ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE IN ITINERE
Sumário

Constituirá acidente qualquer “facto”, ainda que não violento, um acontecimento súbito exterior ao lesado, lesivo do corpo deste.
Não constitui acidente de trabalho o ocorrido no regresso de uma deslocação a um estabelecimento perto da fábrica, para aí tomar o café, que poderia ter sido tomado na cantina da fábrica onde o trabalhador tomou a sua refeição.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

Intentou o Ministério Público, em representação de Manuel …, Maria … e Fátima … a presente ação de processo especial de acidente de trabalho contra… Seguros, S.A. pedindo a condenação da ré a pagar:
- Ao primeiro, a quantia de 2.326,67€ a título de pensão anual e vitalícia, 1.484,10€ a título de despesas de transporte e funeral, 2.766,85€ a título de subsídio por morte e 15€ a título de despesas de transporte e deslocação, tudo acrescido de juros; e
- a cada uma das segundas, a quantia de 1.551,12€ a título de pensão anual e vitalícia, 1.383,43€ a título de despesas de transporte e funeral, 2.766,85€ a título de subsídio por morte e 15€ a título de despesas de transporte e deslocação, tudo acrescido de juros.
Para tanto, alega, em suma, que Elsa …, mulher de Manuel F… e mãe de Maria … e Fátima …, faleceu na sequência de um acidente ocorrido quando aquela trabalhava por ordem, fiscalização e direção de “A” S.A., mediante a retribuição anual ilíquida de 7.755,58€.
Descreve o acidente como tendo ocorrido da seguinte forma: no dia 17/09/14, Elsa… , no intervalo para almoço, foi almoçar à cantina das instalações da entidade patronal, que dista a cerca de 300 metros do seu posto de trabalho e, quando regressava a pé, caiu tendo em consequência sofrido um traumatismo intracraniano com edema cerebral e paragem cardio respiratória, do que resultou a sua morte no dia 20/09/14.
A entidade patronal transferiu a sua responsabilidade por acidentes de trabalho relativamente à sinistrada para a aqui ré, pelo montante da referida retribuição.
O Instituto da Segurança Social IP – Centro Distrital … IP, deduziu pedido de reembolso do subsídio por morte pago a Manuel … e as pensões de sobrevivência que pagou àquele e a Maria … e Fátima …, que perfazem, à data do requerimento em juízo, a quantia de 4.905,71€, quantia que, na data da audiência de julgamento foi ampliada para 6.247,47€.
A ré contestou, aceitando a transferência da remuneração da sinistrada, negando porém, a sua obrigação de indemnizar, desde logo, porque o acidente não pode ser caraterizado como de trabalho, uma vez que se deu quando a sinistrada já depois de almoçar se encontrava a passear no exterior das instalações da entidade patronal.
Por outro lado, alega a ré que a queda súbita da sinistrada se deveu a síncope com paragem cardiorrespiratória, doença natural com origem em predisposição endógena e hereditária, da qual resultou a sua morte.
No que ao pedido formulado pelo Instituto da Segurança Social concerne, invoca ainda a ré a incompatibilidade do mesmo com o formulado pelo MP.
Realizado o julgamento e respondida a matéria de facto a ação foi julgada nos seguintes termos:
Nestes termos e, pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada, considerando que Elsa… sofreu um acidente de trabalho no dia 17/09/2014, quando se encontrava ao serviço da sua empregadora “”A”, S.A.” e, consequentemente:
I – Condeno a ré a pagar:
a) Ao autor Manuel …:
1 - a pensão anual e vitalícia de 2.326,67€, com início em 21/09/2014 (dia seguinte ao da morte da sinistrada), a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3º dia do mês a que respeitar, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal pagos, respetivamente, nos meses de junho e novembro, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada mensalidade da pensão até efetivo e integral pagamento;
2 - a quantia de 2.513,32€ a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da não conciliação até efetivo e integral pagamento;
3 – a quantia de 71,40€ a título de despesas hospitalares para tratamento da sinistrada, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da não conciliação até efetivo e integral pagamento;
b) Às autoras Maria … e Fátima …, na proporção de metade para cada uma:
1 - a pensão anual de 3.102,23€ com início em 21/09/2014 (dia seguinte ao da morte da sinistrada), a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3º dia do mês a que respeitar, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal pagos, respetivamente, nos meses de junho e novembro, até perfazerem 25 anos, enquanto frequentarem o ensino superior, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada mensalidade da pensão até efetivo e integral pagamento; e
2 - a quantia de 2.513,32€ a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da não conciliação até efetivo e integral pagamento;
c) Ao Instituto da Segurança Social IP – Centro Distrital … IP:
1- a quantia de 6.247,47€ a título do subsídio por morte pago a Manuel … e as pensões de sobrevivência pago aos autores, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data do vencimento de cada mensalidade das prestações pensão até efetivo e integral pagamento, e
2- o valor das pensões de sobrevivência que forem pagas aos autores desde março de 2016 (inclusive) até ao trânsito em julgado desta sentença, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data do vencimento de cada mensalidade das prestações pensão até efetivo e integral pagamento;
III – no mais, absolvo a ré do pedido contra ela formulado…”
Inconformada a ré interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
1 - A demandada entende, na sua modesta opinião, que a reapreciação dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento deverá conduzir à procedência do presente recurso e, em consequência, a considerar-se que a sinistrada falecida não sofreu qualquer acidente de trabalho, absolvendo-se totalmente a demandada de todos os pedidos formulados.
2 - A reapreciação, em primeira linha, do depoimento das testemunhas Clara, Berta e Alice, deverá levar à inclusão, na alínea D) dos Factos Provados, do seguinte:
(…) sendo certo que, dentro das instalações da entidade patronal, junto à cantina onde tinha almoçado, existe uma máquina de café, sendo certo ainda que existe um outro café mais próximo daquele onde foram”.

6 - E fizeram-no, como aliás referiram as testemunhas Clara, Berta e Alice, desde logo porque gostam de frequentar esse café, assim como para espairecer um pouco, assim como para consideração com as pessoas do café.
7 - Isto é, naquele dia do acidente, foram àquele café por pura opção pessoal, por uma questão de escolha pessoal e por uma questão de preferência pessoal; preferem ir àquele café do que tomar café dentro do local de trabalho ou no café que fica mais próximo desse mesmo local de trabalho; ou seja, foram àquele café, não por não terem outra opção, mas sim por mera opção de vontade.
8 - Ora, face a esta conjuntura, entende a demandada que não estamos já no âmbito da alínea e) do nº 2 do artº 9º da LAT; na verdade, mesmo que se considere que o café faz parte da refeição, e é discutível que faça, apurou-se que a sinistrada falecida, para tomar café, optou pela solução mais longínqua, das três que tinha à sua disposição.

10 - Em função da inclusão, no Facto D), da expressão “sendo certo que, dentro das instalações da entidade patronal, junto à cantina onde tinha almoçado, existe uma máquina de café, sendo certo ainda que existe um outro café mais próximo daquele onde foram”, ter-se-á que considerar, obrigatoriamente, que o acidente dos autos não integra o conceito de acidente de trabalho “in itinere”.

13 - Pelo menos para o signatário, assim como para todos os seus colaboradores, grande parte da gravação do depoimento das testemunhas Jacinta e Rui encontra-se impercetível, provavelmente pelo facto de grande parte desses depoimentos terem sido prestados longe do microfone destinado às testemunhas, por ter havido necessidade de serem confrontados com documentos, nomeadamente registos clínicos; assim, não deixou de ficar fortemente limitado o direito da demandada de recorrer da matéria de facto no que à causa da morte da sinistrada falecida diz respeito.
14 - Sendo certo que, não obstante, no seu modesto entendimento, as passagens que enumera e transcreve são suficientes para provar que a causa da morte foi uma síncope, leia-se, paragem cardiorrespiratória.
15 - Contudo, se assim não for entendido por V. Exªs, então não poderá deixar de se ordenar a repetição dos depoimentos das testemunhas Jacinta e Rui, na qualidade de médicos de serviço que primeiramente assistiram a sinistrada falecida.
16 - Na modesta opinião da demandada, a reapreciação, em segunda linha, do depoimento das testemunhas Jacinta e Rui, deverá levar à resposta afirmativa do quesito 7º:
7º “A queda súbita de Elsa… deveu-se a síncope com paragem cardiorrespiratória, da qual resultou a sua morte”:
Passando a figurar, por conseguinte, com a seguinte resposta: PROVADO.

18 - Resulta daqui evidente que a sinistrada falecida cai porque sofre uma paragem cardiorrespiratória, e não o contrário; com efeito, o que, aliás, é compatível com o depoimento da testemunha Alice, quando afirma que a sinistrada falecida tinha os olhos esbugalhados antes de cair para trás, a sinistrada ia a correr, tem uma paragem cardiorrespiratória, certamente devido aos seus antecedentes cardíacos, e, em consequência dessa paragem cardiorrespiratória, cai desamparada para trás.
19 - Não tropeçou, não escorregou, não se desequilibrou, enfim, não sofreu qualquer acidente ou sinistro; quando cai, já estava em paragem cardiorrespiratória.
20 - Face a esta conjuntura, entende a demandada que não estamos já no âmbito 8º e 10º, ambos da LAT; na verdade, tendo a queda da sinistrada tido a sua origem, como teve, numa paragem cardiorrespiratória, isto é, doença súbita, não estamos perante qualquer acidente de trabalho.
21 - Em função, deve passar a dar-se como PROVADO o quesito 7º; devendo, por conseguinte, absolver-se a demandada de todos os pedidos contra ela formulados.
22 - A Douta Sentença recorrida violou, entre outros, os artºs 8º, 9º e 10º, todos da Lei 98/2009, de 04/09 (LAT), bem como o artº 607º do Código de Processo Civil.
NESTES TERMOS, dando provimento ao recurso e, por conseguinte, alterando a Douta Sentença recorrida no sentido de considerar que o acidente dos autos não integra o conceito de acidente de trabalho e, em consequência, absolvendo-se a demandada de todos os pedidos, V. Exªs estarão a fazer, como aliás é timbre,
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
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FACTOS PROVADOS
A) Manuel …, Maria … e Fátima … nascidos em 03.02.1975, 25.09.2001 e 17.10.2006, são viúvo e filhas, respetivamente, de Elsa…, falecida em 20.09.2014.
B) Elsa… era trabalhadora de “”A”, S.A”, com sede na Rua …, sob as ordens, direção e fiscalização da qual exercia funções de preparadora na indústria de confeção de vestuário, mediante a retribuição anual ilíquida de € 7.755,58.
C) Em 17.09.14, Elsa… tinha o horário de trabalho das 08:30 horas às 17:30 horas, com intervalo para almoço das 12:30 horas às 13:30 horas.
D) No dia 17 de setembro de 2014, Elsa, após almoçar na cantina situada no interior das instalações da “”A”, S.A”, na rua …, como lhe restava tempo para retomar o trabalho, resolveu, como habitualmente, caminhar no exterior, fazendo um percurso de cerca de 300/400 metros na mesma rua, sob o pretexto de tomar café e conversar com algumas colegas de trabalho.
E) Quando regressavam, também a pé, para retomarem o seu posto de trabalho, por volta das 13:15 horas, a Elsa… e demais trabalhadoras começaram a correr para evitarem a chuva que entretanto surgiu.
F) Nessa altura, a Elsa… sofreu uma queda, tendo ficado caída no solo.
G) Elsa… sofreu, em 17.09.14, paragem cárdio respiratória (PCR), com ECG 4-O1V1M2, do que resultou a sua morte, no dia 20.09.2014.
H) Manuel … gastou com despesas hospitalares para tratamento da sinistrada a quantia de 71,40€.
I) “”A”, S.A” transferiu a responsabilidade por acidentes de trabalho relativamente à sinistrada para a Ré Seguradora pela retribuição referida em B), através de contrato titulado pela apólice nº 6400690963.
J) O ISS-IP/CNP, através do Centro Nacional de Pensões, pagou subsídio por Morte, relativamente à beneficiária nº …, Elsa, no montante de 1.257,66€, a Manuel …
K) O ISS, IP/CNP, até fevereiro de 2016, inclusive, pagou Pensões de Sobrevivência, no total de 4.989,81€ como segue:
- A Manuel …, o valor de 3.326,33€, sendo o valor mensal atual de 165,53€;
- A Maria … e Fátima …, o valor de 831,74€, a cada uma, sendo o valor mensal atual de 41,38€, a cada uma.
Aditado:
“ Dentro das instalações da entidade patronal, junto à cantina onde tinha almoçado, existe uma máquina de café. Existe junto da fábrica um outro café mais próximo daquele onde foram”.
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Não resultaram provados os seguintes factos:
1. Que o referido em E) e F) tenha ocorrido quando Elsa… foi almoçar, juntamente com outras colegas de trabalho, à cantina das instalações da entidade empregadora, que dista cerca de 300 metros do seu local de trabalho, para onde se dirigiram, como habitualmente, a pé.
2. Em consequência da queda referida em F), Elsa sofreu traumatismo intracraniano, com edema cerebral do que resultou a sua morte.
3. A queda súbita de Elsa deveu-se a síncope da qual resultou a sua morte.
4. Os autores despenderam em transportes nas deslocações a este tribunal a quantia de 45€.
5. Manuel … gastou com o funeral da sinistrada a quantia de 1.484,10€.
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Questões colocadas:
- Alteração da decisão relativa à matéria.
Pretende-se a inclusão, na alínea D) dos Factos Provados, do seguinte:
(…) sendo certo que, dentro das instalações da entidade patronal, junto à cantina onde tinha almoçado, existe uma máquina de café, sendo certo ainda que existe um outro café mais próximo daquele onde foram”.
Resposta afirmativa ao item 7:
7º “A queda súbita de Elisabete Maria deveu-se a síncope com paragem cardiorrespiratória, da qual resultou a sua morte”:
- Qualificação da ocorrência como acidente de trabalho (caraterização).
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Quanto à alteração da decisão relativa à matéria de facto:
Relativamente à inclusão pretendida na al. D) apoia-se nos depoimentos de Clara, Berta e Alice.
A Clara referiu que tomaram refeição na cantina e depois como de costume foram tomar café a um estabelecimento a cerca de 5 minutos. Ao regressarem começou chover e vieram a correr. Referiu que a “a colega caiu, escorregou caiu…”. Chegaram à beira dela e “ já estava como estava…”. Não reparou se tropeçou se escorregou, referindo que caiu para trás de costas. Justificou a ida ao café por já conhecerem as pessoas referindo que acabam por conviver e que faziam isso diariamente. Confirmou a existência de um “café” mais à beira, mas iam àquele para espairecer. Confirmou igualmente a existência de uma máquina de café na cantina, dentro da fábrica, onde podiam tomar café. Quanto à queda referiu que no seu entender a colega escorregou, pelo modo como caiu.
A Berta confirmou no essencial o mesmo. Referiu que a colega de repente caiu e o sapato voou. Caiu para trás. Ela vinha a correr. Não viu sinal físico de nada de anormal. Confirmou igualmente existir outro café mais perto e a máquina na cantina. Referiu; “ mas nós gostávamos de ir dar um passeio para não estarmos ali dentro”. Mais disse que não viu a colega tropeçar, só viu sapato e que estava a olhar para ela o rosto dela era normal.
A Alice depôs no mesmo sentido. Todos os dias iam tomar café naquele estabelecimento. Confirma que há outro mais perto e há a máquina na cantina. Referiu que começou chover. A depoente abrigou-se, chamou por ela para se abrigar ela olhou para ela e caiu, escorregou para trás. Diz que a colega esbugalhou os olhos quando olhou para a depoente, a perna deslizou e sapato voou, dizendo, “ no meu ver escorregou…”.
Resulta claramente demonstrado o que se pretende. Assim adita-se o seguinte facto:
“ Dentro das instalações da entidade patronal, junto à cantina onde tinha almoçado, existe uma máquina de café. Existe junto da fábrica um outro café mais próximo daquele onde foram”.
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Pretende-se seja considerado provado:
“A queda súbita de Elsa deveu-se a síncope com paragem cardiorrespiratória, da qual resultou a sua morte”.
Apoia-se nos depoimentos de Jacinta e Rui. Refere-se que os depoimentos estão parcialmente impercetíveis. Conquanto com voz ao longe, devido a parte dos depoimentos terem sido efetuados longe do microfone por ter havido necessidade de serem confrontados com documentos, nomeadamente registos clínicos, os depoimentos podem ouvir-se e percecionar-se no seu essencial.
Dos depoimentos referidos e dos elementos clínicos juntos aos autos não resulta demonstrado o que se pretende. Nenhum dos depoentes o afirma, deixando claramente a dúvida. Os depoentes esclareceram os elementos clínicos juntos, referindo que os mesmos excluem lesão endocraniana ou acidente vascular cerebral e também problema pulmonar. Contudo também é referido que não pode concluir-se pela existência de problemas cardíacos. Foi referido que os problemas detetados podem ter causa na própria ocorrência, designadamente no tempo de paragem cardio respiratória e nas manobras de reanimação.
Os depoentes referem que não houve traumatismo intracraniano. Quanto ao edema cerebral difuso foram apresentadas várias possibilidades no que respeita às causas, designadamente a paragem cardio respiratória. A possibilidade de síncope surgiu em parte por causa do relatório de admissão, por referência dos bombeiros que não presenciaram a ocorrência. Assim não pode concluir-se estar demonstrado o pretendido, pelo que nesta parte é de confirmar o decidido.
***
Importa saber se estamos em face de um acidente de trabalho.
Coloca-se no presente caso a questão de saber se pode o “sinistro” enquadrar-se na al. e) do nº 2 do artº 9º da LAT ou se ocorre no tempo e local de trabalho, o que releva para efeito de presunção prevista no artigo 19º da LAT.
O artigo artº 8, nº 1, da Lei nº 98/2009, dispõe:
“ É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte “.
Por sua vez o artigo 19º da mesma lei prescreve que; “ A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho”.
O normativo dispensa, ao requerente, a prova relativa ao nexo de causalidade entre o acidente e a lesão. O requerente deve contudo demonstrar a ocorrência do evento em si.
A simples constatação da morte de um trabalhador no local e tempo de trabalho não faz presumir a existência de um acidente de trabalho, não dispensando a prova efetiva de que o evento infortunístico, configura um acidente de trabalho.
A ocorrência “acidente”, deve ser entendida em termos hábeis, tendo em conta os objetivos da lei. Constituirá acidente qualquer “facto”, ainda que não violento, um acontecimento súbito exterior ao lesado, lesivo do corpo deste. vd. Martinez, Pedro Romano, “Direito do Trabalho”, 2ª Ed., Almedina, 2005, pp. 797 ss..
Importa ainda ter em conta a extensão do conceito de acidente de trabalho constante do artº 9 da LAT
Refere o normativo:
Extensão do conceito
1 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajeto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte;

2 - A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador:

e) Entre o local de trabalho e o local da refeição;

3 - Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajeto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.

Na decisão recorrida refere-se:
“ Ora, afigura-se-me que esta factualidade também se enquadra na prevista na al. e) do n.º 2 do artigo 9.º da LAT, se interpretarmos esta disposição de acordo com o escopo que visa proteger.
De facto, importa desde logo considerar que o intervalo para almoço não pode ser considerado como se destinando apenas ao ato de almoçar stricto sensu – a simples ingestão de alimentos. Se assim fosse, para a maioria das pessoas que não almoçam em casa, bastariam cerca de 20 ou 30 minutos.
Este intervalo (a meio da jornada de trabalho) destina-se também a recuperar forças e restabelecer a resistência física e anímica para prosseguir o trabalho.
Trata-se, portanto, de um intervalo não só para satisfação de uma necessidade básica do ser humano, mas também para defesa do bem estar físico e psicológico do trabalhador. Aliás, quantos trabalhadores não usam esta pausa de almoço, essencialmente para “espairecer” e também para almoçar.
E cumpre não esquecer que este bem estar físico e psicológico do trabalhador vai, necessariamente, ter repercussões na esfera patrimonial do empregador, pois que, à partida, vai permitir uma melhor rentabilidade do trabalhador.
Por outro lado, importa também considerar que o ato de tomar um café após as refeições é um hábito perfeitamente enraizado no nosso país, socialmente aceite e que “até, ao menos em muitas situações, contribui para o bem-estar e harmonia de quem o toma: diremos que, para muitos, faz parte integrante da refeição.
Por isso afirmámos que o ato do sinistrado ir tomar café àquele local (café restaurante), onde ele habitualmente tomava a refeição de almoço quando não se deslocava a casa para almoçar ou, mesmo que tomasse a refeição em casa, se deslocava para beber café e relaxar um pouco, se integra ainda na refeição, ou pelo menos constitui um complemento necessário daquela” – cfr. Acórdão da Relação de Évora de 11/10/2011, disponível em www.dgsi.pt.
A situação tratada neste Acórdão não é idêntica à destes autos, já que ali foi considerado que o facto de o sinistrado ter ido tomar café no regresso de casa, onde tinha ido almoçar, configurava um desvio determinado pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador.
Mas a verdade é que não pode deixar de se concordar com as considerações ali tecidas quanto ao facto de “tomar um café” configurar, para grande parte da população, uma parte integrante da refeição (veja-se que, no nosso país, as chamadas “diárias” dos restaurantes quase sempre incluem o café).
Por conseguinte, em face de todo o exposto, o facto de a sinistrada se ter deslocado, como fazia habitualmente, durante o intervalo para almoço, a um café, fazendo um percurso de cerca de 300/400 metros na mesma rua, para tomar café e conversar com as colegas de trabalho, tendo a queda se dado quando se dirigia para o local de trabalho, revelando uma clara conexão entre o trajeto e o trabalho prestado pela sinistrada, não pode deixar de se considerar como um acidente de trabalho, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 1 e n.º 2, e) da LAT. “
Serão atendíveis tais considerações, estando provado que na cantina existia e em funcionamento uma máquina de café?
O caso presente tem a ver com uma deslocação para tomar café, após a refeição. A argumentação expendida sustenta-se em parte no Ac. RE de 11/10/2011, processo nº 412/05.3TTFAR.E1, disponível na net.

Contudo no caso presente vem provado que no local onde tomou a sua refeição existia uma máquina de café, podendo ter tomado este no mesmo local onde almoçou, o que demanda algum cuidado.
Aquilo que é da responsabilidade da empregadora, pela sua particular sensibilidade social e jurídica, pelas suas consequências quer para o trabalhador, quer para o empregador (pois com reflexo nos prémios de seguro, maior risco mais prémio), demanda sejam traçados limites e fronteiras com alguma precisão.
Os riscos suportados devem ser os adequados tendo em conta o que se pretende garantir, mas também devem ser previsíveis, sob pena de se transferir para a empregadora a reparação de acidentes que constituem concretização de riscos que quer a prestação do trabalho, quer a deslocação para este, seja da habitação seja do local de refeição, não demandaram, sendo antes risco criado pelo próprio trabalhador, desnecessário àquelas obrigações de trabalho e de comparência ao trabalho.
A responsabilidade pelo acidente “in itinere” assenta na consideração de que o risco de acidentes neste percurso é inerente ao cumprimento do dever do trabalhador comparecer no seu local de trabalho para aí executar a prestação que para si resulta da celebração do contrato de trabalho, constituindo, portanto, uma obrigação acessória ou instrumental.
O que releva para efeitos de considerar como de trabalho o acidente in itinere é que ocorra uma conexão relevante entre o trajeto e o trabalho. Tal conexão deverá analisar-se em termos de necessidade de realização do percurso. Como se refere no Ac. STJ de 30/3/2011, processo nº 4581/07.0TTLSB.L1.S1; “sendo o trabalhador obrigado a fazer o percurso necessário ao cumprimento da sua obrigação de trabalhar no lugar determinado pela sua entidade patronal e usando, para tanto, as vias de acesso e os meios de transporte disponíveis para que esta possa contar com a sua prestação, justifica-se que os riscos de acidente neste percurso e no tempo habitualmente gasto para o percorrer, já gozem da proteção própria dum acidente de trabalho.”
O risco do trajeto deve ser responsabilidade da entidade patronal apenas se e quando o mesmo é inerente ao cumprimento do dever do trabalhador comparecer no seu local de trabalho para aí executar a sua prestação. Vd. Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e doenças profissionais, 2.ª ed., pág. 55.º.
No preambulo do D.L. 143/99, que procedeu ao alargamento do conceito, refere-se:
“ O alargamento do conceito de acidente de trabalho, nomeadamente a cobertura generalizada do risco in itinere, que passa a incluir expressamente as deslocações entre o local de trabalho e o de refeição, assim como os acidentes ocorridos quando o trajeto normal de deslocação do trabalhador relevante para a qualificação do acidente como de trabalho tenha sofrido desvios determinados por necessidades atendíveis do trabalhador”
Relativamente à al. e) do nº 2, diríamos numa primeira aproximação que não esteve na mente do legislador, com certeza, que como regra o local de refeição, de uma mesma refeição, sejam vários locais, num repasto volante em “vários estabelecimentos” ao gosto do trabalhador. Refere-se local de refeição e não locais.
Não pode esquecer-se que estamos do domínio da extensão do conceito, alargando o risco suportado pela seguradora, pelo que deve interpretar-se a norma de forma a que os riscos por ela abrangidos, em alargamento ao conceito normal, sejam previsíveis (só assim a seguradora pode ajustar os prémios de seguro de forma conforme), o mesmo será dizer, devem ser os que decorrem de um comportamento normal adequado a satisfazer as necessidades que decorrem das circunstâncias excecionais que justificam o alargamento. O mesmo é dizer, aplicando ao caso, atendendo à circunstância excecional, em relação ao tempo e local de trabalho tal como resultam do conceito base constante do artigo 8º, que consiste na necessidade de interromper o trabalho para alimentação, e deslocação para o local de restauração, será desadequado entender que tal trajeto, para uma mesma refeição, abranja vários locais, pela multiplicação do risco que isso implica, de forma imprevisível, pois não é expectável que alguém tome uma mesma refeição em diversos locais. O conceito deve ser interpretado de acordo com o que será normal para satisfação da necessidade de alimentação.
O artigo 9º não pretende estender o conceito de forma a abranger acidentes que se situam numa esfera de risco própria do trabalhador. Como se refere no sumário do ac. RC de 13/7/2016, processo nº 1059/12.3TTCBR.C1, disponível na net “ a lei não tutela mais do que o acidente de trajeto entre o local de refeição e o local de trabalho, não se pode aceitar uma interpretação extensiva que inclua nessa tutela um trajeto ulterior à refeição, tomada no local de trabalho, para um ato de mera ocupação do tempo antes do regresso ao trabalho, como será ir tomar café a um estabelecimento deste tipo”.
Refere-se neste sobre uma saída para tomar café:
“o apelante defende que, nesse caso, deve considerar-se a previsão do n.º 3 do artigo 9.º quando dispõe que não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajeto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador.
Estamos de acordo, pelo que já dissemos, que o hábito de tomar café após a refeição se pode considerar como um ato para satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador.
No entanto, para que tal releve para a qualificação de acidente de trabalho, seria necessário que o ato praticado – “tomar café” – estivesse encadeado com um desvio ou interrupção de um trajeto utilizado numa das situações previstas no n.º 2 do art. 9.º.
Ora, tal encadeamento não ocorre na situação dos autos.
O ato para ir tomar café praticado pelo autor implicou o assumir de um trajeto autónomo de ida e de regresso e não uma interrupção ou desvio de outro trajeto, nomeadamente, repete-se, de um qualquer trajeto dos contemplados no n.º 2 do art. 9.º”.
Situação com similitude nos autos. A cantina situa-se dentro das instalações da ré, não podendo falar-se de qualquer trajeto ou desvio deste. Por outro, a trabalhadora podia tomar café dentro das instalações, na própria cantina. O ato de sair das instalações para se deslocar a um estabelecimento de café corre por sua conta e risco, não se vendo conexão atendível com a prestação do trabalho, nem podendo ser considerado, como vimos, como interrupção os desvio no trajeto normal, que não existe. Pode dizer-se que a “autoridade patronal cede a partir do momento em que o trabalhador disponha livremente da sua autonomia”, como acontece no caso presente, em que podendo tomar o café na cantina a trabalhadora decide, para ocupar o tempo disponível, para descontrair, para conviver, deslocar-se a um estabelecimento fora das instalações para tomar café.
Pode dizer-se, em parte com o acórdão acima referido, que o ato de tomar café em local diverso do de refeição, nos casos em que neste pode tomar-se café, já será um ato exterior à refeição, por opção do trabalhador. É um ato de veraneio, de descontração de ocupação do tempo antes do regresso ao trabalho.
A interpretação tida na sentença recorrida não tem em nosso entender acolhimento no artigo 9º, que deve ser tido como taxativa, dada a sua excecionalidade e a manifesta necessidade de previsibilidade dos riscos abrangidos em sede de contratação de seguros que são obrigatórios.
O Ac. da RE citado na decisão (processo nº 412/05.3TTFAR.E1), trata de um desvio, ao regressar de casa, onde tomou a refeição, para ir tomar café ao local onde por vezes tomava a refeição, sem que conste dos autos de tinha ou não possibilidade de tomar o café em casa. Tem pois uma configuração diferente da destes autos.
Assim procede a apelação, sendo de absolver a ré.
Decisão:
Pelo exposto e ao abrigo das disposições citadas decide-se julgar a apelação procedente revogando-se a decisão e absolvendo a ré do pedido.
Custas pelos recorridos.
Guimarães, 17.11.2016
Antero Veiga
Alda Martins
Vera Sottomayor