PENHOR
ANULAÇÃO DE VENDA
AVALIAÇÃO
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Sumário

a) Também na execução do penhor por venda extraprocessual (art. 675º nº 1 do CC) se tem de promover a avaliação prévia da coisa empenhada, por um terceiro independente.
b) A não promoção dessa avaliação prévia constitui vício suscetível de conduzir à anulação da venda.
c) As sociedades comerciais não podem ser usadas como mero “veículo” para contornar uma proibição legal ou contratual a que está sujeito o seu sócio/acionista dominante.
d) Quando tal acontece, há que desconsiderar o princípio da separação entre a pessoa coletiva e o sócio, num fenómeno conhecido por desconsideração ou levantamento da personalidade coletiva

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - HISTÓRICO DO PROCESSO
1. B… e C… LDA.” intentaram ação contra D…, e mulher, E…, bem como contra F…, SA, peticionando que seja declarado e reconhecido:
a) Que Autor B… não emitiu qualquer tipo de Procuração ou mandato, conferindo poderes aos D… e E…, para vender extrajudicialmente a quota, dada em penhor, em caso de incumprimento das obrigações assumidas.
b) Que o Penhor constituído garantia outras obrigações, como o pagamento do preço e outras constantes do “Acordo Paralelo a Cessão de Quota” outorgado a 06 de Fevereiro de 2014.
c) Que a C… nunca consentiu nem reconheceu a transmissão/cessão da quota em litígio, através da venda, que os Réus Paulo e Mulher efetuaram à F….
d) Que tal venda é ineficaz perante a C…,
e) Que a venda da Quota constitui um Pacto Comissório e como tal é NULA.
f) Que a venda de Quota não passou de uma “adjudicação” por “interposta pessoa”, dado que a F…é por eles detida maioritariamente.
g) Que os RéusD… e E… mais não fizeram que uma “venda de quota / adjudicação” a si mesmos, pelo que é NULA; que, enquanto sócios maioritários da F…dela se serviram, para obter fins ilegítimos e contornar disposições legais imperativas, o que consubstancia uma Nulidade; que, com a venda quota, atuaram com ABUSO DE DIREITO e violaram a lei imperativa prevista no artigo 762.º nº 2 do C.Civil.
Subsidiariamente:
j) Que o ato de “Venda de Quota” permite o levantamento da personalidade jurídica da F…, SA, já que se destinou a contornar o disposto nos artigos 675º, 2 e 694º, ambos do Código Civil, o que constitui um verdadeiro atentado a terceiro.
k) Que todos os Réus atuaram com ABUSO DE DIREITO, com violação do princípio da boa-fé
II – Deve ser, em qualquer caso, ordenado o cancelamento do registo efetuado na Conservatória do Registo Comercial relativo à C…, TRANSMISSÃO DE QUOTA.
Alegaram os Autores que, tendo o Réu Paulo outorgado uma cessão e penhor de quota a favor ao Autor B…, este se comprometeu a regularizar uma dívida ao Instituto de Turismo de Portugal (ITP), decorrente de concessão de incentivos financeiros e, em garantia do bom cumprimento das suas obrigações, constituiu penhor a favor dos Réus ; a regularização da dívida permitiria a extinção de um penhor sobre a conta bancária do Réu D… e mulher; o Autor B… não emitiu qualquer procuração ou mandato aos Réus para venda da quota dada em penhor.
A C… encontrava-se em “colapso financeiro”, o que era do conhecimento do Réu D…; em 2014 instaurou processo especial de revitalização, mas não foi possível o plano de viabilização e a sociedade veio a ser declarada insolvente, com homologação judicial do plano de insolvência apresentado, do qual resultaria que a C… deixava de ter situação de incumprimento perante o ITP, permitindo o levantamento da garantia bancária e a extinção do penhor sobre a conta bancária dos Réus.
Decorrente das negociações e do estado financeiro da C…, os Réus criaram no Autor a convicção de que estes nunca executariam a garantia que aquele lhes prestou.
O Réu D… pretendeu executar a garantia de penhor, as partes negociaram e celebraram um “acordo paralelo à cessão da quota” mediante o qual, em caso de incumprimento, o Autor B… revenderia a quota ao Réu D… pelo mesmo preço e condições iniciais.
O Réu D… vendeu a quota àF…, sem nada participar aos Autores; o Réu D… era sócio fundador da F… e, após a sua transformação em sociedade anónima, o casal de Réus continuaram seus sócios maioritários.
Os Réus contestaram, impugnando parcialmente a factualidade alegada.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação procedente, declarou a nulidade da venda da quota feita pelos RR. D… e E…, declarando-se poderem os AA. requerer o cancelamento do registo efetuado na Conservatória do Registo Comercial relativo à sociedade C… da transmissão da quota.

2. Inconformados, apelam todos os Réus para este Tribunal da Relação.
CONCLUSÕES RECURSO DOS RÉUS D… e E…
«1) Por escritura publica celebrada no passado dia 6 de fevereiro de 2014, a fis. 103 a 106 verso dos autos, o Autor/Recorrido Vítor Hugo Silva e os ora Recorrentes E…e D… convencionaram que para garantia do cumprimento de uma obrigação - extinção de penhor de conta bancária - no valor de € 665.000,00 aquele constituía a favor destes penhor sobre uma quota correspondente a 50% do capital social da sociedade C…, Lda.,(cfr alíneas q), r), s) t) e u) dos factos provados - fis. 279 e 280 dos autos).
2) ficou ainda convencionado na mesma escritura que decorrido o prazo estipulado — 31/05/2014 - e incumprida a obrigação assumida os Credores Pignoratícios, aqui Recorrentes teriam direito de se pagar, ou de ser indemnizados pelo produto da venda da quota objeto do penhor, ainda que extra judicialmente, (art.° 675 do CC).
3) Decorridos tal prazo e embora instado diversas vezes para o efeito o Recorrido não cumpriu a obrigação assumida, (cfr. alínea oo) dos factos provados, fts.283),
4) Pelo que, em 10/02/2015, em conformidade com a previsão estipulada naquela escritura publica os Recorrentes E… e D… venderam extra judicialmente a quota onerada com o penhor à sociedade F…, S.A., nos termos e condições melhor enunciadas no contrato transcrito a fls.291 a 295 dos autos.
5) Entende, contudo, o Tribunal “a quo” que tal venda enferma de nulidade, sustentando o seguinte (fis. 309 dos autos):” Ora em face do exposto, embora lícita a convenção de venda extrajudicial, concluímos que tendo sido omitida qualquer avaliação, e considerando ainda que a sociedade adquirente é maioritariamente detida pelo R. D…, configurando-se assim uma situação de adjudicação ou de eventual pacto comissório, concluímos que de facto a venda da quota referida em iii é nula por força do disposto no art.° 286° do Código Civil. “(negrito sublinhado nosso).
6) Na parte da sentença dedicada à fundamentação jurídica o Tribunal “a quo” disserta sobre disposições legais e entendimentos doutrinários sem fazer qualquer enquadramento com a decisão sobre a matéria de facto, acabando por concluir pela nulidade da venda nos termos descritos no singelo parágrafo supra descrito.
7) Do teor do qual, algo enigmático, se extrai desde logo e com relevância que o Tribunal tem dúvidas sobre a aplicabilidade do regime jurídico do pacto comissório, por via do qual acaba por decidir pela nulidade.
8) Ou seja, a decisão de nulidade da venda em discussão nestes autos é baseada numa disposição legal - art.° 694° do Código Civil - que o próprio Tribunal “a quo”, na própria sentença, sustenta ser de aplicabilidade apenas eventual!
9) Decorre da certidão de gerência, junta aos autos pelos AA., aqui Recorridos, com a petição inicial, a qual, talvez por lapso dos serviços da secretaria, não consta do processo físico, a sociedade F…, S.A. reveste a natureza jurídica de sociedade anónima desde 04/12/2012, cujo capital social está dividido em 255 000 ações ao portador de valor nominal unitário de € 1,00.
10) Os órgãos sociais são compostos por um Conselho de Administração, cujo Presidente é José…, como vogal Carlos…; e como Fiscal Único a sociedade António…, Lda..
11) A Ré F…, S.A. uma sociedade anónima, e o seu capital social está dividido e disperso por ações (ao portador) como dispõe o art.° 271° do C.S.C., sendo irrelevante quem em concreto é a pessoa (singular ou coletiva) que é titular de ações, pois que, do contrato de sociedade (mesmo na sequencia de transformação de sociedade por quotas), atenta a sua natureza, apenas constará o valor nominal e o número de ações, o capital social e outros elementos constantes do art° 272°.
12) Alheio ao regime jurídico das sociedades comerciais, entende o Tribunal “a quo” que a venda efetuada pelos Recorrentes E… e D… à F…, S.A., cujo contrato se junta a fls. 112 a 114 verso dos autos, configura uma adjudicação.
13) O Código das Sociedade Comerciais veio estabelecer indubitavelmente que todos os tipos de sociedades comerciais regularmente constituídas têm personalidade jurídica.
14) O Art.° 5° do daquele diploma legal diz expressamente que “as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem com tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem” — o que significa que representam uma individualidade jurídica diferente da dos associados, que apenas têm obrigações e direitos definidos no art.° 20° e ss.
15) As sociedades mantêm a sua individualidade jurídica apesar da mutação dos sócios ou do património, é sujeita de direitos e obrigações perante terceiros e os próprios acionistas, que apenas são titulares de um direito complexo que se consubstancia na titularidade ou posse das ações. E estas ações não se mantêm, ou não têm que se manter, na posse do seu primitivo titular e detentor, podendo ser livremente transmitidas, no caso de ações ao portador, pela simples entrega, nos termos da lei ou do respectivo pacto, (art.° 326° n.° 1 e 327° do CSC),
16) Atualmente não parece suscitar dúvidas na doutrina ou nos Tribunais Superiores que a consequência fundamental do reconhecimento da personalidade jurídica às sociedades comerciais é a existência de um novo sujeito de direito e obrigações, distinto dos sócios e com património separado do património destes.
17) Para que o Tribunal “a quo” pudesse “contornar” as regras legais imperativas aplicáveis às sociedades comerciais, teria que, em sede de sentença, fazer o necessário trajeto probatório que lhe permitisse fundamentar um eventual levantamento da personalidade jurídica e colectiva da sociedade F…, S.A., invocando os respetivos institutos jurídicos e justificando o preenchimento dos requisitos necessários que lhe subjazem.
18) O Tribunal “a quo” não dispõe dessa prova e, por isso, não fez qualquer referência ao levantamento da personalidade coletiva daquela sociedade ou, como se alude na jurisprudência e doutrina, da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais, na verificação da qual poderia justificar a invocada adjudicação com base em hipotética simulação processual.
19) O Tribunal “a quo” não faz aqui o imprescindível trajeto silogístico que justifica a decisão, pelo contrário, chega à conclusão de que o negócio configura uma adjudicação, porque, como sustenta “ ... a sociedade adquirente é maioritariamente detida pelo R. D….
20) Tal decisão constitui, pois, um erro jurídico e de julgamento, agravado pela total ausência de prova sobre a eventual relação de domínio que poderia existir entre os Recorrentes E… e D… e a sociedade compradora, que no caso se toma irrelevante, mas que ainda assim nos debruçaremos de forma resumida.
21) Sobre a relação entre os Recorrentes Andreia e Paulo e a F…., retira-se do elenco dos factos provados apenas os identificados nas alíneas xxx), yyy), zzz), aaaa), bbbb), cccc), dddd), eeee), ffff), cujos elementos são retirados, sem exceção, da certidão permanente da sociedade IMOCONDARCO, S.A., que, como referimos, não se encontra no processo físico.
22) Tais factos, elencados sem rigor cronológico, referem-se ao período anterior à transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, ocorrida em Dezembro de 2012 e, portanto, mais de dois anos antes do negocio em discussão nestes autos (10/03/2015),
23) Estes são, contudo, os únicos elementos que se incluem na sentença recorrida sobre a relação entre os Recorrentes Andreia Cristiana e Paulo Pereira com a sociedade F…, S.A., nada mais!
24) Em parte alguma da sentença se faz referência a qualquer elemento de prova, documental ou testemunhal que justifique ou sustente a afirmação de que ambos os RR, ora Recorrentes fossem sequer acionistas da sociedade adquirente da quota da F….
25) Não é feita qualquer referência ao período posterior a 2012, nomeadamente, quanto à titularidade das respetivas ações bem como sobre a sua distribuição quantitativa e qualitativa pelos acionistas e/ou quem efetivamente eram ou quantos eram os seus acionistas, na data de 10 de fevereiro de 2015 quando se concretizou o negócio da venda da quota.
26) O alegado pelos AA., nos art.°s 162 e 163 da douta inicial (fls.20 verso dos autos) no sentido de que de que “..os aqui Co-Rés D… e E… são os sócios maioritários da Có Ré F…, LDA...” não mereceu resposta positiva — facto não provado, ao contrário da conclusão retirada a fis. 309 dos autos
27) Acresce que, impõe-se alertar que a decisão recorrida fez “tábua rasa” de que a Co-Ré e Recorrente E… foi também credora pignoratícia da quota onerada e foi subscritora do contrato de venda celebrado com a F…, juntamente com o aqui Recorrente D…, em igualdade de direitos e obrigações.
28) Embora seja certo que à data ambos eram casados nada consta dos autos sobre o respetivo regime de bens.
29) Rigorosamente nada resulta do texto da sentença ou de todos os elementos de prova carreados para os presentes autos, de que a Recorrente Andreia Cristiana à data da venda fosse, sequer, detentora de ações daquela sociedade compradora. Nada vem provado nos autos a este propósito.
30) Impõe-se realçar que, em contra prova ao alegado pelos AA., a R. F…, S.A., juntou aos autos comprovativos do pagamento parcial da quota, à data, no valor aproximado de € 88.000,00, por via de transferências bancárias, que os Recorrentes E… e D… vêm recebendo desde a data da celebração do contrato, bem como a cópia do contrato celebrado entre ambos com os termos e forma do pagamento da totalidade do preço da quota vendida — cfr. fis. 220 a 245; e 252 e 252 verso, dos autos.
31) Relativamente ao invocado pacto comissório, dispõe o art.° 694° do Código Civil, que: “É nula, mesmo que seja anterior ou posterior à constituição da hipoteca, a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir.”
32) Nesta matéria o erro do Tribunal “a quo” é duplo:
- Não resulta dos autos, nem nunca foi celebrado entre o Recorrido B… e os Recorrentes E… e/ou D…, qualquer pacto ou acordo prevendo, ainda que implicitamente, que estes — credores pignoratícios — pudessem ou quisessem fazer sua a coisa onerada no caso de incumprimento;
- Conforme se expôs supra, mas não é demais repetir, qualquer dos Recorridos não quis e/ou fez sua a quota onerada.
33) Não são estranhas ao conhecimento jurídico, as razões que subjazem a esta proibição sobre a qual se debruçam os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16/3/2011 e de 21/12/2005, in www.dgsi.pt, em que se mostram analisadas detalhadamente as razões que justificam o regime legal constante do referido art. 694° do Código Civil que supra, em resumo, se transcrevem.
34) Independentemente das singulares divergências doutrinárias e/ou jurisprudenciais que possam existir sobre as justificações do regime legal da proibição contida no art.° 694° do Código Civil, não se afigura existirem duvidas sobre a imprescindível necessidade da existência de um pacto, um acordo, uma convenção ou um contrato entre devedor-2arante e o credor, do teor do qual resultem clausulas que aquela norma pretende proibir cominando tal PACTO com a consequência da nulidade.
35) No caso em apreço, conforme decorre incontroverso dos autos, o único pacto ou contrato existente entre os Recorrentes D… e E…, na qualidade de credores pignoratícios, e o Recorrido B…, na qualidade de devedor do cumprimento da obrigação, é a Escritura de Cessão de Quota e Penhor de Quota, junta aos autos a fis. 46 a 49, e descrita no essencial nas alíneas q), r), s) e t) dos factos provados, fis. 279 e 280, que supra, por relevante, se transcrevem na parte que importa.
36) Convêm realçar que todas as cláusulas do contrato aqui em análise foram negociadas e incluídas no mesmo voluntária e livremente por todas as partes envolvidas, pelo que, não constituiu um contrato de adesão ou qualquer imposição ao outorgante-devedor B….
37) Pelo contrário, conforme decorre da alínea hhhh) dos factos provados, fls. 298 dos autos, foi o pai do Recorrido B… “...Adriano, então representante legal da C…, Lda., quem enviou ao R D… e advogados, um contrato final, no qual consta a clausula que diz “vencida a obrigação, os credores, primeiros outorgantes, podem pagar-se pela venda da quota mesmo extra-judicialmente “, o que foi aceite e formalizada na mencionada clausula — cuja cópia consta a fis. 96, 97, 98 e 99 dos autos.
38) Por outro lado, com relevância para a questão do pacto comissório, nada ficou provado, ou alegado sequer, que o descrito acordo visasse encobrir qualquer outro negócio proibido por lei (negócio fraudulento) ou pudesse prejudicar o devedor ou terceiros credores, criando situações de desigualdade.
39) Não resultou provado que o devedor B… estivesse, na data da celebração do contrato, em situação de debilidade ou necessidade, como não ficou demonstrado que existisse qualquer desproporção entre o valor dado de garantia (no caso quota no valor nominal de € 600.000,00) e o débito (no caso penhor de conta bancária no valor de € 665.000,00).
40) Talvez por isso, e tendo em consideração a matéria dada como provada e a não provada, o Tribunal “a quo” tenha sido claro e perentório ao considerar “. . . licita a convenção de venda extrajudicial...” da quota onerada com o penhor, conforme se expressa em sede de sentença, a fls.309 dos autos.
41) Decidindo pela legalidade e licitude do pacto, nenhuma razão ou fundamento existe para que o Tribunal “a quo”, a jusante, com base no art.° 694° do C.C., e fora contexto nele previsto, considere nula a venda extra judicial cuja previsão considerou lícita.
42)Ao aplicar a referida norma à venda extra judicial prevista em acordo que considerou licito, o Tribunal “a quo”, mais uma vez, comete um erro de enquadramento jurídico e de julgamento, que pelo presente se pretende ver corrigido.
43) Neste sentido, em situação factual distinta, mas sobre matéria jurídica próxima da discutida nestes autos, o referido aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-03-2011, in www.dgsi.pt, sustenta o seguinte: “... a radical e estrutural diversidade entre a constituição de direitos reais de garantia (ainda que a oneração do bem seja acompanhada de uma inadmissível estipulação do pacto comissório) e a alienação ou venda fiduciária em garantia, imediatamente geradora de um efeito transmissivo do direito de propriedade, obsta à directa subsunção desta segunda categoria normativa no âmbito do art. 694° do CC, cujo programa normativo se dirige — e confina - claramente ao plano das garantias reais das obrigações, vedando ao credor a autotutela que resultaria da faculdade de apropriação da «coisa onerada» no caso — e no momento - em que o devedor não cumprisse a obrigação garantida.
O que, deste modo, está verdadeiramente em causa é saber se se justificará a efectivação de uma verdadeira operação de «extensão teleológica» da proibição contida no citado art. 694°, de modo a nela incluir situações que, sendo embora, de um ponto de vista jurídico, estruturalmente diferenciadas da hipótese ali prevista, têm com ela alguma conexão funcional relevante: e a admissibilidade de realização de uma tal extensão teleológica da norma proibitiva dependerá naturalmente do balanceamento ou ponderação de todos os interesses envolvidos, tendo particularmente em conta os reflexos que a tese da nulidade da venda ou alienação fiduciária de imóveis — estabelecida com o fito essencial de protecção dos interesses do devedor/vendedor - poderá envolver no plano da tutela do princípio fundamental da confiança e da segurança do comércio
jurídico.
44) Acrescentando que: “... pelo menos nas situações de mais gravosa desproporção entre o valor da dívida indirectamente garantida e o «preço» por que os bens foram alienados «fiduciariamente» - não excluímos que a situação possa ser enquadrada normativamente no âmbito da disciplina dos negócios usurários, contemplada no art. 282°do CC—por essa via se obtendo a anulação da venda realizada porém e como é evidente, para poder beneficiar deste particular regime jurídico, será indispensável que o A. alegue factos que preencham a «fattispecie» ali prevista, não podendo limitar-se a invocar a natureza fiduciária da venda e a sustentar a aplicabilidade do regime de proibição do pacto comissório, fora do âmbito dos direitos reais de garantia.”
45) Com o devido respeito pelo entendimento do Tribunal “a quo” afigura-se ostensivo o errado enquadramento jurídico e aplicação em concreto das normas do art.°s 675° n.° 2 e 694° do Código Civil, que constitui um erro de julgamento que pelo presente se pretende ver corrigido pela revogação da sentença recorrida.
Termos em que se requer, respeitosamente, de Va.s Exca., se dignem, nos termos e pelos fundamentos expostos, por erro na aplicação das normas dos art.°s 675° n.° 2 e 694° do Código Civil, e erro de julgamento, dar provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar a sentença recorrida, assim se fazendo a necessária e mais premente, JUSTIÇA.»

CONCLUSÕES RECURSO DA RÉ F…
«1) O Tribunal “a quo” justifica a sua decisão apenas num parágrafo, que aqui se descreve:“ Ora em face do exposto, embora lícita a convenção de venda extrajudicial, concluímos que tendo sido omitida qualquer avaliação, e considerando ainda que a sociedade adquirente é maioritariamente detida pelo R. D…, configurando-se assim uma situação de adjudicação ou de eventual pacto comissório, concluímos que de facto a venda da quota referida em lll é nula por força do disposto no art.º 286º do Código Civil.” – fls. 309 autos.
2) Relativamente à questão do pacto comissório sustenta a decisão recorrida que a situação em análise configuraria “…eventual pacto comissório…”, pelo que, parece que o próprio Tribunal tem dúvidas sobre a aplicabilidade deste regime ao caso concreto.
3) Decorre do art.º 694º do Código Civil, que: “É nula, mesmo que seja anterior ou posterior à constituição da hipoteca, a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir.”
4) Resulta expresso do conteúdo da norma que para haver pacto comissório é necessário e indispensável ter sido celebrada uma convenção própria e com vista à finalidade legalmente consignada (de o credor fazer sua a coisa onerada).
5) No caso em apreço a única convenção ou pacto existente nos autos entre o Recorrido Vítor Hugo Silva (devedor) e os Réus D… e E… (credores) é a escritura publica que consta dos autos a fls. 103 e ss, e sobre a qual, como se expôs supra, o Tribunal se pronunciou considerando-a “licita”.
6) Á Apelante, não lhe suscita dúvidas sobre a inexistência de qualquer pacto comissório bem como, em consequência, a inaplicabilidade ao caso do respetivo regime jurídico do pacto comissório – art.º 694º Código Civil – previsto para as garantias especiais das obrigações e, portanto, um ostensivo erro de enquadramento jurídico e de julgamento.
7) No referido parágrafo da sentença recorrida, defende-se que a situação em discussão configura uma adjudicação porque “…a sociedade adquirente é maioritariamente detida pelo R. D……”
8) Não parece oferecer dúvidas de que o Tribunal “a quo” com o termo adjudicação quis significar que os Réus E… e D…, por via do contrato de fls.112 a 114 dos autos, quiseram fazer sua a quota onerada com o penhor a favor de ambos, por intermédio da ora Recorrente F…, S.A., alegadamente detida maioritariamente por aquele Paulo.
9) Porém, em todo o texto da sentença recorrida não se retira nenhum argumento de facto ou de direito que possa conduzir a tal conclusão.
10) Dos factos provados em lll), a fls. 291 a 295 dos autos, fica demonstrado que, no passado 10 de Fevereiro de 2015, a aqui Recorrente comprou aos Réus E… e D…, uma quota correspondente a 50% do capital social da sociedade C…, Lda., pelo valor de € 130.000,00, dos quais já pagou € 88.000,00, transferidos da sua conta bancária para a conta daqueles vendedores. (fls. 220 a 245 dos autos).
11) No âmbito da sua atividade empresarial e escopo societário a Recorrente, por intermédio do administrador em funções, José, celebrou o descrito negocio e adquiriu a aludida quota.
12) Decorre da certidão de gerência cuja cópia foi junta aos autos, que a Recorrente é uma sociedade comercial constituída inicialmente sob a forma de sociedade unipessoal por quotas, cujo sócio único foi o Réu D….
13) Em virtude de transformação ocorrida em Abril de 2012, tem desde essa data a natureza jurídica de sociedade anónima, cujo capital social está dividido em 255 000 ações, ao portador, cuja distribuição quantitativa e qualitativa só é do conhecimento da administração no momento da realização das assembleias gerais ou especiais de acionistas, quando e se os respetivos titulares nelas participarem ou se fizerem representar.
14) Preside ao Conselho de Administração da Recorrente o Dr. José, professor, residente no concelho de Matosinhos, nela exercendo os respetivos poderes de facto, designadamente subscrevendo os contratos em discussão nestes autos a fls. 123 a 128 e 252 e verso.
15) É sobejamente conhecido por este Tribunal Superior relativamente aos princípios subjacentes ao disposto no art.º 5º do Código das Sociedades Comerciais, dos quais se destacam a consideração das sociedades comerciais como pessoas jurídicas, cuja consequência fundamental é a existência de um sujeito de direitos e obrigações distinto dos seus sócios ou acionistas e com um património separado do património destes.
16) Sobre a matéria em causa, nos doutos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães (in www.dgsi.pt), de 09/10/2014 e 17/11/2011, pelo Mmº Juiz Desembargador-Relator Manuel Bargado, sustenta-se o seguinte:
“Como é sabido, o ordenamento jurídico acolhe, a par das pessoas singulares, as pessoas colectivas. Comporta, assim, no seu seio, novos entes dotados de personalidade jurídica. Desta personalidade emerge a titularidade de direitos e obrigações autónomos e, inerentemente, além do mais, a distinção entre as pessoas singulares que são, ao mesmo tempo, membros da pessoa colectiva e esta. Os direitos e as obrigações duns não se confundem com os direitos e obrigações dos outros.
Ao longo do tempo, veio a constatar-se a existência de inúmeras situações em que o conceder àquela linha demarcadora um valor absoluto não seriam de admitir.
Progressivamente, doutrina e jurisprudência anglo-americanas e alemãs, foram construindo a figura – que julgamos ainda em evolução – da desconsideração da personalidade jurídica das pessoas colectivas ou, porque, de longe, reportada a maior parte das vezes a sociedades comerciais, a figura da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais.
Já Castro Mendes escrevia que “não devemos antropomorfizar a pessoa colectiva a ponto de perdermos de vista que – ao contrário da pessoa singular, fim em si mesma – ela não é mais que um instrumento de realização de interesses humanos.
Inclusivamente, a personificação pode ser, ou passar a ser, instrumento de abuso; e deve neste caso ponderar quais os verdadeiros interesses humanos em causa. Esta atitude é o que os juristas anglo-saxónicos chamam romper o véu da pessoa colectiva”
Segundo Pedro Cordeiro, deve entender-se por desconsideração “o desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e os seus membros ou, dito de outro modo, desconsiderar significa derrogar o princípio da separação entre a pessoa colectiva e aqueles que por detrás dela actuam”.
Existe assim, na desconsideração, um atingimento da pessoa jurídica diferente da visada. Será directa, se se ultrapassar a sociedade para atingir os sócios e indirecta (ou invertida) se partindo-se dos sócios, se atingir a sociedade.
Não se trata de pôr em crise o instituto da personalidade colectiva, importante factor de cooperação e de progresso dentro do Direito: apenas de cercear formas abusivas de actuação que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema.
E é com este objectivo que surge o levantamento da personalidade jurídica como “instituto de enquadramento” que traduz uma delimitação negativa da personalidade colectiva por exigência do sistema.
É neste domínio do abuso da responsabilidade limitada que o instituto da desconsideração da personalidade adquire toda a sua dimensão.
Hoje, estão mais ou menos sistematizadas as condutas societárias reprováveis que, nessa vertente, podem conduzir à aplicação do referido instituto.
De entre elas, avultam: a confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas da sociedade e dos sócios; a subcapitalização, originária ou superveniente, da sociedade, por insuficiência de recursos patrimoniais necessários para concretizar o objecto social e prosseguir a sua actividade; as relações de domínio grupal.
Também na vertente do abuso da personalidade se podem perfilar algumas situações em que a sociedade comercial é utilizada pelo(s) sócio(s) para contornar uma obrigação legal ou contratual que ele, individualmente assumiu, ou para encobrir um negócio contrário à lei, funcionando como interposta pessoa. Nessas hipóteses, desde que seja patente um comportamento abusivo e fraudulento por parte de determinado sócio, em prejuízo de terceiros, supera-se a capa da sociedade e passa a ver-se esse sócio, que responderá individualmente perante o lesado, após ser chamado a juízo.
Na desconsideração da personalidade jurídica é ainda necessário determinar se existe e com que potencialidade uma actuação em fraude à lei.
Esta verificar-se-á aquando da existência de um efeito prejudicial a terceiros.
17) A questão está assim em saber se, no caso em análise, se poderá concluir que a Recorrente, F… S.A., se disponibilizou para ser utilizada pelos Réus E… e F…, se estes estavam em situação de a poder utilizar e se, efetivamente, a utilizaram como instrumento da vontade e no exclusivo interesse pessoal de ambos.
18) Ao contrário do entendimento do Tribunal “a quo”, a resposta a esta questão só pode ser negativa, tendo em consideração, para além do exposto, o seguinte:
1 – Não resulta dos factos provados que, à data da venda da quota, 10/02/2015, o Réu D… fosse acionista maioritário da sociedade F…, S.A.;
2 – Não resulta dos factos provados que a Ré E…tivesse, alguma vez, sido sequer acionista da sociedade F…, S.A.;
Curiosamente, a sentença recorrida é completamente omissa em relação ao seu comportamento ou posição negocial.
Impõe-se realçar que a Ré Andreia era, em igualdade de direitos, credora pignoratícia do cumprimento da obrigação subjacente à oneração da quota, e, por isso, foi também subscritora do contrato de venda da quota e acordo de pagamento à aqui Recorrente (fls. 123 a 128 e 252 e verso).
3 – Não resulta dos factos provados que qualquer dos Réus E… ou D…, tivessem, alguma vez, desempenhado qualquer cargo de gestão, administração ou outro na sociedade Recorrente F…, S.A.,
4 – Não resulta dos factos provados que a Recorrente fosse ou seja dominada pelos Réus E… ou D…, ou que estes alguma vez tivessem sobre ela posição relevante ou de influência na prática de atos de gestão; nomeadamente na compra ou venda de património;
5 – Não resulta provado qualquer facto que constituísse ou indiciasse promiscuidade ou confusão entre o património do Réu D… ,o património da Ré E… e o património da sociedade compradora, aqui Recorrente, F…, S.A.,
6 – Também não resulta provado qualquer facto que demonstre que a compra concretizada pela Recorrente no passado dia 10/02/2015 fosse prejudicial a terceiros ou praticada em abuso de direito.
19) No mesmo sentido, os Autores não lograram provar o seguinte por eles alegado:
- “ …cremos que no caso sub judice a Co-Ré “F…, S.A” atuou em termos contrários aos princípios da boa fé, servindo como “testa de ferro”, para que os Co-Réus D… e E… adquirirem o direito à quota…” (art.º226 da pi, fls. 28 autos)
- “Os Co-Réus D… e E…, enquanto sócios maioritários da Có-Ré “F…, S.A.”, serviram-se dela para obter fins ilegítimos e contornar disposições legais” ( art.º227º da pi, fls.28 autos) ,
- “Por outro lado, pressupondo legitimamente que a Co-Ré “F…S.A., não pagou qualquer preço pela aquisição da quota em litígio, este estratagema montado entre todos os aqui Co – Réus serviu para, os Co-Réus D… e Mulher ficarem com o direito dado em penhor, para si mesmos, sem pagarem qualquer contrapartida…”. (art.º 228º da pi, fls. 28 e verso dos autos)
20) Aliás, sobre esta questão do pagamento do preço da quota, relevante para a ora Recorrente que, não obstante o sentido da sentença recorrida, continua a cumprir com os pagamentos prestacionais combinados, impõe-se referir que a sua demonstração na fase dos articulados não se exigia apenas e só porque os Autores alegavam a sua inexistência.
21) Contudo, em sede de julgamento, após requerimento dos Autores deferido pelo Mm.º Juiz “a quo”, a Recorrente apresentou aos autos um contrato com os termos do pagamento da quota (fls. 252 e verso) e respetivos comprovativos documentais do pagamento parcial, à data no valor de € 88.000,00, emitidos pelo Banco Montepio Geral, S.A., a fls. 221 a 245 dos autos, cuja autenticidade os Autores não lograram contrariar, (art. 444º e n.º 1 do art. 445º).
22) Portanto, embora seja verdade que, no caso concreto, a sentença recorrida não convoca o instituto da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais para justificar a invocada adjudicação, como se compreende pelo descrito supra,
23) O certo é que, concluir pela adjudicação sem o levantamento da personalidade coletiva da ora Recorrente, ou qualquer outra justificação de facto e competente enquadramento jurídico, constitui um flagrante erro de julgamento que por esta Apelação se impõe corrigir.
Pelos fundamentos expostos, quer por erro de julgamento quer por errada aplicação das normas dos art.ºs 675º n.º 2 e 694º do Código Civil, se requer respeitosamente de Vª Excª se digne dar provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar a sentença recorrida,
Assim se fazendo a necessária J U S T I Ç A.»

3. Os Autores contra-alegaram e suscitaram a AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO interpostos pelos Réus D… e E…, nos seguintes termos:
«- Deverá o douto Tribunal “a quo” proceder à rectificação da douta sentença recorrida, nos termos expostos supra, no que concerne ao facto provado sob a alínea ffff), em cumprimento do estipulado no artigo 613º nº 2 e 614.º nº 1 e 2 do NCPCivil;
- Deverá ainda, esta douta instância de Recurso ampliar o âmbito do recurso, nos termos e para os efeitos expostos supra, em cumprimento do disposto no artigo 636.º nº 2, ambos do NCPCivil;
- Em consequência, deverá esta douta instância de Recurso ampliar oficiosamente a matéria de facto dada como provada, nos termos e para os efeitos expostos supra, em cumprimento do disposto no artigo 662º nº 1 e 2, alínea c) do NCPCivil;»

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
4. OS FACTOS
Foram os seguintes os factos considerados provados em 1ª instância:
a) A Co - Autora “C…, Lda ” é uma sociedade comercial por quotas, com sede em Guimarães, cujo objecto social consiste na exploração de empreendimentos turísticos, designadamente, hotel com restaurante; exploração de estabelecimento de restauração e bebidas, designadamente, hotel com restaurante, snack - bar, eventos e room - service; exploração de salão de cabeleireiro e instituto de beleza; comércio a retalho de produtos desportivos tais como, vestuário, calçado e equipamento desportivo; comércio a retalho de outros produtos relacionados com as restantes actividades constantes do objecto; construção, exploração e gestão de instalações desportivas, designadamente campos de ténis, padel, piscinas e campos de futebol; exploração de centros de estágio, de aldeamento turístico e desportivo; organização de eventos nomeadamente desportivos tais como torneios e competições e ainda festas, conferências, colóquios; exploração de ginásio; aluguer de espaços para publicidade.
b) Constituiu-se no dia xx de xxx de 2005 e tem um capital social de 1.200.000,0€ (um milhão e duzentos mil euros).
c) Tal corresponde à soma de duas quotas no valor nominal de 600.000,00 € (seiscentos mil euros) pertencentes, uma de cada um dos sócios.
d) A gerência e representação da Sociedade Co – Autora “C…”, competem ao sócio fundador Adriano.
e) Aquando da sua constituição (em 2005), a aqui 2ª Co-Autora teve como sócios gerentes, Adriano e mulher Maria do Carmo.
f) Posteriormente, em 2008-12-22, Maria do Carmo, até então sócia da aqui 2ª Co – Autora, transmitiu a sua quota, no valor de 135.000,00€ ao 1º Co – Réu D… conforme cópia da escritura de cessão de quota, aumento de capital e alteração do pacto social.
g) Tal transmissão foi devidamente registada, tal como consta da menção Dep. 5886/2008, da certidão de registo comercial.
h) Com a entrada do aqui Co - Réu D… para a Sociedade aqui Co – Autora, verificou-se em 2008-12-22 um aumento de capital no valor de €300.000,00 (trezentos mil euros).
i) Passando a partir de então, cada um dos, à data, sócios gerentes, ADRIANO e Co - Réu D… a deter uma quota no valor de 350.000,00€ (trezentos e cinquenta mil euros), conforme Insc.4 Ap. 5/20081222.
j) Em 2010-08-12, a Co- Autora “C…, Lda” sofreu novo aumento de capital, tendo em consequência, cada um dos, à data, sócios gerentes, ADRIANO e Co - Réu D… passando a deter uma quota no valor de 600.000,00€ (seiscentos mil euros), cada um.
k) Tal facto foi devidamente levado a registo, Insc. 5 Ap. 7/20100824.
l) No dia 6 de Fevereiro de 2014, no Cartório Notarial, sito…, no concelho de Guimarães, perante o respetivo notário, os Co - Réus D… e E… ali devidamente representados pelo seu legal Procurador, o Sr. Dr. xxx, declararam ceder a quota que o Co – Réu marido detinha na sociedade “C…, Lda”, no valor de €600.00,000 (seiscentos mil euros), ao aqui Co - Autor B…, conforme cópia da escritura de cessão de quota e penhor de quota.
m) A cessão foi feita pelo preço de seiscentos mil euros, a pagar em 24 prestações trimestrais, no valor de vinte cinco mil euros, cada uma, prevendo-se o início do pagamento da primeira prestação no dia dez de Janeiro de 2015 e a última, ou seja, a vigésima quarta, no dia dez de Outubro de 2020.
n) Na referida escritura de “Cessão de quota e Penhor de quota”, o Co - Réu D… enunciou às funções de gerente na Sociedade aqui Co – Autora “C…, Lda”.
o) A cessação de funções de gerente do Co - Réu D… foi devidamente registada na conservatória do registo comercial, tal como consta da Av. 1, da AP.7/20140210 da certidão de registo comercial.
p) A transmissão da quota realizada pelo Cedente e Co - Réu D… a favor do Cessionário aqui Co - Autor B… foi devidamente registada, tal como consta da Menção Dep. 36/2014-02-10.
q) Na escritura de “Cessão de quota e Penhor de quota”, outorgada a 06 de Fevereiro de 2014, no Cartório Notarial, sito na Avenida de Londres em Guimarães, o Co - Autor B… declarou que “… na qualidade de sócio e titular de uma quota do valor nominal de seiscentos mil euros, representativa de cinquenta por cento do capital da identificada sociedade, se compromete a regularizar divida existente no INSTITUTO DO TURISMO DE PORTUGAL, IP, até final do mês de Maio de dois mil e catorze, divida essa decorrente da celebração do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, a fim de permitir o levantamento ou extinção do penhor sobre conta bancária de que o cedente D… e mulher são titulares junto do BANCO ESPIRITO SANTO, S.A., no montante de SEISCENTOS E SESSENTA E CINCO MIL EUROS, penhor esse que garante o cumprimento do clausulado e obrigações financeiras assumidas pela sociedade “C… – ACTIVIDADES DESPORTIVAS LDA” no contrato de Concessão de Incentivos Financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à inovação celebrado com aquela entidade estatal”.
r) Mais declarou na escritura, que “… em garantia do bom e pontual pagamento das obrigações assumidas e acima identificadas, no referido montante de SEISCENTOS E SESSENTA E CINCO MIL EUROS, o segundo outorgante B… constitui a favor de D… e mulher E…, PENHOR sobre a identificada quota no valor nominal de SEISCENTOS MIL EUROS que possui na identificada sociedade “C…, LDA”.
s) A regularização da referida dívida perante o Instituto do Turismo de Portugal, IP, tal permitiria o levantamento ou extinção do penhor sobre conta bancária de que o ali cedente/ aqui Co - Réu D…e a sua mulher E… eram titulares no Banco Espírito Santo, S.A.
t) E declarou o SEGUNDO OUTORGANTE, aqui Co – Autor B… que “… vencida e não cumprida a obrigação acima referida, os representados do primeiro outorgante Paulo Manuel Sousa Pereira e mulher terão o direito de se pagar, ou de ser indemnizados pelo produto da venda da quota objeto do presente penhor, ainda que extrajudicialmente.”
u) O penhor foi devidamente registado, conforme menção dep. 38/2014-02-12- Retificação do dep. 37/2014-02-10, que consta da certidão de registo comercial.
v) O Co – Autor B… não emitiu ou declarou emitir, qualquer tipo de Procuração, irrevogável ou não, ou qualquer mandato de outra natureza, a conferir poderes aos Co – Réus D… e E…, para vender extrajudicialmente a quota, dada em penhor, em caso de incumprimento das obrigações assumidas.
w) A partir do contrato de cessão de quota o Co - Autor B…passou a ser sócio da Sociedade “C…, LDA”.
x) A partir de 6 de Fevereiro de 2014 os únicos sócios da sociedade aqui 2ª Co – Autora passaram a ser ADRIANO (que já o era) e o Co - Autor B….
y) Resulta do contrato de alteração parcial do pacto social celebrado em 14 de Fevereiro de 2014 (vide o seu artigo 4º, nº 1 e 2) que ficou nomeado GERENTE o sócio ADRIANO.
z) Era do conhecimento pessoal do sócio cedente, aqui Co – Réu, D…, que à data da cessão da sua quota sociedade “C…, LDA”, encontrava-se em colapso económico-financeiro, sem qualquer liquidez e em pleno incumprimento para com os seus credores.
aa) Daí que a 30 de Abril de 2014 a Autora “C…, LDA”, deu entrada no Tribunal da Ex - Comarca de Guimarães – Proc. Nº 1157/14.9TBGMR de um P.E.R. (Processo especial de Revitalização).
bb) Por douta sentença proferida a flls … dos Autos de Insolvência Nº xxx/14, que correram os seus termos pelo Tribunal da Comarca de Braga – Guimarães – Inst. Central – 1ª Secção de Comércio – J1 foi, para além do mais: - Declarada a insolvência da devedora C…, Lda;
- Tendo a administração da devedora sido confiada à própria;
- Fixado o prazo de 30 dias para a reclamação dos créditos (reclamação de créditos não reclamados no processo especial de revitalização apenso);
- Designado o dia 18 de Dezembro de 2014, pelas 14,00 horas para a realização da Assembleia de Credores destinada à apreciação do Relatório.
cc) A 18 de Dezembro de 2014 realizou-se a Assembleia de Credores, tendo esta aprovado o Relatório apresentado pelo Administrador de Insolvência e designado o dia 11 de Fevereiro de 2015, para a realização da Assembleia destinada à discussão e votação do Plano de Insolvência.
dd) Em tal Assembleia a proposta apresentada nos autos e submetida a deliberação, foi votada a favor por 96,54% dos presentes, tendo 3,46% votado contra, e, por consequência aprovada.
ee) Foi proferida douta sentença homologatória do Plano de Insolvência, a qual transitou em julgado em 04 de Maio de 2015.
ff) O crédito reclamado e reconhecido pelo Instituto do Turismo de Portugal foi de 2.676.794,06 €, pelo que passará a ser de 830.206,79 €.
gg) A garantia prestada pelo Banco Espirito Santo S.A, referida supra a favor do Turismo de Portugal corresponde ao equivalente a 25% do montante em divida.
hh) Em face do referido nos artigos anteriores a garantia prestada pelo Banco Espirito Santo, Sa, a favor do Turismo de Portugal, será reduzida em igual proporção.
ii) E consequentemente a contra – garantia prestada pelos Co – Réus D… e Mulher, a favor do Banco Espirito Santo, SA sofrerá igualmente igual redução, ou seja, passará de 665.000,00 € para 207.551,70 €.
jj) Com a aprovação e homologação do Plano por sentença já transitada em julgado, a Autora “C” deixa de ter situações de incumprimento perante o Instituto de Turismo de Portugal, IP.
kk) O que lhe permite requerer o cancelamento da Garantia Bancária prestada pelo Banco Espirito Santo Sa a favor do Instituto de Turismo de Portugal, IP e, consequentemente, permite o levantamento ou extinção do penhor sobre conta bancária de que os Co - Réus D... e mulher E… são titulares junto do BANCO ESPIRITO SANTO, S.A., no montante de SEISCENTOS E SESSENTA E CINCO MIL EUROS.
ll) Penhor que garante o cumprimento do clausulado e obrigações financeiras assumidas pela sociedade “C…LDA” no contrato de Concessão de Incentivos Financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à inovação celebrado com aquela entidade estatal”.
mm) Desta forma fica ou ficará alcançada a obrigação do Co – Autor B…, que consistiu em regularizar divida existente no INSTITUTO DO TURISMO DE PORTUGAL, IP, decorrente da celebração do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros.
nn) E que motivou que, também, em garantia do bom cumprimento de tal obrigação o Co – Autor B… constituísse a favor dos Co – Réus D… e mulher E…,, PENHOR sobre a identificada quota no valor nominal de SEISCENTOS MIL EUROS, que possui na identificada sociedade “C…LDA”.
oo) É certo que a satisfação de tal obrigação não foi alcançada, até final do mês de Maio de 2014.
pp) Foi com surpresa, que o Co – Autor B… recebeu uma carta registada com data de 07.10.2014, enviada pelo Co – Réu D…, que como assunto refere “Penhor de Quota”, com o seguinte conteúdo:
“Exmo. Senhor
Na sequência da celebração do contrato de cessão de quota e Penhor de Quota da sociedade C…, Lda, formalizado no passado dia 06 de Fevereiro de 2014, por escritura publica no Cartório Notarial de …, venho por meio desta, expor e solicitar de V. Exa., o seguinte:
Conforme decorre daquela escritura publica, a fls. 5, o destinatário da presente B…, e cessionário de 50% do capital daquela sociedade, com o conhecimento e concordância do consórcio Adriano (detentor dos restantes 50% do seu capital) comprometeu-se a regularizar a divida existente no Instituto do Turismo de Portugal IP, até ao final do mês de Maio de 2014, a fim de permitir o levantamento ou extinção do penhor sobre conta bancário de sou titular no BES, SA (agora Novo Banco), no montante de 665.000,00 €.
Acresce que, para garantia do pontual e integral cumprimento dessa obrigação, foi constituída a meu favor e da minha esposa E…, Penhor sobre a quota transmitida correspondente aos referidos 50% do capital social da sociedade.
Ficou ainda estipulado que vencida e não cumprida a obrigação mencionada assiste aos credores pignoratícios o direito de se pagarem pelo produto da venda da quota dada como garantia, ainda que extrajudicialmente, ou seja, sem necessidade do recurso a qualquer processo ou procedimento judicial.
Ora, decorridos mais de 4 meses sobre o vencimento da aludida obrigação, as informações que chegam ao nosso conhecimento, e que diligencio pela sua confirmação por escrito, são no sentido do total incumprimento da obrigação assumida.
Assim, antes de mais, solicito de Vª Excª, esclarecimentos sobre a veracidade dessas informações e se, no caso de as mesmas se confirmarem, está na disponibilidade de, em alternativa à aludida venda, transmitir voluntariamente a quota dada de garantia.
Acresce que, tendo conhecimento da existência de processo judicial tendente á recuperação da empresa (PER) cujos contornos e desenvolvimentos não se mostram nada favoráveis, podendo estar iminente um processo de insolvência, impõe-se que o presente assunto seja resolvido com carácter de urgência.
Pelo que, aguardarei pelo prazo máximo de 8 dias por uma resposta, ou pela confirmação documentada do cumprimento da obrigação assumida justificou a constituição da garantia, findo o qual tomarei as medidas necessárias à salvaguarda dos interesses dos credores pignoratício e da respetiva sociedade C…, Lda, designadamente, a referida venda da quota dada de penhor, logo que das entidades competentes tenha confirmação do incumprimento contratual.
Por ultimo, e com o devido respeito pelos destinatários da presente, exige-se que nenhuma medida vinculativa e importante relativamente à sociedade seja tomada, designadamente a sua apresentação à insolvência ou similar, antes de concluída e definida a estrutura societária da mesma.
Atenciosamente
(D…) “.
qq) Carta com igual conteúdo foi enviado pelo Co – Réu D… a Adriano e mulher Maria Do Carmo.
rr) Foi com redobrada surpresa, que com data de 23 de Outubro de 2014, que Adriano recebeu a carta, que lhe foi dirigida pelo Co – Réu D…, cujo conteúdo se transcreve:
“Exmo. Senhor:
Conforme lhe foi oportunamente informado e explicado por carta enviada no passado dia 10 de Outubro de 2014, vencida e não cumprida a obrigação de regularizar a divida existente no Instituto do Turismo de Portugal IP, até final do mês de Maio de 2014, a fim de permitir o levantamento ou extinção do penhor sobre conta bancária de que sou titular no BES, S.A. (agora Novo Banco), no montante de 665.000,00 €, assiste aos credores pignoratícios o direito de se pagarem pelo produto da venda da quota dada como garantia, ainda que extrajudicialmente, ou seja, sem necessidade do recurso a qualquer processo ou procedimento judicial.
Sendo assim, sirvo-me da presente para, em cumprimento das obrigações legais relacionadas com a atribuição do direito de preferência que lhe asiste quer individualmente como sócio da C…, quer na qualidade de gerente da mesma, lhe dar a conhecer que está em curso projeto da referida venda da quota nos termos que infra se descrevem:
1- Valor: € 130.000,00 € (cento trinta mil euros);
2- Data: Decorridos oito dias após a receção da presente missiva, em função da disponibilidade do Cartório Notarial;
3- Local. Cartório Notarial de xxx, sitoxxx, na cidade de Guimarães;
4- Adquirente: F…, S. A.
Aguardarei pelo prazo máximo de 8 dias, a contra da receção da presente, por resposta ou exercício da preferência, findo o qual assumirei como recusa do exercício do direito.
Atenciosamente.
(D…) ”.
Respondeu ADRIANO por carta registada com aviso de receção, com data de 30 de Outubro de 2014, às missivas que lhe foram enviadas pelo Co – Réu D…, datadas de 07 e 23 de Outubro de 2014, nos seguintes termos:
“Ilmo. senhor
Acuso a recepção da carta acima melhor identificada, à qual respondo, nos seguintes termos:
a) Nos termos das negociações ocorridas, quer no seu decurso quer no conjunto de direitos e obrigações consagradas na escritura que refere, bem como no Acordo Paralelo de Cessão de Quota, sempre manifestei toda a disponibilidade para dialogar e fazer “reverter” a situação ao seu estado inicial no que tange à constituição do capital e sua distribuição subjectiva, se por motivo alheio ao esforço e desempenho dedicado à concretização de uma solução que a ambos interessa, não fosse alcançado;
b) Esse objectivo, não obstante procurado, ainda não foi alcançado, mas continua a ser possível e por ele continua a lutar e a trabalhar e se o alcançar daí colherá benefícios … o meu tempo ainda não terminou.
c) O que já fiz, muito é do domínio público e embora de forma informal, tenho dado conhecimento e sempre estive disponível para responder ou esclarecer quaisquer questões, que julgasse pertinente saber para boa defesa dos seus interesses e garantias pessoais, que mantém perante os credores do “C…”;
d) Não me parece que as considerações / conclusões vertidas na v/ carta de 07 de Outubro de 2014 e o caminho que aponta na v/carta de 23 de Outubro de 2014, que dirigiu ao sócio gerente Adriano respeitem as negociações entre nós ocorridas;
e) Creio que temos que esclarecer as obrigações assumidas na escritura e as constantes do “acordo paralelo”, que versam sobre o mesmo objecto e que no que tange ao seu cumprimento, pela forma como está a agir, se mostram, quiçá, incompatíveis.
Do que vai dito manifesto em conclusão, a minha discordância quer no que tange à execução do penhor, quer no que tange ao projecto de venda da quota, sem prejuízo de, repito, dialogarmos de imediato, com vista ao cumprimento das obrigações que assumimos no decurso das negociações, as quais vão muito para além do que ficou consagrado dos documentos que outorgamos.
Darei indicação ao meu Advogado para de imediato marcar reunião com o seu Advogado, com a n/presença.
Creio que a final todos conseguirão o que pretendem e, repito, na minha parte o assumido será respeitado.
(Adriano)“.
ss) Carta com igual conteúdo foi enviado por B… ao Co – Réu D….
tt) No seguimento da correspondência trocada e acima identificada, o Co – Réu, acompanhado do seu Advogado, o Co – Autor B…, representado pelo seu Advogado e Adriano, reuniram a 05 de Novembro de 2014.
uu) Em tal reunião o Co – Autor, cedente, representado pelo seu Advogado e o sócio – gerente da B… tiveram a oportunidade de transmitir a situação em que se encontrava a sociedade, os procedimentos judiciais encetados com vista à viabilização da sociedade.
vv) Bem como informaram o Co – Réu D… e o seu Advogado, das razões do não cumprimento do prazo escriturado para a extinção da garantia bancária prestada pelo Ex - BES (agora Novo Banco) ao Instituto de Turismo de Portugal, IP e consequentemente, da extinção do penhor constituído por aquele Co – Réu a favor do Ex BES, agora Novo Banco.
ww) Não deixando de salientar o Co – Autor, através do seu Advogado, bem como o sócio – gerente da “C…” Adriano, que tal obrigação, assumida, não deixaria de ser cumprida.
xx) O referido “Acordo Paralelo” foi celebrado entre o aqui 1º Co – Autor e o sócio da sociedade aqui 2ª Co-Autora, Adriano e o aqui Co- Réu D…, constando que o 1º Co - Réu transmitiria a quota que este detinha na sociedade aqui 2ª Co-Autora ao aqui 1º Co-Autor, assumindo os ali Segundo e Terceiros outorgantes/ aqui 1º Co-autor e o sócio da sociedade aqui 2ª Co-Autora, Adriano, o cumprimento dos: - “planos de pagamento que existiam ou venham a existir perante a Administração fiscal e a Segurança Social, assumidos ou a assumir pela Sociedade “C”, pagando os respectivos impostos e contribuições em dívida até à presente data e referentes ao período de gerência do Cedente D…”; vide cláusula quarta do “Acordo Paralelo a Cessão De Quota”.
yy) Da cláusula quinta do referido “Acordo Paralelo … ” consta: - “o segundo e terceiro outorgantes obrigam-se a diligenciar junto das entidades bancárias a obter a desresponsabilização pessoal do Primeiro Outorgante, pelo pagamento de financiamentos, obtidos pela sociedade “C…”, principalmente junto da Caixa Geral de Depósitos, nomeadamente, por via de avais, fianças ou outras garantias semelhantes”.
zz) Consta da cláusula sexta do “Acordo Paralelo …” que:
- “fica desde já estipulado que o incumprimento das obrigações que decorrem do teor das cláusulas quarta e quinta, o segundo outorgante (cessionário) promete, pelo presente, ceder ao primeiro outorgante, pelo preço, regime e prazos descritos na escritura pública anexa ao presente contrato, nos termos e efeitos do estatuído no artigo 410 do C.C (contrato promessa) e artigo 830º do C.C (execução específica), a quota adquirida por via da referida escritura pública, correspondente a 50% do capital social da sociedade C…, independentemente do seu valor nominal”.
aaa) Da cláusula sétima consta: - “a cedência da quota aqui prometida a favor do primeiro Outorgante prevista na cláusula anterior deve ser concretizada nos 60 dias posteriores ao conhecimento do incumprimento, sem prejuízo de durante os primeiros 30 dias o Segundo e/ ou Terceiro Outorgante poderem regularizar a situação e desse fato darem conhecimento por escrito àquele, devidamente comprovado por documentos”.
bbb) Da cláusula quinta do referido “Acordo Paralelo …” consta o compromisso de que o aqui 1º Co - Autor B… e o sócio da sociedade aqui 2ª Co - Autora, ADRIANO estabeleceram em desresponsabilizar o aqui 1º Co – Réu D… perante as entidades bancárias, a qual se incluiu aqui, nomeadamente, o Banco Espírito Santo, S.A, (agora Novo Banco) o qual havia constituído um penhor sobre a conta bancária do aqui 1º Co - Réu D… e da sua esposa, aqui 2ª Co-Ré E….
ccc) E como resulta igualmente do referido “Acordo Paralelo”, na falta de cumprimento do compromisso assumido, o aqui Co - Autor B… prometeu revender a sua quota no valor de 600.000,00€ ao 1º Co – Réu D….
ddd) O 1º Co – Autor B…, recebeu a carta que lhe foi enviada pelo Co – Réu D…, datada de 11 de Março de 2015, com o seguinte conteúdo:
“Exmo. Senhor:
Por escritura pública celebrada no passado dia 6 de Fevereiro de 2014 foi-lhe transmitida uma quota social correspondente a 50% do capital social da sociedade comercial por quotas C…, Lda” pelo valor total de € 600.000,00 € (seiscentos mil euros).
Ficou estipulado naquele contrato que o pagamento do referido valor seria realizado em prestações trimestrais no valor de 25.000,00 €, vencendo-se a primeira no passado dia 10 de Janeiro de 2015.
Consta, ainda, desse contrato, como também decorre da lei, que a falta de pagamento de uma das prestações implica o vencimento das restantes.
Ora, até à presente data não foi efetuado o pagamento da primeira das referidas prestações, pelo que, se venceram as restantes.
Assim, solicita-se o pagamento do valor referente à cessão de quota supra referida, no montante total de € 600.000,00
Aguardarei pelo pagamento no prazo máximo de dez dias, findo o qual remeterei o assunto para contencioso e cobrança coerciva, sem qualquer outro aviso.
Atenciosamente.
(D…) “
eee) Com data de 11 de Março de 2015, ADRIANO recebeu uma carta registada c/ Aviso de Receção, com o seguinte teor:
“ Exm.º Senhor:
Na qualidade de legal representante da sociedade comercial F… S.A., melhor identificado supra, venho, por meio desta, expor e requerer de V. Exa., o seguinte:
No passado dia 10 de Fevereiro de 2015 a sociedade que represento adquiriu, por contrato de venda extrajudicial de quota, uma participação social correspondente a 50% da sociedade C…, Lda, da qual V. Excª é detentor dos restantes 50% - (cfr. Certidão de gerência). Pelo que, à data, são a sociedade que represento e Adriano são os titulares, em partes iguais, da totalidade do capital da referida sociedade C….
Temos conhecimento de que a referida sociedade foi declarada insolvente e se encontra sob o cumprimento de um plano de recuperação, com todas as legais implicações e consequências.
Contudo, entendemos ser profícuo para o desenvolvimento e normal funcionamento da sociedade que se realize uma reunião no sentido de discutir assuntos relacionados com a mesma como a prestação de informações referentes quer ao plano de recuperação quer à estratégia da sua gestão corrente e cumprimento daquele.
Ficando a aguardar a marcação da reunião solicitada, subscrevo-me com cumprimentos.
A Administração
(Assinatura ilegível) “
fff) Tal carta não veio acompanhada do alegado contrato de compra e venda extrajudicial, ocorrido a 10 de Fevereiro de 2015, nem de qualquer certidão comercial, demonstrativa, de que a quota, em causa, se encontrava registada a favor da dita “F…, SA”, bem como também não vinha junta qualquer certidão comercial desta “F… SA”, comprovando quem era (m) o (s) seu representante (s) legal (ais).
ggg) Não obstante, em resposta ADRIANO enviou carta, registada com aviso de receção, datada de 26 de Março de 2015 à “F…, SA”, com o seguinte conteúdo:
“ Ilmos. Senhores
Acuso a receção da v/carta em assunto recebida a 17 de Março de 2015.
Em resposta informo que estou disponível para reunir no próximo dia 02 de Abril de 2015, pelas 18,00 horas, no Hotel Guimarães desta cidade, onde os aguardarei, acompanhado do meu Advogado.
Sendo o que se me oferece, apresento os meus cumprimentos.
(Adriano)”.
hhh) Nessa reunião para além de Adriano e o seu Advogado, compareceu o representante legal da sociedade “F…, SA” de nome José e um Sr. Advogado, bem como não deixou de comparecer o Co – Réu D….
iii) Nessa reunião foi transmitido ao representante da “F…, SA”, mais concretamente, e em boa verdade, ao Co – Réu D…, que a sociedade “B…” o seu sócio-gerente Adriano, não aceitavam aquela sociedade “Imobiliária” como titular da quota a que se arrogava, tendo em conta a ilegalidade e nulidade do ato praticado e levado a registo.
jjj) Até aquela data de 17 de Março de 2015 (data da receção da carta datada de 11.03.2015) o Co – Réu D…, a “F…, SA” e o seu representante legal, omitiram por completo o ato a que se refere o contrato de 10 de Fevereiro de 2015.
kkk) E a 11 de Fevereiro de 2015 o representante legal da “F… S.A., José, até esteve presente na Assembleia de Credores da “B…” destinada à discussão e votação do Plano de Insolvência.
lll) Os AA. Vieram a obter documento de venda e no qual se pode ler: No dia 10 de Fevereiro de 2015, perante mim, xxx, Advogado, CP nº xxxx, com escritório na xxx, na cidade de Guimarães, compareceram os seguintes outorgantes:
D…, NF xxx e mulher E…, NF xxx, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, residentes na Rua xxx, freguesia de xxx, concelho de Guimarães e naturais, ele da freguesia de xxx e ela da freguesia de xxx, ambas do mesmo concelho.
JOSÉ , na qualidade de Presidente do Conselho de Administração e em representação da sociedade comercial anónima com a firma “F… S.A., com sede noxxx, fração xxx, entrada xxx, 2º xxx posterior com entrada pelo nº xxx, freguesia xxx, concelho de Guimarães, pessoa coletiva número xxx, matriculada sob este número na Conservatória do registo Comercial de Guimarães, com o capital social de duzentos e cinquenta e cinco mil euros.
DECLARARAM OS PRIMEIROS:
Que são credores pignoratícios da quota do valor nominal de SEISCENTOS MIL EUROS pertencente a B…, NF. xxx, solteiro, maior, residente na Rua xxx, freguesia de xxx, concelho de Guimarães, no capital da sociedade comercial por quotas com a firma “C…, LDA”, com sede na xxx, freguesia de xxx, concelho de Guimarães pessoa colectiva número xxx, matriculada sob este número na Conservatória do registo Comercial de Guimarães.
Que no contrato de cessão e penhor de quota, realizado em seis de Fevereiro de dois mil e catorze, o devedor B… compromete-se a regularizar a divida existente no INSTITUTO DO TURISMO DE PORTUGAL, IP, até final do mês de Maio de dois mil e catorze de forma a permitir o levantamento ou extinção do penhor sobre a conta bancária de que o cedente D… e MULHER são titulares junto do BANCO ESPIRITO SANTO, agora NOVO BANCO; S. A., no montante de SEISCENTOS E SESSENTA E CINCO MIL EUROS, penhor, esse que garante o cumprimento do clausulado e obrigações assumidas pela sociedade “B…, LDA” no contrato de Concessão de Incentivos Financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação celebrado com aquela entidade estatal.
Que ficou também clausulado que o bom e pontual pagamento das obrigações assumidas e ali identificadas ficou garantido pelo penhor da quota do valor nominal de SEISCENTOS MIL EUROS que aquele B… possui na identificada sociedade “B…, LDA”, tendo também ficado estipulado que o PENHOR abrangia os direitos decorrentes da quota que constitui o seu objecto, nomeadamente o aumento do seu valor por incorporação de reservas, ou subscrição de capital social, e o direito aos lucros que eventualmente venham a ser atribuídos e devidos e vigorará em todas as suas cláusulas e condições até cumprimento da obrigação.
Ficou ainda convencionado que vencida e não cumprida a obrigação acima referida, os Primeiros contraentes D… e mulher teriam o direito de se pagar ou de ser indemnizados pelo produto da venda da quota objecto do presente penhor, ainda que extrajudicialmente (1) (cfr. Artº 675º nº 1 do Código Civil).
(1) Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa, 06/03/2014, in www.dgsi.pt
Que assim e uma vez que se verifica o decurso do prazo estipulado e, portanto, o incumprimento definitivo da obrigação assumida pelo devedor B… de regularizar a divida existente no INSTITUTO DO TURISMO DE PORTUGAL, IP, até ao final do mês de Maio de dois mil e catorze, a fim de permitir o levantamento ou extinção do penhor sobre conta bancária supra referida, VENDEM extrajudicialmente (1) à sociedade “F…, S.A”, pelo preço de CENTO E TRINTA MIL EUROS a quota correspondente a 50%
do capital social da referida sociedade “F…, LDA”, no valor nominal de SEISCENTOS MIL EUROS, do devedor B….
DISSERAM AINDA OS PRIMEIROS OUTORGANTES
Que, por cartas registadas com aviso de recepção enviadas em 23/10/2014 comunicaram ao devedor Vítor Hugo Mendes Silva a intenção da venda da quota correspondente aos restantes 50% do capital social da sociedade “C…” do projecto de venda da quota para fins de exercício de direito de preferência, sem que tivessem recebido qualquer resposta ou proposta para o efeito.
ASSIM O DISSERAM E OUTORGARAM
Foram os outorgantes advertidos da obrigatoriedade de requerer o registo deste ato no Registo Comercial no prazo de dois meses a contar de hoje.
Foram exibidos os seguintes documentos:
a) Escritura publica de Cessão de Quota e Penhor de Quota outorgado no Cartório Notarial xxx
xxx, de 6 de Fevereiro de 2014.
b) Comprovativo da validade e vigência da garantia bancária (penhor de conta bancária) concedida pelos outorgantes D… emulher, emitida pelo Nova Banco, S. A., em 06 de Fevereiro de 2015.
c) Comprovativo da comunicação para o exercício do direito de preferência, datado de 23/10/2014.
Verifiquei todos os elementos de identificação dos outorgantes e qualidade em que outorgam por confronto com os documentos de identificação que conferi e os elementos referentes às sociedades “F…” e “B…” pelo conteúdo da certidão permanente do Registo Comercial consultada hoje pelo sítio wwwportaldaempresa.pt sob os nºs xxx e xxx, respetivamente.
Lido e explicado o seu conteúdo vai o presente escrito particular de venda de quota subscrito pelos outorgantes.
(Seguem-se as assinaturas dos outorgantes)
mmm) A venda da quota a favor da aqui Co - Ré “F…” foi registada em 2015-02-12, tal como consta da Menção Dep. 54/2015-02-12, da certidão de registo comercial da sociedade “C…”.
nnn) Segundo o teor do doct. nº 20 junto à presente petição, correspondente à missiva enviada pelo aqui 1º Co – Réu D… ao Adriano, datada de 23 de Outubro de 2014 e onde consta que havia um projecto de venda da quota, percute-se, com as seguintes condições:
“1- Valor: €130.000,00 (cento e trinta mil euros);
2- Data: Decorridos oito dias após receção da presente missiva, em função da disponibilidade do Cartório Notarial;
3- Local: Cartório Notarial de Dr. xxx, sito na Avenida xxx, na cidade de Guimarães;
5- Adquirente: F…, S.A”,.
ooo) A venda da quota aqui em litígio foi celebrada, sensivelmente, quase 4 (quatro) meses depois da data prevista e comunicada.
ppp) Em 2015-03-11, o Co - Réu D…, ao enviar uma carta registada com aviso de receção ao Co - Autor B… a interpelá-lo para o pagamento de 600.000,00€ referente ao valor da quota aqui em litígio, que supostamente este lhe ficou a dever por ter incumprido o pagamento da 1ª prestação no valor de 25.000,00, que deveria ter sido efectuado no dia 10 de Janeiro de 2015, o que implicou o vencimento das restantes.
qqq) Ou seja, nada ali referindo quanto à venda da quota que este tinha perfeita consciência de que havia realizado com a aqui 3ª Co- Ré “F…, S.A”, já no pretérito dia 10 de Fevereiro de 2015.
rrr) Nenhum dos Co- AUTORES ou o sócio da Sociedade aqui 2ª Co- Autora, Adriano, deram o seu consentimento para a referida execução do penhor.
sss) Não foi feita qualquer prévia avaliação da quota dada de penhor, quer por terceiro independente, quer pelo Tribunal.
ttt) O valor de 130.000,00 € (cento e trinta mil euros) atribuído à quota objeto de penhor, resulta de uma decisão unilateral e discricionária da autoria do (s) credor (es) pignoratício (s), ou seja, dos Co – Réus D… e Mulher.
uuu) Não foi permitido ao devedor, no caso, o Co – Réu B…, por qualquer meio ou forma participar na determinação do valor do bem (quota) dada de garantia / penhor.
vvv) A sociedade “C…” não foi “ouvida nem “achada” em tal venda, não tendo sido pedido o seu consentimento por escrito.
www) Por outro lado, a sociedade “C…, Lda” nunca consentiu, nem nunca reconheceu, por qualquer forma, a transmissão a favor da Co – Ré “F…, S.A.”.
xxx) Compulsada a certidão permanente do registo comercial da aqui Co-Ré Sociedade “F…, S.A” constata-se que se trata de uma sociedade imobiliária, criada em 2005, tendo inicialmente sido constituída como Sociedade por quotas.
yyy) O sócio fundador e à data o único, foi o aqui Co-Réu D….
zzz) Só em 2012, é que a Co - Ré “F…, S.A.” sofreu uma transformação societária com aumento de capital, passando a partir de então a ser uma Sociedade Anónima, tal como se comprova da Insc. 4. Ap.32/20121204.
aaaa) Aquando da transformação da aqui Co - Ré “F…”, em Sociedade Anónima e para que tal fosse possível, o Co - Réu D…, transmitiu à data uma pequena parte da sua quota a mais 4 pessoas, que infra se identificarão.
bbbb) Na data da transformação da sociedade Co - Ré em Sociedade Anónima, o Co – Réu D…, até então sócio único, detinha uma quota no valor de 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros).
cccc) Igualmente, à data da transformação da sociedade a Co - Ré “F…” em Sociedade Anónima, a Co – Ré E…, mulher do Co – Réu D…, integrou a sociedade Co - Ré, aumentando o seu capital social no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros).
dddd) A partir de então, a Sociedade, aqui Co - Ré F…, S. A.” passou a ter um capital social no valor de 255.000,00, tal como resulta da Insc.4. Ap.32/20121204 da certidão permanente da sociedade aqui Co - Ré “F…, S.A”.
eeee) O aqui Co – Réu D… transmitiu quotas no montante de 100,00€ (cem euros) cada, ao Carlo, Emília e José, tal como resulta da menção Dep.5488, 5489 e 5490 de 2012-12-04 xxx da certidão permanente da sociedade aqui Co - Ré “F”.
ffff) A partir daí, o Co - Réu D…, passou a deter uma quota no montante de 249.700,00€ (duzentos e quarenta e nove mil e setecentos euros), a aqui Co – Ré E… uma quota no valor de 5.000,00€ (cinco mil euros) e o Carlos, Emília e José, uma quota de 100,00 € cada um.
gggg) Desde a aquisição da quota em 2008 até à sua cedência concretizada no ano de 2013, os RR. Emprestaram à 2ª Ré B…., entre suprimentos e prestações suplementares € 3.113.162,21.
hhhh) Foi Adriano, então representante legal da B…, Lda., quem enviou ao R.D… e advogados, um contrato final, no qual consta a cláusula que diz “…vencida a obrigação, os credores, primeiros outorgantes, podem pagar-se pela venda da quota mesmo extra-judicialmente”, o que foi aceite e formalizada na mencionada clausula 7ª.
iiii) A garantia prestada em benefício da B…, Lda., por via do penhor de uma conta bancária detida pelos 1ª RR. no BES, no valor de € 665.000,00, visou a devolução dos incentivos financeiros concedidos pelo Instituto do Turismo de Portugal.»

5. O MÉRITO DOS RECURSOS
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 639º nº 1, 635º nº 3 e 4, art. 608º nº 2, ex vi do art. 663º nº 2, do Código de Processo Civil (de futuro, apenas CPC).
Quanto aos recursos dos Réus, a QUESTÃO A DECIDIR é a de saber se houve erro de julgamento na subsunção dos factos ao direito.
Quanto ao recurso subordinado, se deve ser alterada a matéria de facto e, a vingar ela, retirar as ilações de direito.

5.1. ERRO DE JULGAMENTO(1)
No domínio do direito das obrigações, uma garantia acarreta sempre um reforço suplementar de tutela do direito do credor, seja pela vinculação de um terceiro ao pagamento da dívida (garantia pessoal), seja pela afetação de um bem ou coisa do devedor ou de terceiro a esse pagamento, com preferência a outros credores (garantia real).
O penhor é uma garantia real, conferindo ao credor o direito à satisfação do seu crédito, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel ou direito: art. 666º nº 1 do Código Civil (CC).
Sobre a execução do penhor, refere o art. 675º do CC:
1 - Vencida a obrigação, adquire o credor o direito de se pagar pelo produto da venda executiva da coisa empenhada, podendo a venda ser feita extraprocessualmente, se as partes assim o tiverem convencionado.
2 - É lícito aos interessados convencionar que a coisa empenhada seja adjudicada ao credor pelo valor que o tribunal fixar.
Daqui resulta que, caso a obrigação não seja cumprida, a regra é a de o credor ter de lançar mão do processo de execução, onde a coisa/direito será vendida, entregando-se-lhe depois o respetivo produto.
A lei permite que a venda seja feita fora dum processo executivo, mas, para tanto, tem de haver convenção expressa entre o credor e o devedor nesse sentido.

No caso, o Autor B… constituiu penhor sobre a sua quota social na C…, como garantia de cumprimento da obrigação que assumiu de pagar uma dívida ao Instituto de Turismo de Portugal até final de Maio/2014.
Aquando da constituição do penhor, ficou acordado que os credores pignoratícios, o Réu D… e mulher, teriam “o direito de se pagar, ou de ser indemnizados pelo produto da venda da quota objeto do presente penhor, ainda que extrajudicialmente.”
Ficou, pois, acordada a possibilidade de venda extrajudicial da quota pelo que em princípio nada obstaria à venda efetuada pelos Réus à F… no dia 10/02/2015.

Porém, como advertem Pires de Lima e Antunes Varela (2), «o que não se permite é que o credor fique com a coisa empenhada, sem avaliação ou mediante avaliação por ele efectuada, mesmo que exista convenção nesse sentido (proibição do pacto comissório), artigos 678º e 694º.»
Normalmente, o valor da coisa empenhada não coincidirá com o montante do crédito, razão por que está proibido ao credor fazer sua a coisa.
O direito do credor respeita apenas ao produto do bem dado em penhor.
«I - É só no momento da execução do penhor, isto é, no momento da venda da coisa empenhada que se determina o seu valor, seja venda judicial promovida no processo executivo normal, seja venda extrajudicial ou venda antecipada, esta realizada no âmbito do processo especial regulado no art. 1013.º do CPC.
II - No caso de adjudicação, a venda é substituída pela avaliação realizada pelo tribunal, atendendo-se obviamente à data desta avaliação.
III - Não há lugar no nosso regime legal, à figura de créditos simultaneamente “privilegiados” e comuns, consoante o valor da coisa empenhada em cada momento da vida da garantia, não prevendo, por isso, a lei qualquer processo de avaliação intermédia desse valor.
IV - O que a lei determina (e é o que caracteriza o penhor) é que o credor tem direito de se pagar pelo produto da venda da coisa empenhada. Ora, produto da venda tem um significado bem preciso e não comporta a ideia de se limitar a preferência decorrente da garantia em função de uma qualquer avaliação do valor da coisa empenhada, realizada por iniciativa do devedor antes do vencimento da obrigação, ou em qualquer outra altura, mas por referência a momento anterior ao dito vencimento e, em qualquer caso, independentemente da venda do penhor.» (3)
No caso de insuficiência do produto da venda do bem empenhado para pagamento integral da dívida, permanece credor pela parte restante; na hipótese de se lograr com a venda um valor superior, será restituído ao devedor a parte em excesso.
Por isso, também, que o nº 2 do art. 675º do CC, imponha a intervenção do tribunal para se fixar o valor da coisa, nos casos em que as partes tenham acordado na adjudicação da coisa ao credor.
Daqui resulta que tenha de existir sempre uma avaliação do bem, a efetuar antes da venda e por outros sujeitos/entidades que não o credor pignoratício, o dito terceiro independente.
Seria inaceitável que o credor pudesse vender o bem, pelo preço que bem entendesse, de forma autónoma e independente, à revelia do devedor ou do tribunal, pois bem poderia dar-se o caso de o vender por um preço muito inferior, o que levaria a que o devedor continuasse obrigado pela parte não satisfeita com a venda.
«Impõe a boa fé que esta venda seja realizada com as cautelas necessárias e da forma comercialmente mais adequada para que se possa obter o preço mais elevado que as condições de mercado, nesse momento, permitam.
O facto de se ter acordado, o que é frequente, a venda extraprocessual não permite que o credor pignoratício não tenha que ter em conta os interesses do autor do penhor (e os seus, pois o preço obtido pode não ser o suficiente para extinguir a obrigação garantida), alienando o bem, a qualquer preço, ou de qualquer forma.»(4)

No caso presente, não se promoveu a avaliação da quota por um terceiro independente, o que, só por si, constitui vício suscetível de conduzir à anulação da venda.
Ao contrário, foi o credor pignoratício que fixou unilateralmente o preço da quota e, apesar de o Autor e a C… terem discordado do preço anunciado para a venda (cf. troca de cartas datadas de 23/10/2014 e 30/10/2014), a quota acabou por ser vendida pelos Réus D… e E…por 130 mil euros, menos de um terço do seu valor nominal (que era de 600 mil).
Para além disso, esqueceram os Réus que, nos termos do designado “acordo paralelo a cessão de quota”, celebrado aquando da escritura pública de venda da quota ao Autor B… e constituição do penhor, este se tinha comprometido a, em caso de incumprimento das suas obrigações a revender ao Réu D… a quota adquirida, pelo preço, regime e prazos descritos na escritura pública, com possibilidade de execução específica e independentemente do seu valor nominal (cláusula 6ª).
Ou seja, a cumprir-se a promessa almejar-se-ia preço idêntico ao valor nominal da quota.
Concluindo, a não promoção da avaliação prévia da quota empenhada, por um terceiro independente, constitui vício suscetível de conduzir à anulação da venda.

Para além da questão da falta de avaliação prévia da quota objeto do penhor, considerou-se na sentença que a situação configurava uma adjudicação ou eventual pacto comissório (art. 694º do CC).
Não há que recorrer à figura do pacto comissório, pela simples razão de que inexistiu pacto, nada foi estipulado ou clausulado entre as partes no sentido de o credor pignoratício poder fazer sua a quota em caso de incumprimento.
Se alguém atua de forma fraudulenta ou em abuso de direito para atingir o mesmo resultado (fazer sua a coisa empenhada), serão outras as figuras jurídicas a chamar à colação.

Também nada ficou estipulado no contrato de constituição do penhor, no sentido da adjudicação da quota empenhada ao credor (art. 675º nº 2 do CC).
As partes acordaram apenas a possibilidade de venda extraprocessual, o que é realidade distinta da adjudicação.
Suscita-se então a questão de saber se, usando a sociedade F… como “testa de ferro”, os Réus D… e E… teriam, afinal, procedido a uma adjudicação a si próprios da quota empenhada, em desrespeito do contratado.
Vejamos o que resulta dos factos provados.
A quota objeto do penhor foi vendida à F….
O Réu D… foi sócio fundador, e único, desta empresa, na altura sociedade por quotas unipessoal.
Em 2012, a sociedade foi transformada em sociedade anónima, passando então a Ré Andreia (sua mulher) a ter participação no capital social da empresa, bem como outras 2 pessoas, às quais o Réu D… havia transmitido quotas.
O capital social da F… encontra-se assim distribuído: o Réu D… detém o equivalente a uma quota no montante de 249.700,00 €; a Ré E…, uma quota de 5.000,00 €; Carlos, Emília e José, uma quota de 100,00 € cada um.
Atenta esta distribuição do capital social, manifestamente que os Réus são quem detém a maioria, sendo o Réu D… o acionista dominante (alter ego), e, por isso, controlando todas as suas ações/decisões com o seu voto.

Indiscutível que as sociedades comerciais têm personalidade jurídica [art. 5º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)] e que esta constitui pessoa distinta e autónoma da personalidade dos seus sócios ou dos seus órgãos representativos.
No entanto, não pode esquecer-se que as sociedades comerciais são entes abstratos, que necessitam de pessoas físicas para expressar a sua vontade, sendo através destas, e para estas, que realizam os seus fins e modelam a sua conduta.
«A sociedade não vive por si e para si, antes existe por e para o(s) sócio(s); destes é ela instrumento (há pois estreita ligação entre uma e outros). Por outro lado, o património da sociedade não está ao serviço de interesses da pessoa jurídica “em si”, mas sim do(s) sócio(s).»(5)
Na harmonia do sistema jurídico, a personalidade e capacidade jurídicas foram conferidas a esses entes abstratos para que constituíssem centros autónomos de relações jurídicas do ponto de vista substancial, e não meramente formal.
«A ideia que aflora na regra da primazia da materialidade subjacente é de fácil exteriorização: o Direito visa, através dos seus preceitos, a obtenção de certas soluções efectivas; torna-se, assim, insuficiente a adopção de condutas que apenas na forma correspondam aos objectivos jurídicos, descurando-os, na realidade, num plano material. A boa fé exige que os exercícios jurídicos sejam avaliados em termos materiais, de acordo com as efectivas consequências que acarretam.»(6)
As sociedades comerciais não podem ser usadas como mero “veículo” para contornar uma proibição legal ou contratual a que está sujeito o seu sócio/acionista dominante.
Quando tal acontece, há que desconsiderar o princípio da separação entre a pessoa coletiva e o sócio, num fenómeno conhecido por desconsideração ou levantamento da personalidade coletiva.

Os Réus não podiam deixar de saber que não podiam fazer sua a quota empenhada, seja por não ter sido estipulada a possibilidade de adjudicação, seja pela proibição do pacto comissório.
Ao realizar a venda à F.. sociedade por eles controlada em termos de posição dominante, não pode deixar de entender-se que a sociedade foi apenas um fantoche usado para contornar a impossibilidade de fazer sua a quota empenhada, de forma direta.
Sendo os detentores da maioria (aliás, praticamente o total), do capital social, a compra da quota pela F… não deixa de se refletir na sua esfera jurídica.
Usando as palavras de Coutinho de Abreu(7) “levantado o véu da personalidade societária” ou “afastada a máscara pessoal-societária”, vêem-se os sócios/Réus a adquirir, indiretamente, a quota empenhada.
O negócio de compra e venda celebrado com a F… foi efetuado sem avaliação prévia do valor da quota. E foi-o com oposição do autor do penhor e em seu prejuízo pois, como já se referiu, a quota foi vendida por menos de um terço do seu valor nominal; e, nos termos do “acordo paralelo a cessão de quota”, celebrado aquando da constituição do penhor, o autor do penhor se tinha comprometido a revender a quota ao Réu Paulo pelo preço do seu valor nominal.
Assim, também por esta via, se desconsiderarmos a personalidade da F…, teremos os Réus Paulo e Andreia como os efetivos adquirentes da quota empenhada(8), configurando uma adjudicação direta, não contratada e sem prévia fixação do valor pelo tribunal (art. 675º nº 2 do CC).
Portanto, também por esta via se chegaria à mesma solução de anulação da venda.
Em consequência do exposto, há que julgar improcedentes ambos os recursos dos Réus.

AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
O recurso de ampliação do objeto tem natureza subsidiária, significando isso que só dele se toma conhecimento no caso de procedência do recurso principal: art. 636º nº 1 e 2 e art. 554º nº 1 a contrario.
Isso mesmo resulta das alegações/conclusões dos Executados, que recorrem subsidiariamente.
Nessa medida, tendo improcedido a apelação, fica prejudicado o conhecimento do recurso dos Executados.

6. SUMARIANDO (art. 663º nº 7 do CPC)
a) Também na execução do penhor por venda extraprocessual (art. 675º nº 1 do CC) se tem de promover a avaliação prévia da coisa empenhada, por um terceiro independente.
b) A não promoção dessa avaliação prévia constitui vício suscetível de conduzir à anulação da venda.
c) As sociedades comerciais não podem ser usadas como mero “veículo” para contornar uma proibição legal ou contratual a que está sujeito o seu sócio/acionista dominante.
d) Quando tal acontece, há que desconsiderar o princípio da separação entre a pessoa coletiva e o sócio, num fenómeno conhecido por desconsideração ou levantamento da personalidade coletiva.

III. DECISÃO
7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação de Guimarães em julgar improcedentes ambas as apelações e prejudicado o conhecimento da ampliação do âmbito do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos Réus apelantes.
Guimarães, 17.11.2016

(Relatora, Isabel Silva)

(1º Adjunto, Pedro Alexandre Damião e Cunha)

(2º Adjunto, Maria João Marques Pinto de Matos)
(1) Estando correlacionados os argumentos apresentados por ambos os Réus Recorrentes para demonstração do vício de “erro de julgamento”, ir-se-á proceder à análise de ambos os recursos de forma conjunta.
(2) Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, Coimbra Editora, pág. 664.
(3)Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 01.04.2008 (processo 07A2655, Relator: Moreira Aves), disponível em www.gde.mj.pt, sítio a ter em conta nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
(4)L. Miguel Pestana de Vasconcelos, “Direito das Garantias”, Almedina, 2011, pág. 243-244.
(5)Jorge Manuel Coutinho de Abreu, “Curso de Direito Comercial”, vol. II, 5ª edição, 2015, pág. 166.
(6)António Menezes Cordeiro, “O Levantamento da Personalidade Colectiva”, Almedina, 2000, pág. 97-98.
(7) Obra citada, pág. 169.
(8)«X - Nos casos de deliberada confusão patrimonial, bem como naqueles em que a sociedade e a sua autonomia jurídica são usadas/abusadas, com o propósito de camuflar actos lesivos dos sócios, o levantamento da personalidade jurídica societária conduz à imputação de tais actos aos sócios por eles responsáveis.» - acórdão do STJ, de 10.05.2016 (processo 136/14.0TBNZR.C1.S1, Relator: Fonseca Ramos). No mesmo sentido, acórdão de 10.01.2012 (processo 434/1999.L1.S1, Relator: Salazar Casanova) e de 03.02.2009 (processo 08A3991, Relator: Paulo Sá).