Sumário

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I - "A", intentou acção com processo ordinário contra B, pedindo se julgue nulo o contrato de compra e venda feito pelo réu, usando este uma procuração já então revogada.

Contestando, o réu sustentou a validade da procuração e do negócio jurídico efectuado.

O processo prosseguiu termos, tendo a autora requerido a intervenção principal provocada da mulher do réu, o que foi deferido.

O réu agravou do despacho.

A interveniente apresentou contestação.

Teve lugar audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual a interveniente interpôs recurso de agravo.

Foi proferida sentença que julgou a acção procedente.

Apelou o réu.

O Tribunal da Relação revogou o despacho que admitiu a intervenção principal provocada, não conheceu do agravo interposto pela interveniente e revogou a sentença, absolvendo o réu da instância.

Inconformada, recorre a autora para este Tribunal.

Formula as seguintes conclusões:
- Contrariamente ao pretendido pelo recorrido e ao decidido, a nosso ver erradamente pela Relação de Évora, em devido tempo e nos contornos da Lei deduziu a autora, ora recorrente um incidente de intervenção principal provocada;
- Efectivamente o referido incidente foi deduzido nos termos dos artigos 322 nº 1, primeira parte, e 320º alínea a) que remete para o artigo 28º todos do CP Civil;
- De facto tratando-se de um litisconsórcio necessário nos termos do artigo 28º e 28ºA do CP Civil poderá a intervenção ser admissível a todo o tempo enquanto não estiver definitivamente julgada a causa, artigo 322º nº 1, primeira parte e artigo 320º, alínea a) do CP Civil;
- A referida intervenção foi deduzida nos termos do artigo 325º nº 1 e 3 do CP Civil;
-Tratando-se de uma intervenção principal provocada em litisconsórcio pode ser deduzida em requerimento autónomo, conforme sucedeu no caso em apreço nos presentes autos;
- O artigo 327º nº 3 do CP Civil apenas fixa prazo para a dedução de incidente de intervenção provocada em articulado próprio;
- No que diz respeito a dedução em simples requerimento, como é o caso em apreço nos presentes autos, o artigo 327º do CP Civil não marca prazo;
- Neste sentido a posição defendida pela doutrina e pela jurisprudência é a de que deverá observar-se para a dedução do incidente da intervenção provocada em litisconsórcio e em simples requerimento autónomo o que para o incidente de intervenção principal espontânea dispõe o artigo 322º nº 2. Isto é, o incidente de intervenção provocada pode ser deduzido em simples requerimento "a todo o tempo enquanto não estiver definitivamente julgada a causa", claro que isto só é assim para a espécie de intervenção provocada que a Lei permite a dedução em simples requerimento, ou seja a intervenção em litisconsórcio;
- Donde não se pode confundir a intervenção principal provocada em litisconsórcio, como é o caso dos presentes autos, com aquela outra que é a intervenção principal provocada em coligação, visto que esta última apenas pode ser deduzida em articulado próprio;
- É de facto a intervenção principal provocada em coligação que está limitada ao prazo estabelecido no artigo 327º nº 3 do CP Civil e já não a intervenção principal provocada em litisconsórcio como é o caso dos presentes autos, para a qual o artigo 327º do CP Civil, não estabelece prazo;
- De facto, tratando-se no caso em apreço de um litisconsórcio necessário nos termos do artigo 28ºA nº 3 em conjugação com o artigo 28º nº 1 ambos do CP Civil, este é justamente o caso em que a lei processual possibilita a dedução do incidente de intervenção provocada até que a causa esteja definitiva julgada, por força do disposto nos artigos 322º nº 1, primeira parte e 320º, alínea a) ambos do CP Civil;
- Aliás, nos termos do artigo 328º nº 2, alínea a) do CP Civil o simples chamamento, deduzido, no caso em apreço, pela autora, ora recorrente, mesmo que não seguido de intervenção supre, só por si, a falta de litisconsórcio inicial constituindo a sentença caso julgado quanto à ré mulher, uma vez que se trata de um litisconsórcio inicialmente necessário. O chamamento de terceiro que se deveria ter associado passivamente com o réu legitima essa parte.

Contra-alegando, o recorrido defende a manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.




II - Vem dado como provado:

Na acção ordinária, que A move a B, foi, em 30.06.99, proferido despacho saneador, do qual não foi interposto recurso e onde se declarou gozarem as partes de capacidade e serem legítimas;

Em 08.07.99, a autora veio requerer a intervenção principal de C alegando ser a chamada casada com o réu em regime de comunhão geral de bens e que o pedido, se provido, repercutir-se-á na sua esfera patrimonial;

Notificado, o réu deduziu oposição, considerando ser intempestiva essa requerida intervenção;

A referida chamada, citada, veio alegar, entre outros, a intempestividade do chamamento e apresentar contestação;

Até fins de Fevereiro, início de Março, a autora e o réu não se conheciam;

Em 9 de Abril de 1996, a autora, por escrito por si assinado, com reconhecimento notarial da assinatura, outorgou procuração ao réu, na qual concedeu a este "os poderes necessários para vender pelo preço e nas condições que entender quaisquer prédios ou direitos prediais, podendo outorgar e assinar as respectivas escrituras", mais declarando que "o mandatário poderá servir-se desta procuração para a prática de negócio consigo mesmo";

Dias antes de 3 de Setembro de 1996, no estabelecimento da autora, o réu deu o seu acordo à revogação da referida procuração;

No dia 3 de Setembro de 1996, a autora, por escrito por si assinado, sob o título "revogação" e após consignar a sua identificação, declarou o seguinte: "Declara que revoga a partir de hoje todas e quaisquer procurações que tenha passado a favor de B";

Na sequência deste escrito a autora exigiu ao réu a restituição da procuração, tendo este referido que a restituiria mais tarde, mas nunca o tendo feito até ao presente;

Por escritura pública outorgada em 13 de Novembro de 1997, celebrada no 11º Cartório Notarial de Lisboa, o réu, em nome da autora, vendeu a si próprio, pelo preço de 120 contos, 747/102450 avos indivisos do prédio rústico, sito nem Lagoa ou Sachola, freguesia de Castelo, concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o nº 1385, inscrito no registo a favor da autora pela inscrição G-149 e na matriz predial rústica sob o artigo 13º da secção "I";

Esta escritura foi outorgada sem conhecimento e contra a vontade da autora;

O réu nunca entregou à autora o preço referido na escritura;

A aquisição do réu à autora encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra pela inscrição gG-204;

No dia 13 de Abril de 1998, o réu foi notificado por notificação judicial avulsa requerida pela autora, no sentido de tomar conhecimento que a procuração tinha sido revogada em 3 de Setembro de 1996, com efeitos a partir dessa data;

O réu entregou à autora o cheque nº ........, do Banco ........, no valor de 1500 contos;

O réu casou, segundo o regime de comunhão geral de bens, em 11 de Novembro de 1956, com C.




A autora requereu a intervenção principal provocada da mulher do réu alegando que se o pedido formulado viesse a obter provimento, tal repercutir-se-ía na esfera patrimonial da chamada, que é casada em regime de comunhão geral de bens com o réu.

A intervenção foi admitida por se considerar existir uma situação de litisconsórcio necessário.

Interposto competente recurso, o Tribunal da Relação revogou o despacho que admitiu a intervenção e absolveu o réu da instância por ilegitimidade, considerando-se, contudo, que de fundo a acção devia proceder.

Recorre por isso a autora.

A questão que se coloca é a de saber se é ou não de admitir a intervenção principal provocada da mulher do réu.

Diga-se como ponto prévio que não tem razão o recorrido quando defende que ao determinar-se no despacho saneador que não havia excepções dilatórias, formou-se caso julgado formal, o que impede o juiz de voltar a pronunciar-se sobre a legitimidade processual da parte.

O despacho saneador que genericamente declare serem as partes legítimas, não constitui caso julgado. Efectivamente, determina o artigo 510º nº 3 do C. Processo Civil que o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas. Não houve no caso apreciação concreta de qualquer questão, mas tão só uma declaração genérica, tabelar, que não tem por isso força do caso julgado.

Vejamos então a problemática em causa.

A reforma do processo civil de 1995 suprimiu, como incidentes autónomos, os incidentes de nomeação à acção, o chamamento à demanda, o chamamento à autoria, mas manteve, no que aqui interessa, a intervenção espontânea e a intervenção provocada.

O artigo 320º do C. Processo Civil, que corresponde grosso modo ao anterior 351º, estipula que estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos do artigo 27º e 28º e aquele que, nos termos do artigo 30º, pudesse coligar-se com o autor, sem prejuízo do disposto no artigo 31º.

Para além desta intervenção espontânea, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (artigo 325º nº 1 do CPC), sendo esta intervenção provocada ainda admissível noutras situações que aqui não importa considerar.

Procura-se com a intervenção principal permitir a participação de terceiros que sejam titulares de uma situação subjectiva própria, paralela à invocada pelo autor ou pelo réu e quer essa situação seja activa quer seja passiva.

Visa-se conseguir a participação de um interveniente que gozará de todos os direitos da parte principal a partir do momento da sua intervenção. Evitar-se-á assim em parte a propositura de mais uma acção sobre a mesma relação jurídica.

Dúvidas não se colocam no caso em análise sobre a existência de litisconsórcio necessário, já que devem ser propostas contra marido e mulher, entre outras, as acções de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados (artigos 28º, 28ºA e 29º do CP Civil).

Ora, da procedência da acção pode resultar tal perda.

O cerne do problema situa-se, porém, noutro plano que é o da tempestividade do requerimento feito.

No bem fundamentado acórdão considerou-se que o chamamento para a intervenção provocada só é admissível até ao momento em que é possível deduzir intervenção espontânea em articulado próprio, ou seja, em síntese, até ser proferido saneador, se este existir (como é aqui o caso) - artigos 326º nº 1 e 323º nº 1 do mencionado Código.

Tendo a intervenção provocada sido requerida após o saneador, tal chamamento não seria admissível, pelo que o réu permaneceria sozinho na lide, o que acarretaria a sua ilegitimidade, com a consequente absolvição da instância.

Pensamos que não é assim, uma vez que a referida regra geral comporta excepções.

O artigo 269º do CP Civil determina que até ao trânsito em julgado da decisão que julgou ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir nos termos dos artigos 325º e seguintes; quando essa decisão tiver posto termo ao processo, o chamamento pode ter lugar nos trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado, considerando-se renovada a instância extinta se esse chamamento for admitido.

Tratando-se de uma situação litisconsorcial, em que a intervenção provocada é necessária para assegurar a legitimidade das partes, como é o caso, a mesma é tempestiva.

Nem o contrário, afigura-se-nos, faria sentido.

Poder-se-ía recorrer ao mencionado artigo 269º para sanar a ilegitimidade no caso de litisconsórcio necessário e só seria admitida a intervenção provocada quando se destina a suprir essa mesma ilegitimidade, se requerida até ao saneador. Seria contraditório admitir-se a regularização mesmo depois de transitar em julgado a decisão e não se admitir a intervenção como modo de impedir a declaração de ilegitimidade.

Nem tal se compreenderia face aos princípios de economia processual, cooperação e prevalência da verdade material.

O conceito de direito justo impõe que, com respeito pelo direito das partes, se aproveitem os actos processuais que podem conduzir a uma decisão proferida em prazo razoável.

Poder-se-á objectar que no caso da intervenção provocada admitida depois do saneador (quando este existe) se limitam os direitos processuais do interveniente; já que o chamado não pode apresentar articulado próprio.

Tal argumento procede em parte e é um dos motivos para a diferença de regime entre a intervenção espontânea e provocada. Sendo aquela deduzida por iniciativa do interveniente aceita-se que seja admissível a todo o tempo, enquanto não estiver definitivamente julgada a causa, não já assim na intervenção provocada, e por isso o regime diferente estipulado no artigo 326º do CPC:

Tratando-se, porém, de uma situação de litisconsórcio a necessidade de intervenção de um terceiro altera o princípio.

Diga-se, aliás, que os autores citados na bem estruturada decisão recorrida, bem como nas alegações, referem a excepção que constitui o artigo 269º - Cons. Lopes Cardoso - "Manual dos Incidentes da Instância", 2º ed., pág. 212; Lopes do Rego - "Revista do Ministério Público", Ano 5º, vol. 18, pág. 117.

O Prof. Miguel Teixeira de Sousa - "Estudos sobre o Novo Processo Civil", 2ª ed., pág. 185 escreve que a intervenção provocada só pode ser requerida até ao momento em que podia deduzir-se intervenção espontânea em articulado próprio, "salvo quando for necessária assegurar a legitimidade das partes (artigo 269º nº 1)...".

A intervenção foi assim correctamente admitida.

Nada mais tendo sido objecto do recurso, fica a vigorar a decisão da 1ª instância.

Nos termos expostos, concede-se a revista, digo concede-se provimento ao arguido.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 5 de Dezembro 2002.

Pinto Monteiro

Lemos Triunfante

Reis Figueira