considerar constam do relatório supra.
Cabe, em princípio, aos tribunais instituídos pelo Estado a missão de regular de acordo com o direito - ainda que isso passe, nos casos em que há permissão legal, pelo recurso à equidade - as situações que justifiquem a intervenção de um órgão que exerça o poder jurisdicional.
Permite, porém, a Constituição a existência de tribunais arbitrais - cfr. o seu art. 209º, nº 2.
E para reger os traços essenciais do funcionamento destes foi publicada a Lei nº 31/86, de 29/8, na qual, definindo-se os princípios fundamentais a respeitar - cfr. art. 16º - e os elementos indispensáveis para a regularidade da decisão a proferir - cfr. art. 23º -, se lhes concedem poderes para produção de qualquer prova admitida em processo civil - cfr. art. 18º, nº 1 - e se confere às suas decisões a força executiva própria da sentença do tribunal de 1ª instância - cfr. art. 26º, nº 2.
Esta autonomia do tribunal arbitral, que abrange o poder de apreciação da sua própria competência - cfr. art. 21º -, cessa com o cumprimento da missão conferida aos árbitros, dizendo-se que o poder jurisdicional destes finda com a notificação do depósito da decisão que pôs termo ao litígio ou, quando tal depósito seja dispensado, com a notificação desta às partes - cfr. art. 25º.
Assim, não cabe já aos árbitros - ao contrário do que anteriormente resultava da conjugação dos arts. 1522º, 716º, 667º e 668º do CPC - superar as nulidades de natureza processual de que a decisão eventualmente padeça.
E o meio a usar para ultrapassar essas nulidades - enunciadas nas diversas alíneas do art. 27º, nº 1 - é o pedido da respectiva anulação pelo tribunal judicial, ou em via de recurso, ou em acção intentada para o efeito se o recurso não for possível ou, sendo-o, não for interposto - cfr. arts. 27º, nº 1 e 3 e 28º, nº 2.
A Lei nº 31/86 não esgota, porém, a regulamentação da competência para este efeito, pois não vai além da referência aos tribunais judiciais - com o que se limita a afastar desta questão a solução que passe pela atribuição da competência aos tribunais de outras ordens judiciárias - e da indicação, confirmativa da mesma ideia, de que os recursos serão dirigidos ao Tribunal da Relação.
Silencia, pois, qual é o tribunal competente para a acção de anulação.
Teremos, assim, que averiguar, para que o saibamos, que soluções nos pode dar a LOFTJ - Lei nº 3/99, de 13/1 - e que são, adiante-se já, diversas das que com acentuada coincidência são consagradas noutros países no âmbito da regulamentação específica do processo arbitral - na Alemanha a anulação será pedida, ou no tribunal regional superior designado na convenção de arbitragem, ou, não o sendo, no tribunal regional superior do distrito onde está situado o lugar do procedimento arbitral (§§ 1059 e 1062 Z. P. O.), na Itália sê-lo-á no tribunal de 2ª instância com jurisdição no local da sede da arbitragem (arts. 827º e 828º do Codice di Procedura Civile), em França sê-lo-á, finalmente, no tribunal de 2ª instância da circunscrição onde a sentença arbitral tiver sido proferida (art. 1486º do Nouveau Code de Procédure Civile).
E entre nós?
Exceptuando os casos referidos nos arts. 36º, al. c) e 56º, nº 1, al. b) da LOFTJ, aqui não verificados, as acções são propostas em tribunais de 1ª instância, que podem ser de competência genérica, de competência especializada e de competência específica
Estes últimos, cuja competência para acções declarativas é definida em função do valor da causa - cfr. o seu art. 97º, nº 1 -, não interessam agora, devendo a nossa atenção centrar-se nos das duas primeiras categorias.
A este propósito é de dizer que, por um lado, cabe aos primeiros tudo aquilo que não for atribuído a qualquer dos outros, podendo dizer-se, por isso, que a competência dos tribunais de competência genérica é residual.
Por outro lado, sabendo-se que tudo o que compete aos tribunais de competência especializada seria, a não existirem estes, da esfera de actuação dos tribunais de competência genérica - numa perspectiva de competência material são, actualmente, desta natureza os tribunais de competência específica, como é o caso das varas cíveis e dos juízos cíveis; assim resulta do confronto do art. 78º desta Lei com o art. 56º da Lei nº 38/87, de 23/12, que a antecedeu -, podemos ter como seguro que serão este últimos, ainda, os competentes sempre que as regras de competência territorial apontem para a propositura da acção em local que não esteja incluído na área de jurisdição de um tribunal de competência especializada que para ela pudesse ser materialmente competente - ou seja, pode suceder que um tribunal de competência genérica seja, em concreto, competente para uma acção que caberia a um tribunal de competência especializada se algum houvesse territorialmente competente na sua área.
Considerando agora o leque de tribunais de competência especializada, deles sobressaem, com manifesta proximidade face ao que aqui se discute, os tribunais do trabalho, tendo sido entendido nestes autos que seria materialmente competente o tribunal do trabalho de Vila Real, porque a sua área de competência abrange a da comarca de Chaves, onde está sediado o réu - cfr. a al. d) do citado art. 78º e o mapa VI anexo ao DL nº 186-A/99, de 31/5.
E isto porque, de entre as conexões previstas no art. 85º da LOFTJ, seria convocável a da sua al. b) - a entender-se, como se entendeu, que a discussão da validade da decisão arbitral seria também, dado o objecto sobre a qual recaiu, uma questão emergente de relação de trabalho subordinado ou que, pelo menos, tal se passaria com os pedidos que lhe foram cumulados.
Vamos por partes.
Na terminologia que usam nas suas peças alegatórias as partes - agravante e agravado - qualificam de subsidiárias as questões que respeitam à decisão do conflito laboral propriamente dito.
No entanto, não é esta a estrutura que deve reconhecer-se ao pedido formulado na petição inicial.
Na verdade, ao pedido de anulação integral da decisão arbitral acresce, em autêntica cumulação, o pedido de condenação do réu a pagar 8.652.160$00, correspondentes a capital e juros de mora vencidos, tudo acrescido dos juros de mora que à taxa legal e até integral pagamento se vencerem sobre 8.100.000$00. Pressupondo este último, para proceder, a procedência daquele pedido de anulação integral, e não a sua improcedência, nunca caberia no conceito de pedido subsidiário definido no art. 469º do CPC.
Por outro lado, subsidiário é apenas o pedido de anulação da decisão arbitral limitada à parte em que não foi favorável ao autor e da sua manutenção na parte em que o foi - a condenação do C a pagar-lhe 1.440.000$00 e juros -, já que pressupõe a improcedência daquele pedido de anulação integral.
Isolando agora os pedidos de anulação, temos que reconhecer que a seu respeito, a serem formulados isoladamente, não poderia concluir-se pela competência material do tribunal do trabalho.
Questões emergentes de relação de trabalho subordinado são aquelas que assentam em factos - causa de pedir - integrados numa relação dessa natureza; como se disse no acórdão proferido por este STJ em 3/5/00, agravo nº 231/00, 1ª secção, cujos relator e adjuntos o são também neste, tais questões serão aquelas "... que são conteúdo essencial dessa relação, ou, dito com mais precisão, aquelas que respeitam a direitos e deveres recíprocos, a ela inerentes, daqueles que aí são partes, nomeadamente a entidade patronal e o trabalhador".
No pedido de anulação da decisão arbitral a causa de pedir tem de reconduzir-se a um dos circunstancialismos previstos, como se disse já, nas diversas alíneas do nº 1 do art. 27º, que apenas prevêem hipóteses que respeitam à relação processual de arbitragem estabelecida para decisão de questões emergentes da relação laboral. São vícios equiparáveis a nulidades processuais - cfr. Paula Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 52º, pgs. 946-947.
Invocou, na realidade, o autor, ora agravante, as das al. b) e e) - irregularidade de constituição do tribunal e omissão de pronúncia.
Sendo esta a causa de pedir subjacente ao pedido de anulação, temos como certo que se não pode dizer que se está, quanto a ela, perante questão emergente de relação de trabalho subordinado - cfr., neste sentido, o acórdão proferido em 11/10/01 por este STJ no agravo nº 2417/01, 7ª secção.
E, no seguimento previsível desta constatação, haveria que dizer que a presente acção, ao ser proposta através da 6ª Vara Cível do Porto, o foi em tribunal materialmente competente para tal pedido.
Esta orientação tem, entre nós, o apoio da doutrina - o que se abona com os exemplos de Paula Costa e Silva, estudo citado, pg. 956 e ainda, debruçando-se expressamente sobre a anulação de decisão da A, D, Arbitragem Desportiva, Revista do Ministério Público, Ano 22, nº 87, pgs. 134-137; estes autores escrevem tendo presente a Lei nº 38/87, de 23/12, que consagrava, nesta matéria, soluções idênticas às da actual LOFTJ.
Não tem qualquer apoio na lei que entre nós vigora a ideia, sustentada pelo agravado, segundo a qual é competente para a acção de anulação o tribunal ao qual caberia a acção sobre o litígio material se não houvesse convenção de arbitragem.
Importa, porém, atentar numa diferença significativa verificada nestes autos.
Ao contrário do que se passou na acção onde foi proferido o acórdão de 11/10/01 - na qual, apenas sendo pedida a anulação da decisão arbitral, o tribunal judicial intervinha com uma função puramente cassatória, não lhe sendo pedido que se imiscuísse na decisão do litígio material subjacente -, nos presentes autos houve a já referida cumulação de pedidos - de configuração possível na óptica da exigência da compatibilidade substancial a que se refere o art. 470º do CPC, com a única e irrelevante especificidade de, improcedendo o primeiro, terem que improceder os restantes.
Entende-a admissível Paula Costa e Silva - cfr. o estudo citado, pg. 961, bem como, ainda, Os Meios de Impugnação de Decisões Proferidas em Arbitragem Voluntária no Direito Interno Português, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 56, I, pg. 188 -, mas sem abordar esta questão na perspectiva da eventual incompetência material do tribunal para os pedidos cumulados com o de anulação.
Não sendo de discutir aqui o acerto dessa cumulação face à convenção de arbitragem - ainda que esta permanecesse actuante, haveria uma simples preterição de tribunal arbitral voluntário que não foi arguida e não é de conhecimento oficioso, como preceitua o art. 495º do CPC -, há que analisar a situação dentro desta última perspectiva - a da eventual incompetência material do tribunal para pedidos cumulados com o de anulação.
Para estes pedidos emergentes da relação laboral, se fossem formulados isoladamente e sem as implicações provenientes da convenção de arbitragem, seria indubitável ser materialmente competente o tribunal do trabalho.
Mas, cumulados em tribunal de competência genérica com o pedido de anulação da decisão arbitral, gera-se uma situação de pedidos nessa medida processualmente incompatíveis - já que seriam, aqueles e este, da competência material de tribunais diferentes, uma vez que nada prevê que a dedução do pedido de anulação nesse tribunal implique, por virtude da referida cumulação, o correlativo alargamento pontual da sua competência -, pelo que se teria de proferir decisão da qual resultasse a absolvição de instância quanto aos pedidos não incluídos na medida de jurisdição própria do tribunal onde a acção foi proposta - cfr., neste sentido, José Alberto dos Reis, Comentário, III, pg. 168.
Terá, no caso, que ser assim?
A al. o) do citado art. 85º da LOFTJ confere aos tribunais do trabalho competência para conhecer de questões, estabelecidas entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho, que sejam emergentes de relações que tenham com a relação de trabalho um laço de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência e desde que o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente.
Através deste mecanismo pode, pois, suceder que seja proposta em tribunal do trabalho uma acção em que se formule um pedido que não caberia, normalmente, no âmbito da sua competência mas que passa a aí caber por virtude da referida cumulação de pedidos.
E, uma vez que se não concebe que, no plano da competência material, uma acção possa caber simultaneamente na competência de mais do que um tribunal de espécies diferentes, concluir-se-ia que devido a essa cumulação o tribunal de competência genérica teria, por inteiro, deixado de ser competente para uma acção onde fossem formulados pedidos com tal configuração, passando a sê-lo, para todos eles, o tribunal do trabalho.
Em tal caso, portanto, a solução não seria a de absolvição parcial da instância nos moldes acima mencionados, mas a de total absolvição da instância, tal como as instâncias decidiram, mas com diverso fundamento.
Entende-se que o alargamento da competência do tribunal do trabalho que resulta da al. o) do citado art. 85º se funda na circunstância de a especial conexão nela definida envolver a conveniência de uma apreciação unitária das relações em causa, dada a relativa interdependência que em concreto se registará entre as diversas relações conexas e, consequentemente, entre os direitos e obrigações que são conteúdo de umas e outras.
Alberto Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho Anotado, 4ª edição, pgs. 80-81, define assim estes laços de conexão:
- há acessoriedade quando a causa subordinada é objectivamente dependente do pedido da causa principal, ainda que tenha por finalidade garantir as obrigações derivadas da relação fundamental;
- há complementaridade quando, sendo ambas as relações autónomas, a vontade das partes converte uma em complemento da outra;
- há dependência quando, havendo a mesma autonomia objectiva, o nexo entre ambas as relações é tão forte que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal.
Ora, sendo assim, é de concluir que os aludidos nexos de acessoriedade, de complementaridade e de dependência pressupõem a natureza substantiva das relações conexas.
O que envolverá a constatação de que, não havendo, no caso, a conexão legalmente relevante para o efeito porque a relação estabelecida entre as partes no âmbito do procedimento conducente ao proferimento da decisão arbitral é de natureza adjectiva, não há que fazer funcionar aquela al. o); aliás, poderá ainda dizer-se que, no caso presente, não é o pedido de índole laboral que recebe a cumulação de um outro pedido acessório, complementar ou dele dependente, sendo, antes, o contrário aquilo que teria verificação: pedido principal seria o de anulação, dependente seria o pedido laboral.
Não poderia, pois, funcionar a mencionada al. o).
Daí que a competência material para o pedido de anulação nunca coubesse ao tribunal do trabalho, mas, antes, ao de competência genérica.
E, proposta que foi a acção neste última, a sua competência para esse pedido não pode deixar de ser reconhecida e afirmada, bem como não pode deixar de reconhecer-se a sua incompetência material para o pedido directamente assente na relação laboral - sendo de confirmar, nessa medida, a declaração de que a competência para o seu julgamento caberá ao Tribunal do Trabalho de Vila Real.
Não pode afirmar-se, ao contrário do que defende o agravado e propõe o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a competência territorial do Tribunal Judicial de Chaves porque, não se estando perante questão de conhecimento oficioso - cfr. art. 110º, nº 1 do CPC, cuja previsão aqui não está preenchida - e não tendo sido proferida nas instâncias decisão sobre a questão da incompetência territorial da 6ª Vara Cível do Porto - mas apenas sobre a sua incompetência material -, tal constituiria uma decisão nova que não cabe a este STJ proferir em via de recurso. Quando no acórdão recorrido se escreveu, em sede de fundamentação, que, a não ser competente o tribunal do trabalho, o seria o Tribunal Judicial de Chaves, usou-se um argumento que não conduziu à decisão, antes foi o anúncio do que poderia ser decidido se o entendimento seguido fosse diferente do que efectivamente foi.
Não há, pois, uma decisão nesse sentido e que este STJ possa confirmar.
Nem o art. 107º, nº 1 do mesmo diploma obriga este STJ a declarar qual é o tribunal competente em razão do território, mas apenas em razão da matéria ou da hierarquia.
É o que se extrai da sua letra e da sua inserção sistemática, assim como do seu confronto com a solução segundo a qual as questões de incompetência relativa apenas admitem recurso até à Relação - cfr. art. 111 nº 4 do CPC.
Impõe-se, portanto, reconhecer a procedência parcial do agravo.
Por isso, concedendo-se provimento parcial ao agravo, revoga-se o acórdão recorrido na parte em que negou à 6ª Vara Cível do Porto a competência material para a apreciação do pedido de anulação da decisão arbitral, deixando-se assim declarada, apenas nessa medida, a sua competência para esta acção.
No mais, nega-se provimento ao agravo, deixando-se declarada a competência do Tribunal do Trabalho de Vila Real para apreciação do que é pedido com base na relação laboral.
Aqui e nas instâncias o agravante suportará metade das custas, ficando a responsabilidade quanto ao restante dependente do que a final vier a ser decidido.
Lisboa, 5 de Dezembro de 2002
Ribeiro Coelho
Garcia Marques
Ferreira Ramos