COMPROPRIEDADE
BENFEITORIAS NECESSÁRIAS
BENFEITORIAS ÚTEIS
LEVANTAMENTO DE BENFEITORIAS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ALEGAÇÕES
ARTICULADOS
INCIDENTE TRIBUTÁVEL
Sumário

Não integrando as obras realizadas por vários comproprietários no prédio objecto da compropriedade benfeitorias necessárias e excedendo elas uma gestão normal desta, antes constituindo inovações na coisa comum, o comproprietário que não tenha dado consentimento à execução de tais obras não fica, só pelo facto da realização dessas obras, obrigado a comparticipar nas respectivas despesas.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Associação de Comproprietários e Moradores do Loteamento ....... da Aroeira - (Zona Verde, Ar Puro), instaurou em 4/3/96 contra A acção com processo ordinário, dizendo que o direito de propriedade sobre três prédios rústicos que identifica foi adquirido por várias pessoas, entre as quais o réu, que adquiriu 2/261 avos de um deles;

parte desses prédios foi dividida e apropriada de facto em lotes individuais, nos quais os comproprietários tinham como objectivo a construção de moradias para habitação, sendo a parte restante, de utilização comum, destinada a arruamentos, parque infantil, zonas verdes e outros fins, tudo em conformidade com as condições indispensáveis à futura aprovação do projecto de urbanização;

foram demarcados 539 lotes de área aproximada de 250 m2 cada um, e em 1983 os comproprietários começaram a organizar-se de forma a, em conjunto, efectuarem as diligências conducentes à obtenção do alvará de loteamento;

para o efeito, em plenário realizado no dia 13/8/83, foram eleitos cinco deles para constituírem uma Comissão de proprietários, a fim de serem criadas as condições necessárias para normal habitabilidade, nomeadamente a instalação de água e electricidade;

posteriormente, em 16/6/92, no 3º Cartório Notarial de Almada, nove comproprietários constituíram a Associação ora autora, por escritura pública, a qual tomou posse dos imóveis e assumiu compromissos, mandou efectuar obras, fez despesas como se fosse proprietária dos imóveis, com conhecimento de todos e sem oposição de ninguém, nomeadamente do réu;

com a Câmara Municipal de Almada aprovou projectos de estrada, de loteamentos, de saneamento básico, criação de espaços verdes, entre outras actividades;

as comissões que foram sendo nomeadas promoveram a urbanização, o bem estar social, a qualidade de vida e a defesa do ambiente e da legalidade urbanística dos imóveis;

em assembleias gerais, os comproprietários decidiram fixar as prestações que cada um teria de entregar à comissão então em funções, para fazer face às despesas efectuadas e a efectuar, assumindo compromissos;

também em assembleia geral foram fixadas as penalizações que deveriam incidir sobre os comproprietários que não pagassem as prestações e montantes fixados, de tudo tendo o réu tido conhecimento no sentido de ter que restituir a sua quota parte nas despesas efectuadas;

ao montante da dívida acresceriam juros à taxa mensal de 3% entre 27/11/83 e 31/8/88,e de 2% desde 1/9/88;

das obras resultou um extraordinário aumento do valor venal das quotas dos comproprietários, superior a 5.000 contos, não sendo as benfeitorias efectuadas susceptíveis de ser levantadas;

o réu, que tem o dever de pagar a sua parte nas benfeitorias realizadas, deve à autora o montante de 3.611.138$00 referente às prestações fixadas e juros vencidos, contabilizados até 31/12/95, a que terão de acrescer os juros vincendos com base na taxa estabelecida de 2% ao mês;

pede assim a autora a condenação do réu a pagar-lhe a dita quantia e juros vincendos desde 1/1/96, até integral pagamento.

Em contestação, o réu, além de impugnar, sustentou a improcedência da acção por, embora sendo comproprietário, não ser membro ou associado da autora e não ter dado o seu consentimento à realização dos invocados loteamento e despesas, que não integram benfeitorias necessárias e excedem notoriamente uma gestão normal de compropriedade, constituindo uma inovação na coisa comum, pelo que não está legalmente obrigado a comparticipar naquelas despesas.

Em réplica, a autora sustentou que o que invocara fora a realização de benfeitorias úteis e não de benfeitorias necessárias, as obras feitas e o seu custo, o seu valor actual e a valorização da propriedade, e ainda a impossibilidade de levantamento das benfeitorias, pelo que o réu terá que lhe pagar a sua quota parte de harmonia com as regras do enriquecimento sem causa nos termos do art.º 1273º, n.º 2, do Cód. Civil.

Foi depois proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias nem nulidades secundárias, considerando porém ter sido deduzida pelo réu uma excepção peremptória consistente em que o loteamento e despesas alegados na petição inicial excedem uma gestão normal da compropriedade, pelo que, tratando-se de uma inovação de coisa comum, seria necessário o consentimento de todos os comproprietários, o que não aconteceu, não havendo, também por não se tratar de benfeitorias necessárias e por o réu não ser membro da autora e não ter consentido nos loteamentos e despesas, obrigação sua de comparticipar nas mesmas despesas; mas julgou essa excepção improcedente.

Seguiu-se a elaboração de especificação e questionário, de que ninguém reclamou.

O réu interpôs então recurso do despacho saneador, recurso esse que foi admitido a fls. 138 como agravo com subida diferida.

Designada por mais de uma vez audiência de discussão e julgamento, o réu, notificado da marcação da mesma para o dia 25/1/00, veio comunicar que se encontrava impedido noutra audiência nessa data e sugerir datas alternativas, requerendo em consequência alteração da data da audiência. Tal requerimento foi indeferido por despacho de fls. 172, de que o réu também recorreu, sendo esse recurso recusado por despacho de fls. 174, mas, com base em reclamação para o Ex.mo Presidente da Relação, admitido como agravo por despacho de fls. 260.

Entretanto teve lugar audiência de discussão e julgamento, naquela data designada de 25/1/00, sem a presença do mandatário do réu, tendo sido dadas respostas aos quesitos, após o que foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou o réu a pagar à autora a quantia de 1.076.000$00, acrescida da de 2.720.120$00 já vencida a título de indemnização pela mora e, também a título de indemnização, da que se vencer até pagamento daquela, desde 1/2/00, à taxa mensal de 2%, condenando ainda o réu na multa de 100.000$00 como litigante de má fé.

O réu veio arguir nulidade da realização da audiência no dia 25/1/00, e apelar da sentença. A arguição de nulidade foi indeferida por despacho de fls. 189, de que o réu de novo recorreu. Ambos esses recursos foram admitidos (fls. 189 e 260).

Na Relação foi proferido acórdão que negou provimento a todos os recursos, salvo, quanto à apelação da sentença, no tocante à indemnização pela mora, que se reduziu aos juros legais a contar da citação até integral pagamento.

Recorreram de revista desse acórdão quer o réu, quer a autora, mas o recurso interposto por esta foi julgado deserto por falta de alegações.

Houve alegações do réu, que nelas deu por reproduzidas as conclusões apresentadas nos recursos de agravo e de apelação, não tendo havido contra alegações.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

Em face do disposto no art.º 710º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, o recurso do saneador devia ser, como foi, julgado primeiro, embora seja de notar que foi incorrectamente qualificado como agravo, pois se tratava de recurso de apelação: com efeito, o art.º 691º do mesmo diploma, aplicável apesar de os autos terem dado entrada em Juízo ainda em 1996, face ao disposto nos art.ºs 16º e 25º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, uma vez que o despacho saneador data de 23/7/97, dispõe que o recurso de apelação compete da sentença final e do despacho saneador que decidam do mérito da causa (n.º 1), sendo que a sentença e o despacho saneador que julguem da procedência ou improcedência de alguma excepção peremptória decidem do mérito da causa (n.º 2). Assim, como o despacho saneador julgou precisamente da improcedência de uma excepção peremptória, decidiu do mérito da causa, pelo que o recurso respectivo era na verdade de apelação.

De todo o modo, e como tal classificação não afecta esta revista, entende-se que, por uma razão de ordem lógica, se deverá conhecer em primeiro lugar das questões suscitadas nas conclusões das alegações do recurso do saneador, dadas por reproduzidas para os fins do presente recurso.

São tais conclusões as seguintes:

1ª - A autora não alegou causa de pedir, nem pedido, consubstanciadores de um enriquecimento sem causa por parte do réu, já na petição inicial, já na réplica (onde não houve qualquer modificação da causa de pedir e do pedido);

2ª - O que a autora alegou, designadamente nos art.ºs 15º e 17º da petição inicial, foi que os comproprietários, em assembleias gerais, decidiram fixar as prestações que cada um, em quota parte, teria que entregar à comissão então em funções, para fazer face às despesas efectuadas e a efectuar, assumindo compromissos, como é reconhecido na própria sentença final;

3ª - Quer dizer, segundo a autora, a fonte das obrigações do réu são as deliberações tomadas em tais assembleias gerais;

4ª - Simplesmente, o réu não integra a associação ora autora, nem interveio em tais assembleias gerais, nem nunca aprovou tais deliberações, não estando, por isso, vinculado a elas;

5ª - Acresce que não impende contra o réu nenhuma comparticipação obrigatória, imposta por lei, nas alegadas despesas;

6ª - Com efeito, não é aplicável o art.º 1411º do Cód. Civil, visto que não se trata de benfeitorias necessárias, já que não se está perante despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum;

7ª - Isto porque o loteamento e despesas alegados na petição inicial excedem, notoriamente, uma gestão normal de compropriedade, transcendendo manifestamente os actos de pura administração do prédio, constituindo flagrantemente uma inovação na coisa comum;

8ª - Assim, para tais alegados loteamento e despesas, é legalmente exigido o consentimento, unânime, de todos os comproprietários, como ensinam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela no seu Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., pg. 363, em anotação ao art.º 1407º, e ainda o Prof. Henrique Mesquita, em Direitos Reais, Lições, págs. 262 e segs.;

9ª - Por conseguinte, é legalmente irrelevante, perante o réu, qualquer maioria alcançada em qualquer assembleia de comproprietários;

10ª - Na verdade, como também assinalam aqueles primeiros Profs., no lugar citado, a pg. 384, em anotação ao art.º 1411º, não há comparticipação obrigatória, imposta por lei, quanto às benfeitorias úteis ou voluptuárias, e, bem assim, quanto às inovações a introduzir na coisa comum, valendo para a sua realização as regras normais aplicáveis à gestão da coisa;

11ª - Portanto, por o pedido e a causa de pedir não terem consistência ou viabilidade legais, a acção devia ter sido julgada improcedente logo no despacho saneador, por se tratar, fundamentalmente, de uma questão de direito;

12ª - Com efeito, nem os requisitos do enriquecimento sem causa foram alegados, os quais têm de ser sempre concretos, específicos, individualizados, nem foram alegados uma causa de pedir e um pedido consentâneos com um enriquecimento sem causa;

13ª - Num Estado de Direito, proclamado solenemente no art.º 2º da nossa Constituição da República, a presente acção, por falta de bases legais, tem de ser julgada improcedente;

14ª - Mas, como é óbvio, o réu reconhece que tem que pagar à autora o que for apurado em justas, transparentes e legais contas, já extrajudicialmente, (expurgados que sejam os usurários juros anuais de 36% e de 24% e apuradas as "Despesas de representação" e os "Diversos"), já em novo, e adequado, processo que a autora proponha;

15ª - Foram violados, por erro de interpretação ou de não aplicação, nomeadamente, os art.ºs 473º e segs., 1407º e 1411º, do Cód. Civil, o art.º 510º, n.ºs 1, als. b) e c), 3 e 4, do Cód. Proc. Civil (anterior, pois é o aplicável), e o art.º 2º da Constituição da República.

Termina pedindo a revogação do despacho recorrido e a improcedência da acção.

O acórdão recorrido julgou improcedente esse recurso, começando por referir que "o réu insurge-se por o caso não ter sido julgado logo no saneador", e estranhando que o mesmo réu pretendesse que o tivesse sido a seu favor, pela improcedência da acção. Não se entende essa estranheza: é óbvio que o réu pretendia que a lide fosse decidida a seu favor, da mesma forma que a autora a pretende vencer. Está cada qual no seu direito, ambos podendo defender a razão que entendam ter com os argumentos factuais e jurídicos que considerem adequados, e só se o réu fosse masoquista estaria a litigar com desejo de ser condenado.

Continuou dizendo que "o caso era merecedor de indagação factual", sem esclarecer porquê, e invoca o que adiante iria ser dito a propósito da apelação, referindo que a respectiva argumentação valia também para o agravo (embora o agravo ora em causa seja também, como se disse, apelação), para concluir por lhe negar provimento.

Somos, em consequência, remetidos para a argumentação respeitante à apelação interposta da sentença proferida na 1ª instância.

Nessa parte, refere o acórdão que, embora o réu não tivesse aderido à associação autora, é comproprietário também, "está no mesmo barco", sendo que a associação trabalhou, deu bons frutos, e desse trabalho beneficiou o réu enormemente. Invoca depois a "equidade mais elementar", e os princípios do enriquecimento sem causa, que lhe impunham que suportasse, como os demais, a proporção dos custos gerais. E baseia-se no disposto no art.º 1273º, n.º 2, do Cód. Civil, que considera bem invocado na sentença ao remeter para os mecanismos do enriquecimento sem causa.

Acrescenta que também tinha cabimento a invocação do art.º 1407º do Cód. Civil, e que, ainda que fosse posto em causa qualquer desses institutos, sempre seria aplicável ao caso o art.º 473º.

Portanto, tem de se concluir que o recurso do saneador não obteve provimento por o acórdão recorrido ter entendido que os factos articulados eram susceptíveis de configurar alguma das hipóteses previstas naqueles dispositivos. E, para decidir se assiste ou não razão ao recorrente, o circunstancialismo de facto assente a ter em conta consiste apenas no próprio teor dos articulados, acima descrito.

Do que se disse já resulta que nos encontramos no domínio da compropriedade, regulada nos art.ºs 1403º a 1413º do Cód. Civil, dos quais interessa ter em conta o disposto nos art.ºs 1407º e 1411º. Este último, porém, refere-se apenas às benfeitorias necessárias, ou seja, às despesas destinadas a prevenir a perda, destruição ou deterioração da coisa (art.º 216º, n.º 3, do Cód. Civil); ora, basta ler a petição inicial, acima resumidamente transcrita, para se constatar que não está em causa qualquer despesa desse tipo, pelo que não se verifica a obrigatoriedade de comparticipação, nelas, pelos comproprietários, consagrada em tal artigo.

Não se tratando, pois, de benfeitorias necessárias, as obras em causa, de inovação em coisa comum, só podem ser consideradas como benfeitorias úteis, visto que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam o valor (art.º 216º, n.º 3, citado).

Mas quanto a estas, bem como quanto às voluptuárias, assim como quanto a inovações que não constituam benfeitorias, não há comparticipação obrigatória imposta por lei, valendo para a sua realização as regras normais aplicáveis à gestão da coisa, como notam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., pg. 384), ou seja, as dos art.ºs 1407º, 1408º e 985º, que, numa correcta interpretação, exigem o consentimento unânime de todos os comproprietários para os actos que excedem o âmbito da gestão normal da coisa comum, o âmbito da respectiva administração; os poderes da maioria confinam-se aos actos que caibam no conceito de gestão normal, como se ensina na obra citada, pg. 363.

Por um lado, como aí se diz, porque o âmbito da administração, na hipótese de compropriedade, é bastante mais restrito do que na esfera da actividade social, onde há um espírito lucrativo que alarga consideravelmente o domínio dos actos requeridos pela gestão normal do fundo patrimonial da empresa, - espírito de lucro esse, ou mesmo de simples união com vista à obtenção de benefícios, que ninguém afirma existir ou ter existido da parte dos comproprietários antes da aquisição das respectivas quotas, na situação dos autos -, e, por outro, porque mal se compreenderia que, exigindo o art.º 1024º, n.º 2, do Cód. Civil, o consentimento unânime de todos os comproprietários para a realização de um acto de gestão normal, como é o arrendamento, se pudessem realizar os actos de inovação que transcendem a esfera da gestão ordinária por mera deliberação da maioria legal.

E não há dúvida, por outro lado, de que os comproprietários interessados em determinado acto que exceda a gestão normal, se não conseguirem o acordo de todos os demais e considerarem aquele acto essencial para os seus objectivos, podem sempre pôr termo à compropriedade mediante divisão da coisa comum nos termos do art.º 1412º do Cód. Civil, pelo que não se encontram indefinidamente sujeitos à vontade dos discordantes.

Ora, como os actos de inovação realizados pela associação autora nos prédios comuns, determinantes de despesas havidas como benfeitorias úteis e cujo pagamento da quota parte que a seu ver cabe ao réu ela agora reclama, não cabem, manifestamente, no âmbito da administração normal dos mesmos prédios, a realização daqueles actos dependia legalmente do consentimento de todos os comproprietários, e portanto também do réu.

O consentimento, porém, é um facto positivo, seja qual for a forma por que se manifeste, não coincidindo com a simples eventual falta de oposição susceptível de várias explicações, tanto assim que não há consagração legal genérica para o brocardo popular "quem cala consente"; e nem sequer foi invocado pela autora, a quem cabia o respectivo ónus, ter o réu dado o seu consentimento para a realização do concreto loteamento empreendido e para a realização das aludidas obras inovadoras, pelo que tem de se concluir pela inexistência desse consentimento do réu. Assim, não pode ele ser considerado responsável pelas respectivas despesas, ainda que em comparticipação.

Não pode, pois, o art.º 1407º do Cód. Civil, - nem o podia à data da elaboração do saneador, por falta de factos bastantes -, invocado no acórdão recorrido, basear a procedência da acção, que também não pode ser baseada na vontade colectiva da autora, por o réu, não se tendo integrado nela, não lhe estar sujeito, nem a autora deter poderes de autoridade pública.

Quanto ao art.º 1273º, n.º 2, também nele invocado, dispõe que, quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Este número visa obviamente completar o n.º 1, que dispõe que tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

Portanto, tratando-se, como é o caso, de benfeitorias úteis; admitindo-se que apesar de se tratar de uma situação de compropriedade o regime desta já exposto não afaste a aplicação do citado art.º 1273º; e admitindo-se ainda que a autora era possuidora dos prédios comuns, só teria ela direito ao valor das benfeitorias se as não pudesse levantar por com esse levantamento causar detrimento da coisa. E tal não se verifica, ou seja, o levantamento das benfeitorias não provocaria o detrimento dos prédios, pois a coisa que não pode ser deteriorada em consequência do mesmo levantamento é a coisa tal como existia antes da realização das benfeitorias, e não a coisa tal como ficou a existir em consequência da execução delas.

Ora, nada foi sequer alegado no sentido de mostrar que os prédios em causa, como prédios rústicos que eram antes das obras inovadoras, ficassem deteriorados com o levantamento das benfeitorias, facto esse cujo ónus de alegação e prova recaía sobre a autora por tal detrimento ser constitutivo do direito ao pagamento que se arroga (art.º 342º, n.º 1, do Cód. Civil).

Assim, o que a autora poderia fazer era levantar as benfeitorias, sem ter direito a indemnização pelo valor delas, precisamente por esse levantamento não provocar o detrimento dos prédios.

Daí que também o mencionado art.º 1273º, n.º 2, não possa servir de base à procedência da acção.

Resta o art.º 473º, igualmente invocado no acórdão recorrido, no qual, no n.º 1, se dispõe que "aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou". Trata-se aqui do instituto do enriquecimento sem causa, cujos requisitos são, cumulativamente, o enriquecimento de uma pessoa, o empobrecimento de outra, o nexo causal entre esses enriquecimento e empobrecimento, e a falta de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada, falta esta que se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios gerais, legitime o enriquecimento.

Como, por outro lado, todos esses requisitos são elementos constitutivos do direito que a autora se arroga sobre o réu, - agora apreciada a questão à luz do enriquecimento sem causa -, é obviamente sobre a autora que recai o respectivo ónus de alegação e prova (art.º 342º, n.º 1, citado), de forma que, não satisfazendo ela tal ónus, terá de ver a dúvida daí resultante ser resolvida contra si, ou seja, no sentido da inexistência dos mesmos requisitos (art.º 516º do Cód. Proc. Civil), o que implicará, nessa hipótese, a inexistência daquele hipotético direito e portanto a improcedência da acção.

E é precisamente isto o que se passa.

Com efeito, não se mostram oportunamente articulados pela autora factos de que resulte a verificação cumulativa desses requisitos. Sem dúvida que se pode entender que dos mesmos factos, se provados, poderia resultar que a valorização da quota do réu constitui um enriquecimento, e que esse enriquecimento deriva da actividade da autora. Mas, mesmo existindo enriquecimento do réu, este terá de ter sido obtido directamente à custa do empobrecimento, e portanto do património do empobrecido, e não através do património de terceiro. Ora, na hipótese dos autos, aquele enriquecimento não teria sido obtido à custa do património da autora, e portanto do empobrecimento desta, que nem sequer se afirma em parte alguma ter algum património mas apenas a incumbência de gestão de quantias em dinheiro entregues por outrem; teria sido obtido, isso sim, à custa do património de terceiros, os comproprietários membros dela autora que suportaram as despesas do loteamento e das obras de inovação.

Acresce, aliás, que nem sequer se sabe se houve verdadeiro empobrecimento dos aludidos comproprietários, na medida em que em parte alguma diz a autora que, devido à falta de pagamento pelo réu, estes tenham pago mais do que as contribuições a que se tinham obrigado.

Além disso, e de todo o modo, sempre faltaria a alegação e prova da falta de justificação daquele enriquecimento, falta essa que teria de ter sido oportunamente alegada para se poder admitir ser causa de pedir o enriquecimento sem causa e para ser possibilitado ao réu o adequado exercício do seu direito do contraditório, ficando em consequência sem se saber se teria ele ou não alguma causa justificativa.

Por isso, e como na réplica o máximo que se faz é tentar enquadrar os factos anteriormente articulados no instituto das benfeitorias realizadas por possuidor ou então no do enriquecimento sem causa, mas sem se incluir qualquer outro facto susceptível de integrar alteração da causa de pedir nem se fazer alteração do pedido(art.º 273º do Cód. Proc. Civil anterior à revisão), que, como a própria sentença da 1ª instância muito bem reconhece, não se referiam ao enriquecimento do réu nem ao valor deste, ao dizer expressamente a fls. 183 que "... a autora não pede a condenação do réu a pagar o valor do seu enriquecimento, mas apenas o valor das contribuições efectuadas ...", não existe fundamento legal comprovado nos presentes autos de que resulte o direito que a autora se arroga.

Não se compreende, assim, por que motivo jurídico se diz no acórdão recorrido que "sempre seria aplicável ao caso o art.º 473º", sem indicar os factos articulados de que, a seu ver, resultaria, se provados, a verificação dos respectivos requisitos, pois, não tendo o Juiz poderes para decidir como entenda, visto se encontrar sujeito à lei que deve aplicar ao caso concreto e à obrigação de indicar os fundamentos jurídicos da decisão, não pode limitar-se a uma tal afirmação conclusiva, tendo de satisfazer o direito das partes de saberem qual o motivo pelo qual teve a decisão proferida um determinado sentido, sem o que não se produzirá qualquer aproximação entre o decidido e a Justiça real ou o sentimento de Justiça. Só dessa forma as partes obterão uma decisão jurídica, que é obviamente o que pretendem quando recorrem ao Tribunal.

De tudo resulta, em consequência, a improcedência da acção.

E tal deveria ter sido, por todo o exposto, decretado logo no saneador, dada a inexistência de factos articulados suficientes para a procedência da acção (únicos atendíveis face ao disposto no art.º 664º do Cód. Proc. Civil), o que, só por si, implica a revogação do acórdão recorrido, inclusive quanto à condenação do réu como litigante de má fé, - má fé esta que, aliás, nem sequer se detecta por não se mostrarem verificados os pressupostos respectivos, previstos no art.º 456º do C.P.C. -, originando ainda que fique prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas pelo recorrente, delas não se devendo, por isso, conhecer, nos termos do art.º 660º, n.º 2, do mesmo diploma.

Acresce ainda que, tendo sido apresentadas as alegações da revista, o digno mandatário do réu não procedeu á notificação das mesmas ao digno mandatário da autora, pelo que foi feita informação desse facto pela Secção respectiva, o que originou a formulação de despacho a determinar que a própria Secção procedesse à notificação e a condenar o faltoso nas custas do incidente.

Desse despacho, na parte respeitante às custas, interpôs agravo o digno mandatário do réu, recurso esse que, após reclamação dirigida ao Ex.mo Presidente deste Supremo Tribunal, foi admitido.

Nele apresentou o respectivo recorrente as devidas alegações, que terminou com conclusões que se podem sintetizar no sentido de nelas serem suscitadas as seguintes questões:

1ª - Inconstitucionalidade dos art.ºs 229º-A e 260º-A do Cód. Proc. Civil, por violação dos art.ºs 2º, 18º, n.º 2, e 47º, n.º 1, da C.R.P., na medida em que, sendo os advogados profissionais liberais, não podem ser obrigados a tarefas que competem à função pública;

2ª - As alegações de recurso não estão incluídas naqueles dispositivos processuais por não constituírem articulados, nem requerimentos, e muito menos requerimentos autónomos;

3ª - Os citados preceitos adjectivos não são cominatórios;

4ª - A não notificação em causa não constitui incidente, nem é tributável, cabendo aos Tribunais no exercício das suas funções, proceder à notificação das contrapartes.

Termina pedindo a revogação da parte recorrida do despacho em causa.

Não houve contra alegações, e cabe agora decidir desse agravo, tendo em conta que o circunstancialismo de facto assente, com interesse, se restringe à apontada falta de notificação pelo recorrente e ao teor do despacho impugnado, acima sumariamente descrito.

Dispõem aqueles art.ºs 229º-A e 260º-A, respectivamente, que (n.º 1) "nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do art.º 260º-A"; e (n.º 1) "as notificações entre os mandatários judiciais das partes, nos termos do n.º 1 do art.º 229º-A, são realizadas por todos os meios legalmente admissíveis para a prática dos actos processuais, aplicando-se o disposto nos art.ºs 150º e 152º", acrescentando o n.º 2 que "o mandatário judicial notificante juntará aos autos documento comprovativo da data da notificação à contraparte".

Quanto à questão da inconstitucionalidade desses dispositivos, entende-se não poder ser reconhecida razão ao agravante, uma vez que pelos mesmos apenas se consagra uma forma de colaboração a que os mandatários judiciais, enquanto tais, se encontram obrigados, a fim de possibilitarem uma maior celeridade processual.

Já quanto à questão seguinte, entende-se assistir razão ao agravante: é que as alegações de recurso não constituem, efectivamente, articulados, mesmo que sejam redigidas nessa forma, nem requerimentos autónomos, e só a esses o art.º 229-A se refere, pelo que não recai sobre o mandatário judicial do apresentante das alegações de recurso obrigação de notificar ao mandatário judicial da contraparte a apresentação destas. Daí que o processado subsequente à junção das alegações não constitua um incidente tributável, pois, se o mandatário do apresentante entender por bem proceder à notificação ele próprio, o Tribunal obviamente aproveitará tal notificação até por razões de celeridade e economia processual, mas, se o mandatário do apresentante não a fizer, caberá ao tribunal providenciar por ela como formalidade integrada no desenvolvimento normal da lide.

Tanto basta para se concluir não haver lugar à tributação do digno mandatário do réu nas custas em que foi condenado no despacho recorrido, o que prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas nas conclusões das alegações do presente agravo.

Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido, inclusive a condenação do réu como litigante de má fé, julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se o réu do pedido, e em conceder provimento ao agravo interposto pelo digno mandatário do réu, revogando-se a parte do respectivo despacho recorrido que o condenou nas custas do incidente.

Custas, da revista, pela autora, não as havendo quanto ao dito agravo, uma vez que o recorrente obteve vencimento e a autora não é, em relação a esse recurso, parte vencida, em nada tendo contribuído para o respectivo processado nem dele tendo tirado qualquer proveito.

Lisboa, 13 de Maio de 2003

Silva Salazar

Ponce de Leão

Afonso Correia