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REGISTO DA ACÇÃO
CANCELAMENTO
Sumário
I - Não estando certificado o trânsito em julgado do despacho judicial que determinou o cancelamento do registo da acção, tal cancelamento foi efectuado com base em título insuficiente para a prova legal do facto que o determinaria. II - O registo de cancelamento da acção enferma da nulidade prevista no art. 16, alínea b) do Cód. do Registo Predial.
Texto Integral
Proc. nº 330/2000.P1
Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia – 1º Juízo Cível
Agravo
Recorrente: B… e C…
Recorrida: “D…, Lda”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Pinto dos Santos e Ramos Lopes
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
B…, que também usa o nome de B1… e C…, pelo requerimento de fls. 20/27, entregue em 8.5.2000 na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia e que veio a ser remetido a juízo em 26.5.2000 com o parecer da Sr.ª Conservadora, reclamaram da recusa da rectificação do cancelamento do registo da acção constante do averbamento nº 2 da inscrição F1 do prédio descrito na 2ª. Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 03674/010895, da freguesia de … – Vila Nova de Gaia.
Alegaram, em suma, que o registo da aludida acção foi indevidamente cancelado, pois o despacho com base no qual se lavrou o cancelamento de tal registo ainda não transitou em julgado.
Juntaram documentos (certidão do termo de transacção e respectiva sentença homologatória e despacho que ordenou o cancelamento da inscrição).
Face à reclamação apresentada, a Sr.ª Conservadora emitiu o parecer que se acha a fls. 5 dos autos e ordenou a remessa do processo a tribunal.
Procedeu-se depois à citação da interessada “D…, Lda” nos termos do art. 129, nº 1 do Cód. do Registo Predial, a qual veio, a fls. 49/51v, deduzir oposição à pretensão dos requerentes, concluindo que deve ser mantido o cancelamento do registo da acção, tal como foi considerado pela Sr.ª Conservadora da Conservatória de Registo Predial.
Foi apresentada resposta a fls. 62/64, concluindo como na petição.
O Min. Público emitiu parecer nos termos de fls. 217, pronunciando-se no sentido de que deve manter-se o despacho da Sr.ª Conservadora da 2ª Conservatória do Registo Predial que recusou a rectificação do cancelamento do registo da acção nº 37/97.
Seguidamente proferiu-se sentença, na qual se decidiu manter o despacho da Sr.ª Conservadora da 2ª Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia que recusou a rectificação do cancelamento do registo da acção ordinária nº 37/97, actualmente a correr termos na 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia sob o nº 6272/04, constante da inscrição F – 1 do prédio descrito naquela Conservatória sob o nº 003674/010895.
Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os requerentes, o qual foi admitido como agravo em matéria cível, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Finalizaram as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª – Os autores quando para tal foram notificados nos aludidos autos 37/97 disseram que, sem prejuízo do pedido de cancelamento das inscrições F-1 e G-5 do prédio descrito sob o nº 02204/190489, F-1 e G-7 do prédio descrito sob o nº 00557/210486, F-2 e G-5 do prédio descrito sob o nº 01688/030388 e G-1 do prédio descrito sob o nº 03674/010895, não se opunham ao pedido de cancelamento do registo dessa acção no que respeita às inscrições G-2 e C-1 deste último prédio, descrito sob o nº 03674/010895 na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia e sito na freguesia de …, desse concelho, facto este que resulta provado dos documentos juntos sob os nºs 2 e 3 à petição inicial.
2ª – Em 16.12.1999 foi interposto recurso daquele sobredito despacho de 3.12.1999, de fls. 692 e 692 verso, que ordenou o cancelamento do registo dessa acção, facto este que resulta provado designadamente da certidão de 12.1.2000, junta à petição inicial, e da de 18.5.2000 que posteriormente lhe foi junta.
3ª – O recurso aqui atrás referido foi admitido por despacho de 18.4.2002 com efeito suspensivo.
4ª – Na sentença recorrida ao não se darem como provados os factos aqui referidos nas conclusões 1ª e 2ª e ao não se terem os mesmos em consideração violou-se o disposto no art. 659, nº 3, do Cód. do Proc. Civil.
5ª – Não obstante no ponto 3 dos factos assentes se tenha dado como reproduzido o teor da transacção de 17.5.1999, na sentença recorrida não se teve em consideração que na sua cláusula terceira os autores mantiveram, entre o mais, o pedido de cancelamento das inscrições G-1 do prédio 03674/010895, F-1 e G-5 do prédio 02204/190489, F-1 e G-7 do prédio 00557/210486, e F-2 e G-5 do prédio 01688/030388, todos da 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila de Nova de Gaia e da freguesia de …, desse concelho.
6ª – Na sentença recorrida ao não se ter tido em consideração que os autores mantiveram nos termos da cláusula terceira daquela transacção de 17.5.1999 os pedidos atrás referidos e que estes obrigam ao registo da acção violou-se o disposto nos arts. 659, nº 3, do CPC e 3, nº 1, do CRPredial.
7ª – Da sentença de 19.5.1999 que homologou a referida transacção de 17.5.1999 foi interposto recurso pelos 5ºs réus, cujo foi admitido por despacho de 8.10.1999, como de agravo e com efeito devolutivo.
8ª – Na sentença recorrida não se teve em conta que na redacção então vigente do nº 4 do art. 59 do CRPredial dispunha-se que “o cancelamento do registo provisório de acção é feito com base em certidão da decisão, transitada em julgado, que absolva o réu do pedido ou da instância, a julgue extinta ou a declare interrompida”.
9ª – Na sentença recorrida não se teve em conta que a própria Sr.ª Conservadora da 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia que recusou a rectificação do registo de cancelamento da acção disse depois, no seu parecer de fls. 5, que se o recurso que foi interposto em 16.12.1999 daquele referido despacho de 3.12.1999 que ordenou o cancelamento do registo em causa fosse admitido, o cancelamento da acção não poderia ter sido efectuado e necessariamente terá de ser rectificado.
10ª – Assim sendo e atentos os factos dados como provados na sentença recorrida e aqueles outros que dos autos resultam provados, ainda que se entenda que o recurso aqui atrás referido apenas visou a cláusula 7ª da dita transacção de 17.5.1999 e que, como tal, o restante clausulado dessa transacção, onde obviamente se inclui a sua cláusula 3ª, transitou em julgado, forçoso era e é julgar procedente a pretensão que os autores formularam na presente acção, com a consequente rectificação do registo de cancelamento em causa nos precisos termos que foram requeridos pelos mesmos na sobredita apresentação 26, em 14/3/2000, na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia.
11ª – Na sentença recorrida violaram-se os sobreditos preceitos legais.
Pretendem assim que se revogue a sentença recorrida e que, julgando-se improcedente a recusa de rectificação do registo em causa, seja rectificado, por nulidade, o cancelamento do registo da acção constante do averbamento nº 2 da inscrição F-1 do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 03674/010895, da freguesia de …, desse concelho, e convertido o mesmo em renovação do registo da acção, ordenando-se o seu averbamento, nos precisos termos que foram requeridos, em 14.3.2000, na apresentação 26 na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia.
Juntaram um documento às suas alegações, o qual foi admitido.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi proferido despacho de sustentação.
Colhidos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é ainda aplicável o regime de recursos anterior ao Dec. Lei nº 303/07, de 24.8.
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O objecto dos recursos encontra-se balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso – arts. 684, nº 3 e 690, nº 1 do Cód. do Proc. Civil -, sendo ainda de referir que neles se apreciam questões e não razões, que não visam criar decisões sobre matéria nova e que o seu âmbito é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – Apurar se à factualidade dada como assente pela 1ª Instância devem ser acrescentados factos;
II - Apurar se se deve manter ou não o despacho da Sr.ª Conservadora da 2ª Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia que recusou a rectificação do cancelamento do registo da acção constante da inscrição F – 1 do prédio descrito naquela Conservatória sob o nº 003674/010895.
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A 1ª Instância, atenta a prova documental constante dos autos e com relevância para a decisão, considerou provada a seguinte factualidade:
1. Pela Ap.42/160197 encontra-se registada na 2.ª Conservatória de Registo Predial de V.N. de Gaia - Acção provisória por natureza e por dúvidas - em que são autores B… e C…. e réus E…, Ldª. e outros, com o pedido: a) condenar a 1ª. ré a cumprir o contrato-promessa por ela outorgado com os autores produzindo os efeitos da declaração negocial a que estava obrigada a prestar na prometida escritura de compra e venda; b) ordenar o cancelamento das inscrições F-1 e G-5 do nº 02204/190489; F-1 e G-7 do nº 00557/210486; F-2 e G-5 do nº 01688/030388 e G-1, G-2 e C-1 do nº 03674/010895 todos da freguesia de …, constando sob a Ap./05/230597 “Removidas as dúvidas“ (cfr. doc. de fls 6 a 10).
2. Consta ainda que a inscrição F-1 foi cancelada (Ap. 56/301299) e foi recusada a rectificação do cancelamento (Ap. 26/140300).
3. Na acção em causa (que correu termos no 1º Juízo Cível desta comarca sob o nº 37/97 e que veio a ser distribuída à 2ª. Vara Mista sob o nº 6272/04) foi, em 17.5.1999, celebrado termo de transacção que consta de fls. 14 a 17 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4. A referida transacção foi homologada por sentença proferida a 19.6.1999, que consta de fls. 18 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5. Da referida sentença homologatória foi interposto recurso, o qual foi admitido como de agravo, a subir com o primeiro recurso que haja de subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo, por despacho proferido em 8.10.1999 e que consta de fls. 216 dos autos.
6. Por despacho proferido em 3.12.1999, na acção a que aludem os nºs 3., 4., 5., do elenco dos factos provados, consta o seguinte: A sentença homologatória da transacção constante de fls. 579 a 582, apenas se encontra impugnada na parte em que homologou a cláusula 7ª. da mesma transacção. Isto significa que relativamente às restantes cláusulas a mesma sentença transitou em julgado.
Os autores consequentemente deixaram de pretender a aquisição do imóvel relativamente ao qual eram promitentes compradores e cujo domínio se encontra inscrito no registo predial a favor da ré “D…, Ldª.”. Por isso, deixa de ter justificação o registo desta acção relativamente ao mesmo imóvel e cujo cancelamento esta ré pretende. Notificados, os autores não deduziram oposição a este pedido de cancelamento de tal inscrição.
Assim sendo, ordeno o cancelamento da inscrição F-1 relativamente à descrição predial nº 03674/010895, da freguesia de …, desta comarca (…)”.
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I - Nas conclusões 1ª a 4ª das suas alegações os recorrentes vêm sustentar que na sentença recorrida ao não se darem como provados os factos que se deixaram referidos na 1ª e na 2ª conclusões se violou o preceituado no art. 659, nº 3 do Cód. do Proc. Civil.
Dispõe-se o seguinte neste preceito:
«Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.»
No caso “sub judice”, em que não ocorreu audiência de julgamento, o tribunal teria que se ater aos factos admitidos por acordo e aos provados documentalmente ou por confissão.
A Mmª Juíza “a quo”, com base na prova documental existente nos autos, circunscreveu a factualidade com relevância para a decisão da causa àquela que atrás se descreveu sob os nºs 1 a 7.
Mas, conforme referem os recorrentes nas suas alegações, ignorou factos que, decorrentes de prova documental, se mostram relevantes para tal decisão e que, por esse motivo, devem ser adicionados à factualidade constante da decisão recorrida.
Deve, assim, ser considerado assente que os requerentes, na sequência de notificação que lhes foi feita, disseram, em 11.11.1999, que “sem prejuízo do pedido de cancelamento das inscrições F-1 e G-5 do prédio descrito sob o nº 02204/190489, das inscrições F-1 e G-7 do prédio descrito sob o nº 00557/210486, das inscrições F-2 e G-5 do prédio descrito sob o nº 01688/030388, e da inscrição G-1 do prédio descrito sob o nº 03674/010897, não se opõem ao pedido de cancelamento do registo da presente acção no que respeita às inscrições G-2 e C-1 deste último prédio, descrito sob o nº 03674/010895 na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia e sito na freguesia de …, deste concelho.” – cfr. documentos de fls. 41/4.
Deve também ser considerado assente que do despacho proferido em 3.12.1999, em parte transcrito no nº 6 da matéria de facto e que ordenou expressamente o cancelamento da inscrição F-1 relativamente à descrição predial nº 03674/010895, foi interposto recurso pelos ora requerentes em 16.12.1999, o qual viria a ser admitido por despacho de 18.4.2002 como agravo, com subida diferida e efeito suspensivo – cfr. certidões constantes de fls. 12/3 e 29/30, complementadas pela certidão de fls. 285 e segs. junta já em fase de recurso.
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Como tal, face ao adicionamento destes factos, a factualidade relevante para a decisão da presente causa passará a ser a seguinte, alterando-se em conformidade a respectiva numeração:
1. Pela Ap.42/160197 encontra-se registada na 2ª. Conservatória de Registo Predial de V.N. de Gaia - Acção provisória por natureza e por dúvidas - em que são autores B… e C… e réus E…, Ldª. e outros, com o pedido: a) condenar a 1ª. ré a cumprir o contrato-promessa por ela outorgado com os autores produzindo os efeitos da declaração negocial a que estava obrigada a prestar na prometida escritura de compra e venda; b) ordenar o cancelamento das inscrições F-1 e G-5 do nº 02204/190489; F-1 e G-7 do nº 00557/210486; F-2 e G-5 do nº 01688/030388 e G-1, G-2 e C-1 do nº 03674/010895 todos da freguesia de …, constando sob a Ap./05/230597 “Removidas as dúvidas“ (cfr. doc. de fls 6 a 10).
2. Consta ainda que a inscrição F-1 foi cancelada (Ap. 56/301299) e foi recusada a rectificação do cancelamento (Ap. 26/140300).
3. Na acção em causa (que correu termos no 1º Juízo Cível desta comarca sob o nº 37/97 e que veio a ser distribuída à 2ª. Vara Mista sob o nº 6272/04) foi, em 17.5.1999, celebrado termo de transacção que consta de fls. 14 a 17 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4. A referida transacção foi homologada por sentença proferida a 19.6.1999, que consta de fls. 18 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5. Da referida sentença homologatória foi interposto recurso, o qual foi admitido como de agravo, a subir com o primeiro recurso que haja de subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo, por despacho proferido em 8.10.1999 e que consta de fls. 216 dos autos.
6. Os requerentes, na sequência de notificação que lhes foi feita, disseram, em 11.11.1999, que “sem prejuízo do pedido de cancelamento das inscrições F-1 e G-5 do prédio descrito sob o nº 02204/190489, das inscrições F-1 e G-7 do prédio descrito sob o nº 00557/210486, das inscrições F-2 e G-5 do prédio descrito sob o nº 01688/030388, e da inscrição G-1 do prédio descrito sob o nº 03674/010897, não se opõem ao pedido de cancelamento do registo da presente acção no que respeita às inscrições G-2 e C-1 deste último prédio, descrito sob o nº 03674/010895 na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia e sito na freguesia de …, deste concelho.”
7. Por despacho proferido em 3.12.1999, na acção a que aludem os nºs 3., 4., 5., do elenco dos factos provados, consta o seguinte: “A sentença homologatória da transacção constante de fls. 579 a 582, apenas se encontra impugnada na parte em que homologou a cláusula 7ª. da mesma transacção. Isto significa que relativamente às restantes cláusulas a mesma sentença transitou em julgado.
Os autores consequentemente deixaram de pretender a aquisição do imóvel relativamente ao qual eram promitentes compradores e cujo domínio se encontra inscrito no registo predial a favor da ré “D…, Ldª.”. Por isso, deixa de ter justificação o registo desta acção relativamente ao mesmo imóvel e cujo cancelamento esta ré pretende. Notificados, os autores não deduziram oposição a este pedido de cancelamento de tal inscrição.
Assim sendo, ordeno o cancelamento da inscrição F-1 relativamente à descrição predial nº 03674/010895, da freguesia de …, desta comarca.
A ré D…., querendo, diligenciará junto da 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia pelo cancelamento desta inscrição.
Passe e entregue à ré D…, Lda a requerida certidão.
Notifique.”[1]
8. Deste despacho de 3.12.1999 foi interposto recurso pelos ora requerentes, em 16.12.1999, o qual foi admitido, por despacho de 18.4.2002, como agravo, com subida diferida e efeito suspensivo.
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II – Alterada a factualidade dada como provada, entrar-se-à agora na análise da questão central do presente recurso e que se prende com a confirmação – ou não – do despacho da Sr.ª Conservadora da 2ª Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia que recusou a rectificação do cancelamento do registo da acção constante da inscrição F–1 do prédio descrito naquela Conservatória sob o nº 003674/010895.
Com efeito, a Sr.ª Conservadora procedeu ao cancelamento desta inscrição F-1, na sequência da Ap. 56/301299 e contra esse cancelamento se insurgiu o ilustre mandatário dos requerentes através da Ap. nº 26/140300, na qual pediu a sua rectificação, alegando o seguinte (fls. 4):
“Pelo presente pedido pretende-se, nos termos do disposto no art. 292 do Código Civil e nos precisos termos da transacção constante da certidão em anexo, a rectificação do registo de cancelamento do registo da acção, cancelamento esse que foi efectuado com base num despacho não transitado em julgado e do qual se encontra interposto recurso, com a consequente renovação do registo da acção, restringido agora, nos termos dessa transacção, ao pedido de cancelamento das inscrições F-1 e G-5 do prédio 02204/190489; F-2 e G-5 do prédio 0557/210486; F-2 e G-5 do prédio 01688/030388; e G-1 do prédio 03674/010895.”
A Sr.ª Conservadora, em 28.3.2000, recusou a pretendida rectificação nos seguintes termos (fls. 3/4):
“Recusada a rectificação do cancelamento do registo da acção por falta de título. Não ficou provado que o título que serviu de base ao registo de cancelamento não tenha transitado em julgado conforme foi referido pelo Juiz no seu despacho, referindo mesmo que notificados os autores sobre o pedido de cancelamento não deduziram oposição. O documento junto não refere que o recurso do despacho foi admitido, aliás a certidão é de 12.1 e ainda não tinha sido admitido pelo que nesta data provavelmente (14/3) já se saberá. Em declarações complementares refere-se que o que se pretende é a renovação da acção. Mesmo que o cancelamento não tivesse sido efectuado ele já teria caducado, não sendo possível renovar o que está caduco. Artigos 68 e 69 nº 1 al. b) C.R.P.”
É precisamente este despacho que os requerentes impugnam judicialmente, ao abrigo do disposto no art. 140 do Cód. do Registo Predial, sustentando no essencial que o registo da acção foi cancelado de forma indevida, uma vez que o despacho com base no qual se lavrou esse cancelamento ainda não transitara em julgado. Pretendem assim que o registo de cancelamento do registo da acção constante do averbamento nº 2 da inscrição F-1 respeitante ao prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 03674/010895, da freguesia de …, seja rectificado, por nulidade, e convertido em registo de renovação do registo da acção, efectuando-se o respectivo averbamento.
Sobre a pretensão que os requerentes colocam agora ao Tribunal, a Sr.ª Conservadora emitiu, em 16.5.2000, o parecer que se passa a transcrever (cfr. fls.5):
“B… e C… vêm apresentar uma petição para rectificação judicial recorrendo da recusa da rectificação do cancelamento da acção inscrição F-1 do prédio 3674 – ….
O processo está em tempo e é o próprio nos termos dos arts. 128 e 140 nº 2 do C.R.P.
O referido cancelamento foi efectuado com base em certidão do Tribunal Judicial de V.N.Gaia, 1º Juízo Pº 37/97 constando da mesma uma sentença do Mmº Juiz que homologa a transacção feita e um despacho em que se clarifica que foi interposto recurso apenas quanto à cláusula 7ª da referida transacção, significando que relativamente às restantes cláusulas da sentença transitou em julgado. Refere também que deixa de ter justificação a acção e refere que notificados os autores não deduziram oposição pelo que se ordena o seu cancelamento da acção da inscrição F-1.
Os autores alegam que pretendem restringir o pedido constante da inscrição de acção e que recorreram do despacho do Mmº Juiz recurso ainda não admitido.
O registo de cancelamento foi apresentado em 30.12.99, pelo que mesmo que a acção não tivesse sido cancelada teria caducado em 16.1.00 por decurso de tempo (3 anos – art. 92 nº3).
Se se entender que o recurso do despacho do Mmº Juiz é admitido então terá de reconhecer-se que o cancelamento da acção não poderia ter sido efectuado e necessariamente terá de ser rectificado.
Em face dos elementos que nos foram inicialmente apresentados não constando a interposição de qualquer recurso; e referindo o despacho do Mmº Juiz que os autores notificados não se opuseram ao pedido de cancelamento e se ordenava a passagem de certidão para fins de registo, pressupôs-se o trânsito em julgado do referido despacho quiçá erradamente.
Nestes termos remete-se a petição e demais documentos a fim de melhor ser decidido.”
O registo predial, conforme decorre do art. 1 do Cód. do Registo Predial, destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.
Essa função publicitária concretiza-se através da inscrição nas Conservatórias do Registo Predial dos factos constitutivos, modificativos, transmissivos ou extintivos de direitos reais, incluindo as acções judiciais que tenham esse objectivo, bem como as sentenças proferidas no final de tais acções (cfr. arts. 2 e 3 do Cód. do Registo Predial).
O registo de acção, que é o que está em causa nos presentes autos, tem como finalidade dar publicidade à pendência de uma acção, tendo sempre em vista garantir a necessária segurança no comércio jurídico imobiliário.
O art. 120, nº 1 do Cód. do Registo Predial[2] estabelece que os registos inexactos e os indevidamente lavrados devem ser rectificados por iniciativa do conservador, logo que tome conhecimento da irregularidade ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito.
Os vícios do registo são, em primeiro lugar, a inexistência, que se verifica quando: a) tiver sido lavrado em conservatória territorialmente incompetente; b) for insuprível a falta de assinatura do registo (cfr. art. 14 do Cód. do Registo Predial).[3]
Em segundo lugar, a nulidade, que ocorre quando o registo: a) for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos; b) tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado; c) enfermar de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere; d) tiver sido assinado por pessoa sem competência funcional, salvo o disposto no nº 2 do art. 369 do Cód. Civil[4]; e) tiver sido lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo (cfr. art. 16 do Cód. do Registo Predial).
Em terceiro lugar, a inexactidão, a qual se dá quando o registo se mostre lavrado em desconformidade com o título que lhe serviu de base ou enferme de deficiências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade (cfr. art. 18 do Cód. do Registo Predial).
No caso “sub judice”, os requerentes, ora agravantes, alegam que o registo de cancelamento da acção enferma da nulidade que se acha prevista na alínea b) do art. 16 do Cód. do Registo Predial, isto porque, na sua perspectiva, teria sido lavrado com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado.
Não foi esta a posição assumida na sentença recorrida, na qual se considerou que, face à matéria fáctica que aí se deu como apurada e aos documentos juntos aos autos, nada permite concluir que o cancelamento do registo da acção tenha tido por base título insuficiente para a prova legal de tal facto.
Não podemos, porém, concordar com esta posição.
Com efeito, no art. 59, nº 4 do Cód. do Registo Predial, na redacção então vigente, dispunha-se que o cancelamento do registo provisório de acção é feito com base em certidão da decisão, transitada em julgado, que absolva o réu do pedido ou da instância, a julgue extinta ou a declare interrompida.[5]
Pressupõe-se, assim, o trânsito em julgado da decisão determinativa do cancelamento.
Acontece que o despacho em que se ordenou o cancelamento do registo da acção aqui em causa (inscrição F-1 relativa à descrição predial nº 03674/010895, da freguesia de …), proferido em 3.12.1999, não transitou em julgado, porquanto do mesmo foi interposto recurso em 16.12.1999, o qual viria a ser posteriormente admitido com efeito suspensivo em 18.4.2002.
Constata-se, pois, que a Sr.ª Conservadora não deveria ter procedido ao cancelamento do registo da acção, uma vez que o trânsito em julgado do despacho em que o mesmo se fundamentou não se mostrava comprovado.
Aliás, apercebendo-se do lapso em que caíra, a própria Sr.ª Conservadora no parecer que emitiu (fls. 5) escreveu que se se admitisse o recurso do despacho que ordenou o cancelamento este não poderia ser efectuado e teria necessariamente de ser rectificado, acrescentando até ter pressuposto “quiçá erradamente” o trânsito em julgado daquele despacho.
Deste modo, à semelhança do que é entendido pelos recorrentes, teremos que concluir que o registo da acção foi indevidamente cancelado, atendendo a que, não estando certificado o trânsito em julgado do despacho judicial respectivo, mostra-se esse cancelamento efectuado com base em título insuficiente para a prova legal do facto que o determinaria.
Por conseguinte, o registo de cancelamento da acção enferma da nulidade prevista no art. 16, alínea b) do Cód. do Registo Predial, donde decorre que, ao invés do que foi decidido pela 1ª Instância, não se deve manter o despacho da Sr.ª Conservadora da 2ª Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia que recusou a rectificação do cancelamento do registo da acção constante da inscrição F – 1 do prédio descrito naquela Conservatória sob o nº 003674/010895.
Será, assim, de conceder provimento ao recurso de agravo interposto pelos requerentes, devendo proceder-se à rectificação do cancelamento do registo da acção constante do averbamento nº 2 da inscrição F-1 do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 03674/010895, da freguesia de …, do concelho de Vila Nova de Gaia, com a sua consequente conversão em renovação desse mesmo registo da acção, ordenando-se, em conformidade, o respectivo averbamento.[6]
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DECISÃO Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder provimento ao recurso de agravo interposto pelos requerentes B… e C…, revogando-se a decisão recorrida, que é substituída por outra que determina a rectificação do cancelamento do registo da acção constante do averbamento nº 2 da inscrição F-1 do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 03674/010895, da freguesia de …, deste mesmo concelho de Vila Nova de Gaia, com a sua consequente conversão em renovação desse mesmo registo da acção, ordenando-se, em conformidade, o respectivo averbamento.
Custas a cargo da requerida.
Porto, 1.3.2011
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Manuel Pinto dos Santos
João Manuel Araújo Ramos Lopes
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[1] Diversamente do que se fez na sentença recorrida, transcreveu-se agora na íntegra o despacho judicial de 3.12.1999.
[2] Actualmente art. 121 do Cód. do Registo Predial.
[3] A alínea a) do art. 14 foi entretanto revogada.
[4] A alínea d) do art. 16 tem presentemente a seguinte redacção: “quando tiver sido efectuado por serviço de registo incompetente ou assinado por pessoa sem competência, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 369.º do Código Civil e não possa ser confirmado nos termos do disposto no artigo seguinte.”
[5] Este preceito corresponde actualmente ao art. 59, nº 5, cuja redacção, na parte que nos interessa, é semelhante.
[6] No que toca à renovação do registo da acção anotar-se-à que o seu cancelamento em 30.12.1999 impossibilitou os autores de requererem a renovação desse mesmo registo, o que poderia ter sido feito até 16.1.2000.