REVISTA AMPLIADA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ASSENTO
REFORMA DA DECISÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Sumário

I – A “jurisprudência uniformizada” a que alude o art.º 678, n.º 6 do CPC não é a jurisprudência constante ou predominante do STJ, mas a que consta dos assentos, dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência proferidos pelo plenários das secções cíveis do STJ a partir de 01-01-96 no contexto do DL n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro e dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência proferidos em julgamento ampliado de revista ou de agravo a que se reportam os arts. 732-A e 732-B do CPC, com a redacção em vigor após 01-01-97.

II – Embora o recurso seja legalmente inadmissível, nos termos do art.º 678, nº1 do CPC, os autos devem baixar à Relação para conhecer do pedido de reforma da sentença e das nulidades arguidas pelo recorrente por força do disposto no art.º 669, n.º 3 do CPC, com a redacção que lhe foi conferida na revisão do DL n.º 329-A/95 operada em 1996 (DL n.º 180/96 de 25 de Setembro), conjugado com os arts.º 668, n.º 4, 744 e 716 do mesmo diploma legal.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:



"AA", veio intentar acção emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, Lda. pedindo seja declarada a nulidade do despedimento dela A., condenando-se a R. a ver declarada tal nulidade, e, em consequência, a pagar-lhe a indemnização global de 735.020$00, bem como o valor das remunerações vincendos, até decisão final, tudo acrescido dos juros vencidos, que somam 67.400$00, e dos vincendos até integral pagamento, e ainda que lhe seja concedida o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de preparos e de custas. Atribuiu à acção o valor de 802.420$00.

A R. apresentou contestação, pedindo a improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
Por decisão de fls. 136 foi concedido à A. o benefício de apoio judiciário na modalidade solicitada.
E foi proferido despacho saneador.
Através do requerimento de fls. 150 a 152 a A. "vem aditar no pedido ao deduzido na petição, nos termos do art. 28º do CPT", solicitando que a R. seja condenada a indemnização "do montante de 630.632$00, a somar ao valor inicialmente pedido".
A R. contestou (fls.175 a 179) "o aditamento de novo pedido", sustentando que o mesmo legalmente inadmissível, ou, assim não se entendendo, seja o mesmo julgado improcedente e ela R. absolvida do pedido.
Por despacho de fls. 218 não foi admitido "o aditamento do novo pedido" deduzido pela A. a qual, do mesmo, interpôs recurso, de agravo, através do requerimento de fls. 221, como tal admitido (fls. 241).

Tendo-se procedido a julgamento, veio ser proferida sentença (fls. 246 a 251) que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou nula a cessação do contrato, condenando a R. a pagar à A. a quantia global de 1.862.051$00 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Não se conformando com esta sentença dela interpôs a R. recurso, de apelação (fls. 266), para o TR Porto, assim admitido por despacho de fls. 295.
Por acórdão, de fls. 359 a 368, o TRP concedeu provimento ao recurso de apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo a R. do pedido, e negou provimento ao recurso, de agravo, confirmando a decisão recorrida.
A A. pediu a aclaração de tal acórdão (fls. 371 a 374), tendo a mesma sido indeferida por acórdão de fls. 381 a 382.
A A. interpôs recurso, de revista, para este STJ, (fls. 386), o qual foi admitido, por despacho do Ex.mo Desembargador-Relator, de fls. 401.

Nas suas alegações, a recorrente fundamento o recurso no art. 678º, nº 6, do CP Civil, referindo que o acórdão fundamento é o acórdão nº 2182 do STJ, de 03/10/89, e do qual junta o respectivo sumário.
Tendo apresentado contra-alegações a R. sustenta a inadmissibilidade do recurso.
No seu douto "parecer" de fls. 459 a 462, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto opina também no sentido de que o recurso não é legalmente admissível.

Cumpre apreciar e decidir.
A presente acção, como se alcança de carimbo aposto no respectivo p.i., foi intentada em 13/7/2000.
Deixou-se já dito que o presente recurso de revista foi intentado ao abrigo do disposto no nº 6 do art. 678º do CPC.
Segundo este preceito legal "é sempre admissível recurso das decisões proferidas contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça".
Consciente das dificuldades que se lhe deparavam, é a própria recorrente a assinalar, nas suas alegações o seguinte:
"Não se ignora que se não trata de um acórdão (isto é, o acórdão fundamento, por ela invocado, do STJ, de 03/10/89) proferido no âmbito de recurso ampliado de revista, nos termos dos art.s 732-A e 732-B do mesmo Código.
Entende, no entanto, a recorrente que a formulação do segmento os art. 678º, 6, do CPC, "jurisprudência uniformizadora pelo STJ" - deve ser interpretado no sentido material (isto é, de ser esse o entendimento uniforme do Supremo, em várias decisões no mesmo sentido) e não no sentido formal (isto é, de ser o entendimento fixado um julgamento de revista ampliado)".
Salienta-se no aludido "parecer", do Exmo Magistrado do Ministério Público que "o conceito de jurisprudência uniformizada" é inequivocamente aquela que consta nos art.s 732-A e 732-B introduzidos no CPC pela reforma de 95/96".

Em abono da sua tese a recorrente chama a atenção para o facto de no nº 4 do art. 678º do CPC o legislador ter adoptado a expressão "jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo tribunal de Justiça", que, na sua óptica, é coisa diversa de "jurisprudência uniformizada" a que se refere o nº 6 do mesmo artigo, pois se o legislador quisesse dizer em ambos os lados a mesma coisa, para mais tratando-se de um instituto novo, teria utilizado a mesma formulação textual.
Entendemos que não lhe assiste razão, não se descortinando fundamento válido para fazer tal destrinca.
Jurisprudência uniformizada é a que resulta do julgamento ampliado de revista, a que se reporta os art.s 732-A e 732-B, do CPC, na sua redacção actual.
Atenta-se que o art. 732-A tem como epigrafo "uniformização de jurisprudência".
E como se deixou evidenciado no acórdão do STJ, de 26/5/98 (B.M.J. 477º, 400) jurisprudência uniformizada não é jurisprudência constante e predominante do STJ, mas a que consta dos assentos, dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência proferidos pelo plenário das secções cíveis do STJ a partir de 1 de Janeiro de 1996, no contexto do art. 179º do DL. 329-A/95, de 12/12, e dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência proferidos em julgamento ampliado de revista, ou de agravo, ao abrigo do disposto nos art.s 732-A e 732-B, e 762, nº 3, do CPC, na redacção em vigor após 1 de Janeiro de 1997.
Pelo mesmo diapasão afirma Amâncio Ferreira (Social dos Recursos em processo Civil, 2ª Ed., 103).
Daí que mereça acolhimento a tese defendida pela recorrente quanto ao conceito de "jurisprudência uniformizada" constante do nº 6 do art. 678º do CPC.

Por outro lado, é certo e sabido, que a decisão que admite o recurso, fixe a sua espécie ou determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior (art.s 687, nº 4, do CPC).
A alçada da Relação é de 3.000.000$00 (art. 24º, nº1, da Lei 03/99, de 13 de Janeiro - LOFTJ).
Por não ter sido alterado, o valor dado à causa (esc. 802.420$00) deve considerar-se definitivamente fixado (art. 315º do CPC, "ex vi" art. 1º, nº 2, a) do CPT).
Consequentemente, é legalmente inadmissível o presente recurso (art. 678, nº1, do CPC).
Todavia, para a hipótese de não ser admitido o recurso, a recorrente pede, subsidiariamente, que os outros baixem ao Tribunal da Relação para conhecer do pedido de reforma da sentença e das nulidades por si arguidas, previstas no art. 668º do CPC.
Por força das alterações legislativas introduzidas ao CPC pelo D.L 329-A/95, de 12/12, alargaram-se os termos da possibilidade de reforma da sentença.
Ou seja, segundo o disposto no nº 2 do art. 669º do CPC é hoje lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando:
a) tenha ocorrido manifesto lapso do Juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
b) constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o Juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração.
Na revisão do DL. 329-A/95, de 12/12, operada em 1996, (D.L. 180/96, de 25/9), foi revisto o regime inicialmente consagrado naquele diploma legal, aditando-lhe, nomeadamente, o actual nº 3 do art. 669º, de molde a aproximar a reforma da sentença por esse manifesto de julgamento do regime previsto para a arguição - e eventual suprimento - de nulidades da sentença.

Estabelece o citado nº 3 que cabendo recurso da decisão o requerimento previsto no número anterior é feito na própria alegação, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto no nº 4 do artigo 668º.
Este, por sua vez, estipula que arguido qualquer das nulidades da sentença em recurso dela interposto, é lícito ao Juiz supri-la, aplicando-lhe, com as necessárias adaptações, e qualquer que seja o tipo de recurso, o disposto no art. 744º.
É aplicável à 2ª instância o que se encontra previsto nas citadas disposições legais (art. 716º do CPC).
Assim, embora o recurso seja legalmente inadmissível, os autos deverão baixar à Relação para que este conheça do pedido de reforma da sentença e das nulidades arguidas pela recorrente.

Termos em que, por legalmente inadmissível, se decide não conhecer do objecto do recurso, e ordenar a baixa do processo ao Tribunal da Relação para conhecer do pedido de reforma da sentença e das nulidades invocadas pela R.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 19 de Março de 2003

Vítor Mesquita (Relator)
Ferreira Neto
Manuel Pereira