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Sumário
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Arguido/recorrente: A (1)
1. OS FACTOS (2)
Desde pelo menos Setembro de 2000 que os irmãos B e C passaram a dedicar-se à comercialização de produtos estupefacientes na ilha de S. Miguel. Os produtos, designadamente heroína e cocaína, eram adquiridos no território português do continente e transportados para esta ilha por via aérea, através de «correios» recrutados e pagos pelo fornecedor. As encomendas eram feitas individualmente por cada um dos referidos arguidos, ao mesmo fornecedor, aproveitando aqueles e este o mesmo «correio». O fornecedor continental era o arguido A, que se encontrava preso no Estabelecimento Prisional de Alcoentre. Este indivíduo era desde 1997 conhecido de C, por terem estado juntos cerca de dois anos em cumprimento das respectivas penas no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada. Quando A foi transferido para o continente, o arguido C forneceu-lhe o número de telemóvel do seu irmão B, para se manterem em contacto. Competia ao arguido A providenciar a heroína e a cocaína, adquirindo-as no território continental, e fazê-las chegar às mãos dos arguidos B e C, a preços que oscilavam entre os 9.000$ e os 10.000$ o grama. Para tanto A servia-se do conhecimento que tinha do mercado abastecedor de estupefacientes no continente e dos contactos que possuía nesse meio. Em S. Miguel, cada um dos arguidos compradores, B e C, vendiam eles próprios directamente tais produtos a consumidores locais. Mas também cada um deles contava com a colaboração de alguns consumidores daquelas substâncias, que, por conta de cada um deles, vendiam aqueles produtos a terceiros. Estes colaboradores de cada um dos referidos arguidos eram remunerados, por cada um deles, com heroína e cocaína para o seu próprio consumo. O preço de (re)venda da heroína e da cocaína era de cerca de 40.000$ o grama, sendo as vendas de retalho efectuadas em pacotes de 1 grama, de ½ grama, ou em panfletos de 5.000$ a unidade. Para os contactos a efectuar com os consumidores, os vendedores utilizaram diversos telemóveis, fornecidos ora por B ora por C. Na concretização, B e C estabeleceram diversos contactos telefónicos com o arguido A, e vice-versa, planeando, encomendando, e executando sucessivos fornecimentos de heroína e cocaína. Designadamente, em dia concreto não determinado do mês de Setembro de 2000, foi efectuada uma encomenda de aproximadamente 300 gramas de heroína, da qual 100 gramas foram destinadas ao arguido C e os demais para o arguido B. A referida heroína foi fornecida pelo arguido A que a fez chegar a Ponta Delgada através da arguida D, que actuou como «correio». Pela referida quantidade de heroína foi paga a contraprestação de 3 300 000$, quantia esta que foi entregue à arguida e que, por sua vez, a fez chegar ao arguido A (3) . No dia 1/10/2000, o arguido B, servindo-se do seu telemóvel com o n.º 96 577 70 00, encomendou ao arguido A novo fornecimento de estupefacientes, desta feita 500 gramas de heroína e 200 gramas de cocaína. Entre ambos ficou então acordado que a entrega se processaria, em Ponta Delgada, no dia seguinte. Daqueles produtos, 300 gramas de heroína e 200 de cocaína eram destinadas ao arguido B e 200 gramas de heroína ao arguido C. Então, no dia 2/10/2000, novamente através da arguida D, actuando como «correio», foram os referidos produtos entregues em Ponta Delgada (4). O arguido C, que é consumidor experiente de estupefacientes, depois de experimentar a heroína, veio a rejeitar o produto por falta de qualidade, no que foi secundado pelo arguido B, devolvendo-o de imediato à arguida D. No dia 5/10/2000, o arguido A, através de outro «correio» não identificado, fez chegar a Ponta Delgada os 500 gramas de heroína destinados aos arguidos B e C, em substituição da quantidade anteriormente rejeitada, a qual foi entregue a estes. Tendo em seu poder, finalmente, os 500 gramas de heroína e os 200 gramas de cocaína encomendadas, os arguidos entregaram a D a quantia de 6.840 contos, tendo deduzido 16 gramas de plástico (daí a diferença para os acordados 7.000 contos), a título de pagamento pelo fornecimento. No dia 23/10/2000, o arguido A, usando um telefone instalado no interior do Estabelecimento Prisional de Alcoentre, com o n.º 263 487 886, contactou com o arguido B, propondo-lhe a venda de 1 kg de heroína. No dia 4/11/00, também o arguido C foi contactado, através do telemóvel com o n.º 96 289 31 65 para o n.º 96 611 08 96, pelo arguido A, desta feita para acertar a negociação de 50 a 80 gramas de cocaína e de mais 200 gramas de heroína, quantidades propostas a A pelo arguido C. Nos dias seguintes e até 10/11/00, os arguidos contactaram-se telefonicamente diversas vezes, acertando pormenores das transacções, sendo que, nesta última data, o arguido B acordou em pagar 9.000 contos pelo fornecimento do tal quilograma de heroína. Contudo, em 14/11/00, o arguido B foi mais uma vez contactado por A, que utilizou novamente o posto telefónico do estabelecimento prisional de Alcoentre, comunicando-lhe que iria enviar não o quilograma inicialmente acordado mas sim aproximadamente 700 gramas de heroína, pela qual B se comprometeu a pagar 6.300 contos. Efectuados novos contactos telefónicos entre ambos, B foi finalmente avisado, em 15/11/00, pelo arguido A, que o «correio» que transportara a heroína de Lisboa já se encontrava em Ponta Delgada, razão pela qual o arguido B deveria entrar de imediato em contacto telefónico com tal indivíduo para que este lhe entregasse o estupefaciente. Tal entrega nunca chegou, porém, a ocorrer por força da intervenção policial que levou à intercepção e detenção do arguido E (5). O arguido A, conhecendo os propósitos dos arguidos B e C, quis adquirir e fornecer-lhes heroína e cocaína. Quis igualmente recrutar os «correios» que transportaram tais substâncias do território português do continente para Ponta Delgada e a quem remunerou. Pretendia igualmente auferir, como auferiu, benefícios económicos. É solteiro e tem um filho com 12 anos de idade, que vive com a mãe. É guineense mas vive em Portugal há cerca de 14 anos. Tem a profissão de armador de ferro da construção civil. Tem como habilitações literárias o 9º ano, que adquiriu na Guiné. Já foi condenado em 1999, por tráfico de estupefacientes, na pena de 6 anos de prisão.
2. A CONDENAÇÃO
Com base nestes factos, o tribunal colectivo do 4.º Juízo de Ponta Delgada (6), em 07 Fev 02, condenou A, como autor reincidente de um crime de tráfico agravado de estupefacientes, na pena principal de 12 anos de prisão e na pena acessória de «expulsão do país e de proibição de entrar em território nacional pelo período de doze anos»:
Tem-se entendido, e é nessa esteira que seguimos, que o bem jurídico fundamentalmente tutelado por aquela previsão é a saúde pública, donde deriva, além do mais, que a ilicitude se verifica não só com a venda, com a cedência, ou com o transporte de alguma das plantas, substâncias ou preparações referidas nas Tabelas, mas também com o simples recebimento ou mesmo detenção daqueles produtos estupefacientes, na medida em que da nocividade destes para a saúde decorre que tais actos têm um carácter de perigosidade, deparando-se-nos, portanto, um crime de perigo comum abstracto - neste sentido cf. Acórdão do S.T.J. de 28 de Março de 1996, in Col. Jur., Tomo I, pág. 240 e Acórdão do mesmo tribunal, de 30/11/2000, pela pena do Conselheiro Pereira Madeira, no «sítio» do S.T.J. na Internet: www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bol46crime.html. Confrontando os factos provados verifica-se que a apurada conduta dos arguidos, de todos eles, é integradora dos elementos típicos do referido ilícito, seja porque proporcionaram a outros, venderam entre eles ou a terceiros, transportaram, cederam a outros ou detiveram heroína, cocaína ou heroína e cocaína, o que intencionalmente realizaram, com conhecimento do carácter proibido de tais actuações. Relativamente aos arguidos B e A, confirma-se igualmente a acusação no respeitante à agravante qualificativa prevista na al. c) do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93. Ali se preceitua que: «As penas previstas no artigo 21º (...) são aumentadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se: c) O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória». Ora, as apuradas quantidades de heroína e de cocaína remetidas pelo arguido A para os Açores, as quantidades depois detidas e comercializadas ou destinadas ao comércio pelo arguido B, a apurada margem de lucro deste último e a que se infere relativamente a A reportam-se a quantias na ordem dos milhares de contos (no respeitante ao arguido B, seguramente, na ordem das dezenas de milhar). Os valores em causa, seja qual for o critério aferidor e nomeadamente aqueles que têm vindo a ser seguidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, é, manifestamente, suficiente para integrar a referida agravante qualificativa - cf. a propósito o Ac. S.T.J., de 17/5/2000, em que foi relator o Conselheiro Lourenço Martins, in C.J. - S.T.J., ano VIII, tomo II, pág. 195. No que se refere ao arguido A a concretização desta circunstância resulta das regras da experiência comum, das quais será lícito concluir o seu lucro, tendo em conta o tipo de produtos em causa, as quantidades transaccionadas e o tempo em que andou nestes negócios. (...) Na verdade prevê-se na citada alínea c) do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 Janeiro, uma circunstância qualificativa da conduta referida nos artigos 21º e 22º, substanciada na avultada compensação económica visada ou obtida pelo agente do crime. Contém a referida norma um conceito valorativo cuja integração cabe à jurisprudência. Há quem veja nesse conceito uma expressão da definição contida no artigo 202º do C. Penal, devendo entender-se que avultada compensação económica equivale a valor consideravelmente elevado, concretizado na alínea b) do artigo 202º do Código Penal (superior a 200 Unidades de Conta, no momento da pratica do facto). O Supremo Tribunal de Justiça já trilhou esse caminho, conforme se pode ver nos Acórdão de 27-06-96, C.J. Ano IV , pág. 204, e de 6-11-96 , B.M.J. n.º 461 , pág. 158 e ss. O critério fixado no artigo 202, als. a) e b), do Código Penal não é idóneo a ser aqui utilizado, porquanto este preceito legal respeita aos crimes contra o património, nos quais o valor traduz o dano causado ao ofendido, constituindo um dos elementos definidores da ilicitude, enquanto a al. c), do citado artigo 24º se refere ao valor pelo lado do agente do crime, o proveito que este obteve ou que procurava obter, revelando a sua perigosidade e o seu grau de culpa (neste sentido se pronunciou o S.T.J., em 8/7/98, no proc. 344/98, da 3ª Secção e em 15/10/97, no proc. n.º 586/97, da 3ª secção - Internet, no endereço: http: www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bol23crime.html). Não há realmente qualquer possibilidade de fazer equiparar tais conceitos, o que não significa que se não devam ter em vista. Mas não são equiparáveis, até porque o conceito contido no artigo 202º do C. Penal se refere aos crimes contra o património e, por tal razão, se não ajusta aos bens jurídicos tutelados pela norma incriminatória do tráfico de substâncias estupefacientes. Os critérios minimalistas que tomam por base o salário mínimo, por exemplo de um ano, ou outro qualquer valor de referência são, igualmente, insusceptíveis de fornecer por si só um qualquer dado objectivo. Propendemos para um juízo valorativo que, sem deixar de ter em atenção todas essas referências, atenda à situação concreta, aos parâmetros do negócio em causa, que por ser ilícito, fortemente perseguido e penalizado, tem margens de lucro necessariamente elevadas, e à ilicitude subjacente à moldura do artigo 21º e 22º. Só, neste quadro, quando a tradução dos valores envolvidos extravasa daquela que é a ilicitude abarcada pela previsão e moldura penal dos citados preceitos é que é lícito o recurso à alínea c) do artigo 24º. Isto é, só é legítimo integrar a agravante se os quantitativos envolvidos, pelo seu valor extraordinário, tal conduta deva ser logo em abstracto punida mais severamente. Atitude diversa levará a considerar que avultada compensação económica será, por exemplo a quantia de 500 000$00, como seria igualmente a de 50 000 000$00. Outra cautela a ter em geral em termos de objectividade é levar em conta a realidade das ruas, valorando a possibilidade do «corte», em função das características e circunstâncias do caso, e a tradução acrescida de lucros que isso pode representar; como ter em atenção os dados apenas virtualmente objectivos como sejam o número de doses, aferidas nas mais das vezes em função de pesos brutos. O número de pessoas que comprovadamente foi possível contabilizar como tendo sido compradores de estupefacientes aos arguidos, apesar de não ser desprezível, dificilmente poderá integrar a agravante prevista na alínea b) do citado artigo 24º. É que é preciso não esquecer, como ponto de partida, que na ilicitude prevista relativa às condutas previstas no artigo 21º, designadamente quanto à venda, está pressuposta a disseminação dos estupefacientes por várias pessoas, sendo complexo fixar a partir de que número é que num caso com as características deste e no período em causa se ultrapassará essa mesma ilicitude e se entrará no domínio da referida qualificativa. Parece evidente que a integração da citada circunstância, justamente por se tratar de uma agravante, se fará quando o número de pessoas a quem se distribuíram os estupefacientes foi, no respectivo período, extraordinária e clamorosamente elevado em face daquilo que se admita como sendo a «normalidade» do tráfico prevista na norma incriminatória do artigo 21º. Ora as cerca de duas dezenas de consumidores a quem se comprovou ter cada um dos arguidos B e C vendido drogas, sendo um número já significativo de pessoas, não deve, ainda assim, no período de tempo em causa (de 29 Setembro a 15 Novembro de 2000) ser suficiente para ultrapassar a referida «normalidade», e por isso mesmo se deverá considerar não verificada a agravante qualificativa prevista na alínea b) do artigo 24º. Não obstante a quantidade já considerável de consumidores a quem foi distribuída a droga por estes e pelos outros arguidos será considerado, como deve, enquanto elemento agravante da ilicitude (do artigo 21º) em sede de medida concreta da pena. Relativamente ao arguido A e ao crime que este cometeu, estabelece a lei, abstractamente, uma pena de 4 a 12 anos de prisão (artigo 21º, n.º 1 DL n.º 15/93). Atenta a agravante qualificativa prevista no artigo 24º, al. c), tais limites deverão ser agravados de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo, pelo que a moldura legal a considerar será de prisão de 5 anos e 4 meses a 16 anos. Importa ainda considerar que também este arguido é reincidente, posto que foi condenado em Março de 1999, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 6 anos de prisão. Também neste caso deverá operar a agravante qualificativa de carácter geral prefigurada na reincidência. Foi dado ao arguido a oportunidade de preparar a sua defesa nesta matéria, suscitado que foi o incidente previsto no artigo 358º, n.º 1, do C.P.P. (cf. acta). A moldura legal do crime cometido pelo arguido é assim de prisão de 7 anos, 1 mês e 10 dias a 16 anos. Ponderando o tempo durante o qual o arguido desenvolveu a actividade, a qualidade dos produtos envolvidos, que é heroína e cocaína, ambas de reconhecida danosidade e por isso chamadas de «drogas duras», a quantidade apreciável que fez chegar a estes meios insulares, a sofisticação empregue para iludir as autoridades prisionais (visto que o arguido se encontrava preso em Alcoentre), e a personalidade evidenciada na atitude que demonstrou em audiência, mostrando-se incrédulo em face da acusação e do julgamento, e as suas condições pessoais, julga-se adequado graduar a pena em 12 anos de prisão. Este arguido tem nacionalidade guineense, vive em Portugal há cerca de 14 anos e já é a segunda vez que é condenado por tráfico de substâncias estupefacientes. Portugal é uma república soberana, baseada na dignidade da pessoa humana. É ainda um Estado de direito democrático onde se observam e garantem os direitos fundamentais dos seus cidadãos, sendo tais direitos e os correspondentes deveres (com ínfimas excepções) extensivos aos estrangeiros que se encontrem ou residam no território nacional (artigos 1º, 2º e 15º da Constituição). Estabelece o artigo 101º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 Janeiro, que ao cidadão estrangeiro residente no país condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão pode ser aplicada a sanção acessória de expulsão, devendo ter-se em conta a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade e eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal (n.º 2 do citado artigo). Fixa a lei ainda alguns requisitos negativos, segundo os quais, não será aplicada tal pena aos nascidos em território português e que aqui residam habitualmente; que tenham filhos menores residentes em território português sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal à data da prática dos factos que determinaram a aplicação da pena, e a quem assegurem o sustento e a educação, desde que a menoridade se mantenha no momento previsível da execução da pena; ou que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente (n.º 4). O arguido A não só praticou factos que a lei considera muito graves (o que se afere pelas penas abstractas nela previstas), como é reincidente, não esboçou qualquer arrependimento ou propósito de emenda, e não tem ocupação profissional efectiva. Por outro lado a sua situação pessoal não integra qualquer das condições negativamente previstas como sendo impeditivas da expulsão, tanto que a única conjecturável, face aos factos provados, seria o exercício efectivo do poder paternal sobre filho menor, afastada definitivamente tendo em conta a idade do seu filho quando da execução previsível da pena acessória, tendo em conta que a mesma não se efectivará antes de cumpridos pelo menos dois terços da pena (n.º 5 do artigo 101º do diploma citado). O prazo mínimo de interdição de entrada no país, após expulsão, é de 5 anos (artigo 106º do DL n.º 244/98). Ponderadas as referidas circunstâncias e aferindo-as segundo um juízo de proporcionalidade, tendo em conta os graves danos causados à sociedade portuguesa que o acolheu, e a demonstração de que não soube honrar a hospitalidade que o recebeu, deverá ser expulso, fixando-se o período de proibição de entrada no país em 12 anos.
3. o recurso para a Relação
3.1. Inconformado, o arguido recorreu em 25Fev02 à Relação de Lisboa, no sentido de se «anular o presente acórdão» ou de se «aplicar uma pena próxima do mínimo legal»:
Estando o recorrente preso, era indispensável que estabelecesse vários contactos com outros indivíduos, o que no interior do EP é inviável. Segundo os factos provados, o recorrente teria de estabelecer contactos para adquirir a droga, para a embalar, angariar os correios e outras diligência dificilmente compatíveis com a vida de preso. Verifica-se pois manifesto erro na apreciação da prova. Por outro lado o acórdão deu apenas como provado que o recorrente, com esta actividade, auferiu rendimentos. Todavia, condenou-o pela prática de um crime de tráfico agravado pelo lucro avultado. Verifica-se assim contradição entre a prova produzida, os factos dados como provados e a decisão, uma vez que o acórdão deu como verificada a aludida agravante sem que tenha dado como provados factos que a integrem. De todo o modo não ficou provado que o recorrente obteve avultados lucros. Quer o período de tempo da prática dos factos - cerca de dois meses e meio - quer da quantidade de droga transaccionada - cerca de 1,5 kg - não ressalta a obtenção de elevados lucros. As regras da experiência ensinam que o lucro resulta da diferença entre a compra do estupefaciente e a venda do mesmo deduzindo as despesas. Ora, em nenhuma passagem do acórdão se colhe a obtenção de lucro avultado. De todo o modo se dirá que a pena aplicada ao recorrente se mostra exageradamente elevada. As dificuldades de um indivíduo preso com mulher e filho, provavelmente sem perspectivas futuras, constitui uma circunstância atenuante. O período de tempo em que esta actividade se desenvolveu, bem como as quantidades transaccionadas, não são fora do comum dos processo existentes deste tipo de crimes. Aliás, o tribunal deu como provado que, para além do recorrente, existiriam outros indivíduos relacionados com esta actividade, não se sabendo qual o papel do recorrente (se apenas contactou os irmãos Sousa ou se era mero intermediário). O acórdão incorreu num erro de interpretação da lei, quando decidiu pela expulsão do recorrente por 12 anos, aplicando o DL 244/98, com as alterações introduzidas pelo D.L. 4/2001, entrado em vigor no ano 2001, sendo certo que os factos foram praticados no ano anterior. Comparando os dois diplomas, resulta que o primeiro, sem as alterações, é mais favorável ao arguido. Não se vislumbra que o comportamento do recorrente constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.
3.2. Mas a Relação de Lisboa (7), em 8 Out 02, negou provimento ao recurso:
Quanto ao pretenso erro notório na apreciação da prova - art.º 410° n° 2 al. c do C.P.P.- com pretensa violação do art.º 342° do C.P.P.: "O erro notório na apreciação da prova nas condições em que se encontra legalmente previsto e balizado, é de natureza ou por definição, intrínseco da decisão recorrida, e não deve obter raízes no exterior da mesma." por definição eco da decisão recorrida, e não deve obter raízes no exterior da mesma. » (Ac. STJ, de 11-6-1992, BMJ 418-478). E «.... existe erro notório na apreciação da prova quando esse erro é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta... Serão, portanto, casos de erro notório na apreciação da prova aquele em que um acórdão recorrido menciona que o arguido estava às 10 horas de um dia em Coimbra e às 10 horas e 30 minutos desse mesmo dia em Lisboa e aquele em que se diga que o arguido deu um tiro procurando atingir o coração da vítima que efectivamente atingiu e esfacelou, mas que não houve da sua parte intenção de matar (Maia Gonçalves, C.P.P. Anotado, 1992, pág. 568). Cabe salientar que "a discordância a decisão do Tribunal recorrido no que respeita à forma como este teria apreciado a prova produzida em audiência de julgamento, não constitui o vício do erro notório na apreciação da prova " - Ac. S.T.J. de 11-7-91, proc. 41953). Ora, tal vício não se mostra revelado face ao teor da decisão recorrida e, quanto à existência do mesmo não assiste razão ao recorrente ao apontá-lo, como o faz, e com o alcance com que o faz, nas conclusões transcritas, socorrendo-se, aliás, de elementos que estão fora do acórdão. Bem vistas as coisas, quando o recorrente alega a existência, no acórdão, do vício previsto na al. c) do n° 2 do art.º 410° do C.P.P., o que o mesmo faz é manifestar a sua oposição à convicção adquirida pelo tribunal recorrido em relação aos factos que, quanto a ele, este deu como provados. O que ele faz é discordar do tribunal se ter convencido num determinado sentido e esse sentido ser contrário ao por ele defendido. Só que, como já se deixou salientado atrás, perante o âmbito do recurso, está vedada a esta Relação qualquer discussão sobre a prova produzida na audiência de julgamento e, por outro lado, está vedado a este tribunal sindicar a convicção do tribunal recorrido, por a tanto se opor o princípio da livre apreciação da prova e da investigação, consagrados nos art.s 127° e 340°, n.º 1 e 2 do C.P.P., e que, de modo algum, especialmente o último, se revelam violados no acórdão recorrido. Não existe, pois, o invocado vício. Por outro lado, ao contrário do alegado pelo recorrente, não se mostra ocorrida quanto ao mesmo, nomeadamente face ao que consta da acta de audiência, qualquer violação do consignado no art. 342° do C.P.P., sendo certo que, a ter ocorrido alguma (hipotética) irregularidade (cfr. art.º 118° e ss., maxime 123° do CPP), por não ter ela sido arguida em tempo, se encontra, obviamente, sanada. Quanto à pretensa violação do disposto nos art.s 24º, al. c) do D.L. 15/93 de 22/1 e 71° e 72° do CP: Os factos considerados provados, como já se deixou sublinhado, impõem-se a este tribunal. Perante esses mesmos factos considerados provados no transcrito acórdão recorrido, tal como bem se mostra minuciosamente fundamentado, e explicado no mesmo, não há dúvida de que o recorrente A cometeu um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos art.s 21º, n.º 1, e 24°, al. c), do D. L. n.º 15/93, de 22Jan, pelo qual foi condenado, não merecendo qualquer censura essa qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal no respeitante ao mencionado crime. Por outro lado, afigura-se, também, quanto ao mesmo, fundadamente criteriosa a escolha da medida concreta da respectiva pena aplicada, como resulta do transcrito acórdão. E, porque assim é, obviamente que não houve, no acórdão recorrido, a pretendida, mas não demonstrada, violação dos normativos supra indicados. Quanto à pretensa violação do disposto no art.º 101.º do D. L. 244/98 e D.L. 4/2001: Referem-se a esta questão as transcritas conclusões n/s 24 a 28 da motivação do recurso do arguido A. Só que, não nos parece que se lhe possa reconhecer qualquer razão válida, com vista a ter-se como desprovida de fundamento legal a aplicação ao mesmo da pena acessória de expulsão. Na verdade, tendo em conta o crime cometido, a conduta do arguido, e os fundamentos invocados no acórdão, mesmo à luz do disposto no art.º 101° do D.L. 244/98, de 8/8, na sua redacção primitiva, era de aplicar ao recorrente a aludida pena acessória, já que o seu n° 2 textuava: «A pena acessória da expulsão pode igualmente ser aplicada o estrangeiro residente no País há mais de 10 anos, sempre que a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional». Também quanto a este aspecto o recurso em apreço se patenteia infundado e processualmente inconsequente.
4. o recurso para o STJ
4.1. Ainda irresignado, o arguido (8) recorreu em 28 Out 02 ao STJ, pedindo a anulação do acórdão recorrido ou, subsidiariamente, «a aplicação de uma pena próxima do mínimo legal»:
O recorrente pôs em causa o vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. Este vício não foi conhecido pelo aresto agora em crise. Pelo que deverá ser considerado nulo o acórdão, por não conhecer do pedido do recorrente, resumido nas suas conclusões, nos termos conjugados nos artigos 379° n° 1 c) e 425° n° 4 do CPP. O recorrente propugnou ainda a alteração da qualificação jurídica dos factos por entender não se verificar o agravamento previsto no artigo 24° al. e) do D.L. 15/93. Entendemos que não foi dado cumprimento ao preceituado no art.º 374° n° 2 por remissão dos art.s 425° n° 4 e 379° n.º 1 al. a), todos do Código de Processo Penal. Pelo que é nulo também por este motivo. Não foi também dado cumprimento ao artº 97° do Código de Processo Penal (Fundamentação dos actos decisórios). Verifica-se ainda contradição entre a prova produzida, os factos dados como provados e a decisão, uma vez que o douto acórdão deu como verificado a agravante da al. e) do art.º 24° sem que tenha dado como provado factos que a integrem. Verifica-se assim o vício da a1. b) do art.º 410° do CPP contradição insanável entre a fundamentação e decisão. Em todo o caso sempre se dirá que a referida agravante não se verifica. É que o acórdão de 1ª instância não deu como provado qual o lucro obtido pelo recorrente A. Era essencial apurar-se que o recorrente auferiu o lucro x para assim este facto poder ou não ser enquadrado na previsão da al. c) do art.º 24 do D.L. 15/93. Da matéria dada como assente não se conclui qual o proveito económico obtido pelo arguido A. Não se apurou bens ou contas bancárias pertença do recorrente. Assim, ao não se provar qual o montante líquido que o recorrente visava alcançar ou alcançou, não se pode concluir pela avultada compensação remuneratória prevista no art.º 24°. Assim decidiram os doutos arestos do S T J em 15/10/97, CJ 6/11/96, BMJ 46. Pelo que inexistem elementos de prova que nos permitam concluir pela verificação da referida agravante. A quantidade de droga e a duração da actividade ilícita não é suficiente para se tirar a ilação, sem mais, de que o recorrente obteve avultada compensação económica. Em todo o caso entendemos que a pena aplicada ao recorrente se mostra elevada. O recorrente tem um filho menor pelo que a sua rápida ressocialização beneficiará esta família bem como toda a comunidade. Acresce a incapacidade para alcançar não se apurou que o recorrente tivesse obtido bens ou valores em resultado daquela actividade. O recorrente não concorda com a sua expulsão do território nacional. O arguido A não cometeu nenhum dos crimes previstos nos art.s 295º e seguintes e 308° e seguintes do C. Penal. Todavia, mesmo que assim se entendesse era necessário ainda que o seu comportamento constituísse ainda uma ameaça e que esta fosse grave, nos termos do art. 101º do D.L. 244/98. O arguido está em Portugal inserido socialmente com a sua família há cerca de 14 anos. O seu filho tem 12 anos e nasceu em Portugal. Entendemos ainda que o acórdão de 1ª instância violou o art.º 342° n° 2 do Código de Processo Penal. Com as alterações a este artigo ficou vedado ao tribunal perguntar sobre os antecedentes criminais do arguido. O objectivo desta alteração foi obstar que o tribunal, na ponderação dos factos, fosse influenciado com os antecedentes criminais de um arguido. Pelo que não pode o tribunal socorrer-se do elemento antecedentes criminais, cuja valoração lhe está vedada por lei .
4.2. O MP (9) , na sua resposta de 04 Dez 02 pugnou pela confirmação do acórdão recorrido:
O arguido invoca a existência de vícios quando o que pretende colocar em causa é a sua discordância quanto à forma como o tribunal valorou as provas. E no acórdão recorrido demonstra-se de forma exaustiva que aquilo que se chama vício não passa de uma forma de «manifestar a sua oposição à convicção adquirida pelo tribunal recorrido em relação aos factos que, quanto a ele, este deu como provados, O que ele faz é discordar do tribunal se ter convencido num determinado sentido e esse sentido ser contrário ao por ele defendido». Concluindo-se que o tribunal se pronunciou sobre as questões suscitadas, não tendo deixado de se pronunciar sobre nenhuma delas, como pretende o arguido/recorrente, teremos de concluir pela inexistência da alegada nulidade do acórdão recorrido. Quanto ao problema da agravação do crime de tráfico de estupefacientes, que o arguido/recorrente defende não existir, sempre se dirá, como foi afirmado no acórdão ora recorrido, que os factos dados como provados, cuja sindicância estava vedada à Relação, por não ter sido interposto pelo arguido e seus co-arguidos recurso quanto à matéria de facto, são mais que suficientes para que se tenha concluído pela existência daquela agravação. Com efeito, e relativamente a esta matéria, não se pode de forma nenhuma dissociar a actuação do arguido/recorrente dos outros seus co-arguidos, nomeadamente os irmãos Sousa, a quem se destinavam os produtos estupefacientes - heroína e cocaína - que o arguido A "fornecedor continental" enviava para aqueles. E bastará atentar nas quantidades transaccionadas e no preço entre os 9.000$00 e os 10.000$00 por grama, para facilmente e fazendo um simples cálculo aritmético se concluir pela existência de tal agravação. E concluindo-se pela correcta qualificação jurídica efectuada e tendo em conta que ao crime pelo qual o arguido foi condenado corresponde em abstracto uma pena entre 5 anos e 4 meses e 16 anos de prisão e o facto de o arguido ter já sofrido outra condenação por crime da mesma natureza, não se pode de forma alguma concluir que a pena agora imposta foi exageradamente elevada. Ao contrário do que o arguido/recorrente defende, não foi cometida qualquer ilegalidade quando o tribunal deu como provado o facto de o arguido ter já sido condenado em pena de prisão por crime de tráfico de estupefacientes, porque é dos elementos a atender na determinação da medida da pena, nomeadamente se tivermos em conta as alíneas e) e f) do art.º 71º do C.P.P. Ao contrário do que o arguido/recorrente defende, o que se passa é que o mesmo não está agora obrigado ao dever de falar verdade sobre os seus antecedentes criminais, devendo esses elementos ser ponderados na medida da pena através da análise do seu certificado do registo criminal, o que é muito diferente de não poderem ser valorados na medida da pena. Por último e relativamente à pena acessória de expulsão, a qual não é de aplicação automática, e por isso é que foi ponderada e bem fundamentada, sempre se concluirá, como o fez o acórdão recorrido, que a mesma foi bem aplicada e não violou qualquer preceito legal, nomeadamente os invocados. Com efeito, a sua aplicação depende de uma apreciação concreta efectuada pelo tribunal, devendo para o efeito serem ponderados e equacionados vários factores, merecendo realce, entre eles, a situação familiar do arguido e do seu agregado familiar e a dependência deste em relação àquele e o maior ou menor enraizamento do arguido no País. E foi isso que efectivamente se teve em conta, nomeadamente o preceituado no art.º 101.º do Dec. - Lei n.º 4/2001 de 10 de Janeiro, apesar de o mesmo, à data dos factos, ainda não se encontrar em vigor, estando-o , no entanto, na data em que foi proferido o acórdão da primeira instância. Refere-se naquele acórdão da primeira instância, confirmado pelo acórdão ora recorrido, que «O arguido A não só praticou factos que a lei considera graves (o que se afere pelas penas abstractas nela previstas), como é reincidente, não esboçou qualquer arrependimento ou propósito de emenda, e não tem ocupação profissional efectiva. Por outro lado a sua situação pessoal não integra qualquer das condições negativamente previstas como sendo impeditivas da expulsão, tanto que a única conjecturável, face aos factos provados, seria o exercício efectivo do poder paternal sobre o filho menor, afastada definitivamente tendo em conta a idade do seu filho quando da execução previsível da pena acessória, que a mesma não se efectivará antes de cumpridos pelo menos dois terços da pena». Com efeito, tendo o filho do arguido actualmente 12 anos de idade, verifica-se que o mesmo atingirá a maioridade antes de o pai cumprir os dois terços da pena em que foi condenado, pelo que não merece qualquer censura a pena acessória de expulsão decretada.
5. SÍNTESE
Data
Fornecimentos
Rejeições e apreensões
Preço
Setembro de 2000
Encomenda de aproximadamente 300 gramas de heroína
Pela referida quantidade de heroína foi paga a contraprestação de 3.300 contos (g = 11 contos)
01/10/2000
B, por telemóvel, encomendou 500 g de heroína e 200 g de cocaína
C, consumidor experiente de estupefacientes, depois de experimentar a heroína, rejeitou-a por falta de qualidade.
05/10/2000
O arguido, através de outro «correio», fez chegar a Ponta Delgada 500 g de heroína, em substituição da quantidade anteriormente rejeitada
B e C entregaram a D a quantia de 6.840 contos, tendo deduzido 16 gramas de plástico (daí a diferença para os acordados 7.000 contos), a título de pagamento pelo fornecimento (g = 10 contos)
23/10/2000
O arguido, usando um telefone instalado no interior do Estabelecimento Prisional de Alcoentre, contactou B, propondo-lhe a venda de 1 kg de heroína.
04/11/00
C foi contactado, por telemóvel, pelo arguido, para acertar a negociação, que lhe propusera, de 50 a 80 gramas de cocaína e de mais 200 gramas de heroína.
Nos dias seguintes e até 10/11/00
Os arguidos contactaram-se telefonicamente diversas vezes, acertando pormenores das transacções, sendo que, nesta última data, B acordou em pagar 9.000 contos pelo fornecimento do tal quilograma de heroína (g = 9 contos).
Contudo, em 14/11/00,B foi mais uma vez contactado pelo arguido, pelo posto telefónico do estabelecimento prisional de Alcoentre, comunicando-lhe que iria enviar não o quilograma inicialmente acordado mas sim aproximadamente 700 gramas de heroína.
Efectuados novos contactos telefónicos entre ambos, B foi finalmente avisado, pelo arguido, de que o «correio» que transportara a heroína (700 g) de Lisboa já se encontrava em Ponta Delgada, razão pela qual o arguido B deveria entrar de imediato em contacto telefónico com tal indivíduo para que este lhe entregasse o estupefaciente.
Tal entrega nunca chegou, porém, a ocorrer por força da intervenção policial
O arguido, conhecendo os propósitos de B e C, quis adquirir e fornecer-lhes heroína e cocaína. Quis igualmente recrutar os «correios» que transportaram tais substâncias do território português do continente para Ponta Delgada e a quem remunerou.
Pretendia igualmente auferir, como auferiu, benefícios económicos.
6. «AVULTADA COMPENSAÇÃO REMUNERATÓRIA»
6.1. O arguido/recorrente - no decurso da sua actividade - forneceu (aos irmãos B e C) 2.000 g de heroína e 200 g de cocaína, por que contava receber, em bruto, 22.100 contos. Porém, dessa importância só chegou a receber 10.800 contos [2.000 contos (200 g de cocaína * 10 c) + 3.300 contos (300 g de heroína * 11 c) + 5.000 contos (500 g de heroína* 10 c)]. A esta receita, haveria todavia - para cálculo da sua «compensação remuneratória» - que abater não só o respectivo preço de aquisição (em Portugal continental, decerto) como o custo do seu transporte - por meio, como se viu, de «correios» humanos - para os Açores. Ora, dessas despesas - designadamente do seu montante - não há notícia nos autos (e, mais precisamente, na enunciação dos factos provados). Além de que, a débito da sua «conta corrente», teriam ainda que se contabilizar as perdas do arguido com o preço de aquisição e transporte de mais 1.200 g de heroína rejeitada (500 g) e apreendida (700 g).
6.2. Nada indica, pois, que o arguido tenha obtido, em resultado destas transacções (aliás, frustradas, em seu prejuízo, em cerca de 56%), «avultada compensação remuneratória».
6.3. Já é verosímil - sim - que, com tais transacções, tivesse o arguido procurado «obter avultada compensação remuneratória». Porém, não é isso que consta do rol dos factos provados, donde, em consonância aliás com a acusação, simplesmente se extrai que o arguido «pretendia auferir, como auferiu, benefícios económicos».
6.4. E se da audiência algo em concreto se tivesse apurado quanto ao «vulto» desses benefícios, a estrutura acusatória do nosso processo penal teria impedido - implicando, de contrário, a nulidade da sentença (art. 379.1.b do CP) - a «tomada em conta pelo tribunal» - dessa «alteração substancial dos factos descritos na acusação»(10) - «para o efeito de condenação no processo em curso». A menos, claro, que o Ministério Público e o arguido se tivessem mostrado de acordo - o que não consta - com a continuação do julgamento pelos «novos factos» (art. 359.º).
7. EXPULSÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL
7.1. Só pode considerar-se «estrangeiro residente» o estrangeiro munido de «autorização de residência» ou «título válido de residência em Portugal» (art.s 3.º e 80.º e ss. do dec. lei 244/98 de 8Ago), pois que, de contrário, será de considerar «estrangeiro não residente». Ora, da enunciação dos factos provados, apenas consta, a esse respeito, que o arguido, de nacionalidade «guineense» (sem se especificar se da Guiné-Bissau ou da Guiné-Conakri), «vive em Portugal há cerca de 14 anos» (mas, desde 04Out97, na situação de recluso).
7.2. Daí que, para efeitos de aplicação da «pena acessória de expulsão» (cfr. art. 101.º do citado Dec.-Lei), tivessem as instâncias de explicitar - mas não explicitaram - se o arguido, apesar de «estrangeiro» e de «viver em Portugal há cerca de 14 anos», é ou não «residente autorizado» e, na afirmativa, desde quando e, de qualquer modo, qual o seu «grau de inserção na vida social» (sendo certo que - como já se viu - na situação de recluso já há mais de cinco anos).
7.3. Na eventualidade de «residente no País há mais de 10 anos» ou de beneficiar de «residência [autorizada] permanente», as instâncias ainda haveriam de ter explicado, fundamentadamente, se a sua conduta constituiria - e, na afirmativa, por que razão e em que medida - «uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional» e - em resposta à correspondente alegação do recorrente - se tal «ameaça», para relevar, haveria (ou não) de contender (e, na afirmativa, de que modo com eles contenderia no caso) com os bens jurídicos protegidos pelos «art.s 295º e seguintes do Cód. Penal - Crimes contra a Ordem e a Tranquilidade Públicas» ou pelos «art. 308º e seguintes - Crimes Contra o Estado».
7.4. Os factos provados também não são explícitos quanto a saber se o seu «filho com 12 anos de idade» - «que «vive com a mãe» - é ou não «residente em território português» (art. 101.4.b do dec. lei 244/98). Se bem que se afigure negativa a resposta à questão de saber se o arguido sobre ele «exercia efectivamente o poder paternal à data da prática dos factos» (pois que, a essa data [Set/Nov00], se encontrava preso, em cumprimento de pena, desde 4Out97).
8. A CONCRETIZAÇÃO DAS PENAS
8.1. Haverá assim que rever não só a pena principal de prisão (em função da desqualificação do crime decorrente da concreta insubsistência (11) da agravante especial p. pela alínea c) do art. 24.º do dec. lei 15/93) como também a própria pena acessória de expulsão (cuja aplicabilidade e quantificação (12) exigirá - como se viu - a ampliação da matéria de facto).
8.2. Aliás, a interconexão da pena acessória de expulsão (13) com a pena principal de prisão(14) sugerirá alguma contenção da quantificação desta, pois que a aplicação de penas "demasiado longas" aos estrangeiros se «demonstra inútil (15) e dispendioso» (16):
«Afinal, ao fim da pena de prisão, são expulsos e não é feito qualquer esforço de reintegração social, porque esta só faz sentido no país de origem. E como à pena de prisão acresce, em regra, a pena acessória de expulsão, o IRS não intervém no sentido da seu posterior reinserção. Por outro lado, são-lhes vedadas formas de flexibilização da pena, não recebem visitas e o IRS limita-se a dar-lhes apoio psicossocial. Para estes reclusos estrangeiros, existe, pois, como que "uma prisão dentro da prisão". A média de penas cumpridas pelos reclusos estrangeiros em Portugal é alta, o que não serve às finalidades da pena, a reintegração do agente e a protecção dos bens jurídicos (...). Para Moraes Rocha, a solução para esta situação recairia, em primeiro lugar, no encurtamento de penas»(17) .
8.3. E se, em recurso de revista, «a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada» (art. 729.2 do Código de Processo Civil), já será caso de o processo voltar ao tribunal recorrido «quando o Supremo entenda» - como aqui - «que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito» (n.º 3).
9. OS ANTECEDENTES CRIMINAIS DO ARGUIDO
Os antecedentes criminais do arguido não poderão - é certo - influenciar a decisão da questão da culpabilidade (e daí, por exemplo, que os art.s 342.º e 343.º do Código de Processo Penal não consintam que o arguido seja perguntado, quando identificado ou em declarações, sobre as suas condenações anteriores). Mas já serão obviamente considerados quando «das deliberações e votações realizadas nos termos do artigo 368.º [Questão da culpabilidade] resultar que ao arguido deve ser aplicada uma pena» (art. 369.1), situação em que «o presidente lê ou manda ler toda a documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido (...)» (idem). Aliás, não só o art. 71.º do Código Penal manda que o tribunal, na determinação da pena, atenda, além do mais, à «conduta anterior ao facto» (n.º 2.e) como o art. 75.1 determina que, em certas circunstâncias, seja «punido como reincidente quem, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por um crime doloso, cometer outro crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses».
10. CONCLUSÕES
10.1. A decisão recorrida será, assim, de revogar na parte em que, em recurso, confirmou: a) a qualificação jurídico-penal conferida à conduta do então e ora recorrente; b) a pena (agravada) correspondente; c) a aplicabilidade, sem prévia ampliação conexa da matéria de facto, da pena acessória de expulsão, e d) a correspondente quantificação.
10.2. Porque a decisão de facto - em que assentou a aplicabilidade e a aplicação da pena acessória de expulsão - pode e deve ser ampliada (em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito), o processo deverá voltar, para tanto, ao tribunal recorrido.
10.3. Enfim, as instâncias (a Relação ou, por reenvio, a 1.ª instância): I) ampliarão - dentro dos limites fixados, supra, em 7. - a decisão de facto; II) reverão - em função da requalificação operada, supra, em 6. - a pena principal de prisão (18); III) e reverão - em função da ampliada decisão de facto - a aplicabilidade e a quantificação da pena acessória de expulsão.
11. DECISÃO
Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência para apreciar a questão prévia suscitada pelo relator no exame preliminar,
I - revoga a decisão recorrida na parte em que, em recurso, confirmou: a) a qualificação jurídico-penal conferida à conduta do cidadão ora recorrente; b) a pena (agravada) correspondente; c) a aplicabilidade, sem prévia ampliação conexa da matéria de facto, da pena acessória de expulsão, e d) a correspondente quantificação;
II - e, em consequência, determina a devolução do processo à Relação de Lisboa para: i) ampliação - dentro dos limites fixados, supra, em 7. - da decisão de facto; ii) revisão - em função da requalificação operada, supra, em 6. - da pena principal de prisão, e iii) e revisão - em função da ampliada decisão de facto - da questão da aplicabilidade e, se necessário, da (re)quantificação da pena acessória de expulsão.
Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Janeiro de 2003.
Carmona da Mota
Pereira Madeira
Simas Santos
_______________________
(1) Preventivamente preso desde 5Nov01.
(2) Ocorridos quando o arguido preso, desde 04Out97, em cumprimento de uma pena de 6 anos de prisão por tráfico de droga aplicada no comum colectivo 99/98 do 4.º Juízo de Ponta Delgada, onde viria a obter, em 05Nov01, a liberdade condicional.
(3) «No dia 12 de Setembro de 2000, D tomou em Lisboa o voo da Sata Air Açores n.º S4 121 com destino a Ponta Delgada. Alojou-se na Pousada da Juventude, local onde pernoitou e de onde veio a ausentar-se no dia seguinte, regressando a Lisboa. Um dia depois, em 14/09/00, pelas 19:10, embarcou novamente em Lisboa, com destino a Ponta Delgada, no voo Sata S4 129, transportando consigo, sem se fazer notar, os 300 gramas de heroína encomendados ao arguido Ae destinados aos arguidos B e C, 200 gramas para o primeiro e 100 gramas para o segundo. Alojou-se mais uma vez na Pousada da Juventude de Ponta Delgada. Contactou telefonicamente o arguido C e procedeu à entrega da heroína. Regressou a Lisboa em 15/9/2000, no voo SATA S4 120, pelas 21h25m, levando consigo os 3 300 000$00 pagos pelos arguidos B e C como contrapartida do fornecimento do referido estupefaciente.
(4) «Em 02/10/2000, D encetou em Lisboa nova viagem aérea, em classe executiva, para Ponta Delgada. Tomando o voo SATA S4 129, trouxe consigo, dissimuladas no seu vestuário íntimo, os 500 gramas de heroína e os 200 gramas de cocaína encomendadas previamente ao A. Tornou a hospedar-se na Pousada da Juventude desta cidade. Não obstante ter sido interceptada pela polícia, conseguiu, ainda assim, fazer entrar a droga na ilha, iludindo a revista a que foi sujeita. A arguida procedeu à entrega do produto aos arguidos B e C, que recusaram os 500 gramas de heroína. No dia 05/10/2000 a arguida regressou a Lisboa. Uma vez que receava ser novamente interceptada pela P.J., utilizou um terceiro para transportar os 6 840 000$00 recebidos a título de preço».
(5) No dia 15/11/00, o arguido E embarcou em Lisboa no voo SATA S4 129, em classe executiva, munido duma passagem aérea emitida em nome de «........», com destino a Ponta Delgada. «De Lisboa, o arguido trouxe consigo, dissimuladas pelas calças que envergava, duas embalagens plásticas, acondicionadas com fita cola aos membros inferiores, ao nível dos gémeos. Tais embalagens continham 660,84 gramas de heroína. Chegado a Ponta Delgada o arguido, que nunca tinha estado nesta ilha, dirigiu-se de táxi ao centro da cidade, tendo deambulado no Centro Comercial Solmar e, posteriormente, na zona da Praça Gonçalo Velho e Lago da Matriz, aguardando ser contactado pelo destinatário. Entretanto o arguido B, que havia recebido a informação de que o «correio» já se encontrava em S. Miguel, ligou-lhe para o telemóvel comunicando-lhe que se encontrariam no «Café Leal», na freguesia de S. Roque. E que para tanto deveria apanhar um taxi que ali o conduziria. Quando o arguido E se preparava para entrar num taxi e ir ao encontro de B, veio a ser interceptado pela P.J., que o deteve e procedeu à apreensão da heroína. Por este serviço de transporte de heroína de Lisboa para Ponta Delgada, o arguido E iria receber dos colaboradores do arguido Aa quantia de 500 000$00»
(6) Juízes Moreira das Neves, Araújo Barros e Sónia Braga
(7) Desembargadores Pulido Garcia, Vasques Dinis, Cabral Amaral e Celestino Nogueira
(8) Adv. Carlos Melo Alves
(9) Proc. Anisabel Mota Miranda
(10) E substancial porque teria por efeito a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis - art. 1.1.f do Código de Processo Penal
(11) Por falta de alegação e prova dos factos correspondentes.
(12) Que as instâncias aferiram, fazendo-as equivaler, pela medida da pena principal. Donde que a redução desta haja, nessa perspectiva, de implicar a correspondente redução daquela.
(13) Se - depois de ampliada a respectiva matéria de facto - ainda for de considerar aplicável.
(14) Na certeza de que «sendo decretada a pena acessória de expulsão, a mesma será executada cumpridos que sejam dois terços da pena de prisão ou, cumprida metade da pena, por decisão do juiz de execução de penas, logo que julgue preenchidos os pressupostos que determinariam a concessão de saída precária prolongada ou liberdade condicional, em substituição destas medidas» (art. 101.5 do Regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português)
(15) «O sistema prisional português está em vias de rotura. Criam-se espaços, mas estes têm pouco mais utilidade de que a de servir para «armazenar» presos. Não há tempo para cuidar da sua recuperação social, embora esse seja objectivo primário da condenação» (António Pires de Lima, advogado e ex-bastonário da Ordem do Advogados, DN, 15Jun02)
(16) «Cada recluso implica para o Estado um gasto de 230 contos mensais» (ibidem)
(17) Público, 4Jul00, apud João Moraes Rocha, juiz do TEP de Lisboa.
(18) «Tal como está redigido, o art. 426.º [do Código de Processo Penal] parece apontar no sentido de o reenvio ser quase desnecessário ou, então, só se justificar em hipóteses muito restritas (na medida em que, no âmbito da determinação da sanção, a eventual renovação da prova tem um carácter muito circunscrito). Por outras palavras, exceptuando os casos em que, na fundamentação, se tenha omitido uma qualquer questão de apreciação devida - por tal ter sido solicitado por parte de um dos sujeitos processuais ou, então porque o tribunal de recurso, a partir da fundamentação, a considerou como carecida de averiguação - com relevo para a determinação da sanção, nada obstaria a que, em todos os outros casos, se excluísse o reenvio e o tribunal pudesse, ele próprio - após censura da decisão -, redeterminar a sanção. Que esta solução se nos afigura justificada quando se trate de uma mera «correcção» na pronúncia da sanção (uma correcção com base na ideia de «margens de tolerância»), é aspecto de que já nos demos conta, mas tendo como pressuposto que só pode ser pensada quando favorável ao arguido, quando a pena de prisão não tiver «alternativa» (seja a pena imposta ou, inversamente, quando se imponha uma pena não detentiva), e desde que o tribunal exerça a sua censura sobre toda decisão. Já não estamos de acordo com esta solução para todas aquelas hipóteses em que o tribunal de recurso possa conhecer de uma questão que não foi contemplada na fundamentação da sanção e um tal «conhecimento» implique uma alteração da moldura «abstracta» (da pena «aplicável»), de modo que toda a determinação da sanção esteja manifestamente errada. Com efeito, seja em consequência de uma «alegação» do arguido, seja mesmo oficiosamente, quando o tribunal de recurso possa conhecer de uma questão que altere «substancialmente» (por «criação» de uma nova moldura legal) a determinação da sanção, deve dela decidir e consequentemente retirar os efeitos devi-dos (definindo a moldura legal), mas reenviando para determinação da sanção, ficando tanto o tribunal de reenvio como os sujeitos processuais vinculados àquela moldura legal. Não estamos de acordo é que seja, nestes casos, o próprio tribunal de recurso a definir a pena concreta. A simples alteração da moldura legal, seja qual for a razão para essa modificação, altera substancialmente toda a determinação da sanção (...). Além disso, não se pode excluir que, em virtude desta alteração, surjam outros elementos relevantes para a determinação da sanção. Com efeito, caso o tribunal de recurso (e estamos a pensar primordialmente no STJ) procedesse, ele próprio, à (re)determinação da sanção, não se poderia excluir que cometesse um «erro» nesta determinação por tal forma que nem o arguido, nem o MP, se reconhecessem na pena aplicada. A questão pode, todavia, ser vista por um outro prisma. Se, em recurso (...), fosse o próprio MP a tomar posição no sentido da alteração da moldura penal (por alteração da qualificação jurídica ou pelo reconhecimento de uma circunstância modificativa especial), impunha-se-lhe o dever de fornecer ao tribunal de recurso os critérios preponderantes para a (re)determinação da sanção (bem como formular uma concreta pena) e, neste caso, seguramente- - sobretudo face ao MP -, o tribunal de recurso veria a sua tarefa de censura sobre a determinação da sanção mais facilitada e ser-lhe-ia, pois, também mais fácil decidir. O problema está, exactamente, em saber se nestes casos o tribunal de recurso pode prescindir da participação dos sujeitos processuais. No nosso entender, não pode e, por isso, ou a audiência de julgamento de recurso assegura essa participação dos sujeitos processuais (incluindo o arguido), ou, então, o reenvio, mesmo que careça de uma qualquer renovação de prova, torna-se necessário. E, uma vez mais, nesta audiência de reenvio, cabe ao Ministério Público, não uma mera função de «transporte», mas uma tarefa de colaboração com o tribunal de reenvio, apresentando a sua concreta pre-tensão, no âmbito das valorações que o tribunal de recurso apresentou para definir a moldura legal (mesmo que, porventura, tais valorações não correspondam àquilo que sustentou, em audiência ou até em recurso) - ou, se se quiser, apresentando as valorações que, caso o MP tivesse «antecipado» a decisão do tribunal de recurso, ele próprio defenderia em recurso. Tentativa de síntese - O que, com estas considerações, pre-tendemos afirmar, é o seguinte: a devolução, do tribunal de recurso, para reenvio, é sempre uma devolução sobre o objecto «determinação da sanção». Com efeito, e primeiramente, o tribunal de recurso censura, por qualquer razão, o «método» de determinação da sanção (no último caso, o ponto de partida dessa determinação), e censura, estendendo os seus poderes de cognição até onde lhe for possível, em ordem a verificar se pode ou não decidir. Não podendo decidir, devolve a «determinação da sanção» (em relação ao que não pode decidir). Quando fundamento da censura é uma concreta questão atinente à determinação da sanção, que devesse ter sido conhecida pelo tribunal a quo ou que, tendo-o sido, o tribunal de recurso não pôde dela conhecer (por faltar, na fundamentação, algum dos elementos necessários ao seu correcto conhecimento), então, o tribunal de recurso deve reenviar a (re)determinação da sanção, definindo o âmbito de renovação da prova para essa questão. Como é evidente, existem casos em que o reenvio para determinação da sanção não supõe qualquer renovação da prova determinada pelo tribunal de recurso. E, nestes casos, a audiência de reenvio poderá transformar-se numa mera «audiência» para alegações, face aos fundamentos apresentados na decisão, dentro da moldura penal estabelecida pelo tribunal de recurso. Isto, seguramente, pode suceder mas é justificado pelo sentido de um processo de estrutura acusatória em que aos sujeitos processuais (em especial ao MP) são cometidos poderes na definição e valoração dos factores de determinação da sanção» (Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, Porto, Universidade Católica, 2002, ps. 689-691)