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Sumário
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
"A" intentou contra Companhia de Seguros B, S.A., acção a fim de esta o indemnizar no valor de 117.039.364$00, pelos danos patrimoniais e não-patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente de viação ocorrido em 95.05.05 pelas 9 h., na av. da Boavista, Porto, causado pelo veículo BQ, táxi, conduzido por C, motorista ao serviço da sociedade "D, Lda.", e no desempenho das suas funções, que para a ré transferira a respectiva responsabilidade civil.
Contestando, a ré impugnou quanto à extensão e valoração dos danos que, quanto a alguns, atribuiu a causa anterior ao acidente em causa.
Após resposta, prosseguiu o processo, com gravação da prova, tendo, a final, procedido em parte - condenada a ré a pagar a indemnização de 2.539.364$00, acrescida de juros de mora desde a citação -, por sentença de que apelaram autor e ré.
A Relação, negou a apelação do autor e julgou procedente a da ré, pelo que reduziu a indemnização por esta devida àquele para 1.000.000$00, acrescida de juros de mora nos termos fixados na sentença.
Inconformado, pediu revista o autor concluindo em suas alegações:
- ao considerar não existir nexo de causalidade entre o acidente sofrido e as lesões e os danos apontados como consequência do acidente, mas só de alguns que destaca, e ao fixar a indemnização em montante tão baixo, violou o disposto nos arts. 563º, 496º e 564º CC;
- o não cumprimento do dever de reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, na apelação que interpôs, foi cometida a nulidade, acessoriamente invocada, do art. 712º-2 CPC.
Sem contra-alegações.
Colhidos os vistos.
Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -
1)- em 95.05.05, cerca das 9 h., o autor circulava com o seu veículo BMW de matrícula M, na Av. da Boavista, nesta cidade, no sentido Castelo do Queijo/Praça Mouzinho de Albuquerque, em marcha lenta, integrando uma fila de veículos que se tinha formado após o entroncamento com a Av. Marechal Gomes da Costa;
2)- depois de ter passado os semáforos do entroncamento com a Rua Azevedo Coutinho, perpendicular à Av. da Boavista, imobilizou o seu veículo atrás do que o precedia, devido à intensidade de tráfego que se mantinha depois daquele entroncamento;
3)- quase de imediato foi embatido violentamente na traseira do seu veículo pelo veículo automóvel (táxi) Mercedes, de matrícula BQ, propriedade de "D, Lda.", ao serviço da proprietária e conduzido pelo seu motorista C;
4)- com a violência do embate no veículo do autor este foi ainda embater nas traseiras do veículo automóvel de matrícula AA, que seguia à sua frente o qual, por sua vez, foi embater noutro veículo que circulava à sua frente;
5)- o veículo do autor ficou impossibilitado de circular, tendo apenas conseguido deslocá-lo até ao passeio;
6)- em consequência do embate o autor sofreu lesões a que foi assistido nos serviços de urgência do Hospital de Santo António desta cidade, para onde foi transportado imediatamente a seguir ao acidente;
7)- o autor foi observado pela primeira vez pelos serviços médicos da ré em 95.05.27, tendo-lhe sido fixada uma incapacidade de 20% até 95.06.26;
8)- por contrato de seguro titulado pela apólice nº 1052344 a proprietária do BQ havia transferido para a ré a sua responsabilidade por danos causados com circulação do veículo até montante ilimitado;
9)- o autor nasceu em 41.08.10;
10)- após o acidente o autor sentia-se indisposto, com vómitos e dores no pescoço;
11)- teve dores lombares;
12)- os médicos do serviço de urgência do Hospital de Santo António assistiram o autor;
13)- medicaram-no com analgésicos, ordenaram-lhe repouso e teve repouso absoluto durante quinze dias;
14)- os serviços médicos contratados pela ré assistiram o autor cerca de duas semanas após o acidente;
15)- no período entre 95.05.27 e 95.06.27 o autor ficou em dificuldade em andar com o tronco direito, devido às dores e custava-lhe efectuar movimentos como sentar-se e levantar-se;
16)- recorreu à Clínica da Fundação Cupertino de Miranda, onde foi assistido e pagou 23.649$00;
17)- a partir de 95.06.20 foi recebendo assistência de fisioterapia em vários centros de reabilitação;
18)- desde o acidente o autor queixa-se de lombalgias que podem ter sido causadas ou agravadas pelo embate;
19)- o autor só passou a queixar-se de dores após o acidente;
20)- foi observado pelo dr. E em 95.06.22 e 95.06.29 tendo pago 16.000$00;
21)- o autor tinha sido operado por esse médico ortopedista (cirurgia do coluna) a uma hérnia discal em 95.01.30;
22)- teve um pós-operatório sem complicações e com o desaparecimento de todas as queixas que tinha;
23)- desde essa operação e até à data do acidente encontrava-se sem qualquer tipo de queixas dolorosas e sem evidência de recidiva de hérnia discal;
24)- após o acidente o autor passou a queixar-se não poder manter-se muito tempo na mesma posição, nem sentado nem de pé, ficando com dores na coluna e queixa-se não poder fazer viagens de automóvel por tempo superior a 30 minutos;
25)- o autor apresenta uma incapacidade permanente profissional de 5 %, traduzindo apenas esforços acrescidos, o que lhe causa angústia e depressão;
26)- em consequência do acidente o autor sofreu traumatismo lombar e foi medicado por apresentar dor marcada localizada às apófises espinhosas de L1, L2 e L3, sendo-lhe recomendado repouso;
27)- tem queixas actuais de origem mecânica e localizadas unicamente na região lombar, sem sinais de irradiação;
28)- em 1992 o autor deixou o seu emprego na ... Espanhola, S.A., onde trabalhou durante mais de dez anos, sendo o responsável máximo do lançamento, com êxito, dos combustíveis e lubrificantes, os seus produtos mais importantes, para se poder dedicar inteiramente à firma Luso Española ..., S.A.;
29)- esta empresa é concessionária de uma das maiores áreas de serviço da Península Ibérica, a qual compreende nomeadamente um hotel, restaurantes, serviço de mecânica e venda de carburantes e lubrificantes, e fica situada na auto-estrada Lisboa/Madrid, em ..., Toledo;
30)- explora também nos mesmos moldes a área de serviço da estrada Madrid/Salamanca, Ávila, efectuando todo o serviço de distribuição de carburantes e lubrificantes de marca Galp na totalidade do território espanhol;
31)- desde 1991 era, simultaneamente com o seu trabalho na Petrogal, director comercial da referida Luso Española ..., S.A., cujas funções intensificou após a saída da 1ª firma;
32)- como director comercial tinha de fazer muitas viagens de automóvel para percorrer as referidas áreas de serviço, bem como o resto do país;
33)- auferia, nas funções de director comercial, entre 400.000 e 500.000 pesetas espanholas mensais às quais acresciam a habitação e automóvel gratuitos;
34)- no fim de Novembro de 1995 vendeu a sua participação social na Luso Española e com essa venda deixou de receber eventuais lucros anuais desta;
35)- o montante mensal da habitação e do veículo era no valor unitário de 60.000$00;
36)- com a sociedade ..., Lª, o autor visava proporcionar uma ocupação e remuneração a um seu filho, e à data do acidente, estava na fase de arrancar definitivamente com o seu funcionamento;
37)- o autor tinha conseguido para essa empresa a representação em Portugal, com eventual expansão a Espanha, de gasolineiras, restaurantes e self service nas estações de serviços, nas lojas das mesmas bem como de representar todos os produtos que fazem funcionar as estações de serviço, aproveitando todos os conhecimentos profissionais e contactos nesses campos;
38)- antes do acidente o autor e o seu filho já tinham feito prospecção do mercado, contactos, estudos de mercado para investimentos espanhóis em Portugal em terrenos, nomeadamente para exploração de gasolineiras e tinham participado à Repartição de Finanças o início da actividade da sociedade;
39)- pretendia arranjar um emprego e uma ocupação rentável para esse seu filho;
40)- após o acidente o autor refere diminuição de agilidade e que deixou de praticar exercício físico e de correr, o que fazia depois da operação à hérnia a que fora submetido;
41)- o autor refere dores;
42)- projectara o nascimento de um filho;
43)- com o acidente, as lesões sofridas, doença e tratamentos o autor sofreu emoções, dores e incómodos,
44)- que fizeram com que o autor, que era uma pessoa optimista, passasse a ser uma pessoa mais isolada da família e amigos, por causa da sua maior irritabilidade;
45)- as sequelas que o autor apresenta podem ser consequência da hérnia discal de que padecia e da intervenção cirúrgica a que foi submetido.
Decidindo: -
1.- Alegando na revista, suscitou o recorrente a questão prévia da falta de convite à ré para formular conclusões na apelação que interpusera.
Arguição tardia e nem sequer pode invocar só agora ter tido conhecimento na medida em que contraalegou, o que pressupõe ter recebido as alegações da ré, além de nada ter referido nas contraalegações.
2.- O nexo causal, enquanto tratado como matéria de facto, é insindicável pelo Supremo; porque é tão só a materialidade fáctica que aí se está a considerar a sua fixação pertence às instâncias.
Porém, saber se entre ela e o provado como facto existe uma relação de causalidade adequada é matéria de direito e como tal cognoscível pelo STJ.
A realidade, o facto concreto, determinável no seu conjunto e âmbito, susceptível de juízos empíricos, será causa adequada se em abstracto e em geral se revelar apropriado para provocar o dano (CC- 563º).
São, pois, dois os momentos a considerar segundo a teoria da causalidade adequada - a existência (a sua fixação) de um concreto facto condicionante de um dano e revelar-se ele em abstracto e em geral apropriado para provocar o dano; ali, matéria de facto mas aqui, questão de direito.
Enquanto facto tem de ser alegado e provado pelo lesado, aqui o autor.
A apelação do autor visou apenas a alteração da decisão de facto, maxime da resposta aos quesitos 58 (a constante do facto 45) e 14 (a constante do facto 18), e através dela obter ganho da acção (fls. 313). Para o efeito, recorreu à gravação da prova.
A gravação da prova não é em si prova mas reprodução dum meio de prova, a testemunhal, reprodução que, por ser desprovida da característica da presencialidade, não comporta quer a observação que o julgador pôde ir fazendo nem a sua percepção directa.
Não podem as partes pretender que se atribua à reprodução idêntico valor à prestada e que ela, por mais cuidadosa que a reprodução possa ser, não é fiel nem totalmente retratada. Não se queira retirar disto uma ilação de inutilidade do recurso à gravação mas apenas que não se deve extrapolar o seu valor e que só em casos pontuais e excepcionais permitirá alterar a decisão de facto.
Porque assim, não pode a parte impor à Relação a audição da gravação (de toda ou só da parte transcrita) se ela, face a outros elementos, maxime a outras respostas dadas e que não foram objecto de impugnação, se revelar sem virtualidade de conduzir à alteração.
E, na realidade, foi vária a matéria de facto não impugnada que a Relação indicou e que a essa conclusão conduzia. Pode-se acrescentar que a prova produzida a essa matéria de facto foi não só a testemunhal (gravada esta), como, além dos documentos juntos aos autos, a perícia médico-legal do IML do Porto (cfr. fundamentação a fls. 263), cujo relatório (fls. 140-147) apoia totalmente aquelas duas e as outras respostas.
Com a referência a estes meios de prova não se está o STJ a imiscuir-se em campo que apenas às instâncias pertence mas tão somente a recordar ao recorrente que devia ter considerado que outros meios de prova foram produzidos à matéria de facto e para que pretende ver alterada a decisão mas, em relação aos quais, nas alegações para o STJ, nem uma palavra escreveu. Se o tivesse feito, certamente teria concluído a situação não constituir um caso pontual e excepcional.
Entre os factos constantes dos nº 45 e 18 e os constantes dos nº 22, 23, 26 - 1ª parte, 19 e 40 não existe qualquer contradição - entre «queixas» e «possibilidade de causa ou de agravamento de estado anterior» não há sobreposição alguma, ali apenas há uma referência subjectiva (não afirma que existem dores ou um estado deficitário de saúde mas que o autor o alega), aqui questiona-se se do acidente resultou como consequência, se foi causa (naturalística - ainda se está a entrar em matéria de direito) de lombalgias ou, sequer, se as agravou.
3.- Defende o recorrente «que mesmo da matéria dada como provada, sem alterações, já se poderia retirar a existência de nexo de causalidade entre as lesões e o acidente» (fls. 379).
Questão nova, não colocada para a Relação, mas de que se conhece por ser matéria de direito.
Como se referiu antes, esta atinge-se depois de fixado o facto.
Todavia, estes não existem - apenas vem demonstrado o aspecto subjectivo de o autor se queixar mas não que seja uma realidade o facto por ele alegado e que justificaria as queixas.
Competia ao autor a sua demonstração e não logrou obtê-la (a dúvida sobre se, a existirem as sequelas apontadas, advêm como consequência do embate se da hérnia discal e da intervenção cirúrgica a que foi submetido por força desta aproveita à ré).
A possibilidade de ser causa ou de ter agravado não é nexo causal.
Este não pode, pois, ser estabelecido para além do que as instâncias referem e que a ré aceita.
4.- Defendeu o recorrente que a Relação fixou a indemnização em montante muito baixo devendo ser aumentado «tendo em conta os critérios definidos nos artigos» 496º-1 e 3 e 564º e segs. do CC (fls. 379).
Nem uma palavra mais.
Foi precisamente na base dessas disposições, expressamente invocadas (fls. 360) que a Relação fixou a indemnização.
Não apresenta o recorrente qualquer razão para concluir pela divergência e reveladora de terem sido violadas aquelas normas ou de terem sido mal aplicadas.
Termos em que se nega a revista.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2003
Lopes Pinto
Ribeiro Coelho
Garcia Marques