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RECURSO PARA O TRIBUNAL PLENO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
CONSUMAÇÃO
FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
MESMA LEGISLAÇÃO
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário
I - A questão de direito suscitada quer no acórdão fundamento quer no acórdão recorrido é a mesma, ou seja, a de saber qual o momento em que se consuma o crime de fraude na obtenção de subsídio previsto no normativo do artigo 36º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro. II - Sobre a mesma questão de direito foram proferidas decisões de conteúdo oposto: no acórdão fundamento, que tal momento se reporta ao despacho de aprovação do projecto de candidatura ao subsídio; no acórdão recorrido, que esse momento coincide com a transferência do dinheiro do subsídio para a titularidade e disponibilidade do beneficiário. III - Os acórdãos foram emitidos por diferentes tribunais de Relação e não se conhece, sobre esta mesma questão, jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Texto Integral
Acordam, em conferência, nas Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:
I
"A", recorrido no P.º n.º 4895/02, da 3.ª Secção da Relação de Lisboa, não se tendo conformado com o acórdão de 9.10.02, da mesma Relação, dele interpõe recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437º e 438º do CPPenal, por entender que se encontra em oposição, sobre a mesma questão de direito, com o acórdão da Relação do Porto, de 31.10.2001, publicado na CJ, ano 2001, tomo IV, pp. 239 ss..
Fundamenta a pretensão do seguinte modo:
"a) Está em causa e esta é a questão a decidir, a fixação do momento em que ocorre a consumação do crime de fraude na obtenção de subsídio, na previsão do art.º 36º, do D.L. 28/84;
b) De acordo com o vosso Acórdão, o momento da consumação do crime verifica-se com a transferência do dinheiro para a titularidade e a disponibilidade do beneficiário;
c) De acordo com o Acórdão da Relação do Porto, citado, a consumação verifica-se no momento em que a entidade competente profere o despacho a autorizar a concessão do subsídio;
d) A questão de direito é a mesma dos dois acórdãos, questão que resulta neles expressamente controvertida, não havendo qualquer alteração legal entre a prolação dos acórdãos".
O recorrente, por força do acórdão da Relação de Lisboa vai ser julgado pela autoria de dois crimes de fraude na obtenção de subsídio, em contrário da posição da 1.ª Instância, que havia decidido pela prescrição do procedimento criminal, pelo que tem interesse na decisão do recurso extraordinário.
Pretende (1) que "o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência seja o plasmado no Ac. da Relação do Porto, da consumação do Crime de Fraude na obtenção de subsídio no momento em que é proferido o despacho de autorização, pela entidade competente".
2. O processo mostra-se instruído com certidão dos acórdãos alegadamente proferidos em oposição.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal apôs o seu visto - artigo 440º, n.º 1 do CPPenal -, e entendendo que o recurso é admissível e que existe oposição de julgados, explicita:
"Analisando a questão da oposição dos acórdãos, constata-se que o acórdão recorrido decidiu que o crime de fraude na obtenção de subsídio, previsto no art. 36º do DL nº 28/84, de 20-1, se consuma com a transferência do dinheiro para a titularidade e disponibilidade do beneficiário do subsídio; por sua vez, o acórdão invocado como fundamento entendeu que a consumação de tal crime se dá logo com o despacho de aprovação do projecto de candidatura ao subsídio.
As decisões são, assim, opostas quanto à questão do momento da consumação do crime de fraude na obtenção de subsídio e foram proferidas no domínio da mesma legislação.
Nestes termos, o recurso deve prosseguir"
Em exame preliminar o Relator considerou o recurso admissível, tempestivo, a processar com efeito meramente devolutivo.
Há, assim, que indagar da oposição entre os julgados.
II
Decidindo.
Vejamos os dois acórdãos.
O que se discutiu em ambos foi saber em que momento ocorre a consumação do crime de fraude na obtenção de subsídio, previsto no art. 36º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro.
1. No acórdão recorrido, de 9.10.02, da Relação de Lisboa, aderiu-se à tese consagrada no ac. do STJ de 25-11-99 (2): "até à transferência do dinheiro para a titularidade e a disponibilidade do beneficiário sempre a entidade concedente pode retroceder na decisão; "obter" quer fundamentalmente dizer posse efectiva ou concreta disponibilidade do que se requereu; por último, nos termos do art. 39º do DL 28/84, "o tribunal condenará sempre na total restituição das quantias ilicitamente obtidas", pelo que mal se compreenderia falar-se em restituição de quantias que não tivessem chegado sequer a ser recebidas.
Todas as actividades anteriores - requerimentos dos interessados e até despachos das autoridades a deferir a concessão de subsídios - apenas configurarão a mera tentativa de crime, que não o crime consumado".
2. Por seu turno, no acórdão fundamento, de 31.10.2001, da Relação do Porto, o entendimento sobre a mesma questão é outro. Diz-se em certo passo:
"Sendo a partir da consumação do crime que o prazo de prescrição do procedimento corre, importa, antes de mais, para a solução da nossa questão determinar em que momento se deve ter por consumado o crime de fraude na obtenção de subsídio, questão que não tem colhido consenso na jurisprudência, nomeadamente entendendo uns que a consumação ocorre com o despacho de aprovação do projecto de candidatura e considerando outros que essa consumação se deve reportar a momento bem posterior, como é o da aprovação do pedido de pagamento do saldo e mesmo à data do depósito ou entrega do subsídio.
Por nossa parte - adianta-se já -, afigura-se-nos ser de sufragar aquele primeiro entendimento, na esteira de variadas decisões do STJ (3)".
E mais adiante:
"Com a decisão de atribuição do subsídio, o processo enganoso, fraudulento, completou-se e atingiu o seu alvo; com essa decisão, atribuídos que foram, os fundos, ainda que materialmente não transferidos, transitaram já da esfera jurídica da entidade que os concedeu para a do respectivo destinatário.
"De todo o modo, ainda que se considere que o depósito ou entrega do subsídio é elemento necessário para a consumação do crime, sempre se dirá que esse depósito ou entrega relevante é o que se segue à decisão de aprovação do processo de candidatura e não à decisão de aprovação do pedido de pagamento do saldo".
De forma mais clara, conclui-se adiante, em tal acórdão, que a consumação do crime ocorreu "com a decisão de aprovação do processo de candidatura...".
A posição adoptada teve consequências a nível da prescrição do procedimento criminal, quer num quer noutro caso.
III
1. Dispõe-se no artigo 437º do Código de Processo Penal:
"1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou as partes civis podem recorrer, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.
2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação ...e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3. Os acórdão consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolacção, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado."
1. O acórdão fundamento, de 31.10.01, e o recorrido, de 9.10.02, referem-se ambos à mesma legislação: artigo 36º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, sendo a mesma a redacção do preceito citado.
Entre a prolacção de ambos não foi editado qualquer normativo que interferisse, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida
Por conseguinte, os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação.
2. E quanto à oposição de julgados?
A questão de direito suscitada quer no acórdão fundamento quer no acórdão recorrido é a mesma, ou seja, a de saber qual o momento em que se consuma o crime de fraude na obtenção de subsídio previsto no normativo do artigo 36º.
E sobre a mesma questão de direito foram proferidas decisões de conteúdo oposto: no acórdão fundamento, que tal momento se reporta ao despacho de aprovação do projecto de candidatura ao subsídio; no acórdão recorrido, que esse momento coincide com a transferência do dinheiro do subsídio para a titularidade e disponibilidade do beneficiário.
Os acórdãos foram emitidos por diferentes tribunais de Relação e não se conhece que, sobre esta mesma questão, tenha havido jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
IV
Assim, verificam-se os pressupostos de admissibilidade do recurso de fixação de jurisprudência, designadamente a oposição entre os acórdãos referidos, pelo que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em ordenar o prosseguimento do recurso.
Sem tributação.
Texto elaborado em computador pelo relator, que rubrica as restantes folhas.
Lisboa, 6 de Março de 2003
Lourenço Martins
Leal-Henriques
Borges de Pinho
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(1) Entende-se cumprido o disposto no Assento n.º 9/2000, de 30-03-2000, publicado no D.R. I-A, n.º 123, de 27-05-2000.
(2) Publicado no BMJ n.º 491/p. 194, com outros aí citados.
(3) Cita os Acs. de 8/11/95, CJ/STJ, III, 3º, 230; de 16/1/97, 8/10/97 e 5/11/97, in BMJ, 463º, 452, 470º, 162, e 471º, 31, respectivamente; de 11/2/99, CJ/STJ, VII, 1º, 210; ainda, na página da DGSI na Internet (www.DGSI.pt), os de 7/11/91, 17/6/98, 2/12/98, 6/1/99 e 2/6/99; e, por fim, o Ac. dessa Relação, de 27/9/2000, no Rec. 9911149.