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TÍTULO EXECUTIVO
EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO
JUROS
Sumário
I - O título executivo é a base de qualquer execução, por ele se determinam o fim e os limites da execução (45º), a legitimidade activa e passiva (55º) e se sabe se a obrigação é certa, líquida e exigível - (802º). II - O título executivo fundante da execução é a escritura de confissão de dívida e hipoteca donde consta que a confessada e garantida dívida não vencerá quaisquer juros e será paga em dezoito prestações do seguinte modo ... III - Se a seguir a esta forma de pagamento se clausulou que o não pagamento de uma das prestações implica o imediato vencimento de todas as restantes e a exigibilidade do pagamento da quantia total que então se mostrar em dívida, nada se dizendo sobre juros, IV - não é de admitir a execução por quantia de juros vencidos e vincendos, a título de indemnização por mora, não fundada em título exequível, quer no início quer no decurso da instância executiva. V - O assim concluído resulta do conceito legal e doutrinário de título executivo (art. 45º do CPC), do princípio legal (art. 268º CPC) da estabilidade da instância, da autonomia do crédito de juros (art. 561º CC) e da falta de causa de pedir na parte excedente ao contido no título.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Por apenso aos autos de execução ordinária para pagamento da quantia certa que A, com sede na Rua ......., freguesia de Moreira, concelho da Maia, lhe moveu e a outros, deduziu o executado B embargos de executado, pretendendo que a execução seja contra si julgada extinta.
Alegou para tanto - e em síntese - que já pagou 800.000$00, que acordou com a Embargada que o montante restante da dívida seria liquidado em prestações de 100.000$00 mensais e que o título executivo exclui expressamente o pagamento de quaisquer juros, remuneratórios ou moratórios, não sendo a quantia exequenda certa nem exigível.
A Embargada contestou, admitindo o recebimento dos falados 800.000$00 - que imputou aos juros moratórios e que não recebeu na execução - e contrapondo que apenas renunciou aos juros remuneratórios, não aos moratórios.
Concluiu pela improcedência dos embargos.
Elaborado despacho saneador e condensado o processo, sem reclamações, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com decisão da matéria de facto perguntada no questionário, após o que foi proferida sentença a julgar procedentes os embargos "apenas na medida do provado havendo que deduzir à quantia exequenda os 800.000$00 que foram pagos por conta dos 12.000.000$00 inicialmente em dívida".
No mais, julgou-se serem devidos juros de mora, como pedido.
Apelou o Embargante e, subordinadamente, a Embargada, mas o recurso subordinado foi julgado deserto por falta de alegações.
A Relação do Porto deu parcial razão ao Embargante, pois julgou inexigíveis, por não incluídos no título executivo, os juros de mora pedidos na execução.
Isto, depois de entender que "toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva" - artº. 45º, n.º 1 do C.P.C. -, limites esses que são os subjectivos (partes) e os objectivos (no caso presente, o montante da quantia).
"O pedido formulado na acção executiva deve harmonizar-se com o título: Pode pedir-se menos mas, quando se peça mais ou diverso daquilo que o título indica, infringe-se o artº. 45º" - Cons. Lopes Cardoso, Manual da acção executiva", pág.32, 3ª. edição (da Imprensa Nacional - Casa da Moeda).
Ora, a escritura de confissão de dívida dada à execução não "indica" juros de mora, pelo que tem que se concluir que o pedido formulado na acção executiva não se harmoniza, nessa parte, com o título (o que se diz sem embargo de a lei substantiva os reconhecer à Embargada, mas tendo esta de, para o efeito, lançar mão da acção declarativa).
O verificado "excesso de execução" poderia ter conduzido ao indeferimento liminar parcial do requerimento inicial executivo. Ultrapassada esse fase, terá como consequência a procedência, nessa parte, dos embargos.
Inconformada, pede a Exequente/Embargada revista para que se mande contar os juros de mora como dito no requerimento executivo ou, ao menos, desde a citação dos Executados.
Como se vê da alegação que coroou com as seguintes Conclusões
1º - O título executivo é uma escritura pública de confissão de dívida e hipoteca celebrada no 1° Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, em 03/04 (1) 1991, pela qual o Executado/Embargante, aqui Recorrido, se obrigou a pagar a dívida de doze mil contos em dezoito prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no dia 30 de Abril de 1991 (2).
2° - Desse título consta que o Executado/Embargante, aqui Recorrido, "se constitui devedor" à Exequente/Embargada, aqui Recorrente, da quantia de doze milhões de escudos, a qual não vencerá quaisquer juros e será paga em dezoito prestações mensais."
3° - O Venerando Tribunal entendeu que a Exequente/Embargada, aqui Recorrente, não renunciou aos juros de mora aquando da celebração da escritura pública de confissão de dívida e hipoteca, nem posteriormente obviamente.
4° - Assim, no entender do Venerável Tribunal recorrido, os juros de mora são devidos, não cabendo contudo, no entender do Venerando Tribunal, no título dado à execução.
5° - Com a devida vénia, assim não entende a Exequente/Embargada, aqui Recorrente, pois os juros moratórios são devidos automaticamente, ex lege, decorrem directamente da lei (nesse sentido, ac. RP de 13/03/2001, Proc . n.º 0021365 in www.dgsi.pt).
6° Tal como no caso da exequibilidade das letras, livranças e cheques.
7° Assim, o mui douto acórdão recorrido assenta numa interpretação literal do n.º 1 do art. 45° do Código de Processo Civil com a qual a Exequente/Embargada, aqui Recorrente, não se conforma - a qual não é seguida quanto às letras, livranças e cheques.
8° Deve ser revogado o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, mantendo-se a decisão do Tribunal de 1ª Instância, mandando-se contar os juros moratórios nos termos constantes do requerimento inicial,
Ou, se assim se não entender,
9° - Que os mesmos juros moratórios sejam contados desde a citação dos Executados.
10° - Salvo o devido respeito e com a devida vénia, o mui douto acórdão do Venerável Tribunal da Relação do Porto, violou e/ou interpretou erradamente os arts. 781°, 804° e 805°, todos do Código Civil e os arts. 45° e 46°, ambos do Código Processo Civil.
Respondeu o Embargante em defesa do decidido.
Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir a questão submetida á nossa apreciação, a de saber se, apesar de não constarem do título executivo, são devidos juros de mora desde o vencimento da 1ª prestação não paga ou, ao menos, desde a citação dos executados.
Começaremos por ver que o Tribunal recorrido teve por assentes os seguintes factos:
1. Em 28/7/94 a embargada recebeu do embargante a quantia de 5.400.000$00 a título de pagamento parcial da dívida deste àquela, dívida inicialmente de 12.000.000$00, reconhecida em 3/4/91 por escritura pública de confissão de dívida, tudo nos precisos termos constantes do título executivo - al. A) dos Factos Assentes.
2. Além da quantia referida em 1. o embargante pagou à embargada a quantia de 800.000$00 por cheques sacados e emitidos pela actual proprietária do imóvel hipotecado (........, Ldª - al. B).
3. O pagamento agora referido em B) foi feito por conta do capital inicialmente em dívida (12.000.000$00) - resposta ao quesito 1º da Base Instrutória.
O título executivo a que se refere a al. A) é a escritura de "Confissão de Dívida e Hipoteca" de que consta, a seguir à confissão de dívida da quantia de doze milhões de escudos, a expressão a qual (dívida) não vencerá quaisquer juros e será paga em dezoito prestações do seguinte modo ...
Logo a seguir a esta forma de pagamento clausulou-se que o não pagamento de uma das prestações implica o imediato vencimento de todas as restantes e a exigibilidade do pagamento da quantia total que então se mostrar em dívida.
Aplicando a estes factos o Direito
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da execução - art. 45º, n.º 1, do CPC.
De entre os vários títulos executivos destacam-se os documentos exarados por notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação - art. 46º, n.º 1, b), CPC. É o caso.
Manuel de Andrade define título executivo como o documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo.
O título executivo é o documento (título hoc sensu) donde consta (não donde nasce) a obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva (por intermédio do Tribunal), pelo que deverá haver harmonia ou conformidade entre o pedido e o direito do credor constante do título.
Desde que a execução não é conforme com o título, na parte em que existe divergência tudo se passa como se não houvesse título: nessa parte a execução não encontra apoio no título.
Tem sido com base naquele preceito de lei e no conceito de título executivo assim criado que se tem decidido, quase unanimemente, que não é de admitir a execução por quantia de juros vencidos e vincendos, a título de indemnização por mora, não fundada em título exequível, quer no início quer no decurso da instância executiva (3).
Recorreu-se, a fundamentar tal decisão, ao conceito legal e doutrinário de título executivo (art. 45º do CPC), ao princípio legal (art. 268º CPC) da estabilidade da instância, à autonomia do crédito de juros (art. 561º CC) e à falta de causa de pedir na parte excedente ao contido no título.
Com a mesma doutrina, mas acrescentando que havendo excesso de execução, ou seja, se o exequente, no requerimento inicial, formula, para além de um pedido para o qual tem título executivo, um outro pedido para o qual não tem título executivo, o juiz deve indeferir liminarmente a petição só na parte em que não há título, prosseguindo a execução na outra parte, o mesmo STJ, em Ac. de 4.11.97, no BMJ 471-293, com base no princípio da economia processual, no art. 45º, nº 1 e no actual art. 811º-A, nº 2, CPC.
Por último, no mesmo sentido e com idênticos fundamentos, o Acórdão de 20.2.2001 (Cons.º Azevedo Ramos), na Col. Jur. (STJ) 2001-I-131.
Em sentido contrário e especialmente para as execuções fundadas em sentença condenatória, defendendo a conveniência de clarificadora intervenção legislativa, o Ex.mo Desembargador Abrantes Geraldes, em estudo na mesma Col. Jur. (STJ) 2001-I-55.
O título é a base de qualquer execução, por ele se determinam o fim e os limites da execução (45º), a legitimidade activa e passiva (55º) e se sabe se a obrigação é certa, líquida e exigível - (802º).
O título executivo aqui fundante da execução é a escritura de confissão de dívida e hipoteca donde consta que a confessada e garantida dívida não vencerá quaisquer juros e será paga em dezoito prestações do seguinte modo ...
Logo a seguir a esta forma de pagamento clausulou-se que o não pagamento de uma das prestações implica o imediato vencimento de todas as restantes e a exigibilidade do pagamento da quantia total que então se mostrar em dívida.
Para além de se não ver razões que nos permitam divergir da Jurisprudência largamente maioritária, não constituindo tal o regime das Leis Uniformes sobre Letras e Livranças e Cheques onde os juros são consequência legal da mora, eles constam, por força de lei substantiva, do próprio título juntamente com o capital nele incorporado, no caso em apreciação é a escritura dada à execução, interpretada de acordo com os cânones consagrados nos art. 236º e 238º do CC (4), que afasta a contagem de juros quando expressamente diz que
- a dívida, pagável em dezoito prestações, não vencerá quaisquer juros
- e quando se clausulou que o não pagamento de uma das prestações implica o imediato vencimento de todas as restantes e a exigibilidade do pagamento da quantia total que então se mostrar em dívida.
Nem se diga que o art. 809º do CC proíbe renúncia antecipada a juros de mora.
Não se trata de renúncia; tais juros não foram, simplesmente, acordados e, não constando do título, não podem ser pedidos em execução nele fundada, nem desde a mora nem desde a citação para a execução.
Pelo que o recurso não merece provimento
Decisão
Termos em que se decide
a) - negar a revista e
b) - condenar a Recorrente nas custas, por vencida - art. 446º, n.os 1 e 2, do CPC.
Lisboa, 13 de Maio de 2003
Afonso Correia
Nuno Cameira
Ribeiro de Almeida
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(1) Há erro de escrita quando se diz datar a escritura de 03.09.91, como de fs. 183 se vê.
(2) Novo erro de escrita. A 1ª prestação vencia-se em 30 de Abril de 1991 - (fs. 184).
(3) A decisão mais antiga geralmente referida é o Ac. do STJ (Santos Silveira) de 19.1.84, no BMJ 333-386; No ensinamento de Rodrigues Bastos, Notas, I, 100, «é uniforme a jurisprudência dos nossos tribunais superiores no sentido de que, na execução de sentença que não condenou em juros, estes não podem ser pedidos, ainda que, à face da lei substantiva, eles fossem devidos»
(4) Sobre a competência do STJ para apreciação desta matéria, A. Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª ed., 233 e loc. cit.