DESOBEDIÊNCIA
CARTA DE CONDUÇÃO
Sumário

Pratica o crime de desobediência p. e p. pelos arts. 348º, nº 1, alínea a), do CP e 160º, nº 3, do Código da Estrada o condenado em pena de proibição de conduzir veículos com motor que, apesar de notificado no acto de leitura da sentença para, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado, entregar na secretaria do tribunal o título de condução, não faz essa entrega.

Texto Integral

Acordam em Conferência os Juízes do TRP no
Recurso Penal nº 1313/09.1 TAVCD.P1 da 1ª Secção (Criminal):

Submetido B… [nascido a 02.3.1967] a JULGAMENTO por Tribunal Singular no Processo Comum 1313/09.1 TAVCD do 1º Juízo Criminal de Vila do Conde [infra 1JCVCD] a Audiência culminou na SENTENÇA de 17.6. 2010 a fls 122-131 [depositada naquela data ex vi declaração a fls 133] que o condenou em 100 dias de multa a 7 € pela autoria material em 27.6.2009 de um crime (doloso) de desobediência p.p. pelo art 348-1-b do Código Penal de 15.9.2007 [ao qual respeitam as disposições legais infra referidas sem outra menção] e ainda na responsabilidade tributária processual penal acessória daquela.

Inconformado com o decidido de Direito o ARGUIDO interpôs [em 6/7 a fls 134-144] este RECURSO conforme Declaração de interposição e Motivação que rematou com 38 CONCLUSÕES que [conforme consabida Jurisprudência dos Tribunais Superiores] delimitam o objecto do Recurso e os poderes de cognição deste TRP, as quais seguidamente se transcrevem [após scanerização]:
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NOTIFICADO o Ministério Público [por termo em 8/7 a fls 145] nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e 413-1 do CPP, o Senhor Procurador RESPONDEU [a 5/8 a fls 146-153] concluindo [conforme transcrição após scanerização] que:
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Em Vista conforme art 416-1 do CPP o Exmo Procurador Geral Adjunto emitiu PARECER [em 19/10 a fls 160] concluindo que “…deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida” porquanto [conforme transcrição após scanerização]:
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Como FACTOS PROVADOS o Tribunal a quo enumerou os que seguidamente se transcrevem [conforme copy paste do suporte digital oportunamente enviado com o PCS]:

1. Por sentença proferida no Processo Sumário n.º 316/09.0 PAPVZ, do 1º Juízo Criminal deste Tribunal, transitada em julgado em 16 de Junho de 2009, foi o arguido condenado como autor material de um crime de condução de veículos em estado de embriaguez, p.p. pelo artº 292º, nº 1 do CP numa pena de três meses de prisão, substituída pela pena de 90 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco meses.

2. Aquando da leitura da referida sentença pela Mma. Juiza, foi o arguido pessoalmente notificado para, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado da sentença, entregar a carta de condução neste tribunal, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência

3. O arguido não entregou a carta de condução no prazo supra referido.

4. O arguido voluntária e conscientemente, não cumpriu a ordem que lhe foi dada, decorrido o prazo fixado, não tendo entregue a carta/licença de condução, apesar de saber que desobedecia à ordem dada e que o seu não acatamento era cominado com a prática de um crime de Desobediência e que se tratava de uma ordem legitima emanada de autoridade competente que lhe fora regularmente comunicada e cujo teor compreendera.

5. O arguido sabia ser a sua conduta proibida e punida por lei.

6. O arguido é solteiro e trabalha como auxiliar administrativo.

7. O arguido já foi anteriormente condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez praticado em 25/11/2001 e condenado na pena de 70 dias de multa, á taxa diária de € 4,00, por sentença transitada em 13/02/2004; pela prática, em Junho de 2003, de um crime de Desobediência, p.p. pelo artº 348º, nº 2 do CP na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 2,00, por sentença transitada em 14/10/2004; pela prática de um crime de Abuso de Confiança Fiscal, p.p. pelo artº 105º, nº 1 do RGIT, praticado em 1/08/1997, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, por sentença transitada em 14/12/2004.

Quanto a FACTOS NÃO PROVADOS o Tribunal a quo exarou que “Não resultaram ‘não provados’ quaisquer factos com interesse para a descoberta da verdade material”.
Como MOTIVAÇÃO da decisão da Matéria de Facto o Tribunal a quo exarou [conforme copy paste do suporte digital oportunamente enviado com o PCS] que:

Tomaram-se em consideração os documentos juntos aos autos designadamente a certidão da sentença proferida no processo 316/09.0 PAPVZ com nota de trânsito em julgado, bem como do despacho que dá conta da não entrega da carta naqueles autos findo o respectivo prazo.
A prova documental junta funda a decisão de facto proferida.
O arguido não quis prestar declarações.
Valorou-se ainda o CRC junto aos autos

APRECIANDO:

A única questão de Direito a decidir é saber se a provada não entrega dolosa até 26.6.2009 do Arguido, da carta de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em 16.6.2009 da Sentença condenatória em 3 meses de prisão substituídos por 90 dias de multa e (decisivamente ao que ora importa) na pena acessória de proibição por 5 meses de conduzir veículos motorizados, pela autoria material de um crime doloso de condução de veículo em estado de embriaguez p.p.pelos arts 292-1 e 69-1-a do Código Penal de 15.9.2007 (da qual o Arguido foi pessoalmente notificado com a advertência de que incorreria na prática de um crime de desobediência caso não a entregasse dentro daquele prazo) constitui o crime (doloso) de desobediência simples p.p. pelos arts 348-1-b, 41-1 e 47-1 do Código Penal de 15.9.2007 com prisão entre 1 mês e 1 ano ou multa entre 10 e 120 dias (como acusado, tido por provado e concluído na Resposta no 1JCVCD e no Parecer neste TRP) ou não (como Motivado pelo Arguido recorrente).

Subsidiariamente, o MP recorrido aproveitou logo para subscrever na Resposta no 1JCVCD a possibilidade de condenação, dialecticamente admitida na Motivação pelo Arguido recorrente, pelo novel crime (doloso) de violação de imposições p.p. pelos arts 353, 41-1 e 47-1 do Código Penal de 15.9. 2007 com prisão entre 1 mês e 2 anos ou multa entre 10 e 240 dias “Quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade …”, norma incriminadora esta com a redacção dada pelo art 1 da Lei 59/2007 de 4/9 (ali tendo-se destacado a negrito e a sublinhado as alterações introduzidas) “…alargada com o propósito de incluir precisamente estes casos de incumprimentos de imposições resultantes de penas acessórias…” como expressou PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição, maio 2008, pág 1256, que ademais relevou:

Quanto à conceptualização do crime (doloso) de violação de imposições tipificado no art 353 do Código Penal de 15.9.2007, que: “2. O bem jurídico protegido pela incriminação é a autoridade pública do sistema estadual de justiça, quando profere sentenças criminais que imponham imposições, proibições ou interdições. 3. O crime de violação de imposições, proibições ou interdições é um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção) (sobre estes conceitos ver a anotação ao artigo 10.°). 4. O tipo objectivo consiste na violação de imposições (sanções de conteúdo positivo), proibições ou interdições (sanções de conteúdo negativo) determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade. 5. As sanções incluem as previstas nos artigos 66.°, 69.° e 90.°-A, n.° 2, 100.°, 101.°, 179.°, 246.° e 346.° do CP. Mas não incluem as sanções previstas no direito das contra-ordenações, mesmo que aplicadas por sentença proferida em processo penal. 7. O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo. 8. O crime é cometido pelo condenado por sentença criminal. Trata-se de um crime específico próprio. Mas as penas acessórias podem ser violadas directamente pelo condenado ou por interposta pessoa (assim também, já EDUARDO CORREIA, in ACTAS CP/ EDUARDO CORREIA, 1965 b: 288, e FIGUEIREDO DIAS, 1993: 513 e 514). Nesse caso, a qualidade do agente é comunicável aos comparticipantes que a não possuam (artigo 28.°, n.° 1) (P P ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, 1ª edição, dez 2008, pág 834);

Quanto a concurso efectivo entre o crime (doloso) de violação de imposições e o crime (doloso) de desobediência qualificada previsto pelo art 138-2 do CE e punido pelo art 348-2 do CP, que “Se o arguido não entregar a carta no prazo fixado, comete o crime do artigo 353.° (ficando prejudicada pela nova lei penal a jurisprudência do acórdão do TRC, de 26.3.2003, in CJ, XXVIII, 2, 42, e acórdão do TRG, de 18.12.2002, in CJ, XXVII, 5, 293). Se o arguido não entregar a carta no prazo fixado e conduzir veículo motorizado, comete o crime de violação de imposições previsto no artigo 353.° em concurso efectivo com o crime de desobediência qualificada previsto no artigo 348.°, n.° 2, do CP, nos termos do artigo 138.°, n.° 2, do Código da Estrada. Se o arguido entregar a carta no prazo fixado, mas posteriormente conduzir veículo motorizado no período de inibição, comete apenas o crime de desobediência qualificada previsto no artigo 348.°, n.° 2, do CP, nos termos do artigo 138.°, n.° 2, do Código da Estrada. No caso de sanção acessória aplicada em processo criminal ou de contra- ordenação, a respectiva violação não é punível com a sanção acessória de inibição do direito de conduzir, por (acórdão do TRL, de 26.9.2006, in CJ, XXXI, 4, 115, e acórdão do TRP, de 24.10.2007, in CJ, XXXII, 4, 231)” [negritos nossos] (P P ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição, maio 2008, anotação ao art 500, pág 1256).

Salvo o devido respeito, a querela objecto de Recurso, da comissão ou não pelo Arguido, com a prática dos factos acusados depois tidos por provados, de um crime (doloso) de desobediência simples p.p. pelos arts 348-1-b, 41-1 e 47-1 com prisão entre 1 mês e 1 ano ou multa entre 10 e 120 dias, já tem história neste processo:

Tendo o Despacho 22.3.2010 a fls 98 recebido a Acusação de 11.01.2010 a fls 49-50 por aquele crime, a Defensora requereu na Sessão da Audiência de Julgamento que “… o Tribunal aprecie e decida acerca da tipificação legal dos factos descritos na acusação” porquanto “O arguido vem acusado de um crime de desobediência, p. e p. pelo art° 348°, n° 1 b), do C. Penal. Ora compulsada a jurisprudência, designadamente os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 16-12-2009, pelo Relator Esteves Marques e de 21-04-2010, pelo Relator Gomes de Sousa, e ainda em consonância pela conjugação dos artigos 29° da CRP, 69°, n° 3, do C. P. e 500°, do CPP, o legislador previu expressamente para a falta de cumprimento da entrega voluntária da licença de condução, a sua apreensão. Tem sido considerado unânime que os factos descritos da forma como estão fundamentados na douta acusação nunca poderiam ser passíveis de serem subsumidos do tipo legal - do crime desobediência. A presente questão, com o devido respeito, é uma questão de direito e de conhecimento oficioso, pelo que, desde já se requer que o Tribunal aprecie e decida à cerca da tipificação legal dos factos descritos na acusação”, ao que (uma outra Magistrada d)o MP opôs-se porquanto “o Ministério Público entende que a ordem que consta na douta acusação proferida nos autos consubstancia uma ordem legítima, válida e regular, constituindo-se assim o arguido como autor de um crime de desobediência, o Ministério Público reitera todo o teor da acusação já proferida”;
Tendo a Mma Juiz a quo ter decidido que “…nada há de momento a decidir, sendo … a questão … apreciada em sede de sentença” porquanto “A questão ora suscitada pelo arguido prende-se unicamente com uma das interpretações jurisprudenciais que vêm sendo feitas sobre os factos pelos quais o arguido vem acusado e sobre a susceptibilidade dos mesmos se subsumirem ou não à prática do crime que vem acusado. Trata-se, efectivamente, de uma questão jurídica a resolver nos autos, todavia, não é este, salvo o devido respeito, momento próprio para o fazer, uma vez que só em sède de sentença final e depois de produzida a prova sobre a factualidade em causa, o Tribunal se pronunciará sobre a questão jurídica da qualificação jurídica da factualidade que venha a ser provada. É que o alegado no requerimento apresentado não constitui mais do que uma interpretação jurisprudencial que não vincula este Tribunal ao seu seguimento pelo que pode, e deve, se esse for o seu entendimento, decidir em sentido contrário aquela jurisprudência”, a Sentença recorrida fixou-se na fundamentação da conclusão da verificação do acusado crime, nos termos seguintes:

Nos termos do art. 348.º, n.º 1, al. b) do Cód. Pen., comete um crime de desobediência, na modalidade relevante nos presentes autos, quem faltar à obediência devida a ordem legítima, regularmente comunicada e emanada de autoridade competente, se, na ausência de disposição legal, a cominar no caso, a punição da desobediência simples, a autoridade fizer a correspondente cominação.
Resulta da matéria de facto provada que o arguido, condenado numa pena acessória de proibição de conduzir e notificado pessoalmente pela Mma. Juiz para entregar a carta de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença não a entregou no referido prazo.
Todavia, não é pacífica na jurisprudência a subsunção desta conduta ao crime de Desobediência.
Vejamos:

São elementos do crime de desobediência:
1º - a imposição de uma acção ou omissão dirigida a alguém;
2º - a legalidade substancial dessa imposição;
3º - a legalidade formal da ordem dada, ou seja, a ordem terá que ser proferida de acordo com as formalidades legais;
4º - a competência da autoridade que emana a ordem.
5º - a regularidade da sua transmissão ao destinatário, de modo que lhe permita ter efectivo conhecimento da ordem transmitida;
6º - A vontade do destinatário de não acatar a ordem dada.

No caso em apreço a divergência jurisprudencial surge, na sua maioria, quanto à verificação ou não de um daqueles elementos: a validade substancial da ordem dada.
A incriminação prevista no artº 348º, nº 1, b) do CP refere-se apenas aos casos em que nenhuma norma jurídica pune como crime de desobediência o concreto incumprimento.
O bem jurídico protegido pela norma é a autoridade intencional do Estado.

Há, como se disse, jurisprudência, que entende que o comportamento do arguido da ordem que lhe foi dada é insusceptível de integrar o crime de Desobediência - Ac. RL de 18/12 /2008, proc. 1932/2008-9, publicado em www.dgsi.pt - segundo o qual o paradigma da intervenção mínima do Direito Penal que decorre do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, obsta a que, existindo disposições legais que prevejam a não entrega da carta de condução e a punição do exercício da condução durante o período de proibição, se considere materialmente ilegítima, para efeitos de cominação do crime de desobediência, a ordem constante da sentença de entrega da carta de condução. Esta menção terá, antes, segundo tal entendimento, uma natureza informativa, uma vez que a obrigação de entrega da carta de condução já resulta do disposto no artigo 500.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Por seu turno, as normas referidas são o artigo 500.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que estabelece a possibilidade de apreensão da carta de condução em caso de não entrega no prazo legal, e o artigo 353.º do Código Penal, que pune a violação da proibição, independentemente da entrega da carta de condução.
Mais invocam, que o dever de entrega decorre da lei e não de qualquer ordem nesse sentido.

Tendo em conta o bem jurídico protegido pela norma – a autonomia intencional do Estado – não podemos concordar com tais argumentos.
Vejamos.
Dispõe o artº 500º do CPP sob a epígrafe “proibição de condução”:
«1 - A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à Direcção-Geral de Viação.
2 - No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.
3 - Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução …».

Temos, portanto, que a lei impõe ao condenado o dever de entregar a licença de condução e determina qual o procedimento a seguir quando este dever não seja voluntariamente cumprido.
Todavia, não é o facto de a lei prever uma forma coerciva de fazer cumprir um dever quando este não é voluntariamente cumprido – que impede que a autoridade competente – neste caso o Juiz – reforce a necessidade de adopção daquela conduta naquele prazo, cominando a omissão do comportamento devido com a prática de um crime de Desobediência.
Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 18/11/2009, disponível em www.dgsi.pt: “O facto de a norma (artº 500º CPP) avançar com uma solução para o caso de o condenado não proceder à entrega, significa, apenas, que o sistema previu essa possibilidade e acautelou-a, estabelecendo como saída para o incumprimento a apreensão do título por parte das autoridades. Isto não retira nem acrescenta argumentos. É que se a lei não desse solução ao caso, então a recusa do arguido em entregar a carta de condução seria, eventualmente, inultrapassável.”

Por outro lado, o art. 160º do Código da Estrada dispõe:
«1 - As cartas ou licenças de condução devem ser apreendidas para cumprimento da cassação da carta ou licença, proibição ou inibição de conduzir.

3 - Nos casos previstos nos números anteriores, o condutor é notificado para, no prazo de 15 dias, entregar a carta ou licença de condução à entidade competente, sob pena de desobediência.
4 - Sem prejuízo da punição por desobediência, se o condutor não proceder à entrega da carta ou licença de condução nos termos do número anterior, pode a entidade competente determinar a sua apreensão, através da autoridade de fiscalização do trânsito e seus agentes».
Como sabemos, «as contra-ordenações graves e muito graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória», diz o nº 1 do art. 138 do Código da Estrada.
Por seu turno, o nº 1 do art. 147º do mesmo diploma diz que «a sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contra-ordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de conduzir».
Já quanto à proibição de conduzir, trata-se de uma pena e decorre, necessariamente, da prática de um crime, tal como refere o art. 69º do Código Penal.
Ora, mal se compreenderia que o incumprimento da entrega da carta no prazo fixado na lei no seguimento da aplicação de uma sanção acessória por parte de uma autoridade administrativa fosse cominado com a prática de um crime de Desobediência, legalmente previsto - artº 160º, nº 3 do CE - e a não entrega da carta de condução no prazo legalmente fixado quando está em causa a condenação numa pena acessória aplicada pelo juiz não tivesse, pelo menos, a mesma relevância criminal!
É que, também no caso da não entrega decorrente da condenação em sanção acessória o legislador prevê a apreensão da carta como meio coercivo quando ocorre a não entrega voluntária no prazo legalmente fixado – artº 160º, nº 4 do CP.

Então, o que quis o legislador proteger ao cominar com a prática de um crime de Desobediência a não entrega da carta no prazo legal no artº 160º, nº 3 do CP?
Em nosso entender, o que o legislador quis foi precisamente realçar a necessidade daquela entrega naquele prazo através de uma ordem dada especificamente para reforçar a importância da entrega da carta naquele prazo e voluntariamente, o que permitirá fazer cumprir mais facilmente a sanção acessória imposta evitando a necessidade de ter que passar a uma fase coerciva que muitas vezes, pese embora a possibilidade de apreensão, resulta inexequível.
Ora esse objectivo existirá da mesma forma e, por maioria de razão, quando está em causa a aplicação de uma pena acessória e é considerando o relevo desse comportamento que o juiz, não estando prevista na lei a desobediência para a omissão de entrega, faz a respectiva cominação.

E não se diga que o faz por livre arbítrio, pois, como vimos, a dignidade penal desta omissão foi expressamente prevista pelo legislador no caso de aplicação das sanções acessórias de inibição de conduzir, pelo que é legítimo ao juiz atribuir a mesma dignidade penal à mesma omissão mas agora em consequência da aplicação de uma pena acessória.

Como se refere no Acórdão da Relação do Porto supra referido:
“… Esta é aliás, em nosso entender, a única interpretação que confere lógica ao sistema.
Se o desrespeito da ordem dada pela autoridade administrativa configura um ilícito penal, então a violação de uma ordem de conteúdo igual dada pelo juiz terá que integrar também um ilícito penal, pelo menos por igualdade de razão.
E não se diga que é por via da interpretação que se cria um tipo legal de crime pois, que como se viu, é a al. b) do nº 1 do art. 348º do Código Penal que estabelece o tipo de crime em questão.”

Aliás, há já jurisprudência que entende que actualmente os factos imputados ao arguido estão previstos no próprio artº 160º do CE, pois, a “proibição de conduzir “ali referida só pode referir-se à pena acessória, uma vez que a inibição de conduzir é que se refere à sanção acessória e, por isso, a conduta estaria até prevista não na alínea b) mas na alínea a) do artº 348º, nº 1 do CP.
Neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 24/03/2010, onde se refere: “… Ora, a proibição de conduzir a que se refere este preceito (artº 160º do CE) não pode deixar de ser a pena acessória de natureza penal que se encontra prevista no citado artigo 69.º e que neste caso foi imposta ao arguido.

Por isso, entendemos que a falta de entrega pelo arguido da carta de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença que aplicou a proibição de conduzir constitui crime de desobediência punível nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal...”

Sem prejuízo da pertinência desta última interpretação à qual só se objecta o facto de existir norma penal própria – artº 500º do CP – que regula a “Proibição de Conduzir” e as consequências da omissão da entrega da carta - por tudo o que ficou exposto entendemos que a conduta omissiva do arguido tem a necessária relevância normativa que impõe a sua subsunção ao crime de desobediência, da al. b), do nº 1 do art. 348º do Código Penal.

No caso vertente, a autoridade competente o juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde; cfr., entre outros, o art. 19.º do Cód. Proc. Pen.) ordenou legitimamente cfr. o art. 500.º, n.º 3, do Cód. Proc. Pen. que o arguido entregasse a sua carta de condução no prazo fixado cfr. os factos provados , ao que o arguido tinha o dever de obedecer o que decorre das já referidas disposições legais , não o tendo feito cfr. os factos provados , tendo sido tal ordem regularmente comunicada ao arguido cfr. os factos provados e tendo a autoridade em causa emitido a ordem com a cominação de punição por desobediência simples cfr. os factos provados - o arguido praticou todos os factos necessários ao preenchimento dos momentos objectivos do tipo-de-ilícito previsto no citado artigo 348.º, n.º 1, al. b), do Cód. Penal...

Ao fazê-lo, o arguido agiu com o dolo exigido pelo tipo, uma vez que agiu livre e voluntariamente, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida.
Assim, é de concluir que o arguido cometeu o crime de desobediência pelo qual vem acusado.

Pois bem, tendo presente a distinção entre norma/s incriminadora/s de uma acção/ omissão im/pura e a/s correlativa/s norma/s comidora/s de pena/s, não assiste razão a Arguido recorrente que quer ser absolvido quando cometeu um crime, nem ao Ministério Público recorrido que persiste na comissão do crime do art 348-1-b tout court, nem à Mma Juiz a quo que aderiu a tal conclusão não obstante bem ter andado ao referir na valoração do provado o art 160-3 do Código da Estrada de 26.3.2005, por se considerar que o Arguido cometeu o crime (doloso) de desobediência previsto pelo art 160-3 do Código da Estrada de 26.3.2005 e punido pelas parte final e alínea a do nº 1 art 348 completada com os arts 41-1- e 47-1 do Código Penal de 15.9.2007.

É que, a norma incriminadora violada pelo Arguido encontra-se claramente definida já que objectiva e subjectivamente delimitada quanto baste no art 160-3 do Código da Estrada de 26.3.2005, enquanto a pena abstractamente aplicável a tal crime (doloso) é que decorre da conjugação dos limites superiores da prisão e da multa em alternativa indicados na parte final do corpo do nº 1 do art 348 (por expressa remissão do art 160-3 do Código da Estrada de 26.3.2005) complementado pelos arts 41-1 e 47-1 do Código Penal de 15.9.2007 que estatutem os limites inferiores de prisão e multa aplicáveis, assim não sendo caso de discussão da verificação dos elementos objectivos “… faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunidos e emanados de autoridade ou funcionário competente…” que só tem cabimento no caso de comissão do crime (doloso) de desobediência simples incriminado apenas pelo art 348-1-a ou pelo art 348-1-a do Código Penal de 15.9.2007, o que não é o caso por à data da prática pelo Arguido dos Factos Provados vigorarem as seguintes disposições legais:

● Art 69 do Código Penal (epigrafado “Proibição de conduzir veículos com motor”) na redacção inovatória da Lei 77/2001 de 13/7 ao art 69-1-a-b-c-2-3-4-5-7 posto que manteve como art 69-6 o anterior art 69-4) [que não prevê crime algum]:

“1 — É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:

a) Por crime previsto nos artigos 291.° ou 292.°;

b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante; ou

c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legaImente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.

2 — A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.

3 — No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.

4 - A secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir à Direcção-Geral de Viação no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto no número anterior.

5 — Tratando-se de título de condução emitido em país estrangeiro com valor internacional, a apreensão pode ser substituída por anotação naquele título, pela Direcção-Geral de Viação, da proibição decretada. Se não for viável a anotação, a secretaria, por intermédio da Direcção-Geral de Viação, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido o título,

6 — Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.

7 — Cessa o disposto no n.° 1 quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a aplicação da cassação ou da interdição da concessão do título de condução, nos termos dos artigos 101.º e 102.°”

● Art 500 do CPP de 15.9.2007 [que apenas prevê procedimentos executórios]:

1. A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à Direcção-Geral de Viação.

2. No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.

3. Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.

4. A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular.

5. O disposto nos n.os 2 e 3 é aplicável à licença de condução emitida em país estrangeiro.

6. No caso previsto no número anterior, a secretaria do tribunal envia a licença à Direcção-Geral de Viação, a fim de nela ser anotada a proibição. Se não for viável a apreensão, a secretaria, por intermédio da Direcção-Geral de Viação, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido a licença.

● Art 160-3 do Código da Estrada de 26.3.2005 conforme art 24 do DL 44/2005 de 23/2 ao abrigo da Lei de Autorização Legislativa 53/2004 de 4/11:

“Quando haja lugar à apreensão do título de condução, o condutor é notificado para, no prazo de 15 dias, o entregar à entidade competente, sob pena de crime de desobediência, devendo, nos casos previstos no nº 1 [“…cassação do título, proibição ou inibição de conduzir”], esta notificação ser efectuada com a notificação da decisão” que sucedeu em 26.3.2005 ao art 166-3 do Código da Estrada de 01.10.2001 do DL 265-A/2001 de 28/9 conforme o qual “Nos casos previstos nos números anteriores [“…cassação do título, proibição ou inibição de conduzir”…”], o condutor é notificado para, no prazo de 20 dias, entregar o título de condução à entidade competente, sob pena de desobediência” que sucedeu em 01.10.2001 ao art 167-3 do Código da Estrada de 31.3.98 do DL 2/98 de 3/1 conforme o qual “Nos casos previstos nos números anteriores [“…cassação da carta ou licença proibição ou inibição de conduzir”], o condutor é notificado para, no prazo de 20 dias, entregar a carta ou licença de condução à entidade competente, sob pena de desobediência” em execução da Lei de Autorização Legislativa 97/97 de 23/8 quanto a Código da Estrada cujo art 3-c dispunha que “Fica ainda o Governo autorizado a estabelecer: A punição como crime de desobediência da não entrega da carta ou licença de condução à entidade competente pelo condutor proibido ou inibido de conduzir ou a quem tenha sido decretada a cassação daquele título” [sublinhados e negritos nossos], incriminação independente da diligência de apreensão do título de condução como se vê da sucessão dos arts 167-4, depois, 166-4, depois, 160-4 do Código da Estrada sempre iniciados com a proposição “Sem prejuízo da punição por desobediência…”;

● Art 138-2 do Código da Estrada de 26.3.2005 conforme art 24 do DL 44/2005 de 23/2 ao abrigo da Lei de Autorização Legislativa 53/2004 de 4/11:

“Quem praticar qualquer acto estando inibido ou proibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva que aplique uma sanção acessória, é punido por crime de desobediência qualificada” [sublinhados e negritos nossos] que sucedeu em 26.3.2005 ao art 139-4 conforme o qual “Quem conduzir veículo a motor estando inibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou decisão administrativa é punido por desobediência qualificada”.

Salvo o devido respeito, as supra citadas disposições legais satisfazem bastante à delimitação dos tipos legais de desobediência especialmente previstos em sede de Direito Estradal ou Rodoviário integrado pela parte civil, pela parte contra-ordenacional e pela parte criminal /penal, com assento no Código da Estrada e Legislação Complementar mas também no Código Penal enquanto compêndio normativo de referência do Direito Penal naquela parte denominável Estradal ou Rodoviário entre os quais avultam os arts 69, 200 e 288 a 294 além do art 348, assim condensando-se que:

O condutor condenado por Decisão Judicial transitada em julgado em proibição de conduzir que o notificou para entregar, sob pena de crime de desobediência, no prazo de 10 dias a contar daquele trânsito e na Secretaria do Tribunal ou em qualquer Posto Policial, o título que o habilite à condução ainda não apreendido, quando o não entregar é punido com prisão entre 1 mês e 1 ano ou multa entre 10 e 120 dias (conforme arts 160-3-1 do Código da Estrada de 26.3.2005, 69-1-3, 348-1 (in fine)-a, 41-1 e 47-1 do Código Penal de 15.9.2007);

Quem conduzir estando proibido de o fazer por Decisão Judicial transitada em julgado, é punido com prisão entre 1 mês e 2 anos ou multa entre 10 e 240 dias (conforme arts 138-2 do Código da Estrada de 26.3.2005, 348-2, 41-1 e 47-1 do Código Penal de 15.9.2007).

Tais as normas incriminadoras aplicáveis à omissão de não entrega do título de condução e à acção de condução proibida, respectivamente, ínsitas às supra citadas disposições legais do Código da Estrada de 26.3.2005 que se mostrarem formuladas, mormente o art 160-3 daquele, de modo diferente da técnica da condensação geral e abstracta dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime padronizada no Código Penal com a qual estamos familiarizados, sendo nítido no Código da Estrada, particularmente naquela disposição legal, a utilização da técnica da prescrição de comportamentos ou procedimentos a adoptar pelos destinatários das previsões sob pena de sanção por contra-ordenação ou por crime, técnica que, tendo tradição pretérita no domínio das Transgressões às quais foram sucedendo as Contra-ordenações no passado recente, obnubila imediata percepção das incriminações supra condensadas.

Este entendimento afigura-se imanente ao Acórdão tirado por unanimidade em 09.6.2010 por Eduarda Lobo e Lígia Figueiredo no Processo 60/09.9TACHV.P1 desta 1ª Secção (Criminal) do TRP e que foi seguido por citação no Acórdão tirado por unanimidade em 15.11.2010 por Maria Augusta no Processo 124/10.6TAPTL.G1 no TRG, (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), bem contrariando a dissensão jurisprudencial inserta nos Acórdãos tirados por unanimidade no TRC em 14.10.2009 por Paulo Guerra e Barreto do Carmo no Processo 513 /05.8TAOBR.C1, em 16.12.2009 por Esteves Marques no Processo 82/08.7TAOBR.C1 e em 21.4.2010 por Gomes de Sousa e Calvário Antunes no Processo 253/08.6TAVGS.C1 e nesta 1ª Secção (Criminal) do TRP em 10.11.2010 por Luís Teixeira e Artur Vargues no Processo 118/09.4T3OVR.P1, (todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Tendo o Arguido ora recorrente sido condenado em 100 dias de multa a 7 € diários atenta a pena abstractamente aplicável de prisão entre 1 mês e 1 ano ou multa entre 10 e 120 dias emergente da conjugação dos arts 348-1-a, 41-1- e 47-1 do Código Penal de 15.9.2007, e não tendo o Recorrente questionado o quantum de multa, seja o número de dias, seja a taxa diária, o Recurso não merece provimento sendo certo que a efectuada precisão da norma incriminadora do art 160-3 do CE aludida na Sentença recorrida e das normas cominadoras dos arts 348-1-a, 41-1 e 47-1 constitui mero refinamento jurídico da fundamentação de Direito para explicitar a ratio da condenação do Arguido que cumpre confirmar por (dolosa) desobediência.
Ainda a propósito da rara utilização da técnica legislativa da cisão da norma incriminadora (num diploma legal) e da correlativa norma cominadora (num outro diploma legal), lembra-se nunca se ter questionado a condenação pelo crime (doloso) de desobediência p.p. pelo art 348-1-a do autor material até 15.9.2007 (exclusive) de desobediência a comparência judiciária para julgamento em Processo Sumário, cuja norma incriminadora emergia da condensação dos nºs 2 e 4 do art 387 do CPP entretanto re-vogados pela novel regime jurídico do Processo Sumário introduzido pela Lei 48/2007 de 29/8, normas incriminadora e cominadora condensáveis nos seguintes termos:

O detido fora do horário de funcionamento normal da Secretaria Judicial, sujeitado pela Entidade Policial que tiver procedido à detenção, a Termo de Identidade e Residência e libertado com notificação para comparecer perante o Ministério Público no primeiro dia útil seguinte, à hora que lhe for designada, sob pena de, faltando, incorrer no crime de desobediência, que dolosamente faltar injustificadamente, tendo sido lavrado auto de notícia para procedimento criminal, é punido com prisão entre 1 mês e 1 ano ou multa entre 10 e 120 dias (arts: 117 e 387-2-4 do CPP na redacção da Lei 59/98 de 25/8; 13, 348-1-a, 41-1 e 47-1). E age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar (art 14-1, estes do CP).

Ou seja, a norma incriminadora supra condensada (o detido fora do horário de funcionamento normal da Secretaria Judicial, sujeitado pela Entidade Policial que tiver procedido à detenção, a Termo de identidade e Residência e libertado com notificação para comparecer perante o Ministério Público no primeiro dia útil seguinte, à hora que lhe for designada, sob pena de, faltando, incorrer no crime de desobediência, que dolo samente faltar injustificadamente, tendo sido lavrado auto de notícia para procedimento criminal), encontrava-se prevista no art 387-2-4 do CPP introduzido pela Lei 59/98 de 25/8 (que retomou a solução criminal prevista e punida pelo art 285º A do CPP de 1929 introduzido pelo art 5 do DL 377/77 de 6/9 revogado pelo art 2-2-i do DL 78/87 de 17/2 que aprovou o CPP87); a correlativa norma cominadora supra apontada (é punido com prisão entre 1 mês e 1 ano ou multa entre 10 e 120 dias) emergia da remissão do art 387-4 do CPP para o art 348-1 (quanto ao limite superior, quer da prisão, quer da multa, aplicáveis) condensada com os arts 41-1 e 47-1 do CP95 (quanto ao limite inferior, quer da prisão, quer da multa, aplicáveis).

Tendo presente que a concreta aplicação de uma pena é função do binómio crime cometido – pena aplicável, nota-se que a omissão criminosa estava prevista no art 387-2-4 do CPP e a correlativa pena aplicável estava prevista nos arts 348-1, 41-1 e 47-1 do CP95, tanto assim que, se o detido não tivesse devidamente sido constituído Arguido e ou prestado termo de identidade e residência e ou notificado para comparecer no primeiro dia útil seguinte e ou sob tal cominação em caso de falta injustificada, o crime (doloso) de desobediência a comparência judiciária, para julgamento em processo sumário se o Ministério Público não optasse por outra via processual penal, não se mostrava preenchido, ainda que a notificação tivesse sido efectuada por órgão de polícia criminal por o Estatuto do mesmo não lhe conferir o poder dever de notificar o detido nos termos e para os efeitos do art 387-2-4 do CPP, antes tal poder dever com a cominação da desobediência no caso de falta injustificada, se fundava expressamente em tais dois normativos legais, pois que quanto a tal concreta matéria nenhuma disposição legal expressa se encontra(va):

● Na “velha” Lei de Organização e Funcionamento da PSP – Lei 5/99 de 27/1,
● No Estatuto do Pessoal da PSP – DL 321/94 de 29/12,
● Na “velha” Lei Orgânica da GNR – DL 231/93 de 26/6,
● No Estatuto dos Militares da GNR – DL 265/93 de 31/7.

A final resta observar que, existindo a norma incriminadora do art 160-3 do CE perspectivável como Direito Penal Estradal ou Rodoviário ou Direito Estradal ou Rodoviário Penal como se preferir, preclude-se discussão jurídica da subsunção dos Factos Provados ao crime (doloso) de violação de imposições da p.p. do art 353, 41-1- e 47-1 do Código Penal de 15.9.2007 como foi admitido pelo Arguido recorrente no corpo da Motivação reflectido na Conclusão 25 [“Mesmo que o arguido se recusasse a entregar sa carta de condução, sempre lhe seria imputado um crime de violação de proibições previsto e punido pelo art. 353 do Código Penal”] e prontamente aproveitado pela Magistrada do MP recorrente no 1JCVCD para subsistência da condenação criminal.

A eventualidade de um tal enquadramento jurídico, doutrinalmente aventada por P P ALBUQUERQUE, obra citada, pág 1256, anotação ao art 500 do CPP, teria como suporte literal a introdução em 15.9.2007 de “…imposições…” e da substituição de “… impostas…” por “…determinadas…” no teor do art 353 do Código Penal de 01.10.1995 que apenas previa “Quem violar proibições ou interdições impostas por sentença criminal, a título de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade…”, face a tal norma incriminadora “Parece[ndo] que o tipo de crime em análise se aplica tão só a proibições ou interdições, uma vez que as penas ou medidas com este conteúdo que se torna mais difícil dotar de efectividade. Também não estarão contempladas – é uma derivação lógica necessária - penas acessórias não violáveis e penas ou medidas de segurança cujo regime preveja as consequências jurídico-penais do seu incumprimento” (CRISTINA LÍBANO MONTEIRO, Comentário Conimbrincense do Código Penal, III, Coimbra Editora, Março 2001, pág 401), por que se considerou o art 353 não contemplar a pena acessória da proibição de conduzir na redacção inovatória dada pela Lei 77/2001 de 13/7 ao art 69-1-a-b-c-2-3-4-5-7 que manteve como art 69-6 o anterior art 69-4 supra reproduzido.

Ora, não obstante o art 353 prever e conjugamente com os arts 41-1 e 47-1, todos do Código Penal de 15.9.2007, punirem como crime (doloso) de “violação de imposições, proibições ou interdições” com prisão entre 1 mês e 2 anos ou multa entre 10 e 240 dias “Quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade …”, (redacção dada pelo art 1 da Lei 59/2007 de 4/9, ali tendo-se destacado a negrito e a sublinhado as alterações introduzidas), não se pode ter por certo que a norma incriminadora tenha sido “…alargada com o propósito de incluir precisamente estes casos de incumprimentos de imposições resultantes de penas acessórias…” como anotou PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição, maio 2008, pág 1256, porquanto:

Colhendo-se da história conhecida do processo legislativo o facto da Proposta de Lei 98/X (origem daquela Lei 59/2007) referir apenas que “… o ilícito criminal de violação de proibições ou interdições é alargado … entre as condutas típicas inclui-se agora também a violação de imposições, pelo que o tipo de crime englobará o incumprimento de quaisquer obrigações impostas por sentença criminal, tenham elas conteúdo positivo ou negativo”, as alterações efectuadas ao art 353 ampliaram o âmbito da norma incriminadora para poder abranger a “Injunção judiciária” aplicável como “…penas acessórias…” a “… pessoas colectivas e entidades equiparadas…” ex vi os aditados arts 90-A-2-a e 90-G-1-2 conforme o qual “O tribunal pode ordenar à pessoa colectiva ou entidade equiparada que adopte certas providências, designadamente as que forem necessárias para cessar a actividade ilícita ou evitar as suas consequências” com “…determina[ção d]o prazo em que a injunção deve ser cumprida a partir do trânsito em julgado da sentença”, sem que o novel norma incirminadora do art 353 do Código Penal de 15.9.2007 abranja a obrigação imposta por Lei de entrega do título que habilita o condutor a poder fazê-lo, por ser, quando muito, uma obrigação (funcionalmente) acessória (lógico-cronologicamente anterior da efectivação por cumprimento) da imposta proibição principal (materialmente independente daquela) de conduzir veículos com motor em que consiste a pena acessória prevista no art 69 do Código Penal desde a Lei 77/2001, sendo certo que das supras citadas anotações de P P ALBUQUERQUE ao art 500 do CPP não consta alusão ao art 160-3 do Código da Estrada de 26.3.2005, nem concretização da ocorrência de eventual ampliação fundada da mens legislatoris durante a discussão parlamentar da Lei 59/2007.

Em síntese, no respeito da unidade da ordem jurídica por forma a assegurar identidade de consequências jus criminais / penais após aplicação contra-ordenacional de inibição de conduzir ou aplicação criminal / penal de proibição de conduzir por sempre se tratar de Direito Estradal ou Rodoviário:

● O condutor condenado por Decisão Judicial transitada em julgado em proibição de conduzir que o notificou para entregar, sob pena de crime de desobediência, no prazo de 10 dias a contar daquele trânsito e na Secretaria do Tribunal ou em qualquer Posto Policial, o título que o habilite à condução ainda não apreendido, quando o não entregar é punido com prisão entre 1 mês e 1 ano ou multa entre 10 e 120 dias (conforme arts 160-3-1 do Código da Estrada de 26.3.2005, 69-1-3, 348-1 (in fine)-a, 41-1 e 47-1 do Código Penal de 15.9.2007);

● Quem conduzir estando proibido de o fazer por Decisão Judicial transitada em julgado, é punido com prisão entre 1 mês e 2 anos ou multa entre 10 e 240 dias (conforme arts 138-2 do Código da Estrada de 26.3.2005, 348-2, 41-1 e 47-1 do Código Penal de 15.9.2007).

TERMOS EM QUE:

Negam provimento ao Recurso do Arguido.

Por isso condenam-o em 4 UC de taxa de justiça conforme art 513-1 do CPP.

Notifiquem-se os Sujeitos Processuais conforme arts 425-6 do CPP.

Transitado, remeta-se ao 1JCVCD para execução do transitadamente decidido.

TRP, 02 de Março de 2011.
José Manuel da Silva Castela Rio
José Manuel Ferreira de Araújo Barros