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RETRIBUIÇÕES EM ATRASO
CULPA
Sumário
I. No âmbito de vigência do Código do Trabalho de 2009 (CT/2009), o direito à resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador com justa causa sustentada na falta de pagamento da retribuição, seja ela inferior ou superior a 60 dias, tem por fundamento legal, apenas, o art. 394º do mencionado diploma. II. Sendo inferior a 60 dias, a falta presume-se culposa (art. 799º, nº 1, do Cód. Civil), presunção essa ilidível. III. Prolongando-se por 60 dias ou mais, a falta considera-se culposa (art. 394º, nº 5, do CT/2009), no que consiste uma presunção de culpa inilidível.
Texto Integral
Procº nº 345/10.1TTPNF.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 388)
Adjuntos: Des. António José Ramos
Des. Eduardo Petersen Silva
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B…, aos 26.02.2010, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, Ldª pedindo que seja a ré condenada a pagar-lhe as seguintes quantias:
- € 950,00, a título de subsídio de Natal referente ao ano de 2007,
- € 950,00, a título de subsídio de Natal referente ao ano de 2008;
- € 950,00, a título de subsídio de férias referente ao ano de 2008;
- € 450,00, a título de parte do salário do mês de Agosto de 2009;
- € 950,00, a título de salário do mês de Setembro de 2009;
- € 950,00, a título de salário do mês de Outubro de 2009;
- € 3.843,00, a título de proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal e férias não gozadas referentes ao ano de 2009;
- € 21.850,00, a título de indemnização pela falta culposa do pagamento pontual de salários, nos termos do disposto nos artigos 394.º e 396.º do Código do Trabalho;
- € 407,00, a título de juros de mora vencidos até à data da propositura da acção;
- juros de mora vincendos até ao reembolso integral.
Para tanto, alega que:
Foi admitido ao serviço da ré em 18 de Outubro de 1986 para, sob as suas autoridade, direcção, fiscalização e subordinação, exercer as funções de encarregado de mesa, mediante o pagamento de uma retribuição mensal de € 500,00.
Sucede que a ré não lhe pagou o subsídio de natal respeitante ao ano de 2007, os subsídios de férias e de Natal referentes ao ano de 2008, parte do salário do mês de Agosto e os salários dos meses de Setembro e Outubro de 2009.
Por tal razão, por carta devidamente comunicada à ré em 03 de Novembro de 2009, o autor procedeu à resolução, com justa causa, do contrato de trabalho que o ligava à ré.
À data da cessação da relação laboral, o autor auferia uma retribuição mensal de €950,00, apesar de a que consta dos recibos ser apenas de € 658,00, sendo que daqueles €950,00, a quantia de € 658,00 era paga através de cheque e diferença era paga umas vezes em cheque e outras em numerário.
Com base nesta factualidade, reclama o autor da ré o pagamento da indemnização pela resolução com justa causa do contrato de trabalho, bem como os demais créditos laborais emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação.
A ré contestou, aceitando a contratação do autor, mas impugnando que a mesma tenha ocorrido na data alegada na petição inicial, uma vez que o estabelecimento da ré só abriu ao público em 26 de Dezembro de 1986, data em que o autor foi contratado.
Mais impugna a ré o valor do salário mensal auferido pelo autor, sustentando que este ascende a € 658,00.
Aceita a ré não ter pago ao autor os créditos por este reclamados nos autos, bem como a recepção da carta resolutiva do contrato.
Sustenta, porém, que o atraso no pagamento das retribuições ao autor e demais trabalhadores ficou a dever-se a dificuldades de ordem financeira, dificuldades estas que nunca foram escondidas aos trabalhadores e que emergiram, em grande parte, de um investimento que fez na reabilitação, ampliação e modernização do estabelecimento, há cerca de cinco anos.
Assim, afirma a ré que nunca foi, nem é sua vontade premeditada deixar de pagar aos seus trabalhadores.
Deduziu ainda a ré pedido reconvencional.
O autor respondeu à contestação, aceitando a antiguidade e valor da retribuição alegadas pela ré e refutando tudo o demais, nomeadamente, no que concerne ao pedido reconvencional, o qual, desde logo, não será legalmente admissível.
Foi proferido despacho a não admitir o pedido reconvencional, a sanear o processo e a dispensar a selecção da matéria de facto provada e a provar.
Realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, de que não foram apresentadas reclamações, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, condenando-se a ré a pagar ao autor:
a) a quantia de € 15.029,79, a título de indemnização pela resolução com justa causa do contrato de trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 03.11.2009 e até efectivo e integral pagamento;
b) a quantia de 658,00, a título de férias vencidas em 01.01.2009 e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 31.10.2009 e até efectivo e integral pagamento;
c) a quantia de € 658,00, a título de subsídio de férias referente ao ano de 2008, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 01.10.2008 e até efectivo e integral pagamento;
d) a quantia de € 1.107,34, a título de proporcionais de férias e subsídio de férias do ano da cessação do contrato de trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 03.11.2009 e até efectivo e integral pagamento;
e) a quantia de € 658,00, a título de subsídio de Natal do ano de 2007, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 15.12.2007 e até efectivo e integral pagamento;
f) a quantia de € 658,00, a título de subsídio de Natal do ano de 2008, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 15.12.2008 e até efectivo e integral pagamento;
g) a quantia de € 553,81, a título de proporcional de subsídio de Natal do ano da cessação do contrato de trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 03.11.2009 e até efectivo e integral pagamento;
h) a quantia de € 450,00, a título de parte do salário do mês de Agosto de 2009, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 31.08.2009 e até efectivo e integral pagamento;
i) a quantia de € 658,00, a título do salário do mês de Setembro de 2009, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 30.09.2009 e até efectivo e integral pagamento;
j) a quantia de € 658,00, a título do salário do mês de Outubro de 2009, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 30.1009.2009 e até efectivo e integral pagamento.
Inconformada com o assim decidido, a ré veio recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
1 - Um elemento necessário em cumulação com o atraso no pagamento da retribuição, é o elemento subjectivo da entidade empregadora, como constitutivo de comportamento culposo nesse atraso;
2 - Ora, sendo tal elemento - a culpa - passível de ser preenchido a título de dolo, ou de negligência, não se afigura demonstrada na sentença a que título se entendeu no caso, preenchido o elemento culpa, se a título de dolo, ou de negligência;
3 - Tal omissão é grave pois ao não se dizer na Sentença quais os elementos que determinaram a opção por condenar a recorrente em culpa pelo atraso no pagamento das retribuições, não se conhece na sua substância, o juízo formulado pelo decisor;
4 – Impedindo a recorrente de sobre esse juízo formular uma apreciação crítica.
5 - Não obstante sempre se dirá que, tendo sido dado como provado:
Que a recorrente transmitia aos trabalhadores que enfrentava dificuldades financeiras no seu estabelecimento;
Que a recorrente fez um investimento no estabelecimento em termos de reabilitação, ampliação e modernização, há cerca de 10 anos;
Que a: recorrente ao longo dos últimos cinco anos por vezes atrasava os pagamentos aos trabalhadores, que depois ia regularizando; Que a recorrente informava os trabalhadores que tais atrasos se deviam a dificuldades financeiras; Que a Recorrente sempre denotou uma atitude de dinamismo na sua actividade;
6 – É pertinente verificar que o atraso nos referidos pagamentos se deveu a causas objectivas próprias da situação financeira da empresa, não nos dizendo a Sentença em parte alguma do seu texto, que tal situação decorresse de dolo ou negligência da recorrente, sendo completamente omissa nessa parte, conforme se deixou já referido;
7 – Entendemos que face à matéria dada como provada, não existiu culpa da recorrente, quer a título de dolo, quer de negligência;
8 – Pelo que o tribunal decidiu mal, salvo o devido respeito por opinião contrária, sendo que numa interpretação á contrario sensu do art. 396º e tendo em conta a violação do estatuído no nº 2 do art. 394º, ambos do Cód. do Trabalho, a Sentença viola as referidas disposições legais e bem assim o art. 659º nº 3 "in fine" do CPC, por manifesta insuficiência e mesmo deficiência do exame crítico das provas;
9 – A justa causa deve ser apreciada nos termos do n° 3 do art. 351° do C.T., pelo que atendendo à matéria provada, integrada no referido preceito, se deve entender que não ocorreu justa causa;
10 – Daqui decorre que não houve culpa da recorrente e como tal, não existe obrigação de indemnizar nos termos do art. 396º nº 1, a contrario sensu, do CT;
11 – Ocorre quanto a nós, face ao exposto, uma verdadeira nulidade da Sentença, nos termos do art. 668º, nº 1 b) e d) do CPC.
12 – Deve como tal ser revogada a Sentença, e a recorrente absolvida parcialmente da acção.
O Autor apresentou requerimento prescindindo do direito de contra-alegar.
O Exmº. Sr Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, ao qual as partes, notificadas, não responderam.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Matéria de facto provada:
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1. Em 26 de Dezembro de 1986, por acordo verbal, o autor foi admitido ao serviço da ré, mediante a retribuição de € 500,00 para exercer funções no estabelecimento da ré, sito no …, nº .., na cidade de Marco de Canaveses, iniciando a laboração às 08:00 horas e terminando às 19:00 horas, com uma hora de intervalo para almoço.
2. Para sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer as funções de empregado de mesa – no âmbito das quais, de entre outras, encaminhava os clientes até à mesa, servia refeições, dava apoio no levantar das loiças e talheres.
3. A ré não pagou ao autor o subsídio de Natal respeitante ao ano de 2007, os subsídios de férias e de Natal referentes ao ano de 2008, parte do salário do mês de Agosto e os salários dos meses de Setembro e Outubro de 2009.
4. O autor enviou à ré em 03 de Novembro de 2009, uma carta registada constante a fls. 7 e 8 dos autos, que a ré recebeu, carta essa com o seguinte teor:
“(…)
Março, 03-11-2009.
Assunto: resolução do contrato de trabalho com justa causa.
Exma gerência,
(…)
Venho, através da presente carta, comunicar que declaro por fim à relação de trabalho que mantive com Vª Exª, com efeitos imediatos e com alegação de justa causa.
O motivo da justa causa é o seguinte:
- dívida relativa ao subsídio de Natal respeitante ao ano de 2007, no valor de €950.
- dívida de subsídio de férias e de Natal, relativas ao ano de 2008, no valor de € 1 900.
- salários do mês de Agosto (parte), de Setembro e de Outubro de 2009, no valor de € 2.350.
Solicito o envio da declaração necessária para efeitos de obtenção de subsídio de desemprego. …”.
5. Em 2008 e 2009, a o autor auferia uma retribuição mensal de € 658,00.
6. O autor não gozou férias no ano de 2009.
7. A ré ia fazendo saber aos seus trabalhadores que tinha algumas dificuldades financeiras no seu estabelecimento de restauração onde o autor trabalhava.
8. A ré fez um investimento na reabilitação, ampliação e modernização do estabelecimento, há cerca de 10 anos, no sentido de promover uma melhor oferta aos clientes e dotar o estabelecimento de melhores condições de trabalho.
9. Ao longo dos últimos cinco anos a ré, por vezes, atrasou nos pagamentos das retribuições e subsídios dos trabalhadores, que depois ia regularizando.
10. A ré fazia saber aos seus trabalhadores, incluindo ao autor, que os referidos atrasos nos pagamentos eram determinados pelas suas dificuldades financeiras.
11. A ré sempre denotou uma atitude de dinamismo na sua actividade de restauração.
*
III. Do Direito:
1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC (na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
a. Nulidades da sentença;
b. Se não ocorre justa para a resolução do contrato de trabalho.
2. Da 1ª Questão
Nulidades da sentença
Vem a arguida, nas conclusões do recurso, arguir nulidades da sentença invocando o artº 668º nº 1 b) e d) do CPC.
Dispõe o art.77º, nº 1, do CPT, que “A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso.”.
De harmonia com tal preceito, a arguição das nulidades da sentença deve ter lugar, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, este dirigido ao juiz do tribunal a quo, e não na alegação ou conclusões do recurso, sob pena de delas não se poder conhecer por extemporaneidade, exigência aquela que visa permitir ao tribunal recorrido que, com maior celeridade, sobre elas se pronunicie, indeferindo-as ou suprindo-as.
Assim o tem entendido, também, a jurisprudência, de que se cita, por todos, o sumário do douto Acórdão do STJ de 20.01.2010, in www.dgsi.pt, Processo nº 228/09.8YFLSB, no qual se refere o seguinte:
I - De acordo com o disposto no art. 77.º, n.º 1, do CPT, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
II - Tal exigência, ditada por razões de celeridade e economia processual, destina-se a permitir que o tribunal recorrido detecte, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento, sendo que exigência é, igualmente, aplicável à arguição de nulidades assacadas aos acórdãos da Relação, atento o disposto no art. 716.º, nº 1, do CPC.
III - Deste modo, está vedado às partes reservar a sobredita arguição para as alegações de recurso, pois se o fizerem o tribunal ad quem não poderá tomar dela conhecimento, por extemporaneidade invocatória.
No caso, na parte relativa ao requerimento de interposição do recurso (que, como se sabe, é e foi dirigida à 1ª instância), a Recorrente refere, apenas, que “Não se conformando com a Sentença proferida, vêm dela interpor Recurso de Apelação, juntando ALEGAÇÕES”, aí nada referindo a propósito de nulidades da sentença, muito menos aí as invocando expressa e separadamente.
Apenas em sede das conclusões do recurso é que faz referência à existência de alegadas nulidades da sentença.
Assim, por extemporaneidade da arguição, não se conhece das alegadas nulidades da sentença, improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso.
2.1. De todo o modo, sempre se dirá o seguinte:
Do que a Recorrente refere nas conclusões parece extrair-se que as invocadas nulidades se fundam em alegada omissão, na sentença recorrida, do elemento relativo à culpa pois que, segundo diz, a sentença não se teria pronunciado sobre se o comportamento seria imputável a título de negligência ou de dolo, o que impediria a Recorrente de formular sobre esse juízo uma apreciação crítica.
Carece, porém, de razão.
A sentença recorrida encontra-se ampla e doutamente fundamentada, nela se aludindo à culpa, nos seguintes termos que, para além do mais que nela é referido, se transcrevem:
“(…)
Assim, e perante o teor destes normativos, tem sido entendimento da doutrina e da jurisprudência que a rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador com fundamento em justa causa exige a verificação dos seguintes pressupostos legais:
§ - (…)
§ - que esse comportamento seja culposo – culpa essa que, atenta a circunstância de se estar no âmbito da denominada responsabilidade contratual, vem presumida pelo artigo 799.º/1 do Código Civil, pelo que, demonstrado que a entidade patronal adoptou um comportamento activo ou omissivo violador dos direitos do trabalhador, essa violação presume-se imputável à entidade patronal, recaindo sobre esta o ónus de ilidir tal presunção legal, alegando e provando os elementos factuais suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não-censurabilidade da conduta do empregador;
(…)
Ora, no caso presente e analisa a matéria de facto apurada, temos de concluir que o autor logrou, tal como lhe competia, fazer a prova do facto constitutivo do seu direito, isto é, da falta de pagamento pontual das retribuições (II – 3).
Quanto à culpa na falta de pagamento pontual de tais retribuições importa ter presente o disposto no artigo 394.º/5 do Código do Trabalho.
Assim, estabelece tal preceito legal que «considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias …».
Com João Leal Amado [Contrato de Trabalho – à luz do novo Código do Trabalho, 443], também a nós nos parece que «neste tipo de casos, em que a mora do empregador excede estes marcos temporais, mais de que uma mera presunção juris tantum de culpa, estabelece-se uma ficção legal de culpa patronal na falta de pagamento da retribuição (a qual, portanto, não admite prova em contrário)».
(…)
Assim, à data da resolução do contrato, a falta de pagamento das retribuições referentes aos subsídios de Natal de 2007 e 2008, ao subsídio de férias de 2008 e a parte do salário do mês de Agosto de 2009 já se prolongava por período superior a 60 dias, pelo que, nos termos do já citado artigo 394.º/5 do Código do Trabalho, a actuação omissiva da ré há-de considerar-se culposa.”.
É, pois, evidente que a sentença recorrida se pronuncia quanto à culpabilidade da arguida, considerando que o incumprimento, nos termos das disposições citadas, é “culposo”.
E, como se sabe, se a culpa, em sentido amplo, mormente no domínio penal, poderá abranger a negligência ou o dolo, ela, em sentido restrito, e no âmbito do direito civil, exclui o dolo, sendo este o sentido em que a expressão “culposo” é, a propósito do incumprimento contratual, utilizado nos arts. 799º do Cód. Civil e 394º, nº 5, do CT de 2009. Não há, pois, qualquer omissão de pronúncia ou impossibilidade da Recorrente formular “uma apreciação crítica”.
3. Da 2ª Questão
Se não ocorre justa para a resolução do contrato de trabalho.
A sentença recorrida considerou que ocorria justa causa para resolução do contrato de trabalho, por iniciativa do A., decorrente de falta culposa do pagamento das retribuições referentes aos subsídios de Natal de 2007 e 2008, ao subsídio de férias de 2008 e a parte do salário do mês de Agosto de 2009 que, à data da resolução, já se encontravam em dívida por período superior a 60 dias, situação enquadrável no art.394º, nºs 2, al. a) e 5 do CT/2009.
A Ré, por sua vez e face ao que transpôs para as conclusões, considera que a falta de pagamento de tais retribuições não é culposa e que não ocorre justa causa para a resolução do contrato de trabalho.
Refira-se que a Recorrente, à excepção da indemnização a que se reporta o art. 443º, nº1, do CT, não põe em causa, no recurso, os demais créditos salariais considerados na sentença recorrida.
3.1. Ao caso, considerando a data da resolução do contrato de trabalho por iniciativa do A., ocorrida em Novembro de 2009, é aplicável o Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02, que entrou em vigor aos 17.02, o qual dispõe nos seus artigos:
Artigo 394º
Justa causa de resolução
1 – Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 – Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
(…)
3 – Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
(…)
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
4 – A justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações.
5 – Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão do não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Artigo 396º
Indemnização devida ao trabalhador
1. Em caso de resolução do contrato com fundamento no facto previsto no nº 2 do artigo 394º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
2 - (…)
3 – (…)
4 – (…)
Quer na situação prevista no nº 2, al. a), quer no nº 3, al. c) do art. 394º, a falta de pagamento da retribuição poderá constituir justa causa para a imediata resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador (sem necessidade da concessão do aviso prévio a que se reporta o art. 400º do CT/2009)
Só que o nº 2, al. a) reporta-se às situações em que esse atraso provém de comportamento culposo do empregador, consagrando o que se designa de justa causa subjectiva para a resolução do contrato de trabalho, enquanto que o nº 3, al c), se reporta às situações em que essa falta de pagamento não provém de comportamento culposo do empregador, consagrando o que se designa de justa causa objectiva para essa resolução.
E, nos termos do citado art. 396º, nº1, apenas a primeira das situações poderá conferir o direito ao pagamento da indemnização nela prevista.
A justa causa para a resolução deverá ser apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações, preceito este que, por sua vez, dispõe que «Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e o seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.».
Tal como se vinha entendendo no âmbito da legislação pretérita (DL 64-A/89, de 27.02 e Cód. Trabalho de 2003) e que se mantém no âmbito do CT/2009, para o preenchimento valorativo da cláusula geral da rescisão pelo trabalhador ínsita no nº 1 do art. 394º do Código do Trabalho, não basta a verificação material de qualquer dos comportamentos descritos no nº 2 do preceito, sendo ainda necessário que desse comportamento resultem efeitos de tal modo graves, em si ou nas suas consequências, que tornem inexigível ao trabalhador a continuação da sua actividade em benefício do empregador – cfr., por todos, Acórdão do STJ de 18.04.2007, www.dgsi.pt, Processo 06S4282.
Como também refere Ricardo Nascimento, Da Cessação do Contrato de Trabalho, em Especial Por Iniciativa do Trabalhador, Coimbra Editora, págs.185/186, «(…). Assim se justifica que, quando o incumprimento dessa obrigação assente num comportamento culposo da entidade patronal seja lícito ao trabalhador resolver o contrato de trabalho, com direito a indemnização.
Para tanto, é necessária a verificação cumulativa de três requisitos:
1º) Um de natureza objectiva – não pagamento da retribuição, pontualmente.
2º) Outro de natureza subjectiva que essa falta de pagamento seja imputável ao empregador a título de culpa. Tem de se fazer um nexo de imputação de que o incumprimento é culpa exclusiva da entidade patronal.
3º) que essa conduta do empregador torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.».
Importa, todavia, referir que, como bem se salienta na decisão recorrida e que se passa a transcrever:
“Refira-se, no entanto, que a evolução do nosso direito laboral vem demonstrando a superação de qualquer concepção bilateral e recíproca de justa causa, de acordo com a qual esta teria sido configurada como uma categoria genérica aplicável, nos mesmos termos, para trabalhador e entidade patronal.
De facto, e como refere Júlio Manuel Vieira Gomes [Direito do Trabalho, I, 1044], «… poder-se-á pensar que a noção de justa causa deveria ser aqui simétrica à do n.º1 do artigo 396.º (Código do Trabalho 2003); no entanto, é duvidoso que assim seja já que, enquanto que o empregador dispõe de outras sanções disciplinares e deve recorrer aos meios ou sanções conservatórias, a não ser em casos extremos em que se justifica o recurso ao despedimento, de tal possibilidade não beneficia, obviamente, o trabalhador que pode, quando muito, advertir o empregador para que este, por exemplo, deixe de violar direitos contratualmente acordados ou lançar mão em certos casos da auto-tutela (designadamente, da excepção de não cumprimento do contrato). Contudo, se a violação desses direitos, por exemplo, persistir, o trabalhador pouco mais poderá fazer do que optar entre tolerar a violação ou resolver o contrato. Além disso, e em segundo lugar, ao decidir da justeza e da oportunidade de um despedimento disciplinar promovido pelo empregador tem-se em conta, não apenas factores individuais – como o grau de culpa, em concreto, daquele trabalhador ou o seu processo disciplinar – mas também as consequências do comportamento do trabalhador na organização em que normalmente está inserido, a perturbação da “paz da empresa”, e inclusive, até certo ponto, considerações de igualdade ou proporcionalidade de tratamento.
Daí que, para nós, seja defensável que, nesta situação, o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica do despedimento».
Também João Leal Amado [“Salários em Atraso – Rescisão e Suspensão do Contrato, Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02 de Maio de 1991, RMP, n.º 51, 1992, 161], salienta que a concepção bilateral e recíproca de justa causa foi completamente aniquilada pela CRP, a qual, acentuando a estabilidade do emprego no que toca ao despedimento e a liberdade de trabalho no que toca a à rescisão, tornou nítido que os valores em presença diferem profundamente, consoante o contrato cesse por iniciativa de uma ou de outra das partes.
Ou seja, e concluindo: ínsita na justa causa da rescisão por iniciativa do trabalhador está também uma ideia de inexigibilidade de continuação da relação, todavia, tal inexigibilidade não se deve aferir exactamente pelos mesmos critérios e com o mesmo rigor da inexigibilidade presente na justa causa para despedimento [vide AC TRP de 20.04.2009 e do STJ de 25.03.2009, ambos in www.dgsi.pt].”
Por outro lado, quanto ao disposto no art. 394º, nº 5, concordamos igualmente com as considerações tecidas na douta sentença, as quais deixámos transcritos no ponto 2.1. e que, por economia, aqui damos por reproduzidas, apenas se entendendo ser de acrescentar o seguinte:
Atenta a unidade e harmonia do sistema jurídico, o disposto no citado art. 394º, nº 5, não poderá deixar de ser considerado como estabelecendo uma presunção inilidível de culpa quando o incumprimento do pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias.
Com efeito, no âmbito da responsabilidade contratual, não poderia deixar de ser também aplicável ao contrato de trabalho e ao dever de pagamento da retribuição, até por maioria de razão, a presunção de culpa, esta ilídivel, constante do art. 799º, nº 1, do Cód Civil que dispõe que “1 – Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”. Ora, não faria qualquer sentido, constituindo aliás um absurdo jurídico, que, no âmbito do cumprimento da obrigação retributiva, o Cód. do Trabalho fosse, ou quisesse ser, com o regime estatuído no art. 394º, nº 5, mais exigente do que o regime estabelecido no citado preceito do Cód. Civil, afastando a aplicabilidade do seu art. 799º, nº 1. A única interpretação razoável e harmoniosa da conjugação dos dois preceitos é a de que a presunção, ilídivel, constante do art. 799º, nº 1, do Cód. Civil se aplicará ao caso de atraso no pagamento da retribuição inferior a 60 dias. Por sua vez a ficção legal ou presunção, esta inilidível, constante do art. 394º, nº 5, do CT aplicar-se-á aos casos de atraso, que se prolongue por 60 dias ou mais, no pagamento da retribuição.
Por outro lado e tendo em conta o elemento histórico, também nesse sentido aponta o regime legal pretérito, seja o constante da primitiva Lei 17/86, de 14.06, seja o do CT/2003 (art. 364º, nº 2) e seu diploma regulamentar (art. 308º da Lei 35/2004, de 29.07), diplomas esses nos termos dos quais, verificado que fosse esse atraso de 60 dias no pagamento da retribuição, poderia o trabalhador resolver, independentemente de culpa do empregador (como aliás era jurisprudência pacífica), o contrato de trabalho, com direito ao pagamento da indemnização.
O Código do Trabalho de 2009, embora adoptando diferente sistematização e redacção, fazendo referência à culpa, não vem, contudo e a nosso ver, consagrar diferente solução, mas, apenas e tão-só, estabelecer uma ficção legal de culpa patronal na falta de pagamento da retribuição, assim consagrando, tal como defendido por João Leal Amado, in ob. citada, uma presunção iure de iure, inilidível por prova em contrário, e não uma mera presunção juris tantum.
A única diferença que, a nosso ver, emerge das alterações preconizadas no CT/2009 assenta na abolição da dicotomia que, designadamente a jurisprudência, vinha fazendo relativamente à resolução do contrato de trabalho com fundamento no art. 35º do então DL 64-A/89, de 27.02 versus art. 3º da Lei 17/86, de 14.06 e, posteriormente, ao abrigo do art. 441º do CT72003 versus art. 308º da Lei 35/2004, de 29.06.
Com efeito, com o CT /2009, quer o atraso no cumprimento do pagamento da retribuição seja inferior ou superior a 60 dias, a resolução do contrato é sempre feita (e apenas) ao abrigo do direito consagrado no seu art. 394º, com a única diferença de que, na primeira situação, o atraso se presume, nos termos do art. 799º do Cód. Civil, culposo, presunção essa ilídível e, no segundo caso, a lei, por via do nº 5 desse art. 394º, ficciona esse incumprimento como culposo, presunção esta inilidível.
Por fim, resta referir que ao trabalhador incumbirá o ónus de alegação e prova do não pagamento pontual da retribuição e que essa conduta do empregador torna imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral; ao empregador, relativamente ao atraso no pagamento da retribuição inferior a 60 dias, caberá, nos termos do nº 2 do citado artº 342º, o ónus de alegação e prova de que a falta de pagamento da retribuição não proveio de culpa sua, atenta a presunção de culpa constante do artº 799º, nº 1, do Cód. Civil; relativamente ao atraso de 60 dias (ou superior), presume a lei (art. 394º, nº 5, do CT/2009), de forma inilidível, que é ele culposo.
2.1.. No caso em apreço, aquando da data da resolução do contrato de trabalho, encontravam-se por pagar, há mais de 60 dias, as retribuições referentes aos subsídios de Natal de 2007 e 2008, ao subsídio de férias de 2008 e a parte do salário do mês de Agosto de 2009 (€450,00), atraso esse que, nos termos do citado art. 394º, nº 5, do CT/2009, se considera culposo. E, a essa data, encontrava-se também em dívida, embora há menos de 60 dias, as retribuições relativas a Setembro e Outubro de 2009, atraso esse que, nos termos do art. 799º, nº 1, do Cód. Civil, se presume culposo.
De referir que, de acordo com a comunicação da resolução do contrato de trabalho dirigida pelo A. à Ré, a justa causa invocada consubstanciou-se no não pagamento de todas essas retribuições.
E se, relativamente às que estavam em dívida há mais de 60 dias, o incumprimento é considerado culposo, nem cabendo à Ré, sequer, a possibilidade de fazer prova do contrário, quanto às que estavam em dívida há menos de 60 dias, mormente quanto à de Setembro de 2009, não fez a Ré prova de que esse atraso não proveio de culpa sua, sendo que tal não decorre dos nºs 7, 8, 9, 10 e 11. No que se reporta à culpa, da matéria de facto provada resulta, apenas, que a Ré transmitia aos trabalhadores, incluindo ao A., que os atrasos eram devidos a dificuldades financeiras, mas não que fossem, efectivamente, determinados por essas invocadas dificuldades.
E, assim sendo, o comportamento da Ré deverá o ser enquadrado, como foi, no disposto no art. 394º, nº 2, al. a), do CT/2009 e não no nº 3, al. c), desse preceito, assim improcedendo as conclusões do recurso, nesta parte.
3. Por fim, resta referir que se nos afigura que o atraso no pagamento das citadas retribuições – três subsídios (de Natal de 2007 e 2008 e subsídio de férias de 2008) e as retribuições referentes a Agosto e Setembro de 2009 – assume gravidade suficiente a determinar a impossibilidade/inexigibilidade da manutenção da relação laboral, consubstanciando, por consequência, justa causa para a imediata resolução do contrato de trabalho.
A retribuição constitui a contrapartida do trabalho prestado pelo trabalhador, representando o principal e fundamental direito decorrente do contrato de trabalho e, senão o único, pelo menos o seu, por excelência, meio de subsistência, sendo em função dela que o trabalhador organiza a sua vida pessoal e familiar, faz face às suas despesas, honra os seus compromissos. É, pois, inquestionável que a mora ou o incumprimento dessa obrigação assume particular relevância e especial gravidade.
No caso, e muito embora não decorra da matéria de facto provada a repercussão da falta do pagamento da retribuição na vida pessoal do A., temos como certo que as prestações retributivas em falta (dois subsídios de natal e um subsídio de férias, parte substancial da retribuição de Agosto e retribuição de Setembro e Outubro, ainda que, relativamente a esta, o atraso verificado tivesse pequena duração, o que, porém, aliado às duas antecedentes, assume maior repercussão) são, em si, de tal modo graves que a manutenção da relação de trabalho representaria para o trabalhador sacrifício suficientemente injusto e penoso que não lhe é exigível. Aliás, a modesta retribuição do A. (de €658,00) não é no sentido de permitir concluir que dela, ao fim do mês, muito ou algo lhe restasse que lhe permitisse uma poupança susceptível de fazer face ao atraso no pagamento da sua retribuição por dois meses consecutivos.
E, afinal, sendo o contrato de trabalho um contrato sinalagmático, a retribuição é a contrapartida da obrigação a que o trabalhador se vincula por via do contrato de trabalho. Se este o cumpre, necessário é que o empregador lhe pague a retribuição, assim como grave, penoso e injusto seria que, não obstante esse incumprimento culposo e, consequentemente, injustificado, se exigisse ao trabalhador a manutenção do contrato de trabalho quando se lhe encontram em dívida todas as mencionadas retribuições (nelas se incluindo os subsídios de Natal e de férias).
4. Deste modo, entendemos que, nos termos do disposto no art. 394º, nº 2, al. a), do CT/2009, ocorre justa causa para resolução do contrato de trabalho por iniciativa do Autor, com direito ao pagamento da correspondente indemnização, assim improcedendo as conclusões do recurso.
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IV. Decisão:
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 21.02.2011
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
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SUMÁRIO
I. No âmbito de vigência do Código do Trabalho de 2009 (CT/2009), o direito à resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador com justa causa sustentada na falta de pagamento da retribuição, seja ela inferior ou superior a 60 dias, tem por fundamento legal, apenas, o art. 394º do mencionado diploma.
II. Sendo essa falta inferior a 60 dias, a mesmo presume-se culposa nos termos do art. 799º, nº 1, do Cód. Civil, presunção esta ilidível.
III. Prolongando-se tal falta por 60 dias ou mais, a mesmo considera-se, nos termos do art. 394º, nº 5, do CT/2009, culposa, consagrando o referido preceito uma presunção, inilidível, de culpa.
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho