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PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCAS
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
FACTOS SUPERVENIENTES
FIM PROIBIDO POR LEI
BOA-FÉ
Sumário
I - Não deve confundir-se a marca notória, já prevista no art.º 95 do CPI/40, com a marca célebre ou de grande prestígio, figura Inovadoramente introduzida no nosso direito interno pelo CPI/95. II - Consoante a disposição inovatória do art.º 191 do CPI/95, a protecção das marcas célebres ou de grande prestígio "em Portugal ou na comunidade e sempre que o uso da marca posterior procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los", não só é independente do seu registo em Portugal, como ultrapassa já, sem dúvida, o princípio da especialidade. III - Tratando-se de matéria em que prevalecem interesses públicos, por estar em causa a especial protecção, a nível comunitário, não já apenas às marcas notórias, mas, também às de grande reputação, introduzida, esta, no nosso direito em transposição da Directiva do Conselho n.º 89/104/CEE, de 21-12-89, é correcta a aplicação imediata da lei nova a pedido de registo de marca ainda não despachado aquando da entrada em vigor, em 1-6-95, do CPI/95, conforme o art.º 9 do DL n.º 16/95, de 24-01, que o aprovou.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :
1. "A" A apresentou em 6/6/94 pedido de registo de marca nacional nº 301.006 - BOSS, para assinalar produtos da classe 34ª - "tabaco, cigarros, cigarrilhas, conjuntos para fumadores, fósforos ".
Esse pedido - objecto de reclamação por parte da Hugo Boss AG - foi recusado por despacho de 7/1/99 do Chefe da Divisão de Marcas Nacionais do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), actuando por delegação do Presidente desse Instituto.
A reclamante invocou os registos internacionais de marca nºs 515.189, 513.257, 516.345, 604.809, 604.811, e 606.620, todos caracterizados em parte pelo sinal "BOSS" ( v. publicações respectivas a fls. 19, 21, 23, 25, 27 e 29 ).
A recusa fundou-se no art.193º ( nº1º) do Código da Propriedade Industrial ( CPI ) ( aprovado pelo DL 16/95, de 24/1; cfr, também seu art.189º, nº1º, al.m) ), a que pertencem todas as disposições citadas ao diante sem outra indicação.
Considerou-se para tanto ocorrerem os requisitos ( cumulativos ) do conceito jurídico de imitação ali enunciados, a saber : a) - a prioridade da marca registada ; b) - destinarem-se as marcas registada e registanda a assinalar produtos idênticos ; e c) - semelhança gráfica e fonética das mesmas susceptível de induzir facilmente em erro ou confusão, não podendo o consumidor distingui-las senão depois de exame atento ou confronto (fls.16).
2. Indiscutida a prioridade registral e a identidade ou afinidade quanto aos artigos da classe 34ª, foi a verificação do terceiro desses requisitos que a A impugnou, no recurso que, ao abrigo dos arts.38º ss, interpôs, em 15/9/99, do despacho referido, para o Tribunal de Comércio de Lisboa, em que foi distribuído ao 1º Juízo.
Alegou, em síntese, nesse recurso: a) - quanto à marca registada BOSS, não haver comercialização no mercado português dos produtos - tabacos e isqueiros - por ela identificados, não sendo o registo internacional dessa marca, nº 515.189, usado em Portugal em relação aos referidos produtos da classe 34ª ; b) - não sendo essa a função da marca, não ser legítimo à Hugo Boss AG, que assume não comercializar os produtos dessa classe por o tabaco fazer mal à saúde e não querer ser associada com tais produtos, fazer, afinal, uma reserva de mercado através de registo não usado, determinado pelo intuito exclusivo de vedar ou proibir outros agentes de agirem no comércio; c) - nenhuma das 5 restantes marcas registadas - Hugo Boss, Boss Hugo Boss, Baldessarini Hugo Boss, Hugo Hugo Boss, e Boss Hugo Boss - se caracterizar exclusiva ou prevalentemente pela expressão BOSS ; d) - a caducidade dos registos internacionais de marca invocados, de que solicitou ao INPI a declaração, nos termos do art.216º, nºs 1º, al.a), 5º, 10º e 11º, por não terem sido objecto de uso sério durante 5 anos consecutivos; e) - não serem as marcas aludidas marcas notórias, nos termos do art.190º, dado serem utilizadas em Portugal para assinalar vestuário dispendioso, só ao alcance das classes mais abastadas, não sendo conhecidas da maioria do público consumidor, nem de grande prestígio, designadamente em vista da parte final do art.191º, visto que a marca nacional da recorrente não procura tirar partido do carácter distintivo ou do prestígio daquelas marcas, tendo a mesma registado em vários países, nomeadamente Itália, países do Benelux, Áustria e Alemanha, a marca BOSS, que tem origem nessa marca da companhia de nacionalidade eslovena Tobacna Ljubljana, subsidiária da recorrente, cuja comercialização remonta ao início dos anos 80.
3. Para tanto notificado nos termos do nº1º do art.40º, o INPI redarguiu, nomeadamente, que HUGO BOSS é uma marca de grande prestígio, conhecida mundialmente e bastante publicitada pelos mass media.
Valendo por isso no caso o disposto no art.191º, daí a irrelevância da eventual decisão sobre os pedidos de declaração de caducidade das preditas marcas internacionais.
Por sua vez notificada nos termos do nº3º do art.41º, a B arguiu, antes de mais, a extemporaneidade , nos termos do art.39º, desse recurso, dado que, cogente o art.279º C.Civ. e não o art.144º CPC, o despacho impugnado foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial nº1-1999, de 30/4/99; e depois, a irrelevância de factos supervenientes ao mesmo, e o disposto no art.191º, desde logo no tocante à classe 25ª - vestuário (1).
Para tanto notificada com espúria invocação do art.492º, nº1º, CPC (cfr. seu art.463º, nº1º, e arts.40ºe 41º CPI), a recorrente lembrou, em suma, o disposto na parte final da al.e) do art.279º C.Civ.
4. Foi então proferida sentença, com data de 6/4/2001, que julgou improcedente a predita questão prévia e o recurso.
Observou-se, nomeadamente, nessa sentença que, conquanto interposto para tribunal judicial, o recurso então julgado se encontra moldado pelo recurso administrativo.
Enquanto, assim, recurso de anulação, nos termos comuns do contencioso administrativo, tem por objecto verificar se a decisão foi, ou não, bem proferida (2); e por isso só podia ter em conta o elementos conhecidos quando a decisão foi proferida, tendo o interessado, a querer introduzir elementos novos, que apresentar novo pedido ou acção de anulação (3); só produzindo a arguida caducidade dos direitos de propriedade industrial efeitos depois declarada no processo respectivo - art.36º, nº4º.
Considerou-se, mais, demonstrada a prioridade do registo das marcas obstativas; a semelhança ou afinidade dos produtos assinalados, todos da classe 34ª ; e a existência de semelhança gráfica, figurativa, e fonética, susceptível de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão.
5. A assim vencida apelou, apoiando-se, designadamente, no art.663º, nº1º, CPC: ao que a apelada, desde logo, opôs a falta de prova documental dos factos supervenientes arguidos, que eram a declaração de caducidade dos registos das marcas obstativas.
Em apoio da natureza administrativa do recurso - bem que, segundo este autor, não de mera anulação, antes em moldes que o aproximam de um recurso de plena jurisdição -, citou Luís M. Couto Gonçalves, " Direito das Marcas " ( 2000 ), 52 e 53, opondo, nessa base, a irrelevância, dado não ter eficácia retroactiva, da declaração da caducidade do registo de marca para determinação da ilegalidade de despacho anterior a essa declaração.
Em abono da inaplicabilidade, neste processo, do art.663º CPC, citou, ainda, António Maria Pereira, "Espécies Processuais no Código da Propriedade Industrial", ROA, ano 14 ( 1954 ), 33 ss - 3., 4. e 5., onde, além do mais, se considera que, neste recurso, o juiz (de 1ª instância) funciona como tribunal de 2ª instância, sendo, nos recursos de propriedade industrial, única missão do tribunal judicial " verificar se através dos elementos constantes do processo administrativo à data do despacho, este foi bem ou mal proferido".
6. Por acórdão proferido em 26/9/2002, a Relação de Lisboa, conquanto julgando aplicável o disposto no art.663º, nº1º, CPC, mas tão só relativo a duas das marcas obstativas - nºs 513.527 e 516.345, respectivamente, Hugo Boss e Boss Hugo Boss - o documento junto ( - pela contraparte, aliás - ) a fls. 74, negou provimento à apelação da assim vencida, considerando ocorrer imitação relativamente às demais, designadamente a nº 515189 "BOSS", e em termos mais evidentes, até, que na hipótese versada no Ac.STJ de 4/4/2000, BMJ 496/209 (4).
A "A" pede, agora, revista dessa decisão, formulando, em termos úteis, as conclusões seguintes (indica-se entre parênteses a correspondência destas com as da recorrente) (5):
1ª ( = b a f ) - Os registos de marca internacional nºs 515.189, 604.811, e 606.620 foram igualmente declarados caducos por despachos do INPI de 17/1/2000, 25/1/2000, e 30/7/99, publicados, os dois primeiro referidos, no Boletim da Propriedade Industrial nº1 de 2000, pp.478 e 479, e o último no nº 8 de 1999, p. 3499, publicados em apêndice do DR em 28/4/2000, e em 30/11/99, também respectivamente, ficando consequentemente extintos os direitos de propriedade e de exclusividade deles decorrentes no que concerne a todos os produtos assinalados por essas marcas na classe 34 da tabela classificativa internacional, nomeadamente produtos de tabaco, cigarros, artigos para fumadores, fósforos e isqueiros.
2ª ( = g e h ) - Esses despachos foram proferidos no âmbito de processos em que eram requerente a Tobac na Ljubljana e requerida a Hugo Boss AG, que deles tinha conhecimento.
3ª ( = i ) - Ao omitir conscientemente no processo o seu conhecimento desses factos, quer na 1ª instância, quer na 2ª, a recorrida fez um uso abusivo dos meios processuais, em clara violação do preceituado no art.456º, nº2º, CPC.
4ª ( = j ) - Não sendo parte nesses processos, a recorrente nada sabia deles, e, desconhecendo-os em absoluto , nenhuma prova podia juntar acerca desses factos.
5ª (= k) - Quando teve conhecimento das declarações de caducidade dos registos de marcas internacionais nºs 515.189 e 604.811, Boss e Boss Hugo Boss, a recorrente levou-as, de imediato, ao conhecimento do processo, o que só veio a acontecer quando apresentou as suas alegações de recurso de apelação junto to do Tribunal da Relação de Lisboa.
6ª ( = l ) - Pelo que, nos termos do art.264º CPC, o acórdão recorrido poderia e deveria ter tomado em consideração essas declarações de caducidade, que, à semelhança das outras que considerou, também são factos jurídicos supervenientes.
7ª ( = m ) - O acórdão recorrido violou o disposto nos arts.264º, 663º e 665º CPC e 36º e 216º, nºs 1º, 10º e 11º, CPI, por não aplicação desses dispositivos ao caso sub judice.
8ª ( = n ) - Ao não aplicar este ( último ) normativo ao caso em apreciação, esse acórdão não considerou, como se impunha, que os registos internacionais de marcas nºs 515.189, 513.257, 516.345, 604.811, e 606.620, Boss, Hugo Boss, Boss Hugo Boss ( 2 ), e Hugo Hugo Boss já não estavam em vigor, e, consequentemente , deixaram de obstar ao registo de marca nacional nº 301.006 - BOSS, da recorrente.
9ª ( = o ) - Apesar de partir de premissa correcta relativamente ao art.663º CPC, ao considerar que a decisão judicial deve corresponder à realidade e aos direitos das partes na data da sua prolação, o acórdão recorrido chegou a uma conclusão diversa da que resultaria da aplicação das normas supramencionadas, ao considerar válidos direitos de propriedade e de exclusividade já extintos decorrentes dos registos inter-nacionais de marca referidos na conclusão anterior.
10ª ( = p ) - Esse acórdão violou, ainda, o art.38º CPI, ao ignorar que a impugnação das decisões do INPI, isto é, dos despachos que concedem ou recusam registos, só pode realizar-se por via judicial, mediante recurso a interpor para os tribunais judiciais.
11ª ( = q ) - O acórdão recorrido proferiu uma decisão que, na prática, tem, por consequência não obstar ao objectivo anormal que a recorrida pretendeu obter com o presente processo, e que se consubstancia na protecção de um bem jurídico que não possui, o que viola o disposto no art.665º, in fine, CPC, pois
12ª ( = r e s ) - Ao não considerar as caducidades, declaradas nos termos dos arts.36º e 216º, nºs 1º, 10º e 11º CPI, de todos os registos internacionais de marcas considerados obstativos da concessão do registo de marca nacional nº 301.006 - BOSS e a consequente extinção dos direitos decorrentes desses registos, permitiu à recorrida, sem ter qualquer registo constitutivo de tais direitos, fazer uma reserva de mercado, para si, para produtos que não fabrica, nem comercializa, impedindo, desse modo, o acesso de qualquer comerciante/fabricante ao mercado nacional no que respeita aos produtos em questão.
13ª ( = t ) - A consequência é, ainda, a de violar o art.1º CPI e o princípio nele protegido da garantia da lealdade da concorrência.
14ª ( = u ) - Não produzindo a recorrida, nem comercializando no mercado português os produtos referidos, que não fazem parte da sua actividade normal, não podem a recorrente e a sua marca desviar ou cativar, por qualquer forma, em seu proveito, clientela que a própria recorrida não tem.
15ª ( = v ) - Vem nesse sentido a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 27/5/99 publicado no Boletim da Propriedade Industrial nº1 de 2000, pp.32 a 34, em que era parte a aqui recorrida e se decidiu pela protecção das regras da liberdade do mercado.
16ª ( = w ) - A marca da recorrente não ofende qualquer bem jurídico, nomeadamente direitos de propriedade e de exclusividade, já extintos, decorrentes dos preditos registos internacionais de marcas, declarados, pelos igualmente já mencionados despachos, caducos para os produtos, que assinalavam, da classe 34ª.
Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.
7. A matéria de facto a considerar é a fixada pelas instâncias ( art.729º, nº1º, CPC ), para que ora se remete em obediência ao art.713º, nº6º, aplicável por força do disposto no art.726º, CPC.
Relativo aos factos o princípio da actualidade da decisão que se surpreende no nº1º do art.663º CPC, e dado ser função dos recursos a revisão das decisões da instância recorrida (idem, art.676º, nº1º), tem-se, em geral, entendido que esse princípio tem por limite o encerramento da discussão da causa na 1ª instância.
Bem assim convém não confundir a alegação de factos com a sua prova.
Consoante Ac.STJ de 5/7/2001, Rev.nº1609/01-7ª, com sumário na Edição Anual de 2001 dos Sumários de Acórdãos Cíveis organizada pelo Gabinete dos Juízes Assessores deste Tribunal, p.243, 2ª col.,1º: "IV - Na fase instrutória do recurso judicial das decisões do INPI podem surgir factos supervenientes, que serão aceites ou rejeitados em consonância com o art.663º CPC. V - Depois do encerramento da discussão em 1ª instância, fica precludida a junção de documentos, salvo se se verificar alguma das situações contempladas no art.524º CPC. ". Isto posto :
Anterior à sentença da 1ª instância a publicação de todos os despachos que declararam a caducidade dos registos de marcas internacionais da recorrida, só, porém, por mão desta veio aos autos o conhecimento e prova de um par desses despachos ( fls.74 ).
Em vista, precisamente, do princípio dispositivo de que há ainda consagração no nº1º do art.264º CPC, releva de angelismo insustentável a exigência de que a ora recorrida desse também conhecimento nos autos dos demais - de todas as publicações abonatórias da posição da parte contrária, enfim.
Seria isso, se bem parece, levar longe demais o princípio da cooperação instituído no subsequente art. 266º e a boa fé - não confundível com santidade (6).
- que o art.266º-A prescreve. Tal tanto mais assim porque, afinal, efectivamente contrariada pela ora recorrida a tese da recorrente a esse respeito. Para já não falar, de facto, ainda, na subsidariedade referida em 2.- e), supra.
Sendo, sem dúvida alguma, à recorrente, e não à recorrida, que incumbia carrear - e em tempo oportuno - para o processo os factos e as provas conducentes ao sucesso da sua pretensão, não é efectivamente assacável à recorrida a conduta proibida pelo nº2º do art.456º CPC que a recorrente lhe atribui, com referência - se bem parece - à parte final da al.b) e à subsequente al.c) desse normativo. Por outro lado :
Indemonstrado ter a recorrida visado fim proibido por lei, a previsão da parte final do art.665º CPC resulta sem cabimento na hipótese ocorrente. Mas mais:
Percorrida a alegação da recorrente, resulta, por último, óbvia a interrogação seguinte : e do registo da marca da recorrida nº 604.809 - Baldessarini Hugo Boss -, que é feito ?
A pergunta justifica-se porque imitação, semelhança ou risco de associação, será, por certo, de concluir haver ainda, no que se lhe refere, ao menos no juízo das instâncias (7), cuja decisão só vem, agora, impugnada por outras, distintas, razões: concretamente, com fundamento, apenas, na caducidade - de que não foi oportunamente feita prova - dos registos das outras marcas obstativas (8). Aliás:
8. Tal e tanta a publicidade - como, a certa altura, alegado nos autos, televisiva, urbana, em "placards"
(painéis ou "outdoors"), e jornalística, em jornais e revistas - que a torna conhecida do público em geral, que não apenas dos consumidores do sector do mercado respectivo, poderá, inclusivamente, ter-se por notório, mesmo nos termos e para os efeitos do nº1º do art.514º CPC (9), que a marca Hugo Boss (e, consequentemente, as dela derivadas) é, mesmo entre nós, mercado, digamos, periférico, e apesar do preço elevado dos produtos que identifica, marca notória, largamente divulgada (10).
Deverá, mesmo, segundo o INPI (resposta referida em 3., supra), considerar-se marca famosa ou célebre, de grande reputação, de referência, enfim (11).
Como assim, resulta inegável o risco de associação da marca de tabaco registada com as marcas internacionais primeiro registadas; do consequente - mesmo se não intencional - benefício parasitário, isto é, de que, propiciada confusão do consumidor quanto à origem dos produtos, a recorrente tire partido indevido do prestígio dessas marcas; ou de que haja prejuízo desse prestígio, ou de banalização ou diluição do poder apelativo desse sinal.
Bastando a possibilidade de lesão desses interesses para justificar a decisão impugnada, é de considerar ainda a protecção que a proibição da concorrência desleal (v. art.260º CPI vigente) sempre, de modo complementar, importa (12).
Em derradeira análise e consideração:
9. Reportando-se, de início, ao princípio da novidade (13), a recorrente passou, depois, a arrimar-se ao princípio da especialidade da marca (14), e à caducidade dos registos de marca internacional aludidos: dos quais, - tanto quanto nos é dado saber -, ao menos um - o nº 604.809 - subsiste ainda: só, afinal, se tendo, no acórdão recorrido, julgada provada a declaração da caducidade de dois.
É, de todo o modo, certo que, com eficácia constitutiva ou atributiva, o registo de marca só garante ao titular o seu uso exclusivo nos produtos ou serviços que assinala, não impedindo a sua utilização em produtos doutra espécie.
Segundo Ac.STJ de 20/6/2000, Rev.nº1604/00-1ª, com sumário na Edição Anual de 2001 dos Sumários de Acórdãos Cíveis organizada pelo Gabinete dos Juízes Assessores deste Tribunal, p.206, 2ª col., 2º - I, requerido o registo da marca da recorrente em 6/6/94, seria o Código da Propriedade Industrial de 1940 ( CPI 40 ) o aplicável (15).
Consoante art.93º-12º CPI 40, a que ora corresponde o art.189º, nº1º, al.m), CPI 95, só há imitação definida no art. 94º CPI 40, ora art.193º CPI 95, quando as marcas imitada e imitante digam respeito ao mesmo produto ou a produtos semelhantes ou afins (16).
Não deve, de todo o modo, confundir-se a marca notória, já prevista no art.95º CPI 40, antes de no art.190º CPI 95, com a marca célebre ou de grande prestígio, figura inovadoramente introduzida no nosso direito interno pelo CPI 95, conforme seu art.191º, em transposição, referida no preâmbulo do DL 16/ 95, de 24/1, cujo art.1º aprovou esse código, da Directiva do Conselho nº89/104/CEE, de 21/12/89 ( cfr. seus arts.4º, nº4º, e 5º, nº2º, transcritos em ARL de 29/9/98, CJ, XXIII, 4º, 111, 2ª col.).
Independente do registo ( cfr., todavia, § único do primeiro e nº2º do segundo ), a protecção que o art.95º CPI 40 ( v.também art.6º-bis, nº1, da Convenção da União de Paris ), depois art.190º CPI 95 ( v. seu nº1º), conferia às marcas notórias não arredava, no entanto, o princípio da especialidade, já referido - outrossim cogente no plano (subsidiário) da concorrência desleal (17).
Consoante, por sua vez, disposição inovatória do art.191º CPI 95, a protecção das marcas célebres ou de grande prestígio "em Portugal ou na comunidade e sempre que o uso da marca posterior procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los" não só é independente do seu registo em Portugal, como ultrapassa já, sem dúvida, o predito princípio da especialidade (18).
Como registado em 3., supra, foi para tal que, por fim, apelou, na sua resposta, o INPI : no que se afigura correcta aplicação imediata da lei nova a pedido de registo de marca ainda não despachado aquando da entrada em vigor, em 1/6/95, do CPI 95, conforme art.9º do DL 16/95, de 24/1, que o aprovou. Tal assim, na verdade, se bem se crê, nos termos da parte final do nº2º do art.12º C.Civ., dado tratar-se de matéria em que prevalecem interesses públicos, visto que em causa a especial protecção, a nível comunitário, não já apenas às marcas notórias, mas, também às de grande reputação, introduzida, esta, no nosso direito em transposição da supramencionada Directiva do Conselho nº89/104/CEE, de 21/12/89.
Não se vê capaz razão para discordar dessa tese : mesmo se pela recorrida descurado, no recurso de apelação, o disposto no nº1º do art.684º-A CPC.
10. Alcança-se, pelas razões expostas, a seguinte decisão:
Nega-se a revista.
Custas pela recorrente.
Após trânsito, cumpra-se o disposto no art.44º CPI vigente ( remessa de cópia ao INPI ).
Lisboa, 3 de Abril de 2003
Oliveira Barros
Sousa Inês
Quirino Soares.
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(1) No tocante à definição do conceito de marca de grande prestígio, reporta-se ao estudo de Pedro Sousa e Silva, " O princípio da especialidade das marcas ", ROA, ano 58, Janeiro de 1998, 377 ss.
(2) V. Ac.STJ de 5/7/2001, Rev.nº1328/01-7ª, com sumário na Edição Anual de 2001 dos Sumários de Acórdãos Cíveis organizada pelo Gabinete dos Juízes Assessores deste Tribunal, p.244, 2ª col., 2º-II.
(3) Cita, a este respeito, Ac.STJ de 15/7/60, BMJ 99/857.
(4) Relativo, como na alegação da ora recorrente se observa, a produtos da classe 25ª - vestuário.
(5) Ultrapassando as letras do alfabeto usadas na língua portuguesa, visto que só faltando z, incluiu k e w, essas conclusões são de sobremaneira repetitivas e infringem claramente o imposto pelo art.690º, nº1º, CPC. Tornou-se, por isso, necessário reduzi-las de algum modo ao essencial, de modo a evitar maiores delongas e a permitir a sua mais fácil compreensão. Manifesta, nomeadamente, a inutilidade da conclusão a), remete-se quanto à x ) para a já antiga, mesmo se frequentemente não atendida, lição de Rodrigues Bastos, " Notas ao CPC ", III, 299-3., em nota ao art.690º .
(6) V., mutatis mutandis, Antunes Varela, RLJ 126º/319, 2ª col., penúltimo par., e nota 2.
(7) Firmam-se, é certo, mais decididamente na marca BOSS. Destaca-se, no entanto, na da 1ª instância, o inciso pelo menos.; e prevenindo dúvidas, salienta-se, da decisão da 2ª instância, o parágrafo seguinte ( fls.6 do acórdão sob revista, a fls.145 dos au-tos, 4º par. ) : " A imitação verifica-se também e pelos mesmos motivos constantes da sentença relativamente às marcas em que não ocorreu a caducidade - registos nºs 604.809, 604.811, e 606.620. " ( sublinhado nosso ).
(8) Ainda quando a resposta a esta interrogação seja o entre nós sempiterno lapso ( mas também qualquer outra que seja a explicação cogente ), tarde, parece, será já, de todo o modo, para dá-la : alguma vez havendo que pôr ponto final à discussão da causa.
(9) E nem tanto é necessário no que respeita às marcas notórias, como elucidado em ARL de 29/9/98, CJ, XXIII, 4º, 110, 2ª col., penúltimo parágrafo, onde, citando Pinto Coelho, RLJ 89º/28- 7. e 8., e 29 -9., e ARP de 21/1/93, CJ, XVIII, 1º, 211, se esclare- ce que " a opinião dominante vai no sentido de que a marca pode ser assim caracterizada desde que tenha alcançado notoriedade ou conhecimento geral no círculo dos produtores ou dos comerciantes ou no meio dos consumidores mais em contacto com o produto " a que a marca respeita - bastando, em suma," que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é usual designar por " meios interessados " ". Nesse sentido, v. também Couto Gonçalves, " Direito de Marcas " (2000), 150 e notas.
(10) Foi assim, expressamente, considerada no Ac. STJ de 4/4/2000, BMJ 496/209 ss, citado no acórdão recorrido - v., nesse Bol., p.216 -4.1.
(11) Não poderá negar-se-lhe, ao menos no que toca aos produtos da classe 25ª - artigos de vestuário -, o magnetismo comercial, susceptível de suscitar apetência ou predisposição ao consumo, que a Hugo Boss AG invoca. ( No relativo à expressão em destaque, a ora recorrida citou Frederick W. Mostert," Famous and Well-Known Marks ", ed. Butterworths, 1997, sem indicação de página ; obra a que se não teve acesso ). Como, de todo o modo, quase toda a gente saberá, v.g., nos concursos da televisão, a fama da Hugo Boss não andará longe da - andará, mesmo, perto da, ou estará, até, em paridade com a da Rolex ou a Cartier, em relógios ; constituindo a Rolls Royce - automóveis de reis e " sheiks " do petróleo -, talvez, um caso à parte. O acórdão deste Tribunal de 9/4/2002, Rev.301/02-1ª, referido na nota seguinte, considera quadrar à marca Mobil a qualificação de marca de grande prestígio.
(12) Sobre marcas notórias e concorrência desleal, v. ARP de 21/1/93, CJ, XVIII, 1º, 209 ss ( confirmado por Ac.STJ de 1/6/94, CJSTJ, II, 1º,124 ss ). Como mencionado em Ac.STJ de 3/2/2000, CJSTJ, VIII, 1º, 58, 2ª col., antepenúltimo par., que cita aquele ARP de 21/1/93. CJ, XVIII, 1º, 213, 1ª col., uma vez obtido o registo de marca, perde sentido falar em concorrência desleal por parte de quem tal alcançou, visto que o registo lhe conferiu a propriedade e o uso exclusivo da marca registada. Estabelecendo de claro modo a distinção entre a protecção conferida pelos direitos privativos da concorrência desleal e pela proibição da concorrência desleal, v. Acs.STJ de 4/4/2000, Rev.nº172/00-1ª, com sumário na Edição Anual de 2000 dos Sumários de Acórdãos Cíveis organizada pelo Gabinete dos Juízes Assessores deste Tribunal, p.132, 1ª col., 2º- I a III, e de 9/4/2002, Rev. 301/02-1ª, com sumário na edição de Abril de 2002 dos Sumários de Acórdãos organizada pelo Gabinete dos Juízes Assessores deste Tribunal, p.10, 2ª col.- I a III.
(13) V., v.g., a esse respeito, Ac. STJ de 26/4/2001, CJSTJ, IX, 2º, 38-6.
(14) Idem, 4. Sobre a função da marca, v. esse mesmo acórdão, col., ano e vol. cits, 40-10. De harmonia com o art.74º CPI 40 - v., actualmente, art.167º, nº1º, CPI 95 -, a propriedade duma marca adquiria-se através do registo. O direito à marca é, assim, um direito que decorre do registo desse sinal distintivo, como assinalado em Ac.STJ de 3/2/2000, CJSTJ, VIII, 1º,59, 1ª col. Como, por sua vez, esclarecido em Acs.STJ de 15/2/2000 e de 16/5/2000, CJSTJ, VIII, 1º, 98-3. 2º par. e 99-4, 1º par., e 2º, 70-5., 2º par. e 6., 1º par., de harmonia com o princípio da especialidade, o titular ( do registo ) da marca adquire o direito de usar em exclusivo aquele sinal para os produtos indicados no seu pedido de registo, pelo que não pode terceiro fazer registar, nem usar, marca igual ou confundível para os mesmos produtos ou para produtos com afinidade merceológica ( similares ou afins ).
(15) No âmbito ou plano do direito substantivo. Quanto às regras do processo, vale, como se sabe, o princípio da aplicação imediata da lei nova.
(16) ARL de 29/9/98, CJ, XXIII, 4º, 108-I e II e 109, 1ª col., citando Ferrer Correia,"Lições de Direito Comercial", I (1965), 346.
(17) Nem tal, se bem parece, efectivamente contraria a citação de Oliveira Ascensão, " Concorrência Desleal " ( 2002 ), 118, feita pela recorrida, visto que expressamente reportada a empresas que " em concreto disputam a mesma clientela ".
(18) V. Couto Gonçalves, " Direito de Marcas " ( 2000 ), 155, último par. e 156 ss, Ac.STJ de 30/1/2001, CJSTJ, IX, 1º, 87-III e 89, 1ª col., antepenúltimo par., e ARL de 29/9/98, CJ, XXIII, 4º, 111, 1ª col. Sobre o que por tal deve entender-se, v. Couto Gonçalves , ob,cit., 158 a 163 ; do mesmo, " Função Distintiva da Marca " ( 1999 ), 168 ss ; e Pedro Sousa e Silva, loc.cit. na nota 1, 416 ss.