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CONTRATO DE TRABALHO A PRAZO
QUALIFICAÇÃO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
COMISSÃO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
CONTRATO DE AGÊNCIA
Sumário
I – Para que se reconheça a existência de um contrato de trabalho, é necessário que ocorram as características da subordinação jurídica por parte do trabalhador, a qual consiste numa relação de dependência da conduta do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.
II – Ao autor, trabalhador, compete a prova da existência de um contrato de trabalho.
III – É de qualificar como contrato de agência, e não de trabalho, aquele pelo qual o autor se obrigou a prestar à ré serviço de venda dos produtos do seu fabrico e/ou comercialização numa determinada zona do País, ou em qualquer outra zona do País onde esta tivesse conveniência, sendo-lhe atribuída uma comissão de 2% sobre o valor líquido das vendas efectuadas (nada recebendo se nada vendesse), cuja cobrança era de sua inteira responsabilidade, com deslocações à sede da empresa uma vez por semana para conferência das cobranças, sendo os custos dessas deslocações suportados integralmente pelo autor, que preenchia as notas de encomenda segundo directrizes fornecidas pela ré, exercia a sua actividade sem sujeição a horário de trabalho, geria o seu tempo de harmonia com os seus propósitos, deslocava-se em viatura própria e suportava todas as despesas relacionadas com a actividade desenvolvida, estando colectado como empresário por conta própria e nunca tendo estado inscrito na Segurança Social como assalariado da ré.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
"AA" demandou no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia a Ré “ Empresa-A – Indústria Alimentar de Carnes, SA, pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de 6.367.426$00 bem como os juros de mora que se vencerem a partir de 19/6/2001 sobre o montante de 5. 471.327$00.
Alegou que exerceu ao serviço da Ré, sob as respectivas ordens, orientação e fiscalização, a actividade de vendedor comissionista, por contrato a termo certo, apesar de intitulado de prestação de serviços, celebrado em 1 de Janeiro de 1994 e com termo previsto para 30 de Junho seguinte.
Tal contrato renovou-se sucessivamente, convertendo-se em definitivo por força da lei, cessando em 30 de Junho de 2000 por iniciativa da A. , que o rescindiu mediante aviso prévio.
Ao A. competia exercer as funções indicadas no art. 6º da petição inicial e tinha perante a Ré as obrigações que enumera no art. 7º daquele articulado.
Nunca a Ré pagou ao A. o subsídio de férias nem o de Natal, perfazendo 5.215.838$00 o montante deles que está em dívida, a que acrescem 255.489$00 correspondentes a retribuição e respectivo subsídio pelo período de férias proporcional ao tempo de serviço prestado no ano 2000.
Frustrada a conciliação das partes, contestou a Ré defendendo o infundado da acção porquanto nunca vigorou qualquer contrato de trabalho com o A., jamais revestindo a natureza de salários as comissões que o A, auferiu ao longo do contrato, variáveis em função das encomendas que angariava.
Desinteressado do exercício de tal actividade, o A. comunicou à Ré que não a continuava, não sendo verdade que se tenha despedido e concedido o aviso prévio.
Considerando o modo como exercia a sua actividade, sem sujeição a horário de trabalho nem ao controlo, direcção e ordens da Ré, e à forma como eram pagas as comissões, encontrando-se o A. colectado pelo exercício de actividade por conta própria, nessa medida sendo retidos os montantes correspondentes ao IRS, e não estando inscrito na Segurança Social, jamais o contrato que ligou o A. à Ré pode ser qualificado de trabalho, mas antes de agência - nº 1 do art. 1º do Dec - Lei nº 178/86.
Consequentemente, deverá julgar-se a acção improcedente.
Efectuada a audiência de julgamento e fixados os factos provados, proferiu-se sentença a absolver a Ré do pedido, por improcedência da acção.
Sob apelação do Autor, o Tribunal da Relação do Porto, fazendo aplicação do disposto no art. 713º nº 5 do Cód. de Proc. Civil, negou provimento ao recurso pelos fundamentos da sentença recorrida.
De novo inconformado, o A. recorreu de revista, tendo assim concluído a sua alegação:
a) O contrato subjacente à relação jurídica que existiu entre recorrente e recorrida foi um contrato de trabalho.
b) O trabalho prestado pelo recorrente à recorrida ao abrigo de tal contrato deve ser qualificado como trabalho subordinado e, como tal, sujeito às disposições legais imperativas para a regulação dessa actividade.
c) Às decisões das instâncias, ao não acolherem esse entendimento, violaram o preceituado no art. 1º da Lei do Contrato de Trabalho (LCT - Dec - Lei 49.408, de 24/11/969), bem como o disposto nos art.s 6º nº 2 e 10º nº 1 do Dec- Lei 874/76, de 28/12 ( LFFF) e no art. 2º do Dec - Lei nº 88/96, de 3/7 ( subsídio de Natal).
d) Assim, deve regovar-se o acórdão recorrido e condenar-se a Ré a pagar ao recorrente as quantias por este peticionadas.
e) Contra- alegou a recorrida pugnando pela confirmação do julgado.
Também no sentido da negação da revista emitiu a Exma Procuradora- Geral Adjunta o bem elaborado parecer de fls. 177-184.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
O acórdão em recurso considerou fixados os factos apurados em 1.ª instância, que são os seguintes:
1) A Ré dedica-se à indústria alimentar de carnes.
2) Há vários anos o sogro do A., entretanto falecido, foi vendedor comissionista da Ré.
3) Nessa altura, o A. chegou a coadjuvar o seu sogro nessa actividade, não tendo contudo qualquer relação com a Ré.
4) Após o falecimento do sogro do A. este passou a ser vendedor comissionista da Ré e, de então para cá, chegou a ter dois colaboradores, sem relação com a Ré, que o coadjuvavam na sua actividade ( primeiro um, chamado BB, que veio a falecer e, depois um chamado CC que, a dada altura se desligou do A. e passou a ser, também vendedor comissionista da Ré).
5) Neste contexto, o A. durante mais de dez anos foi vendedor da Ré.
6) No dia 1/1/94, o A. e a Ré outorgaram o que denominaram como contrato de prestação de serviços conforme consta do doc. de fls 5.
7) Nesse mesmo dia, outorgaram, também, o que denominaram condições gerais dos contratos para vendedores comissionistas e condições especiais dos contratos para vendedores comissionistas conforme consta dos docs. Juntos a fls 6, 7 e 8.
8) A Ré definiu ao A. a zona territorial em que este se movimentava, para efeito de vendas e comercialização dos seus produtos, que era a zona do Grande Porto.
9) O A., como contrapartida da sua actividade de vendedor, recebia uma comissão de 2% sobre o valor líquido das vendas mensais e recebia, também, uma comissão variável entre 0,4% e 0,75% sobre o total líquido das vendas efectuadas durante o ano.
10) O A. não recebia uma remuneração fixa e nada recebeu a título de férias, subsídio de férias e de Natal durante o lapso de tempo em que foi vendedor da Ré nem nada recebeu a título de proporcionais quando, por carta de 14/6/00, junta a fls 19, pôs termo à relação estabelecida com a Ré.
11) O A. deslocava-se uma vez por semana à Ré a fim de proceder à conferência das cobranças.
12) O A. preenchia as notas de encomenda sob directrizes da Ré e em relação a clientes novos tinha que informar e tomar as devidas cautelas tudo conforme consta dos docs. Acima referidos.
13) No mesmo contexto, o A. devia observar os prazos de pagamento e as condições de venda de acordo com o estabelecido pela Ré nos aludidos documentos.
14) O A. deslocava-se em viatura própria e todas as despesas com a actividade em causa eram suportadas por si.
15) As comissões acima referidas eram pagas ao A. pela Ré, conforme consta dos docs. Junto aos autos a fls 20 a 46 e a Ré retinha - no IRS conforme consta de doc. junto a fls 47.
16) Enquanto vendedor da Ré, o A. recebeu de 1994 a 2000 as comissões mensais e anuais referidas no doc. Junto a fls 9.
17) O A. encontra-se colectado para efeitos fiscais como empresário por conta própria.
18) Era o A. quem apresentava à Ré os docs. Juntos a fls 20 a 46 correspondentes aos montantes das comissões acordadas.
19) A Ré não retinha ao A. taxa social nem o inscreveu na Segurança Social como seu assalariado.
20) A Ré não submeteu o A. a qualquer horário e este geria o seu tempo como achasse mais consentâneo com os seus propósitos.
21) A Ré teve ao seu serviço, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, DD tendo outorgado com este um contrato conforme consta dos docs. Juntos aos autos na audiência pelo A.
22) De 3 de Abril de 2000 a 11 de Abril de 2000, o A. auferiu as comissões aludidas no doc. Junto em audiência e em 10 de Maio de 2000 foi-lhe imputada uma estatística conforme consta de um doc. Junto aos autos nas mesmas circunstâncias.
Inquestionada a matéria de facto que vem apurada, cujo acatamento se impõe já que não ocorre razão para que o tribunal de revista possa intrometer-se nela ( art. 729º nºs 2 e 3 do Cód. Proc. Civil), vejamos se a mesma suporta a pretensão do recorrente, de que é de trabalho o contrato que o ligou à recorrida Ré.
Esta a questão colocada na revista, devendo adiantar-se que fulcralmente o que importa demonstrar é a existência de um contrato, pois ele é a fonte dos créditos que o A. reclama e cuja demonstração, por isso, a este cabe fazer ( art .342º nº 1 do Cód. Civil).
Qualificaram as partes como de prestação de serviços o contrato que subscreveram em 1/1/94 (doc. de fls 5), e do que nele ficou consignado e do mais que se mostra provado, seguramente pode adiantar-se a conclusão de que o A. não logrou fazer a prova do invocado contrato de trabalho.
Sabemos que nem sempre é fácil distinguir caso a caso o contrato de trabalho do de prestação de serviço ainda que no plano teórico a distinção se desenhe com nitidez.
Na verdade, cotejando os preceitos dos art.s 1152º ( reproduzido no art 1.º da LCT, regime jurídico aprovado pelo Dec - Lei nº 49.408, de 24/11/69 e 1154.º do Cód. Civil, damos conta de que, naquele, a pessoa que se obriga a prestar a sua actividade a outra fá-lo mediante retribuição e sob a autoridade e direcção dela, que assim , a orienta e ordena, podendo momento a momento concretizar os actos a desenvolver pelo trabalhador e fiscalizar a sua execução, correspondendo àquele poder de direcção o dever de obediência por parte do trabalhador.
Estamos, assim, perante trabalho prestado subordinadamente, subordinação que não se caracteriza no contrato de prestação de serviço ( art. 1154º) já que neste uma das partes obriga-se a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
“ Para que se reconheça a existência de um contrato de trabalho, é fundamental que, na situação concreta, ocorram as características da subordinação jurídica por parte do trabalhador” …, consistindo a subordinação jurídica “ numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem” ( Prof. Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, I, 9.ª edição, págs – 122-3).
Perpassando em análise o doc. de fls 5, verificamos que não se encontram nele elementos minimamente demonstrativos da subordinação jurídica – o A. foi contratado para prestar à Ré “ serviços de vendas dos produtos de seu fabrico e/ou comercialização na zona do Grande Porto, e ainda em quaisquer outras zonas do País onde a primeira outorgante tenha conveniência, com carácter de exclusividade, pelo prazo de seis meses, com início em 1 de Janeiro de 1994 …”( cláusula 1.ª), era-lhe “atribuída uma comissão de dois por cento ( 2%) sobre o valor líquido das vendas efectuadas, cuja cobrança é de sua inteira responsabilidade “( cláusula 2.ª), com deslocações “ á sede da empresa uma vez por semana, sendo o custo dessas deslocações integralmente suportado pelo segundo outorgante” ( o A.), - cláusula 3.ª).
Das “ Condições gerais para vendedores comissionistas” ( doc. fls 6-7) consta, repetindo o que figurava no contrato, que o A. apenas tinha direito à dita comissão de dois por cento, sem prejuízo do prémio devido em função do total líquido das vendas anuais indicado nas “ condições especiais” documentadas a fls 8, a significar que a sua retribuição dependia exclusivamente do volume de vendas conseguidas, do resultado da actividade que se obrigou a prestar, nada cobrando se nada vendesse.
Apurado ainda que o A, exercia a sua actividade sem sujeição a horário de trabalho, gerindo o seu tempo de harmonia com os seus propósitos (facto do n.º 20), deslocava-se em viatura própria e suportava todas as despesas relacionadas com a actividade desenvolvida ( facto do nº 14), estava colectado como empresário por conta própria ( facto n.º 17) e nunca esteve inscrito na Segurança Social como assalariado da Ré (facto n.º 19), é bem de ver que a deslocação semanal que fazia à Ré para conferência das cobranças ( facto do n.º 11) e o preenchimento das notas de encomenda segundo directrizes fornecidas pela empregadora facto do n.º 12 estão bem longe de traduzir um poder de autoridade da Ré, não beliscando a autonomia de acção do Autor.
E nem se argumente com “ contrato de trabalho a prazo” documentado a fls. 78, documento junto em audiência ( facto do n.º 21, que a Ré celebrou com DD, em 3/2/86, pois resulta dele, a das condições gerais e especiais anexas ( fls 79-80 e 81), que a parte fixa de retribuição era a constante do CCT para o sector, correspondente à categoria de vendedor, que a entidade patronal fornecia viatura ao trabalhador e suportava o pagamento do almoço, jantar e alojamento nas circunstâncias explanadas no ponto 04, a fls 795, sucedendo que as comissões e o prémio anual a que o DD tinha direito eram calculados com base em percentagens significativamente inferiores àquelas que eram atribuídas ao Autor.
Para além disso, e decisivamente, ignoramos qual o desenvolvimento dessa relação laboral, pelo que não podemos, a partir do contrato, extrair quaisquer consequências em favor da tese do Autor.
Acompanhando o muito bem elaborado parecer de fls 177-184, diremos com a Exma Procuradora -Geral Adjunta, em conclusão, “ que a relação jurídica estabelecida entre o Autor e a Ré reveste a natureza de um contrato de agência e não de um contrato de trabalho, pelo que não tendo o Autor logrado provar, como lhe competia, a existência do contrato de trabalho que invocou, a sua pretensão não pode proceder”.
Termos em que se acorda em negar a revista.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 7 de Maio de 2003
Manuel Pereira (Relator)
Azambuja da Fonseca
Vítor Mesquita